Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0008066-61.2021.2.00.0000
Requerente: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SEÇÃO DO ESTADO DA BAHIA
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA - TJBA

 


RECURSO ADMINISTRATIVO EM PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. DECLARAÇÕES SUCESSIVAS DE SUSPEIÇÃO PELOS DEMAIS MAGISTRADOS EM SUPOSTA RETALIAÇÃO AO CAUSÍDICO POR DESAVENÇA COM JUÍZA DA COMARCA. A SUSPEIÇÃO É, EM PRINCÍPIO, QUESTÃO JURISDICIONAL. PROVIDÊNCIAS ADOTADAS PELA CGJ PARA QUE OS PROCESSOS NÃO FIQUEM SEM JUIZ DESIGNADO. RECURSO NÃO PROVIDO.

1. A controvérsia tem origem na declaração de suspeição com fundamento no § 1º do art. 145 do Código de Processo Civil (CPC). A norma diz respeito à declaração de suspeição do juiz por motivo de foro íntimo, caso em que é legal e expressamente dispensada a declaração das razões.

2. A decisão impugnada deve ser mantida, tendo em vista que (a) a decisão pela suspeição é, em princípio, jurisdicional e, salvo situações excepcionais, não está sujeita a controle pela Corregedoria e (b) houve providências, pela CGJ, para que os processos não fiquem sem juiz designado.

3. Recurso administrativo a que se nega provimento.

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário, 20 de setembro de 2022. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0008066-61.2021.2.00.0000
Requerente: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SEÇÃO DO ESTADO DA BAHIA
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA - TJBA


RELATÓRIO

         

 

O MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator):

1. Trata-se de Pedido de Providências formulado pela Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Estado da Bahia em face do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia – TJBA.

Relata que o advogado Jorge Harley Garcia de Figueiredo ingressou com representação contra a então Juíza da Vara Cível da Comarca de Itororó, Rosineide de Almeida Andrade, o que teria gerado clima de animosidade entre ambos.

Após ser promovida para atuar na Comarca de Itabuna, onde também atua o referido advogado, este alega estar sofrendo retaliação dos demais magistrados atuantes nas Varas Cíveis (titulares e substitutos), em função da desavença ocorrida com a citada Juíza.

Segundo descrito, os demais magistrados estariam se declarando sucessivamente suspeitos para atuar nos processos em que o causídico é patrono, sem qualquer justificativa aparente, a começar pelo Magistrado André Luiz Santos Britto, que apontou ao advogado comportamento incompatível, declarando-se suspeito para atuar em todos os processos de patrocínio do advogado.

Tal fato estaria inviabilizando a advocacia de Jorge Harley “na Comarca, já sendo tal fato de amplo conhecimento entre outros advogados e pelo público, fragilizando a reputação do causídico e dificultando a prospecção de novos clientes e causando mesmo a perda de clientela”.

Requerer então: 

A) a concessão de liminar inaudita altera pars, com o fito de se determinar ao TJBA que providencie imediatamente a redistribuição de todos os processos em que o advogado JORGE HARLEY GARCIA DE FIGUEIREDO (OAB/BA 4.057) nas Varas Cíveis da Comarca de Itabuna;

B) A citação do Tribunal para, querendo, manifestar-se no presente procedimento;

C) A estabilização da liminar requerida, determinando-se ainda ao TJBA que adote medidas institucionais para garantir a imediata redistribuição de processos em casos de declaração de suspeição e a abertura de procedimento para apurar eventual abuso de direito no manejo cruzado, em caráter vindicativo, da prerrogativa;

D) A juntada, posterior, de documentos novos e rol de testemunhas;

E) Requer também a aplicação do § 1º do art. 104, do CPC, com a concessão do prazo de 15 dias para apresentação do instrumento de mandato.

  

A Corregedoria local foi instada a se manifestar (Id 4524709), adotando as providências necessárias para que as causas propostas pelo causídico requerente recebessem a devida prestação jurisdicional.

A Corregedoria-Geral de Justiça do Estado da Bahia prestou informações (Id 4548797).

Foi proferida decisão julgando improcedente o pedido do requerente e determinando o arquivamento do feito (Id 4557429).

O requerente interpôs recurso (Id 4595542) reiterando argumentos da petição inicial, apontando que a decisão monocrática de arquivamento merece reforma, visto que a justificativa do magistrado titular da 3ª Vara Cível da Comarca de Itabuna dá conta de que a sua declaração de suspeição foi posterior à petição excessiva do advogado, apenas alcançando o referido magistrado e não os demais julgadores. Todavia, as declarações em série de suspeição por foro íntimo só passaram a ocorrer após a ação do referido juiz.

Alega que, “em momento algum, foi requerido neste Pedido de Providência a reforma ou anulação das suspeições invocadas”, pretende-se, contudo, “a adoção de medida imediata e permanente para garantir a devida prestação jurisdicional nas demandas patrocinadas pelo aludido advogado”, visto que ainda se encontra pendente a “divulgação de nova lista de substituições e não há indicação de prazo para sua expedição, o que determina a paralisação momentânea das demandas e prejuízo efetivo ao jurisdicionado”.

