Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: CONSULTA - 0007139-61.2022.2.00.0000
Requerente: TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 1ª REGIÃO - TRT 1
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

 


EMENTA: CONSULTA. TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 1ª REGIÃO. TEMPO DE SERVIÇO DOS MAGISTRADOS DO SEXO MASCULINO. PERCENTUAL DE 17%. TEMPO DE SERVIÇO ATÉ 16/12/1998 (EC.20/98).

1 – O TRT/1 indaga se o percentual de 17% sobre o tempo de serviço dos magistrados do sexo masculino deve ser aplicado a todo tempo de serviço até 16/12/1998 (EC20/98), ou restrito à atividade judicante até o mencionado marco.

 

2 – Consulta conhecida e, nos termos da decisão proferida no PP nº 0005125-61.2009.2.00.0000, respondida “pela aplicabilidade das disposições do § 3º do art. 8º da Emenda Constitucional nº 20, de 16 de dezembro de 1998, à contagem de tempo de serviço dos magistrados do sexo masculino, incidindo o tempo ficto de 17% (dezessete por cento) sobre o tempo de serviço exercido pelo magistrado até a data de publicação da referida Emenda”, contando não só o tempo de contribuição prestado no exercício da magistratura, como também o tempo de contribuição anterior que o magistrado eventualmente tenha prestado sob o RGPS ou sob o RPPS e que eventualmente tenha averbado para fins de contagem recíproca.

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, conheceu da consulta e, nos termos da decisão proferida no PP nº 0005125-61.2009.2.00.0000, respondeu pela aplicabilidade das disposições do § 3º do art. 8º da Emenda Constitucional nº 20, de 16 de dezembro de 1998, à contagem de tempo de serviço dos magistrados do sexo masculino, incidindo o tempo ficto de 17% (dezessete por cento) sobre o tempo de serviço exercido pelo magistrado até a data de publicação da referida Emenda, contando não só o tempo de contribuição prestado no exercício da magistratura, como também o tempo de contribuição anterior que o magistrado eventualmente tenha prestado sob o RGPS ou sob o RPPS e que eventualmente tenha averbado para fins de contagem recíproca, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário Virtual, 10 de fevereiro de 2023. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: CONSULTA - 0007139-61.2022.2.00.0000
Requerente: TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 1ª REGIÃO - TRT 1
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ


 

Relatório


             O Excelentíssimo Senhor Conselheiro MARCIO LUIZ FREITAS (Relator):

 

Trata-se de Consulta (Cons) formulada pela Presidência do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT/1), na qual se indaga:

 

“[...] se o percentual de 17% sobre o tempo de serviço dos magistrados do sexo masculino deve ser aplicado a todo tempo de serviço até 16/12/1998 (EC20/98), ou restrito à atividade judicante até o mencionado marco”.

 

É, em apertada síntese, o relatório.

 

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: CONSULTA - 0007139-61.2022.2.00.0000
Requerente: TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 1ª REGIÃO - TRT 1
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

 


Voto

 


 

O Excelentíssimo Senhor Conselheiro MARCIO LUIZ FREITAS (Relator):


Ab initio, conheço da Consulta por se tratar de caso em tese, de interesse e repercussão gerais à toda magistratura, preenchendo, assim, os requisitos exigidos no art. 89 do Regimento Interno do CNJ (RICNJ). 

No que tange à dúvida suscitada relativa ao percentual de 17% sobre o tempo de serviço dos magistrados do sexo masculino, o Plenário deste Conselho já teve a oportunidade de se debruçar sobre o tema no julgamento do Pedido de Providências (PP) nº 0005125-65.2009.2.00.0000. Inicialmente, na 109ª Sessão Ordinária realizado no dia 3/08/2010, o CNJ entendeu “pela aplicabilidade das disposições do § 3º do art. 8º da Emenda Constitucional nº 20, de 16 de dezembro de 1998, à contagem de tempo de serviço dos magistrados do sexo masculino, incidindo exclusivamente sobre o período compreendido entre o início da atividade judicante e a data da entrada em vigor da referida Emenda. Por ser pertinente para o deslinde das dúvidas suscitadas pelo TRT1, transcrevo os fundamentos do voto condutor do acórdão: 

