PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. RES. N. 135/2011, ART. 28. PAD. MAGISTRADO DE PRIMEIRO GRAU. CONDENAÇÃO À PENA DE CENSURA POR 101 FALTAS INJUSTIFICADAS. ABSOLVIÇÃO PARCIAL. APARENTE CONTRARIEDADE AO DIREITO E À PROVA DOS AUTOS (ART. 83, I, RICNJ). INDICATIVOS DE QUE, SISTEMATICAMENTE E AO LONGO DE VÁRIOS ANOS, O MAGISTRADO VENDIA FÉRIAS, AS TIRAVA DE FATO E, PARA ASSEGURAR O PLENO DESCANSO, DELEGAVA O EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO AOS SERVIDORES DO PODER JUDICIÁRIO. DETERMINADA A INSTAURAÇÃO DE REVISÃO DISCIPLINAR.

1 Acusação de abusar do direito de conversão de férias e de licença-prêmio em pecúnia. Uma interpretação razoável do direito parece conduzir na direção de que há uma ofensividade autônoma entre faltar ao trabalho e, na mesma janela de tempo, postular indenização pelo direito a folgas. É provável que haja duas ofensas distintas nessa conduta, reclamando dupla punição.

2 Acusação de delegar a jurisdição. O Tribunal de Justiça afirmou que o magistrado entregava o token e passava a senha para a aposição da assinatura dos atos judiciais aos servidores. No entanto, considerou não poder equiparar “terceirização do token com terceirização da jurisdição”, por concluir que os atos jurisdicionais eram corrigidos remotamente. Afirmação contraditória com a conclusão de que o juiz de direito empreendia viagens que “evidentemente inviabilizavam o esmero demandado pelo cargo judicante”.

3 Determinada a instauração da revisão disciplinar, quanto às imputações de abuso de direito à conversão de férias e de licença-prêmio em pecúnia e de delegação da jurisdição.

 

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, decidiu pela instauração de revisão disciplinar, nos termos do voto da Relatora. Declarou impedimento o Conselheiro Mário Guerreiro. Ausentes, em razão das vacâncias dos cargos, os representantes do Tribunal Superior do Trabalho, do Tribunal Regional Federal e da Justiça Federal. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário, 19 de outubro de 2021. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura, Luiz Fernando Tomasi Keppen, Tânia Regina Silva Reckziegel, Mário Guerreiro, Flávia Pessoa, Sidney Madruga, Ivana Farina Navarrete Pena, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, André Godinho, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Sustentaram oralmente: pelo Requerido, o Advogado Bruno Silva Navega - OAB/RJ 118.948; e, pela Interessada Associação dos Magistrados Brasileiros, o Advogado Alexandre Pontieri - OAB/SP 191.828

 

 

RELATÓRIO 

 

A MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA (Relatora): 

Cuida-se de pedido de providências instaurado, nos termos da Portaria CNJ n. 34 de 13/9/2016, para dar cumprimento ao disposto nos arts. 9º, § 3º; 14, §§ 4º e 6º; 20, § 4º; e 28 da Resolução CNJ n. 135, de 13/7/2011, que exigem sejam comunicadas a esta Corregedoria as decisões de arquivamento dos procedimentos prévios de apuração, de instauração e os julgamentos dos procedimentos administrativos relativos a juízes e desembargadores vinculados aos tribunais do país.

O Presidente do Tribunal de Justiça do TJRJ comunicou a tramitação do processo administrativo disciplinar instaurado em desfavor de RODRIGO JOSÉ MEANO BRITO.

Em nova manifestação, o Presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro informou que o Órgão Especial do TJRJ, composto por 24 membros, deliberou por maioria dos votos, na sessão do dia 24/8/2020, iniciada na sessão do dia 10/8/2020, pela aplicação da pena de censura ao magistrado, por 14 (catorze) votos, vencidos 4 (quatro) desembargadores que votaram pela remoção compulsória; e 1 (um) pela pena de advertência; sendo certificadas 2 (duas) suspeições e 3 (três) ausências (4107138).

Por ordem da Corregedoria Nacional de Justiça, foram trazidas aos autos cópias do processo na origem e informado o julgamento de embargos de declaração (4257350).

