Conselho Nacional de Justiça

Gabinete da Conselheira Jane Granzoto

 

Autos: CONSULTA - 0009179-50.2021.2.00.0000
Requerente: CARLOS ANDRE DA SILVA COSTA
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

 

 

EMENTA: CONSULTA. PROVIMENTO DA CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA Nº 63/2017, ALTERADO PELO PROVIMENTO Nº 83/2019. IMPOSSIBILIDADE DE ASCENDENTES BIOLÓGICOS RECONHECEREM, EXTRAJUDICIALMENTE, A PATERNIDADE OU A MATERNIDADE SOCIOAFETIVA DE NETOS(AS). CONSULTA RESPONDIDA.  

1. Questionamento quanto à possibilidade de avô e avó reconhecerem, extrajudicialmente, a paternidade ou a maternidade socioafetiva de netos(as), à vista de possível divergência entre o § 3º do artigo 10, e o §1º do artigo 14, do Provimento nº 63/2017, após ser alterado pelo Provimento nº 83/2019. 

2. O novo dispositivo inserido - o §1º do artigo 14 - ao mencionar “ascendente”, se refere à pessoa sem vínculo jurídico com aquele que se pretende reconhecer a filiação socioafetiva. Além disso, a norma visou explicitar o sentido do termo “unilateral”, empregado no caput, para limitar a inclusão, pela via extrajudicial, de apenas um ascendente socioafetivo, conferindo maior segurança jurídica ao procedimento. 

3. Ausente alterações no sentido original da norma, permanece vedado aos ascendentes o reconhecimento extrajudicial da filiação socioafetiva de netos(as). 

4. Consulta respondida. 

 

 

 ACÓRDÃO

Após o voto do Conselheiro Mário Goulart Maia (vistor), o Conselho, por unanimidade, respondeu a consulta no sentido de que o § 1º do art. 14, acrescentado pelo Provimento nº 83/2019, não alterou a redação do § 3º do art. 10 do Provimento CNJ nº 63/2017, permanecendo vedado aos avós biológicos o reconhecimento da paternidade ou da maternidade socioafetiva de netos(as) pela via extrajudicial, nos termos do voto da Relatora. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário Virtual, 10 de março de 2023. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto (Relatora), Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Gabinete da Conselheira Jane Granzoto

Autos: CONSULTA - 0009179-50.2021.2.00.0000
Requerente: CARLOS ANDRE DA SILVA COSTA
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ


RELATÓRIO 

 

 

A EXCELENTÍSSIMA SENHORA CONSELHEIRA JANE GRANZOTO (RELATORA): Trata-se de Consulta formulada por CARLOS ANDRÉ DA SILVA COSTA na qual objetiva pronunciamento deste Conselho quanto à possível dualidade entre os artigos 10, §3º, e 14, §1º, do Provimento nº 63, de 14 de novembro de 2017, que dispõe, dentre outros, sobre o reconhecimento voluntário e a averbação da paternidade e da maternidade socioafetiva.

Da leitura dos dispositivos, o consulente afirma existirem interpretações diversas entre os Ministérios Públicos dos Estados e do Distrito Federal ante a impossibilidade de avôs ou avós reconhecerem seus netos como filhos socioafetivos e assim, indaga:  

Em razão da dualidade do art. 10, §3º e art. 14, §3º do Provimento 63, alterado pelo 83 do CNJ, é possível o reconhecimento de filiação socioafetivo de ascendente (neto) pelos avós, com base no art. 14, §3º?

Em caso de resposta positiva que seja, pela possibilidade de reconhecimento de ascendente(neto) pelos avós com base no art. 14, §3º, seja tal consulta julgada procedente.

Em 20.1.2022 os autos foram redistribuídos a esta cadeira após o transcurso do prazo de 90 (noventa) dias do término do mandato do Conselheiro Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, nos termos do § 2º, do art. 45-A, do RICNJ (Id. 4592872). 