 

“1. O tema sobre a aplicação das regras de transição de aposentadorias afetadas pelas repetidas reformas do texto constitucional, tanto por intermédio da EC nº 20/98, quanto das demais Emendas 41/2003 e 47/2005, já fora tratado pelo Supremo Tribunal Federal quando da análise da Ação de Direta de Inconstitucionalidade nº 3.105, nos termos da ementa abaixo transcrita: 

 

EMENTAS: 1. Inconstitucionalidade. Seguridade social. Servidor público. Vencimentos. Proventos de aposentadoria e pensões. Sujeição à incidência de contribuição previdenciária. Ofensa a direito adquirido no ato de aposentadoria. Não ocorrência. Contribuição social. Exigência patrimonial de natureza tributária. Inexistência de norma de imunidade tributária absoluta. Emenda Constitucional nº 41/2003 (art. 4º, caput). Regra não retroativa. Incidência sobre fatos geradores ocorridos depois do início de sua vigência. Precedentes da Corte. Inteligência dos arts. 5º, XXXVI, 146, III, 149, 150, I e III, 194, 195, caput, II e § 6º, da CF, e art. 4º, caput, da EC nº 41/2003. No ordenamento jurídico vigente, não há norma, expressa nem sistemática, que atribua à condição jurídico-subjetiva da aposentadoria de servidor público o efeito de lhe gerar direito subjetivo como poder de subtrair ad aeternum a percepção dos respectivos proventos e pensões à incidência de lei tributária que, anterior ou ulterior, os submeta à incidência de contribuição previdencial. Noutras palavras, não há, em nosso ordenamento, nenhuma norma jurídica válida que, como efeito específico do fato jurídico da aposentadoria, lhe imunize os proventos e as pensões, de modo absoluto, à tributação de ordem constitucional, qualquer que seja a modalidade do tributo eleito, donde não haver, a respeito, direito adquirido com o aposentamento. 2. Inconstitucionalidade. Ação direta. Seguridade social. Servidor público. Vencimentos. Proventos de aposentadoria e pensões. Sujeição à incidência de contribuição previdenciária, por força de Emenda Constitucional. Ofensa a outros direitos e garantias individuais. Não ocorrência. Contribuição social. Exigência patrimonial de natureza tributária. Inexistência de norma de imunidade tributária absoluta. Regra não retroativa. Instrumento de atuação do Estado na área da previdência social. Obediência aos princípios da solidariedade e do equilíbrio financeiro e atuarial, bem como aos objetivos constitucionais de universalidade, equidade na forma de participação no custeio e diversidade da base de financiamento. Ação julgada improcedente em relação ao art. 4º, caput, da EC nº 41/2003. Votos vencidos. Aplicação dos arts. 149, caput, 150, I e III, 194, 195, caput, II e § 6º, e 201, caput, da CF. Não é inconstitucional o art. 4º, caput, da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, que instituiu contribuição previdenciária sobre os proventos de aposentadoria e as pensões dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações. 3. Inconstitucionalidade. Ação direta. Emenda Constitucional (EC nº 41/2003, art. 4º, § único, I e II). Servidor público. Vencimentos. Proventos de aposentadoria e pensões. Sujeição à incidência de contribuição previdenciária. Bases de cálculo diferenciadas. Arbitrariedade. Tratamento discriminatório entre servidores e pensionistas da União, de um lado, e servidores e pensionistas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de outro. Ofensa ao princípio constitucional da isonomia tributária, que é particularização do princípio fundamental da igualdade. Ação julgada procedente para declarar inconstitucionais as expressões "cinquenta por cento do" e "sessenta por cento do", constante do art. 4º, § único, I e II, da EC nº 41/2003. Aplicação dos arts. 145, § 1º, e 150, II, cc. art. 5º, caput e § 1º, e 60, § 4º, IV, da CF, com restabelecimento do caráter geral da regra do art. 40, § 18. São inconstitucionais as expressões "cinqüenta por cento do" e "sessenta por cento do", constantes do § único, incisos I e II, do art. 4º da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, e tal pronúncia restabelece o caráter geral da regra do art. 40, § 18, da Constituição da República, com a redação dada por essa mesma Emenda. (ADI 3105, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Relator(a) p/ Acórdão: Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 18/08/2004, DJ 18-02-2005 PP-00004 EMENT VOL-02180-02 PP-00123 RTJ VOL-00193-01 PP-00137 RDDT n. 140, 2007, p. 202-203). 