Tendo em vista a possibilidade de propor a revisão disciplinar, com base no art. 83, I, do RICNJ, pela absolvição do magistrado quanto a alguns dos fatos e pela insuficiência da pena aplicada, foi determinada a intimação para defesa (4271005).

O magistrado ofereceu defesa (4309921). Sustenta que a instauração do processo administrativo disciplinar é inválida, tendo em vista a produção de provas após a defesa prévia. Aduz serem ilícitas as provas produzidas mediante a) Requisição de informações junto à Policia Federal e empresas de viação aérea quanto às saídas do magistrado no período em que se tem notícia de viagens por ele realizadas; b) Verificação ex officio das informações cadastrais do magistrado no sistema INFOSEG, para verificação de eventual existência de patrimônio incompatível com os vencimentos do magistrado; c) Requisição, junto à Presidência do Eg. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, das Declarações de Imposto de Renda do Requerido referente aos últimos 8 (oito) anos, para verificação da compatibilidade acima referida; d) Requisição à JUCERJA de dados sobre a existência de empresas em nome do magistrado, de sua esposa e/ou de seus pais; e) Requisição à DGFEX de informações sobre bens imóveis em nome do magistrado, sua esposa e seus pais. Argui a decadência ou prescrição da pretensão disciplinar, visto que os fatos teriam sido noticiados à Corregedoria-Geral de Justiça em 2017, que arquivou a primeira representação fazia mais de um ano. No mérito, sustenta que as decisões foram adequadamente decididas pelo Tribunal de Justiça, sendo descabida a revisão disciplinar.

É o relatório.

 

 

VOTO


A MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA (Relatora): 

Compete ao Conselho Nacional de Justiça “rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano” (art. 103-B, § 4º, V; da CF).

Registro que não decorreu o prazo decadencial de um ano para a instauração da revisão disciplinar. O julgamento foi concluído pelo Tribunal de Justiça em 1º/2/2021, com apreciação de embargos de declaração (4257377, página 1.595 do processo administrativo). Assim, não se operou a decadência.

A instauração de revisão disciplinar depende de contrariedade “a texto expresso da lei, à evidência dos autos ou a ato normativo do CNJ”, na forma do art. 83, I, do RICNJ. Para que a revisão seja iniciada de ofício, essa contrariedade deve estar patente.

I – Preliminares

O requerido levantou algumas questões sobre a validade do processo administrativo disciplinar perante o Tribunal de Justiça, as quais analiso em preliminar.

Consigno, antes de mais nada, que apenas as falhas procedimentais da origem aptas a ensejar a revisão disciplinar podem favorecer a defesa. Assim, a contrariedade “a texto expresso da lei, à evidência dos autos ou a ato normativo do CNJ”, na forma do art. 83, I, do RICNJ, ensejaria o acolhimento da alegação.

Dessa forma, apenas uma falha procedimental clara e grave, que cause prejuízo relevante, pode ser analisada na via estreita da revisão disciplinar.

 

1 Cerceamento de defesa

O requerido sustenta que a instauração do processo administrativo disciplinar é inválida, tendo em vista a produção de provas após a defesa prévia.

O requerido teve a oportunidade de oferecer defesa previamente à instauração do PAD e de sustentar suas razões ao colegiado, na forma do art. 14 e § 1º, da Resolução n. 135/2011. Assim, ainda que algum elemento de prova haja sido incorporado após a defesa prévia, o magistrado teve a oportunidade de oferecer suas razões.

Além disso, após a instauração do PAD, a defesa teve todas as oportunidades normativamente previstas para oferecer razões e contraditar provas.

Ou seja, a matéria levantada não é adequada como defesa contra a propositura da revisão disciplinar.

De qualquer forma, verifico que os documentos produzidos após a defesa prévia diziam respeito a informações que eram compartilhadas entre o magistrado e o Tribunal de Justiça.

O magistrado foi notificado em 9/7/2019 e produziu defesa prévia em 24/7/2019 (4257355, p. 158 e ss.).

