EMENTA: CONSULTA – RESOLUÇÃO CNJ 75/2009 – FASE ORAL. INTERPRETAÇÃO. CONHECIMENTO PARCIAL.

1.      Procedimento de Consulta só é cabível para análise em abstrato de interpretação de norma com interesse geral.

2.      Não se conhece de Consulta formulada para solucionar dúvidas particulares.

3.      Admite-se, excepcionalmente, a Consulta, quando o objeto contém dúvida sobre norma cuja solução é de interesse da magistratura em geral.

4.      É vedada a arguição de candidato a respeito de tema não contemplado no ponto sorteado, salvo se com ele tiver relação.

5.      A não correspondência da questão aos pontos formulados deve ser analisada casuisticamente pela Banca do concurso, sendo cabível controle de legalidade pelo órgão competente.

6.      É possível a arguição sobre literatura estrangeira aplicável no direito brasileiro, quando há previsão no edital.

7.      Não é necessário o detalhamento da correção na fase oral.

8.      É possível o controle de eventual ilegalidade na atribuição das notas pela banca examinadora apenas nos casos de manifesta distinção entre os candidatos, objetivamente demonstrável.

 

 

 ACÓRDÃO

Após o voto do Conselheiro vistor, o Conselho, por maioria, conheceu parcialmente da consulta, e, na parte conhecida, esclareceu que: i) É vedada a arguição de candidato a respeito de tema não contemplado no ponto sorteado, salvo se com ele tiver relação, nos termos da fundamentação retro; ii) A não correspondência da questão aos pontos formulados geram consequências que devem ser analisadas, casuisticamente, pela Banca do concurso, sendo cabível controle de legalidade pelo órgão competente; iii) Desde que previamente disposto no edital, é possível a arguição sobre literatura estrangeira aplicável no direito brasileiro; iv) Como explicitado em precedentes deste Conselho, não é necessário o detalhamento da correção na fase oral; v) Por fim, é possível o controle de eventual ilegalidade na atribuição das notas pela banca examinadora apenas nos casos de manifesta distinção entre os candidatos, objetivamente demonstrável, nos termos do voto da Relatora. Vencidas as Conselheiras Candice L. Galvão Jobim e Ivana Farina Navarrete Pena, que não conheciam da consulta. Ausente, em razão de licença médica, o Presidente Ministro Dias Toffoli. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux, nos termos do artigo 5º do RICNJ. Plenário Virtual, 5 de junho de 2020. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Dias Toffoli, Humberto Martins, Emmanoel Pereira, Luiz Fernando Tomasi Keppen, Rubens Canuto, Tânia Regina Silva Reckziegel, Mário Guerreiro, Candice L. Galvão Jobim, Maria Cristiana Ziouva, Ivana Farina Navarrete Pena, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, André Godinho, Maria Tereza Uille Gomes e Henrique Ávila. Não votou a Excelentíssima Conselheira Flavia Pessoa.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: CONSULTA - 0005932-37.2016.2.00.0000
Requerente: DIEGO LOCATELI DE MELO FERREIRA
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

RELATÓRIO

Cuida-se de Consulta formulada por DIEGO LOCATELI DE MELO FERREIRA, relativa a correta aplicação e interpretação da Resolução CNJ n. 75/2009, especialmente no que se refere a 4ª etapa dos concursos públicos para ingresso na magistratura nacional, por meio do qual questiona:

1. O art. 65, §2º da Resolução 75 do CNJ determina o sorteio público de ponto para cada candidato a ser arguido na fase oral. Logo, indaga-se:

a. Na realização do sorteio do ponto, é lícito a retirada do ponto sorteado pelo candidato precedente de forma que o candidato posterior não tenha possibilidade de sortear aquele mesmo ponto? Ou seja, o ponto sorteado pelo candidato precedente pode ser excluído do sorteio para os demais ou deve ser incluído no sorteio dos demais?

b. É possível, na prova oral, a arguição de candidato a respeito de matéria não contida no ponto sorteado ou contida em ponto diverso? Qual a consequência jurídica?

2. Institutos jurídicos até então exclusivos da doutrina estrangeira, pode ser objeto de arguição do candidato, principalmente quando tal expressão não é utilizada cotidianamente na jurisprudência nacional e também não tratada pela doutrina especializada?