 

Ainda que tratando de temática distinta à do presente, o voto do Ministro Cezar Peluso, Relator para o Acórdão na ADI acima, estabeleceu o alcance da garantia constitucional do "direito adquirido" nos seguintes termos: 

 

"O art. 5º, XXXVI, ao prescrever que "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada", protege, em homenagem ao princípio fundamental de resguardo da confiança dos cidadãos perante a legislação, enquanto postulado do Estado de Direito, os titulares dessas situações jurídico-subjetivas consolidadas contra a produção de efeitos normativos gravosos que, não fosse tal garantia, poderiam advir-lhes da aplicação da lei nova sobre fatos jurídicos de todo realizados antes do seu início de vigência. 6. Mas o direito adquirido ou exaurido, não precisaria dizê-lo, só se caracteriza como situação tutelada, invulnerável à eficácia de lei nova, quando haja norma jurídica que o contemple como tal no segundo membro de sua estrutura lingüística (proposição normativa), como conseqüência jurídica da perfeita realização histórica (fattispecie concreta) do fato hipotético previsto, como tipo (fattispecie abstrata), no primeiro membro da proposição normativa. Talvez conviesse recordar ao propósito, conquanto em esquema simplificado, que toda norma jurídica prática, cuja vocação está em induzir comportamento, prevê, na primeira cláusula de sua formulação lingüística, enunciados em termos típicos mais complexos, fatos ou fatos de possível ocorrência histórica (fattispecie abstrata), e liga à sua realização completa no mundo físico (fattispecie concreta), por imputação ideal (causalidade normativa), na segunda cláusula, a produção de certo efeito ou efeitos jurídicos, redutíveis, de regra, às categorias conceituais de obrigações ou de direitos subjetivos. De modo que, reproduzido na realidade, em toda a sua inteireza, com ocorrência do fato, o modelo ou tipo normativo, descrito como hipotético na primeira cláusula, dá-se, no mundo jurídico, o fenômeno chamado de incidência da norma sobre o fato (ou subsunção do fato à norma), mediante o qual o fato realizado se jurisdiciza e, fazendo-se jurídico, dá origem, por suposição, ao nascimento de direito subjetivo, isto é, direito reconhecido a titular ou titulares personalizados (com adjetivo possessivo). Daí afirmar-se: ‘Inexiste direito subjetivo sem norma incidente sobre fato do homem ou sobre o homem como fato: sobre seu mero existir ou sobre conduta sua. O direito subjetivo é efeito de fato jurídico, ou de fato que se jurisdicizou: situa-se no lado da relação, que é efeito. Isso quer nos direitos subjetivos absolutos, privados ou públicos, quer nos direitos subjetivos relativos’ LOURIVAL VILANOVA. Causalidade e Relação no Direito. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 146, nº 2)" 

 

Ora, em se tratando da vigência da Emenda Constitucional nº 20/98, a qual garantiu o acréscimo de 17% de tempo de serviço aos magistrados do sexo masculino, para fins de aposentação, observo que a aplicação jurídica do instituto do "direito adquirido", conforme manifestado acima, é perfeitamente cabível ao presente caso.  

