Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: CONSULTA - 0009075-58.2021.2.00.0000
Requerente: CRISTIANO CARDOSO
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

 


 

EMENTA: CONSULTA. CONVENÇÃO DA HAIA. REGISTRO DE DOCUMENTO APOSTILADO. REGISTRO DE TÍTULOS E DOCUMENTOS. ESCRITURA PÚBLICA.

1. A presente Consulta versa sobre a necessidade de registro de documento apostilado segundo a Convenção da Haia, perante o Cartório de Registro de Títulos e Documentos, antes da sua utilização na elaboração de uma escritura pública.

2. Consulta conhecida e respondida nos termos do parecer ofertado pela Coordenadoria de Gestão de Serviços Notariais e de Registro da Corregedoria Nacional de Justiça pela aplicabilidade do art. 129, § 6º da Lei nº. 6.015/73 à documentos estrangeiros apostilados segundo a Convenção da Haia, bem como pela necessidade de tal exigência prévia à elaboração de Escritura Pública.

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, respondeu a consulta para responder: 1 - O art. 129, 6º, da Lei nº. 6.015/73 é aplicável aos documentos estrangeiros apostilados segundo a Convenção da Haia; 2 - Necessidade de tal exigência prévia à elaboração de Escritura Pública, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário Virtual, 10 de março de 2023. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas (Relator), Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: CONSULTA - 0009075-58.2021.2.00.0000
Requerente: CRISTIANO CARDOSO
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ


O Excelentíssimo Senhor Conselheiro MARCIO LUIZ FREITAS (Relator):

Trata-se de Consulta (Cons) formulada por Cristiano Cardoso na qual pretende esclarecer as seguintes questões:

 

“4.1 é aplicável o art. 129, “6º”, da Lei nº. 6.015/73 para documentos estrangeiros celebrados segundo o protocolo estabelecido na Convenção do Apostilamento da Haia (ratificada através do Decreto nº. 8.660, de 29 de janeiro de 2016), a qual elimina a exigência de legalização de documentos públicos estrangeiros;

4.2 no caso de aplicabilidade do respectivo dispositivo legal, um documento apostilado, proveniente do exterior, cuja formalização obedece ao protocolo da Haia, deve ser levado a registro junto ao Cartório de Registro de Títulos e Documentos, anteriormente à sua utilização na elaboração de uma escritura pública?

4.3 Há necessidade de tal exigência prévia à elaboração de Escritura Pública?”.

 

Tendo em vista que a Corregedoria Nacional de Justiça editou o Provimento nº 62/2017, que dispõe sobre a uniformização dos procedimentos para a aposição de apostila, no âmbito do Poder Judiciário, da Convenção sobre a Eliminação da Exigência de Legalização de Documentos Públicos Estrangeiros, celebrada na Haia, determinei, no Id 4596088, a remessa do presente feito à Coordenadoria de Gestão de Serviços Notariais e de Registro da Corregedoria Nacional de Justiça para parecer.

A Ministra Corregedora aprovou o parecer (Id 4766348) elaborado pela Coordenadoria de Gestão de Serviços Notariais e de Registro da Corregedoria Nacional de Justiça por meio do Despacho Id 4766479.

 

É, em apertada síntese, o relatório. 


 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: CONSULTA - 0009075-58.2021.2.00.0000
Requerente: CRISTIANO CARDOSO
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

 


 

VOTO

 

O Excelentíssimo Senhor Conselheiro MARCIO LUIZ FREITAS (Relator): 

 

A presente Consulta versa sobre a necessidade de registro de documento apostilado segundo a Convenção da Haia, perante o Cartório de Registro de Títulos e Documentos, antes da sua utilização na elaboração de uma escritura pública. Sobre o tema, a Coordenadoria de Gestão de Serviços Notariais e de Registro da Corregedoria Nacional de Justiça prestou o seguinte parecer Id 4766348:

 

"Inicialmente, cabe salientar que o Conselho Nacional de Justiça não se debruça sobre causas individuais, especialmente diante da ausência de repercussão geral sobre elas.

Na mesma toada é o Enunciado Administrativo n. 17 do CNJ, verbis:

 

‘Não cabe ao CNJ o exame de pretensões de natureza individual, desprovidas de interesse geral, compreendido este sempre que a questão ultrapassar os interesses subjetivos da parte em face da relevância institucional, dos impactos para o sistema de justiça e da repercussão social da matéria.’