3. O candidato reprovado na fase oral é analisado, segundo o art. 65, § 3º da Resolução 75 do CNJ, com base no domínio do conhecimento jurídico, na adequação da linguagem, na articulação do raciocínio, na capacidade de argumentação e no uso correto do vernáculo. Para tanto, indaga-se:

a. Para que seja possível a análise da razoabilidade da Banca Examinadora, diante do fato de ser soberana nas suas decisões de mérito, o candidato reprovado pode exigir a motivação pela nota atribuída na fase oral, assim como os atos administrativos em geral devem ser motivados?

b. Como controlar a situação, decorrente de ato da própria banca que reprova candidato que obteve melhor desempenho e aprova aqueles que tenham desempenho pífio?

c. No âmbito da prova oral do certame da Magistratura é possível a avaliação comparativa quando haja, por parte da banca Examinadora, evidente distinção entre o desempenho dos candidatos com as notas a eles atribuídas? 

d. Caso seja possível algum tipo de avaliação comparativa, qual deve ser o procedimento adotado?  

4. O art. 10, parágrafo único, inciso III da Resolução 75 do CNJ reza, em síntese, que ‘Ocorrerá eliminação do candidato que: III - não comparecer à realização de qualquer das provas escritas ou oral no dia, hora e local determinados pela Comissão de Concurso, munido de documento oficial de identificação’. Entretanto, indaga-se, qual a consequência da não observância do mencionado inciso III pela Banca Examinadora que não exige qualquer identificação dos candidatos a serem arguidos na fase oral?”

 Na sequência, os autos foram encaminhados à Comissão Permanente de Eficiência Operacional e Gestão de Pessoas para emissão de parecer (ID 2056597), oportunidade que após a designação do relator na reunião realizada em 15/03/2017, foi elaborado parecer pelo Conselheiro Norberto Campelo (ID  2248674).

É o relatório.

 

 


 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: CONSULTA - 0005932-37.2016.2.00.0000
Requerente: DIEGO LOCATELI DE MELO FERREIRA
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

 

VOTO

A consulta deve ser parcialmente conhecida. Vejamos.

A Consulta, como se sabe, apenas é cabível para análise de matéria abstrata que tenha repercussão geral, razão pela qual não se admite o seu conhecimento, quando importar em soluções de dúvidas particulares.

O consulente foi também autor do já julgado PCA 0004882-73.2016.0000, cujo objeto era similar a destes autos, e que por decisão monocrática o Conselheiro relator, Arnaldo Hossepian, determinou o seu arquivamento em razão da ausência de interesse geral.

Naquela oportunidade, o relator acrescentou que: “o Conselho Nacional de Justiça não atua como órgão recursal das decisões tomadas pelas Comissões de concurso que possuem autonomia” e que “a revisão de tais atos seria admissível apenas na estreita via de controle de legalidade”, vale dizer, “somente em casos de evidente descompasso com a regulamentação aplicável ou em situações em que se apresentem erros grosseiros é que seria possível uma intervenção saneadora”.

Pois bem, em relação ao questionado no item 1.a., que indaga sobre o critério de retirada de ponto sorteado na fase oral de concurso público para ingresso na carreira de magistratura, entendo que, face a nítida finalidade, até mesmo respaldada pelo PCA interposto com o mesmo fim, de sanar dúvidas individuais do consulente, não deve ser conhecido.

No mesmo exato sentido, inclusive, este Conselho Nacional de Justiça fixou precedente.  Confira-se:

Recurso Administrativo em Consulta. Resolução 81, do Conselho Nacional de Justiça. Análise de títulos. Ausência de repercussão geral. Não cabimento da Consulta. Arquivamento. 1) Consulta acerca da Resolução nº 081/2009 do Conselho Nacional de Justiça, que dispõe sobre os concursos públicos para outorga das Delegações de Notas e de Registro e sobre a minuta de edital para referidos concursos. 2) Não cabe a este Conselho responder a Consultas emergentes de questões administrativas concretas submetidas ou que possam ser submetidas à apreciação por órgãos do Poder Judiciário (PP 15987). 3) Não é cabível a Consulta para a solução de dúvidas dos particulares sobre normas jurídicas, sem interesse geral, ou que importe a fixação pelo CNJ de interpretação acerca das hipóteses apresentadas, antecipando solução para situações reais escondidas na formulação em tese. Recurso a que se nega provimento. (CNJ – CONS 0004740-79.2010.2.00.0000 – Rel. Cons. José Adonis Callou de Araújo Sá – 112ª Sessão – j. 14/09/2010 – DJ - e nº 170/2010 em 16/09/2010 p. 42). (grifei)