O artigo 8º da EC nº 20/98 configura, exatamente, a proposição normativa que veio dar suporte jurídico à aquisição do direito à contagem do tempo de serviço acrescido de 17% aos magistrados que já se encontravam em atividade no momento de sua entrada em vigor, e como tal, desde então, este direito já poderia ter sido averbado em suas respectivas anotações funcionais. O que difere a questão posta na ADI nº 3.105 do presente caso é que, na primeira, a norma que alterou o sistema de arrecadação previdenciária tem por escopo regular relações jurídicas para o futuro, enquanto o disposto no art. 8º da EC nº 20/98 produziu seus efeitos imediatamente, pois seu objetivo foi o de incidir plenamente sobre situações fáticas já existentes quando de sua entrada em vigor.  

2. Analogamente, pode-se concluir que essa espécie normativa que atribuiu o direito aos magistrados a acrescerem 17% ao seu tempo de serviço reveste-se de caráter nitidamente transitório, assim como as regras contidas no Ato da Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT, e sob esta configuração deve ser interpretada e aplicada.  

No dizer de José Afonso da Silva (Aplicabilidade das Normas Constitucionais, São Paulo: Malheiros, 2004, pp. 204 ss): 

 

"As normas das disposições transitórias fazem parte integrante da constituição. Tendo sido elaboradas e promulgadas pelo constituinte, revestem-se do mesmo valor jurídico da parte permanente da constituição. Mas seu caráter transitório indica que regulam situações individuais e específicas, de sorte que, uma vez aplicadas e esgotados os interesses regulados, exaurem-se, perdendo a razão de ser, pelo desaparecimento do objeto cogitado, não tendo, pois, mais aplicação no futuro.  

(...)  

São normas que regulam situações ou resolvem problemas de exceção. (...)  

As normas transitórias têm, como visto, o mesmo valor jurídico das normas constitucionais. Quer isso dizer que são normas constitucionais. Têm, em regra, eficácia plena e aplicabilidade imediata. (...)" (grifos nossos) 

 

 

Com efeito, ainda que não se trate tecnicamente de um dispositivo contido topologicamente no ADCT, não há como negar sua natureza transitória, visto que a regra contida no § 3º do art. 8º da EC nº 20/98 nada mais fez do que regular uma situação específica de determinadas categorias profissionais, buscando equalizar eventuais distorções causadas pela reforma.  

Norma de caráter transitório, incide em relação às situações para as quais se destina e, em seguida, perde a vigência (no sentido de Pontes de Miranda, “Incidência e aplicação da lei”, in: Revista da Ordem dos Advogados de Pernambuco, ano I, nº 1, Recife, 1956: não pode mais incidir). Pode-se acrescentar que se trata de norma jurídica temporalmente uno-incidente, ou seja, “regra jurídica para classe de um caso só” (Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, 4ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1974, tomo I, p.8). Daí por que não ser relevante disposição “revogatória” ou cláusula restritiva contida nos textos das Emendas Constitucionais supervenientes, que deram continuidade à reforma previdenciária. Seu alcance exauriu ao incidir imediatamente aos casos por ela tutelados, fazendo o acréscimo de 17% ao tempo de serviço ser incorporado ao patrimônio jurídico dos magistrados que se encontravam em efetivo exercício à época.  