Após essa data, foram trazidos aos autos informações sobre vendas de férias e licenças (4257355, pp. 172-182) e sobre movimentações do juiz de direito na carreira.

Até o momento, o magistrado não contestou a veracidade de qualquer das informações carreadas aos autos naquela oportunidade.

Portanto, os documentos que foram trazidas aos autos eram dados de conhecimento do magistrado; houve oportunidade de contestação; não há contestação quanto ao conteúdo dos documentos e a matéria refoge ao escopo da revisão disciplinar.

Por todas essas razões, a preliminar não merece acolhida.

 

2 Ilicitude da quebra de sigilo de dados

O requerido aduz serem ilícitas as provas produzidas mediante a) Requisição de informações junto à Policia Federal e empresas de viação aérea quanto às saídas do magistrado no período em que se tem notícia de viagens por ele realizadas; b) Verificação ex officio das informações cadastrais do magistrado no sistema INFOSEG, para verificação de eventual existência de patrimônio incompatível com os vencimentos do magistrado; c) Requisição, junto à Presidência do Eg. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, das Declarações de Imposto de Renda do Requerido referente aos últimos 8 (oito) anos, para verificação da compatibilidade acima referida; d) Requisição à JUCERJA de dados sobre a existência de empresas em nome do magistrado, de sua esposa e/ou de seus pais; e) Requisição à DGFEX de informações sobre bens imóveis em nome do magistrado, sua esposa e seus país.

A única informação que parece ter sido decisiva para o julgamento do processo administrativo disciplinar é a requisição de informações sobre viagens.

O controle de entradas e saídas do exterior é não é uma informação sujeita a reserva de jurisdição. Da mesma forma, as informações sobre viagens pelas empresas de transporte aéreo.

Esses dados recebam proteção pelo direito à intimidade (art. 5º, X, da CF), mas podem ser requisitados por autoridade administrativa.

Assim, o Tribunal, ou qualquer outra autoridade administrativa, pode requisitar a informação, desde que haja finalidade legítima para tanto.

A apuração de infrações disciplinares é finalidade suficiente para a requisição de semelhantes informações.

Acrescento que o regimento interno do CNJ prevê poderes de requisição, os quais se aplicam aos Tribunais em geral, quando no exercício de suas atribuições disciplinares. O art. 4º, XV, do Regimento Interno do CNJ estabelece que o Conselho pode “requisitar das autoridades fiscais, monetárias e de outras autoridades competentes informações, exames, perícias ou documentos, sigilosos ou não, imprescindíveis ao esclarecimento de processos ou procedimentos de sua competência submetidos à sua apreciação”. A Corregedoria Nacional de Justiça tem poderes idênticos nos “processos ou procedimentos submetidos à sua apreciação”, na forma do art. 8º, V, do RICNJI.

Os demais itens não foram relevantes à decisão. De qualquer forma, não é evidente a ilicitude da produção dessas provas.

O sistema Infoseg, então regido pela Lei n. 12.681/2012, “possibilita consultas operacionais, investigativas e estratégicas sobre segurança pública”. Até por sua finalidade, o acesso dispensa ordem judicial.

A declaração de bens é legalmente fornecida ao Tribunal, na forma do art. 13 da Lei de Improbidade Administrativa. Como tal, pode instruir investigações internas.

Informações sobre participação em sociedades comerciais e propriedade de imóveis são disponíveis à consulta pública.

Portanto, a única informação relevante não estava protegida por reserva de jurisdição e foi legitimamente requisitada para instrução da investigação disciplinar. As demais, além de irrelevantes, também foram requisitadas de forma compatível com o ordenamento jurídico. Não há ilicitude probatória.

 

3 Prescrição

O requerido argui a decadência ou prescrição da pretensão disciplinar, visto que os fatos teriam sido noticiados à Corregedoria-Geral de Justiça em 2017. Essa primeira representação foi arquivada havia mais de um ano antes da instauração do processo administrativo disciplinar.

O prazo prescricional da infração disciplinar é “contado a partir da data em que o tribunal tomou conhecimento do fato”, na forma do art. 24 da Resolução n. 135/2011.

O Tribunal de Justiça não tomou conhecimento dos fatos que levaram à instauração do processo administrativo disciplinar em 2017.