 

Nesse sentido, infere-se que a consulta veiculada se limita a questão individual, particularizada, com efeito puramente concreto, entretanto, a atuação do CNJ não se coaduna com o julgamento de questões pessoais, desprovidas de interesse social e/ou de repercussão em grau que seja relevante para parcela significativa do Poder Judiciário e/ou da sociedade brasileira.

A teor do disposto pelo art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal, cabe ao Conselho Nacional de Justiça o "controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura".

A propósito, já se disse outrora que o CNJ não julga causas específicas, mas fixa teses em busca de uniformizar a atuação administrativa dos mais diversos tribunais do país. Confira-se o seguinte julgado:

 

RECURSO ADMINISTRATIVO EM PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. PRECATÓRIOS. PRETENSÃO DE NATUREZA INDIVIDUAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO Nº. 17/2018. DECISÃO MONOCRÁTICA DE ARQUIVAMENTO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

I – Recurso Administrativo interposto contra decisão monocrática que não conheceu do procedimento, em vista da natureza eminentemente individual da matéria nele veiculada.

II - A atuação constitucional do Conselho Nacional de Justiça objetiva o controle de atos de interesse geral e abstrato dos órgãos do Poder Judiciário. E, assim, não se insere no conjunto de suas atribuições o exame de pretensões de caráter meramente individual, com efeito puramente concreto, conforme prevê o Enunciado Administrativo nº 17/2018 do CNJ.

III - In casu, a temática tratada nos autos, concernente à alteração da ordem de pagamento de créditos específicos contra a Fazenda do Estado de São Paulo, sob a pretensão de reconhecimento de preferência do Requerente, traduz matéria de índole individual, segundo jurisprudência desta Casa, o que confirma o entendimento da decisão recorrida. Precedentes.

IV – Recurso Administrativo conhecido e não provido. (Recurso Administrativo no PP n. 0000461-64.2021.2.00.0000, Rel. Conselheiro Emmanoel Pereira, 88ª Sessão Virtual, julgado em 11/06/2021)

 

Ocorre que, diversamente, no caso em foco, como já adiantado, o requerente consulta sobre a necessidade de registro de documento apostilado segundo a Convenção de Haia, junto ao Cartório de Registro de Títulos e Documentos, antes da sua utilização na elaboração de uma escritura pública.

Assim, esta Coordenadoria entende que a presente consulta não deve ser conhecida, com fulcro no art. 25, inciso x, do Regimento Interno do CNJ, visto que a atuação deste Conselho não é dirigida a pretensões de interesse meramente individual, mas coletivas.

Caso não entenda pelo conhecimento, passo a análise da consulta formulada.

O apostilamento da Convenção de Haia garante a autenticidade de documentos públicos oriundos de outros países que são signatários do acordo, pois trata-se de um certificado que valida o documento público, apostilado, sem a necessidade de legalização consular ou diplomática.

Assim, sua principal finalidade é garantir que um documento público nacional seja reconhecido em outro país.

O tratado tem o objetivo de agilizar e simplificar a legalização de documentos entre os países signatários, permitindo o reconhecimento mútuo de documentos brasileiros no exterior e de documentos estrangeiros no Brasil.

São mais de 100 países fazendo parte da Convenção de Haia, sendo que no Brasil o tratado assinado passou a vigorar em agosto de 2016.

Os documentos apostilados são os públicos, ou os particulares que já tenham sido reconhecidos por notário.

O Conselho Nacional de Justiça é o responsável por coordenar e regulamentar a aplicação da Convenção da Apostila da Haia no Brasil, e considerando a adesão do Brasil à Convenção da Apostila, editou a Resolução nº 228/2016, dispondo que:

 

Art. 2º As apostilas emitidas por países partes da Convenção da Apostila, inclusive as emitidas em data anterior à vigência da referida Convenção no Brasil, serão aceitas em todo o território nacional a partir de 14 de agosto de 2016, em substituição à legalização diplomática ou consular.

 

E desde 2021, no Brasil foi delegado ao serviço notarial e de registro exercer o apostilamento (Provimento CNJ nº 119/2021).