EMENTA. CONSULTA. APRESENTAÇÃO DE CASO CONCRETO. IMPOSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO DE CONSULTA QUE VEICULA CASO CONCRETO. NO MÉRITO O CONSELHEIRO AFASTADO NOS TERMOS DO§ 2º DO ART. 17 DO RICNJ NÃO FICA IMPEDIDO DE PARTICIPAR DE DECISÕES ADMINISTRATIVAS OU JURISDICIONAIS NO ÓRGÃO DE ORIGEM. (CNJ- CONS 0005727-42.2015.2.00.0000) (grifei) 

Aliás, a própria Resolução nº 75/2009 deste Conselho é autoexplicativa ao prever em seu art. 65 que: os temas e disciplinas objeto da prova oral são os concernentes à segunda etapa do concurso (art. 47), cabendo à Comissão Examinadora agrupá-los, a seu critério, para efeito de sorteio, em programa específico.”.

Vale dizer a Comissão Examinadora, por meio do seu poder discricionário, é quem possui a conveniência e oportunidade para estabelecer os procedimentos que se revelem mais úteis para a realização da prova oral do concurso, sob pena de usurpar a independência e as competências dos Tribunais prévia e constitucionalmente previstas.  

De igual forma, não conheço o item 4 que questiona a consequência da não observância do artigo 10, inciso III da Resolução pela Banca Examinadora, ao não se exigir identificação dos candidatos durante a arguição.

Isto porque tal fato não se caracteriza como “dúvida na aplicação de dispositivos legais e regulamentares”, nos termos do previsto no artigo 89 do Regimento Interno, mas sim descontentamento com o destino do PCA, e consequente tentativa de, por uma nova via, impugnar decisão já julgada.

Assim é que, vale insistir, não conheço dos questionamentos formulados nos itens 1.a e 4, uma vez que a Consulta somente é cabível para dúvidas suscitadas na aplicação de dispositivos legais e regulamentares, se e quando, houver repercussão geral, oportunidade em que poderá ter caráter normativo, na forma do artigo 89, §2º do Regimento Interno. 

Avançando, e antes da análise dos demais questionamentos, esclareço que embora todas as demais dúvidas, porque objeto, também, do referido PCA 4882-73, possam se referir a questão individual, entendo que a matéria transborda a singularidade e abrange aspectos relevantes sobre a orientação normativa dos concursos públicos para a magistratura nacional como um todo.

Vale dizer, embora, literalmente, as perguntas como estão formuladas revelem pretensão individual (talvez seja mesmo este o único e verdadeiro objetivo do requerente), verifica-se que a sua solução oferece oportunidade de esclarecer aspectos relevantes para todos aqueles que realizam concurso para a magistratura. Por esta razão tenho que devem ser conhecidas e respondidas.

Superada esta questão, passo a análise dos itens remanescentes. No que se refere ao item 1.b., que versa sobre a possibilidade de arguição de candidato a respeito de matéria não contida no ponto sorteado, destaco que o § 3º do artigo 65, estabelece de forma expressa que “a arguição do candidato versará sobre o conhecimento técnico acerca dos temas relacionados ao ponto sorteado”, de forma que não se permite, evidentemente, inovar na matéria, devendo à Comissão se limitar aquilo que foi previamente selecionado e estabelecido no edital.

Nesse sentido, transcrevo precedente do Supremo Tribunal Federal lançado no parecer emitido pelo Conselheiro Norberto Campelo, na qualidade de membro da Comissão Permanente de Eficiência Operacional e Gestão de Pessoas:

Ementa: DIREITO ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA VINCULAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA AO EDITAL. DESCONFORMIDADE ENTRE QUESTÕES DE PROVA E O PROGRAMA DO CERTAME. IMPROCEDÊNCIA DA ALEGAÇÃO. ORDEM DENEGADA. I - Ambas as Turmas desta Corte já se manifestaram pela admissibilidade do controle jurisdicional da legalidade do concurso público quando verificado o descompasso entre as questões de prova e o programa descrito no edital, que é a lei do certame. Precedentes.

II - Inexistência de direito líquido e certo a ser protegido quando constatado que os temas abordados nas questões impugnadas da prova escrita objetiva aplicada aos candidatos estão rigorosamente circunscritos às matérias descritas no programa definido para o certame.