Na sequência, a então relatora determinou o encaminhamento dos autos à Corregedoria Nacional de Justiça para emissão de parecer (Id. 4608409), este oferecido em 29.6.2022 (Id. 4757463). 

É o relatório.

 

 

 

 

Conselho Nacional de Justiça

Gabinete da Conselheira Jane Granzoto

 

Autos: CONSULTA - 0009179-50.2021.2.00.0000
Requerente: CARLOS ANDRE DA SILVA COSTA
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

 

 

VOTO 

A EXCELENTÍSSIMA SENHORA CONSELHEIRA JANE GRANZOTO (RELATORA):Trata-se de Consulta que tem como finalidade suprir possível dúvida entre dispositivos contidos no Provimento nº 63, de 14 de novembro de 2017, após ser alterado pelo Provimento nº 83, de 14 de agosto de 2019, que dispõe, dentre outros, sobre o reconhecimento voluntário e a averbação da paternidade e da maternidade socioafetiva. 

Segundo o consulente, haveria dualidade entre o disposto no artigo 10, §3º, e o artigo 14, §1º, já que o primeiro preceito não permite o reconhecimento extrajudicial da paternidade ou da maternidade socioafetiva por ascendentes, enquanto o segundo comando admitira a inclusão de um ascendente socioafetivo, paterno ou materno. 

  No intuito de obter subsídios para o julgamento da questão, a Corregedoria Nacional de Justiça manifestou-se, por meio de sua Coordenadoria de Gestão de Serviços Notariais e de Registro (CONR), em parecer da lavra do então juiz auxiliar, Marcelo Martins Berthe, que abaixo reproduzo (Id. 4757463): 

Inicialmente, cabe salientar que o Conselho Nacional de Justiça não se debruça sobre causas individuais, especialmente diante da ausência de repercussão geral sobre elas.

Na mesma toada é o Enunciado Administrativo n. 17 do CNJ, verbis:

[...]

Nesse sentido, infere-se que a consulta veiculada se limita a questão individual, particularizada, com efeito puramente concreto, entretanto, a atuação do CNJ não se coaduna com o julgamento de questões pessoais, desprovidas de interesse social e/ou de repercussão em grau que seja relevante para parcela significativa do Poder Judiciário e/ou da sociedade brasileira.

A teor do disposto pelo art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal, cabe ao Conselho Nacional de Justiça o "controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe  além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura".

A propósito, já se disse outrora que o CNJ não julga causas específicas, mas fixa teses em busca de uniformizar a atuação administrativa dos mais diversos tribunais do país. Confira-se o seguinte julgado:

[...]

Ocorre que, diversamente, no caso em foco, como já adiantado, o requerente consulta a possibilidade do reconhecimento de filiação socioafetiva de neto por ascendente (avós), com base no art. 14, § 3º do Provimento CNJ nº 63/2017.

Assim, esta Coordenadoria entende que a presente consulta não deve ser conhecida, com fulcro no art. 25, inciso x, do Regimento Interno do CNJ, visto que a atuação deste Conselho não é dirigida a pretensões de interesse meramente individual, mas coletivas.

Caso não entenda pelo conhecimento, passo a análise da consulta formulada.

A Corregedoria Nacional de Justiça, no âmbito de sua competência regimental, editou o Provimento n. 63/2017, que dispõe sobre o reconhecimento voluntário e a averbação da paternidade e maternidade socioafetiva.

O ato normativo estabelecendo regras para o procedimento do registro extrajudicial da filiação socioafetiva, definiu, dentre outras matérias, que os ascendentes não poderão reconhecer a paternidade ou maternidade socioafetiva (art. 10):

“Art. 10. O reconhecimento voluntário da paternidade ou da maternidade socioafetiva de pessoas acima de 12 anos será autorizado perante os oficiais de registro civil das pessoas naturais. (Redação dada pelo Provimento n. 83, de 14.8.19)

§ 1º O reconhecimento voluntário da paternidade ou maternidade será irrevogável, somente podendo ser desconstituído pela via judicial, nas hipóteses de vício de vontade, fraude ou simulação.