Como narra o requerido, houve uma representação naquele ano, mas por fato diverso. A primeira representação tinha por objeto a falha do magistrado em atender advogado. Não se sabia, naquele momento, que o motivo pelo qual o magistrado deixou de realizar o atendimento era a ausência ao trabalho. O relevante, no entanto, é que a negativa do atendimento não é objeto do processo administrativo disciplinar.

Ao que se tem, as ausências sistemáticas do magistrado só chegaram ao conhecimento do Tribunal de Justiça no ano seguinte, em razão das apurações instauradas.

Mais precisamente, em razão de uma segunda denúncia de mora na prestação jurisdicional e de negativa de atender advogados, a Corregedoria-Geral de Justiça realizou inspeção na serventia, em 15/2/2019. Foi no curso da inspeção que o absenteísmo foi levado ao conhecimento da Corregedoria (4257352):

 

“Ainda durante a inspeção, a equipe da CGJ e esta magistrada conversaram informalmente com serventuários e alguns advogados, ocasião em que foi informado que o juiz, apesar de estar, acumulando suas funções com I JECRIM de São Gonçalo, não compareceria nos Juízos todos os dias e tinha hábito de se ausentar sem autorização, viajando, inclusive para fora do País, sem estar de férias.”

 

Portanto, o prazo prescricional iniciou nesta data (15/2/2019).

Neste momento, instaurou-se a suspeita, posteriormente confirmada pela requisição de informações.

Não houve prescrição.

 

II Revisão Disciplinar

O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro deliberou, na sessão realizada no dia 24/8/2020, por maioria de votos, pela aplicação da pena de censura ao magistrado RODRIGO JOSE MEANO BRITO, nos termos do Acórdão, cuja ementa adiante se transcreve (Id n. 3, p.45):

 

“PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR EM FACE DE MAGISTRADO – IMPUTAÇÕES DE AFASTAMENTO INDEVIDO DO CARGO, DE PREJUÍZO AO JUDICIÁRIO, DE TERCEIRIZAÇÃO DA ATIVIDADE JURISDICIONAL E DE ABUSO DE DIREITO NO PEDIDO DE CONVERSÃO DE FÉRIAS E DE LICENÇAS – AVERIGUAÇÃO DE 104 FALTAS INJUSTIFICADAS AO LONGO DE 11 ANOS E DE LESÃO AO JURISDICIONADO – CONDUTA QUE VAI DE ENCONTRO AOS DEVERES DISCIPLINARES ESTATUÍDOS PELO ARTIGO 35, VI, DA LOMAN E PELOS ARTIGOS 15, 16, 20 E 37 DO CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA NACIONAL. Na espécie, foram apuradas inúmeras ausências injustificadas do representado de suas funções, o que, para além de acarretar afronta a suas obrigações como magistrado, gera notório prejuízo ao jurisdicionado e à imagem da Magistratura como um todo. Inexistência de abuso de direito na venda de férias e de licenças, pois não há prova de que o magistrado, por ocasião da conversão desses dias em pecúnia, já planejasse ausentar-se da comarca. As faltas injustificadas possuem tipificação própria, não servindo também ao reconhecimento de abuso de direito, sob pena de bis in idem. No que tange à terceirização da jurisdição, ficou demonstrado ter havido o compartilhamento da senha e do token do magistrado em períodos de viagem, fato que, apesar de reprovável, não é suficiente para condena-lo por delegação de atos privativos da jurisdição. Sanção de censura aplicada em função das diversas e reiteradas faltas injustificadas”.