III - Mandado de segurança parcialmente conhecido e, nessa parte, denegado, cassada a liminar anteriormente deferida. (STF - MS: 30894 DF, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 08/05/2012, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-187 DIVULG 21-09-2012 PUBLIC 24-09-2012) (grifei).

Como se vê, e por força do topo do artigo 65 da Resolução CNJ 75/09, os temas e disciplinas objeto da prova oral devem ser aqueles previamente dispostos no edital na segunda etapa do concurso (art. 47), o que torna plenamente possível o controle de legalidade do concurso quando afrontar tal imposição.

Ademais, o Plenário deste Conselho Nacional de Justiça, já se posicionou sobre a viabilidade da declaração de nulidade do ato e, consequente designação de nova arguição aos candidatos prejudicados, quando “constatada a divergência entre o objeto de avaliação da prova oral e as questões formuladas pela banca examinadora”(Procedimento de Controle Administrativo 0000001-24.2014.2.00.0000 - Rel. ANA MARIA DUARTE AMARANTE BRITO - 185ª Sessão - j. 24/03/2014). Entendimento, este, com o qual compartilho.

Todavia, como demonstrado no parecer, é necessário considerar “que as disciplinas do direito não são estanques, existindo temas e institutos que se situam em pontos de interseção de diferentes áreas da ciência jurídica e, sobretudo, que determinados problemas da realidade concreta demandam uma aproximação por vieses muitas vezes complementares do direito. Tal característica não pode, assim, ser considerada ofensa à previsão editalícia. Ao contrário, constitui justamente a razão dessa etapa da seleção, onde o candidato deverá demonstrar domínio do conhecimento jurídico, articulação do raciocínio e capacidade de argumentação, critérios de avaliação contidos no art. 65, § 3º, da Resolução 75.”

Quanto às consequências jurídicas da não correspondência da questão ao ponto formulado, saliento que estas só podem ser determinadas com a análise do caso concreto, de acordo com a ponderação de prejuízos, uma vez que não existe previsão normativa, e nem poderia haver, que antecipe e, portanto, regule tal situação.

Por sua vez, não vejo ilegalidade na arguição do candidato acerca de institutos jurídicos, na forma do item 2. Desde que previamente disposto no edital, não gerará óbice aos candidatos, que poderão se preparar anteriormente para eventuais questionamentos sobre a doutrina estrangeira aplicável no direito brasileiro.

O próprio ordenamento jurídico brasileiro permite a internalização de institutos jurídicos estrangeiros na solução de demandas quando houver lacuna legislativa, nos termos do art. 140 do CPC e art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

O questionamento seguinte proposto pelo consulente no item 3.a., indaga sobre o detalhamento da correção da fase oral. Com efeito, o Plenário deste Conselho já se manifestou sobre o tema, acolhendo o entendimento de que não seria necessário o seu detalhamento:

RECURSO ADMINISTRATIVO. PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. CONCURSO PÚBLICO PARA JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO DO TRF DA 3ª REGIÃO. PROVA SUBJETIVA. DETALHAMENTO DA CORREÇÃO. DESNECESSIDADE. OBSERVÂNCIA DOS PARÂMETROS ESTABELECIDOS NA RESOLUÇÃO Nº 75 DO CNJ. AUSÊNCIA DA INTERPOSIÇÃO DE RECURSO PERANTE A BANCA EXAMINADORA. - A pretensão do candidato é de que se explique, detalhadamente, porque o mesmo não obteve a nota máxima em cada questão da prova discursiva. Ora, nem mesmo no ensino fundamental ou na graduação se pode exigir tal conduta daquele que corrige a prova, pensar de forma diversa seria impor que o corretor explique que um erro gráfico foi descontado, uma vírgula foi mal colocada, que determinado artigo foi ignorado, ou mesmo que a fundamentação exposta tenha atingido fração “x” do que considera como resposta correta (CNJ - RA – Recurso Administrativo em PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 0006218-25.2010.2.00.0000 - Rel. JEFFERSON LUIS KRAVCHYCHYN - 115ª Sessão - j. 19/10/2010). (grifei).

 As especificidades da prova oral resultam na maior proteção, e consequente restrição do controle administrativo da avaliação aos aspectos meramente formais. Não cabe, portanto, um controle de legalidade quanto ao mérito de correção da prova oral, competência esta exclusiva da Comissão Examinadora.