3. Observe-se que a possibilidade de não acatamento dessa disponibilidade dos 17% como categoria de direito adquirido ensejaria seu reconhecimento como mera expectativa de direito. Nesse sentido, a balizada doutrina de Pontes de Miranda esclarece que a expectativa de direito corresponde “à posição de alguém em que se perfizeram elementos de suporte fáctico, de que sairá fato jurídico, produtor de direitos e outros efeitos, porém ainda não todos os elementos do suporte fáctico: a regra jurídica, a cuja incidência corresponderia o fato jurídico, ainda não incidiu, porque suporte fáctico ainda não há” (Tratado de Direito Privado, 4ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1974, tomo V, p. 291 – grifo no original). À toda evidência, as disposições da EC nº 20/98, no que tange à questão destes autos, incidiram imediatamente, eis que o suporte fático para a produção de seus efeitos era, especificamente, a existência de tempo de serviço já cumprido por magistrados e membros do Tribunal de Contas e do Ministério Público, aos quais se devem acrescer 17%. Portanto, há o suporte fático e há a norma jurídica sobre ele incidindo. Somente não ocorrera, à época, a imediata aposentadoria dos agentes públicos, porque isto não integrou os requisitos exigidos pela norma constitucional para o aproveitamento da disposição equalizadora. Adquiriu-se o direito à percepção do acréscimo, a ser computado no momento futuro da aposentação, assim que atingidos os demais requisitos para tanto (tempo total de serviço e idade). Quanto a estes últimos é que não se pode invocar o direito adquirido, uma vez que, enquanto não se perfizerem, norma posterior poderá vir a alterá-los e, caso esta norma traga novas regras de adaptação (transitórias), como a presentemente discutida, também tornar-se-ão direitos subjetivos de seus titulares e, assim também, tornar-se-ão integrantes de seus respectivos patrimônios jurídicos; inatingíveis, como a do caso em tela, por alteração posterior; e assim sucessivamente.  

Nesse sentido, a lição de Carlos Ayres BRITTO (Teoria da constituição, p. 116 e 117): 

 

"(...) o direito subjetivo que se leva ao patamar de direito adquirido (o adquirido é um plus em relação ao direito subjetivo) pode até não se encontrar em fase de exercício. Nem por isso deixa de ser direito adquirido, pois o exercício pode ficar pendente de pressupostos, a saber... o aguardo do lapso temporal, ou do preenchimento de certa condição, prefixados pela própria norma geral. Mas prefixados, não como requisitos de obtenção do direito (matéria de outra norma), e, sim, como requisitos do respectivo exercício; ou seja, é preciso distinguir entre a norma geral que dispõe sobre a implementação de termo ou de condição para a empírica fruição daquele mesmo direito que a primeira norma elementarizou". 

 

 

4. Caminhando um pouco além do reconhecimento ao direito adquirido, tem-se que a regra do § 3º do art. 8º da EC nº 20/98 traduz a manifestação de um ato jurídico perfeito, que nada mais é do que o próprio fundamento de garantia do direito adquirido. A respeito, preleciona DINIZ (1998, pp. 182 ss): 

 

"(...) A segurança do ato jurídico perfeito é um modo de garantir o direito adquirido pela proteção que se concede ao seu elemento gerador, pois se a nova norma considerasse como inexistente, ou inadequado, ato já consumado sob o amparo da norma precedente, o direito adquirido dele decorrente desapareceria por falta de fundamento".  

E continua:  

"(...) Claro está que a garantia do ato jurídico perfeito seria um modo de assegurar o direito adquirido, uma vez que o ato jurídico perfeito é um dos elementos geradores de direito adquirido e do dever jurídico correlato. Assim sendo, o ato jurídico perfeito não poderá ser alcançado por lei posterior, sendo inclusive imunizado contra quaisquer requisitos formais exigidos pela nova norma". 

 

 

Com efeito, o disposto no § 3º do art. 8º da EC nº 20/98 é o ato jurídico perfeito que concede legitimidade plena ao direito adquirido de computar 17% ao tempo de serviço exercido até sua entrada em vigor, qual seja, a data de 16 de dezembro de 1998.  

A revogação posterior do artigo 8º da EC nº 20/98 pela EC nº 41/2003 em nada afetou o disposto no § 3º do referido artigo, visto se tratar de regra de transição, a qual opera efeitos imediatos. É norma de efeitos concretos que, uma vez entrando em vigor, atinge instantaneamente seu objetivo e, automaticamente, deixa de produzir qualquer efeito jurídico (o exercício do direito e a correspondente aplicação da norma é que ocorrerá após a incidência). Nesse sentido, sua revogação não traz qualquer alteração jurídica ou fática.  