 

Em 1º/2/2021, foram julgados embargos de declaração. Naquela ocasião, reduziu-se o número de ausências reconhecidas (104 para 101), mantendo-se a pena aplicada:

 

“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR EM FACE DE MAGISTRADO – RECONHECIMENTO DE AFASTAMENTO INDEVIDO DO CARGO E DE PREJUÍZO AO JUDICIÁRIO E AO JURISDICIONADO – ALEGAÇÃO DE QUE O ACÓRDÃO PADECERIA DE ERROS MATERIAIS E DE OBSCURIDADE, ALÉM DE TER PARTIDO DE PREMISSAS EQUIVOCADAS – CONSTATAÇÃO SOMENTE DE DOIS ERROS MATERIAIS, MAS QUE EM NADA ALTERAM AS CONCLUSÕES DO JULGADO. Na análise da enorme quantidade de documentos probatórios dos autos, deixou-se de perceber a existência de um ofício complementar da AMAERJ, segundo o qual o requerido esteve presente no 23º Campeonato de Futebol da AMB, realizado em Florianópolis, entre os dias 25 e 29 de novembro de 2015. Com efeito, as faltas apuradas nos dias 25, 26 e 27 daquele mês devem ser subtraídas da contagem geral. Assim, em vez de 104 faltas injustificadas no período investigado, chega-se a um total de 101 faltas injustificadas. Há, ainda, outro erro material: após explicar que a falta no dia 10 de janeiro de 2017 não seria justificada, pois esse dia é feriado apenas em São Gonçalo, mas não em Niterói (o requerido é titular da 5ª Vara Cível de Niterói desde 2016), constou do acórdão que referida falta “não deveria ter sido computada”. No entanto, o erro foi apenas redacional, sendo certo que a falta nesse dia foi injustificada e computada para todos os fins. As demais alegações recursais são manifestamente infundadas – e buscam, por meio de via imprópria, a revisão do julgado. Ausência de obscuridade ou omissão. Acolhimento parcial dos embargos, para correção de erro material, sem que haja qualquer alteração na pena aplicada”.

 

A censura decorreu do absenteísmo. Foram 101 faltas não justificadas de 2008 a 2019. Destaque para os anos de 2013 (12 faltas), 2015 (15 faltas), 2017 (22 faltas), 2018 (19 faltas). Como constatou o Tribunal, muito embora a média em todo o período não seja expressiva, “houve um aumento significativo dessa prática nos últimos anos”.

Constatou-se que o magistrado não se dedicava a prestar a jurisdição a distância. Sua ausência era motivada por propósitos exclusivamente pessoais:

 

“No mais, urge assinalar que o trabalho remoto, realidade dos tempos atuais, pressupõe igual (ou talvez maior) dedicação à exigida dos magistrados que exercem seu múnus in loco. Contudo, essa dedicação ao ofício é facilmente afastável na espécie, afinal, em vez de laborar a distância, o requerido realizava viagens pessoais que, por sua natureza, destino e duração, evidentemente inviabilizavam o esmero demandado pelo cargo judicante (ilustra-se com a viagem feita para Orlando, Flórida, no ano de 2013 – index 447, fls. 380 dos autos físicos –, a qual levou à constatação de 10 faltas injustificadas no mês de abril daquele ano)”.

 

Em razão desses fatos, o magistrado foi apenado com censura.

Existiam outras duas imputações (abuso de direito à conversão de férias e de licença-prêmio em pecúnia e delegação da jurisdição), das quais o juiz foi absolvido. Tenho por provável a contrariedade ao direito e à prova na absolvição quanto a esses fatos.

O magistrado foi acusado de abusar do direito de conversão de férias e de licença-prêmio em pecúnia. O Tribunal de Justiça sustentou que não haveria prova de premeditação das faltas e que a falta de assiduidade tem classificação jurídica própria. Transcrevo:

 

“O abuso de direito pode ser definido como o exercício de um ato contrário à sua própria finalidade. Então, para que se pudesse reconhecer o exercício abusivo no caso concreto, indispensável seria provar que o magistrado já tinha planejado se ausentar da comarca por ocasião da venda das férias e das licenças, eis que a razão de ser do ato (necessidade e interesse públicos) inexistiria desde o momento em que a situação jurídica foi realizada. O fato de o requerido ter injustificadamente se ausentado de suas funções há de ser resolvido pelo reconhecimento de afronta aos deveres de diligência, de dedicação, de decoro e de integridade. Todavia, não havendo prova de que a parte agiu de forma premeditada, não há como vislumbrar abuso de direito, em especial porque, como bem ponderado pela defesa, todos os pedidos foram analisados e deferidos pela Presidência deste Tribunal de Justiça.