Por fim, requer:

seja o presente recurso conhecido, para julgar procedentes todos os pedidos do presente Pedido de Providência, no sentido de que, seja restabelecida a liminar deferida e, seja ela estabilizada para determinar a adoção de medidas institucionais para garantir a imediata redistribuição de TODOS os processos em casos de declaração de suspeição patrocinados pelo advogado Jorge Harley e a abertura de procedimento para apurar eventual abuso de direito no manejo cruzado e tendencioso da prerrogativa dos magistrados.

  

Ato contínuo, o TJBA foi instado a apresentar contrarrazões, nos termos do Despacho Id 4618171.

É o relatório.

 

Conselho Nacional de Justiça

 

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VOTO

O MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator):

2. O recurso não deve prosperar.

3. A parte recorrente não trouxe argumentação nova apta a desconstituir a decisão recorrida.

Conforme disposto na decisão impugnada, a Corregedoria local, após a devida instrução processual, determinou o arquivamento do feito após apuração dos fatos.

O recorrente aponta que a justificativa apresentada pelo “Magistrado titular da 3ª Vara Cível da Comarca de Itabuna, de que a sua declaração de suspeição foi posterior a petição excessiva do advogado, apenas alcança o referido magistrado e não os demais julgadores”.

Contudo, extrai-se das informações apuradas pela CGJBA, que não só o titular da 3ª Vara se manifestou, mas, também, os titulares das 1ª, 2ª e 4ª Varas Cíveis prestaram os necessários esclarecimentos acerca de suas condutas, de modo que não parece razoável supor a existência de qualquer tipo de ação concertada, conforme transcrito abaixo (Id 4548806):

Em sua resposta, o Juiz Titular da 4ª Vara Cível consignou:

 

"[...] que, da parte deste Juiz, nunca houve, não há e nunca haverá qualquer 'retaliação', contra qualquer advogado, nem, in casu, contra o Dr. Jorge Harley Garcia de Figueiredo, eis que a advocacia é indispensável e fundamental na distribuição da Justiça, consignando, por necessário e oportuno, que este Juiz, antes de ingressar na Magistratura, pertenceu, por cerca de 6 anos, à classe dos advogados, reconhecendo a importância deste profissional do Direito não só para a Justiça, como, também, pera a Democracia de um Pais. Informa, finalmente, que as raras declarações de suspeição deste Magistrado ocorreram nos estritos limites das hipóteses legais, objetivando, única e exclusivamente, um julgamento imparcial dos processos a que se referiram."

 

            

            Por sua vez, o Magistrado Titular da 1ª Vara Cível da Comarca de ltabuna afirmou que não tem se declarado suspeito automaticamente nos processos patrocinados pelo Advogado, mas apenas no processo n. 0004193-20.2008.8.05.0113, sem que a declaração tivesse relação com o causídico da demanda, bem como relacionou 27 processos patrocinados pelo referido Advogado em que atuou, estando baixado, em grau da recurso ou com movimentação regular. 

            A Magistrada Titular da 2ª Vara Cível pontuou ter se declarado suspeita para atuar nos processos ns. 0304689-97.2013.8.05.0113 e 0004193-20.2008.8.05.0113, no ano de 2015, sendo que em relação ao primeiro houve a interposição de exceção de suspeição pelo próprio Advogado e que em relação ao processo n. 0502251-80.2014.8.05.0113 nunca atuou. 

             Nesse cenário, não há sequer contornos indiciários de ação concertada entre Magistrados em prejuízo do Advogado, tampouco influência de um Magistrado sobre outro. 

            No que tange ao andamento dos processos, observa-se que os mesmos vêm sendo periodicamente despachados, tendo as últimas decisões sido prolatadas nas seguintes datas: 

            - Processo n. 0004193-20.2008.8.05.0113 - 17/10/2019, 14/04/2020, 18/06/2020, 02/07/2020, 22/07/2020, 05/08/2020, 21/08/2020, 04/09/2020, 28/10/2020, 05/03/2021, 08/09/2021, expedido ofício ao Tribunal para sorteio de lista de substituição; 

            - Processo n. 0502251-80.2014.8.05.0113 – 01/04/2019, 30/09/2019, 14/11/2019, 03/12/2019, 05/02/2020, 28/02/2020, 16/09/2020, 06/11/2020, 20/11/2020, 07/12/2020, 22/03/2021, 08/04/2021, 01/06/2021, 23/08/2021, 29/09/2021 e 22/11/2021; 

            - Processo n. 0304689-97.2013.8.05.0113 - 27/11/2019, 17/12/2019, 22/04/2020, 17/06/2020, 12/05/2021, 08/09/2021, sendo novamente concluso no dia 07/10/2021. 