Por fim, a referida "revogação" foi apenas aparente, permaneceu no plano do significante, ou seja, da disposição constitucional, não atingindo a própria norma, pois o art. 2º, § 3º, da EC nº 41, manteve esse benefício (o acréscimo do tempo ficto de 17%), dentro do regime jurídico por ela estabelecido.  

5. Diante do exposto, concluo pela aplicabilidade das disposições do § 3º do art. 8º da Emenda Constitucional nº 20, de 16 de dezembro de 1998, à contagem de tempo de serviço dos magistrados do sexo masculino, incidindo exclusivamente sobre o período compreendido entre o início da atividade judicante e a data da entrada em vigor da referida Emenda. E, tendo em vista que este entendimento deverá ser aplicado a todos os magistrados que se encontrem em situação análoga, determino a expedição de ofício aos tribunais brasileiros, integrantes do Poder Judiciário, a fim de dar conhecimento do presente.” 

 

 

Em seguida, na 111ª Sessão Ordinária, realizada no dia 31/08/2010, o Plenário do CNJ decidiu, após provocação da Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE), corrigir erro material nos termos do voto do relator, no seguinte sentido:

 

“5. Diante do exposto, concluo pela aplicabilidade das disposições do § 3º do art. 8º da Emenda Constitucional nº 20, de 16 de dezembro de 1998, à contagem de tempo de serviço dos magistrados do sexo masculino, incidindo o tempo ficto de 17% (dezessete por cento) sobre o tempo de serviço exercido pelo magistrado até a data de publicação da referida Emenda. E, tendo em vista que este entendimento deverá ser aplicado a todos os magistrados que se encontrem em situação análoga, determino a expedição de ofício aos tribunais brasileiros, integrantes do Poder Judiciário, a fim de dar conhecimento do presente.” 

 

Percebe-se, pois, que o Plenário deste Conselho passou a considerar a “aplicabilidade das disposições do § 3º do art. 8º da Emenda Constitucional nº 20, de 16 de dezembro de 1998, à contagem de tempo de serviço dos magistrados do sexo masculino, incidindo o tempo ficto de 17% (dezessete por cento) sobre o tempo de serviço exercido pelo magistrado até a data de publicação da referida Emenda”, em vez de incidir exclusivamente sobre o período compreendido entre o início da atividade judicante e a data da entrada em vigor da referida Emenda.

A decisão proferida por este Conselho foi analisada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), nos autos do Agravo Interno no Mandado de Segurança Coletivo nº 31.299/DF, que, ao final, assegurou o acréscimo de 17% ao tempo de serviço exercido por magistrados do sexo masculino, nos termos do § 3º do art. 8º da EC. Nº 20/1988, independentemente de terem completado os requisitos para a aposentadoria voluntária quando da EC nº 41/2003. Por ser pertinente, transcrevo a ementa do acórdão:

 

“Ementa: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. ALTERAÇÃO DE REGIME JURÍDICO PREVIDÊNCIÁRIO. EFICÁCIA DO § 3º DO ART. 8º DA EC 20/98. DIREITO ADQUIRIDO À APLICAÇÃO DA REGRA DE TRANSIÇÃO COMPENSATÓRIA DE ACRÉSCIMO DE 17% AO TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO ATÉ A DATA DA VIGÊNCIA DA EC 20/98 EXERCIDO POR MAGISTRADOS, MEMBROS DO MINISTÉRIO PUBLICO E DO TRIBUNAL DE CONTAS, DO SEXO MASCULINO. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO PARA CONCEDER A SEGURANÇA. 

 1. A ratio do art. 8º, § 3º, da EC 20/98 estabeleceu regra de transição compensatória para todos os Magistrados, membros do Ministério Público e do Tribunal de Contas, do sexo masculino, que ainda não haviam preenchidos os requisitos para a aposentadoria na data de sua vigência.  