Há mais: a se reconhecer a ocorrência de abuso de direito na espécie, estar-se-ia diante de verdadeiro bis in idem, tendo em vista que as faltas injustificadas possuem enquadramento próprio (o supracitado artigo 35, inciso VI, da Loman)”. 

 

Sobre a premeditação, o acórdão aparenta ser contrário à prova dos autos, de acordo com a interpretação da próprio Corte. Alguns parágrafos acima, o mesmo voto afirmou que o padrão de faltas “chama atenção pela regularidade: há grande concentração de faltas nos meses de janeiro, junho e julho, períodos de férias escolares”. Se a prova demonstra que, durante anos, o magistrado se fez ausente, com regularidade, sustentar que o absenteísmo não era planejado não se afigura consentâneo com o conjunto.

A conversão de férias e de licença-prêmio em pecúnia ocorre por necessidade do serviço – a administração precisa contar com o trabalho do membro durante o período que deveria ser reservado ao descanso. Uma interpretação razoável do direito parece conduzir na direção de que há uma ofensividade autônoma entre faltar ao trabalho e, na mesma janela de tempo, postular indenização pelo direito a folgas. É provável que haja duas ofensas distintas nessa conduta, reclamando dupla punição.

Além disso, há provas dando conta de que o magistrado planejou as viagens com a devida antecedência. Neste ponto, há declarações do magistrado em processos judiciais por ele movidos, nos quais relatou a antecedência do planejamento. Transcrevo, do parecer do Gabinete dos Juízes Auxiliares da CGJ:

 

"Na inicial referente ao processo n° 004490352.2016 (cujo advogado é o senhor Fabricio Dazzi), o autor Rodrigo José Meano Brito relata que 'Os autores estão planejando viajar nas férias de JANEIRO/2O17 com suas filhas menores [...] para a cidade de ORLANDO/7U~ e CAICOS' com saída no dia 02/ 01/ 2017 e retorno previsto para 21/ 01/ 2017. A informação da Polícia Federal juntada a fls. comprova que o magistrado partiu do Aeroporto Internacional Galeão no dia 03/ 01/ 2017 só retornando no dia 18/ 01/ 2017, considerando-se que o recesso forense se encerra no dia 06 de janeiro, naquele ano uma sexta feira, considerando-se apenas o período após o retorno das atividades forenses, ainda assim o magistrado se ausentou irregularmente para gozar 'férias' com a família de 9 a 18 de janeiro de 2017. Registre-se que a viagem foi programada com bastante antecedência, tanto que a ação judicial foi proposta em maio de 2016, sendo a viagem agendada, e concretizada, em janeiro de 2017.

Não satisfeito, logo em seguida, conforme se constata das iniciais referente aos processos n° 0068206-02.2016 e n.00014664-35.2017 (em ambos nomeado Advogado o escritório Dazzi- Advogados), o magistrado viajou com sua família, se ausentando no período de 22/ 02/ 2017 a 04 / 03/ 2017, relatório da Polícia Federal de jl.s.222 e 223, ou seja mesmo descontado o período do carnaval (sábado 26/02 a quarta-feira de cinzas 01/ 03/ 17) e considerados apenas os dias úteis, o magistrado se afastou durante 5 (cinco) dias, merecendo destaque os seguintes trechos das iniciais:

'Os Autores, visando passar o carnaval na cidade de MIAMI-Flórida, planejaram com antecedência a viagem. No sábado dia 08/10;/2016 o primeiro Autor comprou, via internet, 4 (quatro) passagens aéreas da companhia AVIANCA ';

'Os Autores, como o objetivo de desfrutar do feriado de Carnaval em família no dia 22/ 02/ 2017' (22/ 02/ 2017 foi uma quarta-feira, dia útil, sendo que o carnaval só iniciou na semana seguinte).

Em julho do mesmo ano (2017) o magistrado viajou para fora do País no período de 18/07/2017 (terça[1]feira) a 30/07/2017 (domingo), permanecendo metade do mês de julho ausente, sendo importante frisar que desde fevereiro de 2017 acumulava suas funções junto à 5ª Vara Cível com o I JECRIM São Gonçalo, relatório da Polícia Federal (fl. 223).