Por fim, os pontos 3.b) e c) e d) foram debatidos nos autos da Consulta formulada por Claudia Canola, de relataria do Conselheiro Carlos Eduardo, oportunidade que o então Conselheiro Rogério Nascimento se manifestou no sentido de ser possível o controle de eventual ilegalidade na atribuição das notas pela banca examinadora quando houvesse manifesta distinção entre os candidatos, com o qual concordo. É o que se extrai dos fundamentos que a seguir reproduzo:

Para contextualizar melhor a indagação sobre o controle de legalidade quando apurada manifesta distinção entre os candidatos, acrescento, também, algumas reflexões sobre avaliação, que pode ser tomada no sentido de medida de competência ou de desempenho, formas diferentes de merecimento, e é objeto tanto da pedagogia quanto da administração.

A avaliação, na verdade, está presente no ambiente de trabalho, seja no serviço público, seja nas empresas, e no ambiente de ensino. No Estado ético a aferição de mérito (competência ou desempenho) supõe atenção para com a cláusula constitucional prescritiva e gradual de igualdade, quer seja na dimensão de vedação a discriminações (p. ex. art. 5º, topo), quer seja na dimensão de dever estatal de promover acesso a oportunidades (no que interesse ao parecer, art. 93, I).

É usualmente associada ao processo de aprendizado, um momento de balanço do desempenho acumulado na construção do conhecimento, no desenvolvimento de habilidades e na aquisição de competência. Capacidades individuais espontâneas – talentos – somadas às capacidades conscientemente desenvolvidas – habilidades – e ao conhecimento – acervo de informações refletidas –, proporciona ao sujeito a aptidão de reunir fatores para resolver problemas – competência adquirida. Qualquer que seja o método ou instrumento de avaliação (autoavaliação ou avaliação externa, oral ou escrita, individual ou em grupo, continuada ou periódica, singular ou por banca...) depende de parâmetros e indicadores precisos (Vasco Pedro Moreto, Prova um momento privilegiado de estudo não um acerto de contas. RJ. DP&A editora. 2002).

No processo escolar de formação, no ensino formal, os talentos do aluno são estimulados pelas condições externas criadas pelo professor. Este, no papel de mediador e de catalisador, toma como ponto de partida as concepções prévias do aluno, as confronta com as concepções acadêmicas, para proporcionar, no ponto de chegada, uma concepção refletida forjada no diálogo. Durante o processo cabe ao professor estimular exercícios para desenvolvimento das habilidades e compartilhar conhecimento, etapa ritual que costuma ser chamada de aula, ensino ou lição, em ciclos, marcados por outra etapa ritual, que estabelece cortes e abre passagens para novos degraus do aprendizado, a avaliação.

O papel social do professor, da instituição de ensino que age por meio do docente, é de estimular e facilitar a aquisição de competências por parte do estudante, a quem será conferido um grau que certifica a capacidade adquirida. O compromisso da instituição de ensino, de colaborar com a transformação e certificar, põe a ênfase na avaliação de competência, ponderada com base no ponto de partida do indivíduo e no grau de aproximação que este indivíduo alcançou dos objetivos previamente formulados. Neste ponto de vista a avaliação não é cruzada, portanto, não há um problema significativo no plano da exigência de justiça como equidade, há porém uma forte exigência de lealdade, de parte do avaliador e do avaliado. O que está em jogo é a possibilidade controle da proibição de discriminações arbitrárias, de favorecimentos ou perseguições. Os valores preponderantes nestes casos serão, penso, objetividade e transparência.

No ambiente de negócios a mensuração do desempenho de colaboradores e equipes serve para planejar a gestão, alocar recursos, selecionar líderes e estimular a produtividade através de competição por retribuições. São comuns os métodos de avaliação por resultados e de avaliação por competências ambos comparativos. Há quem defenda, inclusive, com bons argumentos, a complementariedade e interdependência entre competência e desempenho (Hugo Pena Brandão e Tomas de Aquino Guimarães. Gestão de competências e gestão de desempenho: tecnologias distintas ou instrumentos de um mesmo construto? Rev. adm. empres. vol.41 no.1 São Paulo Jan./Mar. 2001)