2. A partir da leitura da norma constitucional, é possível inferir a mensagem do constituinte no sentido de que, ao sujeitarem tais servidores a novo regime jurídico previdenciário, com significativo acréscimo de 5 anos de contribuição para a aposentadoria, contemplou-os com o direito adquirido ao acréscimo de tempo de serviço em determinado percentual, como forma de compensação pela maior onerosidade para preenchimento do requisito do tempo de contribuição.  

3. O § 3º do art. 8º da EC 20/1998 tem por fim equalizar uma situação jurídica "passada" criada pela própria EC 20 e, por isto, produziu seus efeitos de acréscimo na contagem do tempo passado de forma concreta, não se exigindo, para a contagem do tempo, a integração de qualquer outro elemento ou fato jurídico, o que se traduz em aquisição do próprio direito à contagem diferenciada.  

4. A eficácia do § 3º do art. 8º da EC 20 foi mantida expressamente pelo art. 2º, §§ 2º e 3º da EC 41/2003 e pelo art. 3º da EC 47/2005, que ressalvam expressamente o efeito jurídico do tempo de serviço do magistrado antes da EC 20/90 e fazendo remição à contagem especial do tempo de serviço antes da EC 20/98.  

5. As redações sucessivas demonstram a intenção do constituinte de preservar, com o advento da EC 41/2003, o direito ao acréscimo de 17% ao tempo de serviço exercido por Magistrados, membros do Ministério Público e do Tribunal de Contas, do sexo masculino, até a publicação da EC 20/98.  

6. AGRAVO INTERNO PROVIDO para conceder a segurança, assegurando o acréscimo de 17% ao tempo de serviço prestado até a vigência da EC 20/98 (art. 8º, § 3º), aos magistrados homens, nos exatos termos decididos pelo CNJ no pedido de providências 0005125-61.2009.2.00.0000. 

(MS 31299 AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Relator(a) p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 24/02/2021, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-085  DIVULG 04-05-2021  PUBLIC 05-05-2021)”. 

 

Além disso, o e. STF deu provimento ao agravo interno na Reclamação nº 10823 interposto contra a decisão proferida por este Conselho para confirmar o acréscimo de 17% ao tempo de serviço exercido por magistrados do sexo masculino, nos termos do § 3º do art. 8º da EC. Nº 20/1998, independentemente de terem completado os requisitos para aposentadoria voluntária quando a edição da EC nº 41/2003.

Dessa forma, pode-se concluir que o julgamento deste CNJ permitiu que o acréscimo de 17% tivesse incidência sobre o todo o tempo de contribuição anterior à vigência da EC nº 20/1998 do magistrado, contando não só o tempo de contribuição prestado no exercício da magistratura, como também o tempo de contribuição anterior que o magistrado eventualmente tenha prestado sob o RGPS ou sob o RPPS e que eventualmente tenha averbado para fins de contagem recíproca.

Diante do exposto, com fundamento no disposto no art. 90 do RICNJ, conheço da Consulta e, nos termos da decisão proferida no PP nº 0005125-61.2009.2.00.0000, respondo “pela aplicabilidade das disposições do § 3º do art. 8º da Emenda Constitucional nº 20, de 16 de dezembro de 1998, à contagem de tempo de serviço dos magistrados do sexo masculino, incidindo o tempo ficto de 17% (dezessete por cento) sobre o tempo de serviço exercido pelo magistrado até a data de publicação da referida Emenda”, contando não só o tempo de contribuição prestado no exercício da magistratura, como também o tempo de contribuição anterior que o magistrado eventualmente tenha prestado sob o RGPS ou sob o RPPS e que eventualmente tenha averbado para fins de contagem recíproca.

Intime-se. Em seguida, arquive-se.

 

É como voto.

 

Brasília, data registrada no sistema.

Conselheiro Marcio Luiz Freitas

 

Relator