§ 2º Poderão requerer o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva de filho os maiores de dezoito anos de idade, independentemente do estado civil.

§ 3º Não poderão reconhecer a paternidade ou maternidade socioafetiva os irmãos entre si nem os ascendentes.”

Assim, o Provimento estabelece que os ascendentes não poderão, pela via extrajudicial, realizar o reconhecimento voluntário da paternidade ou da maternidade socioafetiva dos seus descendentes, uma vez que já existe vínculo preexistente entre eles.

Adiante, considerando os avanços que decorreram da desjudicialização das filiações socioafetivas consensuais, a Corregedoria Nacional de Justiça editou o Provimento nº 83/2019, modificando dispositivos do Provimento nº 63, anunciando mudanças significativas e aumentando a segurança jurídica nos procedimentos extrajudiciais em questão.

Após a publicação do Provimento CNJ nº 83/2019, o reconhecimento voluntário da paternidade ou da maternidade socioafetiva perante os oficiais de registro civil das pessoas naturais, passou a ser restrito a inclusão de apenas um ascendente socioafetivo, seja do lado materno, seja do lado paterno, ao contrário do que ocorria na vigência do Provimento 63/2017, que possibilitava a inclusão de dois ascendentes, desde que por meio de procedimentos independentes.

Esta alteração visa esclarecer dúvidas de interpretação que poderiam advir da leitura inicial do artigo 14, especificamente quanto à hipótese de multiparentalidade.

Desse modo, foram acrescentados os seguintes parágrafos explicativos ao dispositivo:

Art. 14. O reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva somente poderá ser realizado de forma unilateral e não implicará o registro de mais de dois pais e de duas mães no campo FILIAÇÃO no assento de nascimento.

§ 1ª Somente é permitida a inclusão de um ascendente socioafetivo, seja do lado paterno ou do materno.

§ 2º A inclusão de mais de um ascendente socioafetivo deverá tramitar pela via judicial.

A Multiparentalidade, ou seja, quando um filho estabelece uma relação de paternidade/maternidade com mais de um pai e/ou mais de uma mãe, tornou-se uma realidade fática e jurídica.

O novo texto foi direto e explícito ao afirmar que o que resta autorizado para via extrajudicial é a inclusão de apenas mais um ascendente socioafetivo (seja pai ou mãe). Ou seja, qualquer segundo ascendente socioafetivo que se pretenda registrar deverá – necessariamente – ser reclamada pela via judicial.

A redação destes novos parágrafos deixa mais claro o sentido do termo unilateral utilizado na redação originária do respectivo artigo 14.

Como se percebe, o que se quer limitar é apenas a inclusão de mais um ascendente socioafetivo, pela via extrajudicial.

A preocupação, nesse item, tem relação com a multiparentalidade, que poderia estar sujeita a abusos, como nos casos envolvendo um pai “e” uma mãe socioafetivos, hipótese que poderia encobrir uma adoção irregular.

A limitação de apenas um reconhecimento socioafetivo é uma restrição que visa aumentar a segurança jurídica.

Logo, restou esclarecida, com o novo provimento, a admissão da multiparentalidade unilateral: ou seja, a inclusão de um ascendente socioafetivo ao lado de um outro biológico que já preexista, mesmo que da mesma linha.

Salienta-se, que a redação dos novos parágrafos ao dispor sobre “ascendente” trata da inclusão de pessoa que ainda não tem vínculo jurídico com aquele o qual se pretende reconhecer a paternidade ou maternidade sociafetiva, ou seja, não está relacionado aos parentescos já existentes, como o caso dos avós, ascendentes por natureza.

Pelo exposto, conclui-se que os parágrafos acrescentados em nada alteram a redação do § 3º do art. 10 do Provimento CNJ 63/2017, a qual dispõe que “Não poderão reconhecer a paternidade ou maternidade socioafetiva os irmãos entre si nem os ascendentes.”