No plano relacional, contudo, a aferição de mérito tem de ser equânime. Distinções de tratamento arbitrárias continuam não sendo moralmente aceitáveis. Não o são na esfera privada, muito menos quando se trata de garantir acesso a bens e recursos públicos, produtos do esforço comum do povo, cidadão e contribuinte. Porém, na distribuição dos furtos que a comunidade gera pode convir adotar medidas compensatórias de diferença de ponto de partida, em nome da justiça social, por meio de políticas de ação afirmativa, tal como recomenda a lei e, sabe-se, foi chancelado pela jurisprudência do STF (ADPF nº 186). Admite-se diferenças materiais de tratamento inspiradas em um juízo de merecimento (como nas políticas de cotas), mas não se admite discriminação, isto é, distribuição de vantagens não justificável ou derivada de critérios cuja aceitação não é universalizável (Michel Sandel, Justiça: o que é fazer a coisa certa. SP. Civilização Brasileira. 2011). Em concursos públicos, um contexto competitivo, há necessidade de combinação de avaliação de competência e de desempenho.

Medidas de distribuição em contextos de escassez, como em geral ocorre na disputa de vagas para ingresso na magistratura (mais candidatos do que vagas) reclamam simetria de tratamento, autorizando ainda que em caráter restrito, alguma margem de exame ponderado. O primado do interesse em estabelecer igualdade no plano social não autoriza descuidar do interesse público na investidura daquele que se revelou objetivamente merecedor, porque dispõe de maior competência do que os demais competidores com iguais oportunidades, considerados os atributos essenciais para o bom desempenho do cargo ao qual se candidata. O propósito central da resolução é indicar quais são os parâmetros essenciais de aferição do merecimento para investidura na carreira de magistrado, os quais por sua essencialidade são uniformemente exigíveis em nível nacional.

Como se vê, a manifesta distinção entre os candidatos configura irregularidade que deve ser controlada pela banca do concurso e pelas instâncias gestoras através da avaliação comparativa.

Recorde-se que a avaliação do desempenho dos candidatos na prova oral do concurso caberá somente à Comissão Examinadora, conforme dispõe o § 3º do art. 65 da Resolução aqui analisada: “A arguição do candidato versará sobre conhecimento técnico acerca dos temas relacionados ao ponto sorteado, cumprindo à Comissão avaliar-lhe o domínio do conhecimento jurídico, a adequação da linguagem, a articulação do raciocínio, a capacidade de argumentação e o uso correto do vernáculo”. 

Tal compreensão, inclusive, é pacificado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho Nacional de Justiça, conforme demonstro nos trechos das ementas a seguir:

 

Recurso extraordinário com repercussão geral. 2. Concurso público. Correção de prova. Não compete ao Poder Judiciário, no controle de legalidade, substituir banca examinadora para avaliar respostas dadas pelos candidatos e notas a elas atribuídas. Precedentes. 3. Excepcionalmente, é permitido ao Judiciário juízo de compatibilidade do conteúdo das questões do concurso com o previsto no edital do certame. Precedentes. 4. Recurso extraordinário provido. (RE 632853, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 23/04/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-125 DIVULG 26-06-2015 PUBLIC 29-06-2015) (grifei) 

 

PROCESSUAL   CIVIL.   ADMINISTRATIVO.   AGRAVO   INTERNO NA TUTELA PROVISÓRIA  NO  RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR ADECISÃO ATACADA. TUTELA DE URGÊNCIA. CONCURSO PÚBLICO.   CRITÉRIOS   DE   AVALIAÇÃO.   REVISÃO   PELO JUDICIÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. PROBABILIDADE DO DIREITO NÃO COMPROVADA.

I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. Assim sendo, in casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015.

II - Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal adotam entendimento, segundo o qual não compete ao Poder Judiciário reavaliar os critérios empregados por banca examinadora na correção de prova de concurso público, bem como avaliar a atribuição de notas dada aos candidatos, ressalvado o exame da legalidade dos procedimentos e a análise da compatibilidade entre o conteúdo cobrado e o previsto no edital.

(AgInt na TutPrv no RMS 50.329/MG, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/08/2016, DJe 17/08/2016) (grifei)

 

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. CONCURSO DA MAGISTRATURA. PROVA ORAL. REVISÃO DE CRITÉRIOS DE CORREÇÃO E ATRIBUIÇÃO DE NOTAS. INCURSÃO NO MÉRITO ADMINISTRATIVO. VEDAÇÃO. COBRANÇA DE MATÉRIA NÃO PREVISTA EM EDITAL. ANULAÇÃO. POSSIBILIDADE. LIMITE. PRECEDENTES. DISPONIBILIZAÇÃO DOS ESPELHOS DE CORREÇÃO E MÍDIA DE GRAVAÇÃO DA PROVA ORAL. AUSÊNCIA DE PREVISÃO NA RESOLUÇÃO Nº 75/CNJ E NO EDITAL DO CERTAME. DESEMPENHO DE ATIVIDADE JURÍDICA. COMPROVAÇÃO.