Logo em seguida, ainda acumulando suas funções, viaja para fora do País no dia 28/12/2017 (recesso forense), só retornando no dia 21/01/2018 (domingo), ou seja, novamente se ausentando irregularmente dos dias 08/01/2018 a 22/01/2018, relatório da Polícia Federal (fl. 223).

Em julho de 2017, ainda acumulando suas funções com o I JECRIM SG, a sistemática se repete, o magistrado viaja dos dias 12/07/2018 ((quinta-feira) ao dia 22/07/2018 (domingo), novamente se afastando metade do mês de julho sem autorização, conforme relatório da Polícia Federal (fl. 223).

No último recesso repete as práticas anteriores e viaja para fora do Pais dos dias 26/ 12/ 2018 (recesso) ao dia 13/ 01/ 2019 (domingo), se ausentando irregularmente dos dias 07 (segunda-feira) a 13/ 01/ 2019, relatório da Polícia Federal (fl. 223)".

 

Dessa forma, o fato parece ter ofensividade própria e a prova dos autos indica que os pedidos de indenização foram feitos já com as viagens planejadas.

Portanto, há elementos indicando a contrariedade à prova dos autos e ao direito na absolvição.

Também quanto à acusação de delegação da jurisdição, a absolvição parece contraditória com a prova dos autos e o restante da fundamentação.

O Tribunal de Justiça afirmou que o magistrado entregava o token e passava a senha para a aposição da assinatura dos atos judiciais aos servidores. No entanto, considerou não poder equiparar “terceirização do token com terceirização da jurisdição”, por concluir que os atos jurisdicionais eram corrigidos remotamente. Transcrevo:

 

“Tanto a Corregedoria-Geral de Justiça como o Ministério Público alegam que os registros de decisões assinadas com o token do magistrado em um computador instalado na 5ª Vara Cível de Niterói e em dias em que o requerido se encontrava fora da comarca (como em viagens internacionais, por exemplo) seriam prova irrefutável da delegação da jurisdição. Contudo, não se pode confundir terceirização do token com terceirização da jurisdição. Evidentemente, a senha de assinatura eletrônica do magistrado deveria ser pessoal e intransferível (por tantos fundamentos que sequer há necessidade de explaná-los aqui), mas a prova de seu compartilhamento (ex.: index 571, fls. 525/526, decisões assinadas em Niterói quando o magistrado estava viajando) não permite concluir pela ocorrência de terceirização da jurisdição.

Deve, sim, ser feita a distinção entre o ato de decidir e o ato instrumental de apenas assinar digitalmente a decisão que, a princípio, passou pelo crivo e pela revisão do magistrado. Nesse sentido, as testemunhas interrogadas informaram jamais terem elaborado alguma decisão que tenha sido lançada no sistema sem análise prévia do requerido; o magistrado também informou que algumas decisões são proferidas “em contato direto com a sua assessoria” (fls. 861), a permitir a conclusão de que há atos jurisdicionais preparados por assessores e corrigidos remotamente. E nada além”.

 

As decisões judiciais e demais atos eram assinados durante as ausências, a partir de computador instalado na serventia judicial (computador instalado na 5ª Vara Cível de Niterói). Ou seja, a conclusão do Tribunal de Justiça é de que a execução da assinatura era executada por terceiro, que utilizava o token e conhecia a senha do magistrado.

O Tribunal de Justiça argumentou que, mesmo assim, o magistrado teria o controle do ato jurisdicional. Essa afirmação é contraditória com a conclusão de que o juiz de direito empreendia viagens que “evidentemente inviabilizavam o esmero demandado pelo cargo judicante”.

Ou seja, os indicativos são de que, sistematicamente e ao longo de vários anos, o magistrado vendia férias, as tirava de fato e, para assegurar o descanso, delegava o exercício da jurisdição aos servidores do Poder Judiciário.

Ante o exposto, com base no art. 83, I, do RICNJ, proponho a instauração da revisão disciplinar, quanto às imputações de abuso de direito à conversão de férias e de licença-prêmio em pecúnia e de delegação da jurisdição.