Entretanto, mesmo em caso de documentos apostilados, deve ser observada a legislação do Estado de Destino para que estes produzam seus efeitos, pois conforme expresso no Manual da Apostila (produzido pelo Secretariado Permanente da Conferência da Haia e publicado em 2016):

 

‘A Convenção da Apostila não afeta o direito de o Estado de Destino determinar a aceitação, admissibilidade e valor probatório dos documentos públicos estrangeiros (C & R nº 82 do SC de 2009; C & R nº 14 do SC de 2012). Em particular, as autoridades do Estado de Destino podem determinar se um documento foi forjado, alterado ou se foi validamente celebrado. Eles também podem estabelecer limites de tempo para a aceitação de documentos públicos estrangeiros (por exemplo: o documento deve ser produzido dentro de um determinado período de tempo depois da sua execução), ainda que tais limites não possam ser impostos sobre a aceitação da apostila em si. Além disso, mantém se pelas leis da evidência do Estado de Destino para determinar em qual medida os documentos públicos estrangeiros podem ser utilizados para estabelecer um determinado efeito.’

 

Assim, os documentos apostilados nos termos da Convenção de Haia são válidos e produzem efeitos legais entre os países que também são signatários do acordo, porém devem obediência às leis de cada país.

Portanto, havendo norma no país de destino do documento apostilado que traga alguma exigência para que este produza efeitos legais essa norma deve ser observada.

No caso específico, em que o recorrente questiona acerca da necessidade de registro de documento apostilado segundo o protocolo estabelecido na Convenção da Haia, junto ao Cartório de Registro de Títulos e Documentos, antes da sua utilização na elaboração de uma escritura pública, aplica-se o disposto art. 129, § 6º, da Lei nº 6.015/73:

 

Art. 129. Estão sujeitos a registro, no Registro de Títulos e Documentos, para surtir efeitos em relação a terceiros: [...] 6º) todos os documentos de procedência estrangeira, acompanhados das respectivas traduções, para produzirem efeitos em repartições da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios ou em qualquer instância, juízo ou tribunal;

 

Portanto, os documentos apostilados, para produzirem efeitos em repartições da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios ou em qualquer instância, juízo ou tribunal, estão sujeitos a registro, no Registro de Títulos e Documentos.

Com essas considerações, a Coordenadoria de Gestão de Serviços Notariais e de Registro (CONR) da Corregedoria Nacional de Justiça opina pelo não conhecimento da consulta. E em caso de conhecimento, opina pela aplicabilidade do art. 129, § 6º da Lei nº. 6.015/73 à documentos estrangeiros apostilados segundo a Convenção da Haia, bem como pela necessidade de tal exigência prévia à elaboração de Escritura Pública.

É o parecer.”

 

 

Inicialmente, entendo que no caso em tela estão presentes os requisitos  de conhecimento do presente procedimento, porquanto os questionamentos apresentados atendem os pressupostos previstos no art. 89 e parágrafos do Regimento Interno deste Conselho (RICNJ).

Com efeito, as indagações foram feitas em tese, sem qualquer apontamento de um caso concreto. Além disso, este Conselho editou a Resolução nº 228/2016 e o Provimento nº119/21, que tratam da uniformização de procedimentos para a aposição da Convenção sobre a eliminação da exigência de legalização de documentos públicos estrangeiros, celebrada na Haia, em 5 de outubro de 1961. Sendo assim, diante do uso dos serviços prestados pelas serventias extrajudiciais, é natural o surgimento de incertezas procedimentais pelos usuários bem como dos operadores do Direito, de modo que as respostas aqui prestadas podem contribuir para elucidar dúvidas de toda sociedade e, consequentemente, aperfeiçoar os serviços prestados aos cidadãos.

Por outro lado, quanto ao mérito, acolho os fundamentos apresentados pela Coordenadoria de Gestão de Serviços Notariais e de Registro da Corregedoria Nacional de Justiça “pela aplicabilidade do art. 129, § 6º da Lei nº. 6.015/73 à documentos estrangeiros apostilados segundo a Convenção da Haia, bem como pela necessidade de tal exigência prévia à elaboração de Escritura Pública.”

Diante do exposto, conheço da consulta proposta, para, no mérito, responder que:

 

1 – O art. 129, 6º, da Lei nº. 6.015/73 é aplicável aos documentos estrangeiros apostilados segundo a Convenção da Haia.

2 – Necessidade de tal exigência prévia à elaboração de Escritura Pública.

É como voto.

CONSELHEIRO MARCIO LUIZ FREITAS

Relator