I.         Impossibilidade de revisão dos critérios utilizados pela banca examinadora na formulação das questões, na correção da prova e na atribuição de notas aos candidatos, por configurar indevida incursão no mérito administrativo.

II.        A Resolução nº 75/CNJ, que dispõe sobre os concursos públicos para ingresso na carreira da Magistratura em todos os ramos do Poder Judiciário nacional, não traz em seu bojo qualquer previsão de disponibilização dos espelhos de correção e da gravação da prova oral. É válida a estipulação do edital do certame que determina que não seria fornecida cópia ou transcrição da gravação da prova oral, uma vez que o edital é a lei que rege o concurso, estabelecendo as normas, diretrizes e critérios para a sua realização, mormente se não houve insurgência acerca da questão em momento oportuno e essa disposição não afronta a atual redação da Res. nº 75/CNJ.

III.      A Resolução CNJ n° 75/2009 em seu artigo 55 e seguintes, ao estabelecer a exigência de realização de sessão pública, o faz tão somente para a divulgação das notas referentes à segunda etapa do certame, não dispondo de igual procedimento para a fase oral.

IV.      A mera insatisfação dos requerentes contra as razões deduzidas no julgamento dos recursos na via administrativa, não enseja controle por parte deste Conselho. Precedentes. (PCA 0000488-62.2012.2.00.0000. Rel.: Conselheiro Carlos Alberto Reis de Paula. 147.a Sessão. 21 de maio 2012, maioria. DJe 88, 24 maio 2012, p. 42-79); (CNJ - PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0001569-75.2014.2.00.0000 - Rel. ANA MARIA DUARTE AMARANTE BRITO - 185ª Sessão - j. 24/03/2014 ) (grifei).

 Diante deste quadro com fundamento no artigo 89 e 25, inciso X do Regimento Interno não conheço os questionamentos dos itens 1.a. e 4 do pedido inicial, porque se revelam análise de situação concreta, todavia conheço e, na interpretação da Resolução 75/2009, voto no sentido de que seja dado parcial provimento à Consulta para ser esclarecido que:

                  i)                   É vedada a arguição de candidato a respeito de tema não contemplado no ponto sorteado, salvo se com ele tiver relação, nos termos da fundamentação retro;

ii)  A não correspondência da questão aos pontos formulados geram consequências que devem ser analisadas, casuisticamente, pela Banca do concurso, sendo cabível controle de legalidade pelo órgão competente;

iii)              Desde que previamente disposto no edital, é possível a arguição sobre literatura estrangeira aplicável no direito brasileiro;

iv)              Como explicitado em precedentes deste Conselho, não é necessário o detalhamento da correção na fase oral;

v)                Por fim, é possível o controle de eventual ilegalidade na atribuição das notas pela banca examinadora apenas nos casos de manifesta distinção entre os candidatos, objetivamente demonstrável. 

É como voto.

Inclua-se em pauta.

Intimem-se.

À Secretaria Processual para as providências cabíveis 

Brasília, data lançada no sistema.

 

Conselheira Maria Cristiana Simões Amorim Ziouva

Relatora

 

LFAPC/ LGAF

 

 

 

 

VOTO PARCIALMENTE DIVERGENTE

 

Adoto o relatório lançado pela e. Conselheira Maria Cristina Ziouva, a quem, peço licença, no entanto, para divergir parcialmente.

Conforme consignado no voto, a d. Relatora não conheceu das perguntas “1.a” e “4”, porquanto identificou que o autor já havia proposto as mesmas questões junto a este Conselho no PCA 4882-73 (Rel. Cons. Conselheiro Arnaldo Hossepian Júnior).

Na oportunidade, meu antecessor não conhecera do referido PCA, sob o fundamento de que “a irresignação apresentada possui natureza individual, passível de enfrentamento na via judicial e sem repercussão para o Poder Judiciário, fato este que afasta a atuação deste Conselho neste momento” (Id. 2023156 daqueles autos).

Cumpre registrar que, nos autos daquele PCA, o ora requerente afirmara ter participado do 56º Concurso Público para Provimento de Cargo de Juiz Substituto do Estado de Goiás, sendo aprovado em todas as fases, exceto no exame oral.