Desse modo, os avós (ascendentes vedados no dispositivo acima citado) permanecem impossibilitados de reconhecer a paternidade/maternidade sociafetiva pela via extrajudicial.

Com essas considerações, a Coordenadoria de Gestão de Serviços Notariais e de Registro (CONR) da Corregedoria Nacional de Justiça opina pelo não conhecimento da consulta. E em caso de conhecimento, opina pela impossibilidade do reconhecimento de filiação socioafetivo de neto pelos avós, com base no art. 14, § 3º do Provimento CNJ nº 63/2017.

É o parecer.

Brasília, data registrada no sistema.

Desembargador MARCELO MARTINS BERTHE

Juiz Auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça

Inicialmente, o parecer opina pelo não conhecimento do pedido por entender se tratar de demanda de natureza individual, de efeito puramente concreto, o que afastaria a atuação deste Conselho. Entretanto, com as mais respeitosas vênias, observo que a narrativa exposta na inicial torna este ponto inconclusivo. Sabidamente, muitas dúvidas sobre a interpretação de dispositivos e de ato regulamentares de competência desta Casa surgem a partir da análise de uma determinada situação, mas, neste específico caso, embora não se possa afastar completamente que a dúvida retrataria a realidade do próprio consulente, não há robustez processual suficiente que demonstre a concretude do pedido.

Nesta via, entendo que a dúvida suscitada atende aos preceitos da art. 89 do RICNJ, além de envolver questionamento sobre os termos do Provimento CNJ nº 63/2017.

Ultrapassado o ponto em que o parecer sugere o não conhecimento do pedido, no mais, acolho integralmente a opinião técnica, no sentido de não existir divergências entre o §1º o artigo 14, e o §3º do artigo 10, do Provimento CNJ nº 63/2017, mesmo diante da alteração promovida pelo Provimento CNJ nº 83/2019, quando se referem ao reconhecimento extrajudicial da filiação socioafetiva.

Desde a edição do Provimento CNJ nº 63/2017, não se admite aos ascendentes (biológicos) o reconhecimento extrajudicial do vínculo socioafetivo de seus descendentes em razão da preexistente relação de parentesco[1][1].

A inclusão do §1º, ao artigo 14, pelo Provimento CNJ nº 83/2019, além de não interferir na vedação antes vista do artigo 10, §3º, do Provimento CNJ nº 63/2017, se refere apenas ao vínculo socioafetivo para limitar a formalização deste a um dos ascendentes, ao pai ou à mãe[2][2], na intenção de evitar a ocorrência de situações abusivas.

Pelo exposto, conheço da Consulta e respondo no sentido de que o § 1º do art. 14, acrescentado pelo Provimento nº 83/2019, não alterou a redação do § 3º do art. 10 do Provimento CNJ nº 63/2017, permanecendo vedado aos avós biológicos o reconhecimento da paternidade ou da maternidade socioafetiva de netos(as) pela via extrajudicial.

É como voto.

Intime-se todos os Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal e dos Territórios para os efeitos do art. 89, §2º, do RICNJ.

Após, arquivem-se os autos.

Brasília, data registrada no sistema. 

 

Jane Granzoto

Conselheira Relatora



[1][1] Art. 10. O reconhecimento voluntário da paternidade ou da maternidade socioafetiva de pessoas acima de 12 anos será autorizado perante os oficiais de registro civil das pessoas naturais.

[...]

§ 3º Não poderão reconhecer a paternidade ou maternidade socioafetiva os irmãos entre si nem os ascendentes.

 

[2][2] Art. 14. O reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva somente poderá ser realizado de forma unilateral e não implicará o registro de mais de dois pais e de duas mães no campo filiação no assento de nascimento.

§ 1ª Somente é permitida a inclusão de um ascendente socioafetivo, seja do lado paterno ou do materno.