 

4. Convém ressaltar, ainda, que a OAB/BA ingressou com o Pedido de Providências nº 0008673-11.2020.2.00.0000, perante este CNJ, acerca de fatos análogos aos narrados aqui, de relatoria do Eminente Conselheiro Rubens Canuto, que julgou improcedente o pedido, em decisão datada de 16/12/2020. Seguem transcritos, por oportuno, os seguintes fundamentos que embasaram a sua conclusão:


A controvérsia tem origem na declaração de suspeição com fundamento no § 1º do art. 145 do Código de Processo Civil (CPC). A norma diz respeito à declaração de suspeição do juiz por motivo de foro íntimo, caso em que é legal e expressamente dispensada a declaração das razões.

Essa declaração, por motivo íntimo, é uma faculdade do magistrado e uma garantia destinada a preservar a independência e imparcialidade do juiz. Se o próprio magistrado não se considera isento para processar e julgar a causa, não se lhe pode impor o dever de fazê-lo.

Não há como afirmar que há abuso de direito da magistrada da 2ª Vara Cível da Comarca de Lauro de Freitas nem dos outros magistrados na declaração de suspeição nos processos em que o requerente funciona. A propósito, a suspeição nesse caso mostra-se, em princípio, natural e justificada pelos fatos ocorridos na comarca relacionados à defesa das prerrogativas dos advogados.

Embora se possa cogitar dessa situação, inexiste elemento fático e probatório concreto que suporte a alegação de retaliação aos advogados que patrocinam os processos em que averbada a suspeição.

[...]

Na eventual situação em que todos os magistrados da comarca se declarem suspeitos de atuar em determinado caso, o TJBA há de ser devidamente informado para adotar as providências cabíveis, de acordo com as normas que regem e organizam a prestação jurisdicional no Estado.

  

Aponta o recorrente que não busca a reforma ou anulação das suspeições invocadas, mas que espera a “adoção de medida imediata e permanente para garantir a devida prestação jurisdicional nas demandas patrocinadas pelo aludido advogado”, visto que ainda se encontra pendente a divulgação de nova lista de substituições, sem a indicação de prazo para sua expedição, paralisando momentâneas demandas e gerando prejuízo efetivo ao jurisdicionado.

Em sede de contrarrazões, a Presidência do TJBA informa que já houve, em caráter excepcional, o sorteio de nova lista tríplice de substituição, visando dar o efetivo andamento do processo nº 0004193-20.2008.8.05.0113 e apensos, conforme segue:


“inexiste qualquer prejuízo efetivo ao andamento do processo nº 0004193-20.2008.8.05 .0113 e apensos, em trâmite na 2ª Vara dos Feitos das Relações de Consumo, Cíveis e Comerciais da Comarca de Itabuna, no qual se declarou suspeita a magistrada titular e os seus substitutos legais, eis que fora determinado, em caráter excepcional, a formação, por sorteio, em sede de Assessoria Especial da Presidência I - Magistrados, de lista tríplice de substituição, conforme consta da audiência de sorteio, objeto do TJ-ADM-2022/02564.

A propósito, sobreleve-se que a lista tríplice de substituição é fom1ada pelo 1° Substituto: Juiz de Direito Ulysses Maynard Salgado - Titular da 1ª Vara da Fazenda Pública; 2° Substituto: Juiz de Direito Antonio Carlos Maldonado Benacco – Titular da Vara de Execuções Penais; e 3° Substituto: Juiz de Direito Alexandre Mota Brandão de Araújo – Titular da 1ª Vara do Sistema dos Juizados Especiais, estando o feito com a sua regular tramitação confo1me documentação adunada às vertentes contrarrazões.”

 

5. Destaque-se que o recurso interposto em nada inova em suas razões, sendo jurisprudência pacífica deste Conselho que descabe intervenção disciplinar da Corregedoria Nacional quando há decisão da Corregedoria local, exauriente e bem fundamentada.

Realce-se, ainda, que a matéria em questão – a suposta ocorrência de perseguição dos magistrados da Comarca de Itabuna ao advogado Jorge Harley Garcia de Figueiredo, já foi objeto de análise e pronunciamento por esse Conselho Nacional, por ocasião do julgamento do pedido de providências n. 0005470-07.2021.2.00.0000, momento em que foram analisados os esclarecimentos prestados pela Corregedoria local e que, tendo sido considerados satisfatórios, foi arquivado.

6. Dessa forma, não foram evidenciados elementos que autorizassem divisar, ainda que em perspectiva, a prática de conduta infracional a justificar a deflagração ou seguimento de procedimento quer de natureza investigativa, quer punitiva.

Portanto, o recurso administrativo interposto pelo recorrente não logra êxito em infirmar a decisão de arquivamento, razão pela qual não merece prosperar. 

7. Ante o exposto, nego provimento ao recurso administrativo.

É como voto.

 

Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO

Corregedor Nacional de Justiça 

A45/Z02