Quanto aos demais questionamentos agora formulados e conhecidos pela Conselheira Maria Cristina Ziouva (1.b, 2, 3.a, 3.b, 3.c e 3.d) – todos referentes ao exame oral –, a Relatora registrou que:

 

Avançando, e antes da análise dos demais questionamentos, esclareço que embora todas as demais dúvidas, porque objeto, também, do referido PCA 4882-73, possam se referir a questão individual, entendo que a matéria transborda a singularidade e abrange aspectos relevantes sobre a orientação normativa dos concursos públicos para a magistratura nacional como um todo. (grifei)

 

A forte evidência de que as preocupações do requerente não foram formuladas “em tese”, como exige o caput do art. 89 do Regimento Interno do CNJ, mas para satisfação ou eventual resolução de caso concreto, são confirmadas pela proximidade das datas em que propostos ambos os procedimentos – o aludido PCA 4882-73 em 10/09/2016 e a presente Consulta em 24/10/2016.

Ademais, conforme consignou a e. Relatora em seu voto, todas as demais dúvidas por ela conhecidas também foram objeto do PCA 4882-73, em que, reitere-se, o mesmo requerente teve seu pedido denegado, ante o caráter individual da pretensão.

Tendo em vista a dimensão dos efeitos das decisões lançadas em Consultas, que, quando proferidas “pela maioria do absoluta do Plenário, tem caráter normativo geral” (art. 89, § 2º do RICNJ) e considerando a singularidade do caso em análise, em que identificado de forma incontroversa o interesse individual na resposta, alinho-me, sem desconhecer a existência de julgados em sentido contrário, com o entendimento jurisprudencial pelo não conhecimento da Consulta, já manifestado por este Plenário em outras oportunidades:

 

CONSULTA. TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO. PAGAMENTO DE AUXÍLIO-MORADIA A MAGISTRADO AFASTADO DO CARGO OU DO EXERCÍCIO DAS FUNÇÕES POR FORÇA DE SANÇÃO DISCIPLINAR. INTERESSE SUBJACENTE NA RESOLUÇÃO DE CASO CONCRETO. INADMISSIBILIDADE. PROCEDIMENTO VOCACIONADO A SOLVER DÚVIDA EM ABSTRATO. INTELIGÊNCIA DO ART. 89 DO RICNJ. CONSULTA NÃO CONHECIDA.

1. A Consulta visa que este Conselho responda se é possível a concessão de auxílio-moradia a magistrado afastado do cargo ou do exercício das funções, nos termos do art. 93, VIII, da Constituição Federal e do art. 29 da LC nº 35/79.

2. O tribunal consulente, longe de uma dúvida abstrata, se encontra frente ao caso concreto de uma juíza federal, em disponibilidade, e que havia sido afastada do exercício das suas funções, sem prejuízo dos seus vencimentos e demais vantagens do cargo, até o julgamento de ação penal em trâmite perante o tribunal consulente.

3. O procedimento de Consulta, nos termos do art. 89 do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça, não se destina a resolver, em substituição ao consulente, determinada situação concreta, competindo ao próprio tribunal de origem, no exercício de sua autonomia constitucional, conferir-lhe a solução jurídica que entender pertinente, a qual poderá, ulteriormente, se sujeitar ao controle administrativo do Conselho Nacional de Justiça, nos termos do art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal. Precedentes do CNJ.

4. Consulta não conhecida.

(Consulta 00117-93.2015.2.00.0000 - Rel. para o acórdão DIAS TOFFOLI - 63ª Sessão - j. 17/04/2020). (grifei)

 

Por fim, consigno que está em curso neste Conselho, por meio da Comissão Permanente de Eficiência Operacional, Infraestrutura e Gestão de Pessoas, nos autos do procedimento de Comissão 6269-02 (Rel. Cons. Flávia Pessoa), amplo estudo para revisão da Res. CNJ 75/2009, que “Dispõe sobre os concursos públicos para ingresso na carreira da magistratura em todos os ramos do Poder Judiciário nacional”.

Logo, todas as questões atinentes ao tema, disciplinado por normativo que já conta mais de uma década de vigência, em breve serão revistas de forma sistemática e harmônica, em novo diploma ou em regulamento reavaliado, conforme este Plenário vier a deliberar.

Ante o exposto, divirjo parcialmente da e. Relatora, para não conhecer da Consulta, de forma integral.

 

Conselheira Ivana Farina Navarrete Pena