Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: REVISÃO DISCIPLINAR - 0005072-60.2021.2.00.0000
Requerente: EDUARDO GIBSON MARTINS
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ - TJCE

 


RECURSO ADMINISTRATIVO. REVISÃO DISCIPLINAR. MEDIDA PROVISÓRIA N. 928/2020. SUSPENSÃO DE PRAZOS PROCESSUAIS DURANTE A PANDEMIA DA COVID-19. INAPLICABILIDADE AOS PRAZOS DECADENCIAIS. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

1.  A propositura de Revisão Disciplinar é cabível para apreciar processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano (art. 82 do RICNJ).

2.  A medida provisória n. 928/2020 não tratou da suspensão dos prazos decadenciais, apenas prescricionais.

3.  Revisão Disciplinar proposta após o decurso do prazo decadencial.

4.  Recurso conhecido e desprovido.

 

 ACÓRDÃO

Retomado o julgamento, o Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário Virtual, 10 de junho de 2022. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene (Relatora), Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Não votou, em razão da vacância do cargo, o representante do Ministério Público Estadual.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: REVISÃO DISCIPLINAR - 0005072-60.2021.2.00.0000
Requerente: EDUARDO GIBSON MARTINS
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ - TJCE


 

RELATÓRIO

           

Trata-se de recurso administrativo em Revisão Disciplinar (RevDis) interposto por Eduardo Gibson Martins, Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE), contra a decisão monocrática que não conheceu do pedido revisional, porquanto ultimado o prazo decadencial (id. 4427204).

            O recorrente defende a suspensão do aludido prazo por força da Medida Provisória n. 928/2020, que assinalou, no caput do art. 6º-C, a suspensão de todos os prazos processuais no âmbito de processos administrativos, sem fazer distinção entre prazos prescricionais e decadenciais (id. 4442134).

            Invoca a orientação contida em Pareceres da Procuradoria-Geral Federal, os quais afirmaram a aplicabilidade da MP também para processos disciplinares, e suspensão de prazos que corressem contra os acusados. Cita precedente do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª região (TRT6), no qual, ao apreciar a lei n. 14.010/2020, reconheceu a suspensão do prazo decadencial.

Sustenta que a mens legis da MP n. 928/2020 foi a proporcionalidade e razoabilidade, a fim de não acarretar prejuízos aos administrados, que tiveram sua mobilidade limitada pelas restrições impostas no período pandêmico. Ainda, acrescenta a confiança na aplicabilidade da norma, o que ensejou cerceamento de defesa com o não conhecimento do pedido formulado.

Pede, assim, a reforma da decisão monocrática, e o consequente conhecimento da Revisão Disciplinar, para posteriormente ser apreciado e julgado o mérito da revisional.

O TJCE apresentou contrarrazões ao recurso e alegou a higidez da decisão atacada (id. 4479593). Mencionou precedentes do CNJ acerca do não conhecimento de RevDis em que operada a decadência, e rechaçou a tese defendida pelo recorrente a indicar a suspensão do prazo decadencial à luz da MP n. 928/2020.

Ainda, aduziu o não cabimento de RevDis como sucedâneo recursal, e inexistência de nulidades no PAD na origem, ausentes os requisitos regimentais para o processamento do pedido revisional.

A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) requereu o ingresso no feito e pediu prioridade de tramitação, com amparo no art. 71 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/2003).

Na mesma linha de argumentos do recorrente, defendeu a AMB a aplicabilidade do caput do art. 6º-C, da MP n. 928/2020, a ensejar o conhecimento da Revisão Disciplinar. Defendeu a suspensão de prazos que beneficiam a Administração assim como os administrados, que não deram causa àquele quadro de saúde vivenciado.

Pontuou o impacto no funcionamento das instituições e asseverou o afastamento do magistrado de suas funções, o que dificultou o acesso a documentos de que poderia fazer uso. Suscitou não ser suficiente a continuidade do funcionamento das atividades CNJ durante a pandemia, por tal circunstância restringir a compreensão de acesso à Justiça, “desconsiderando que o processo não se compõe apenas do órgão julgador” (id. 4573245, p. 8).

Pediu a reconsideração ou reforma da decisão monocrática recorrida, e, posteriormente, apreciado e julgado o mérito, determinando-se a absolvição do magistrado.

É o relatório.

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: REVISÃO DISCIPLINAR - 0005072-60.2021.2.00.0000
Requerente: EDUARDO GIBSON MARTINS
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ - TJCE

 


 

VOTO

 

O recurso interposto atende aos requisitos do art. 115 do Regimento Interno do CNJ, razão pela qual dele conheço.

Preliminarmente, defiro o ingresso requerido pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) na qualidade de terceira interessada, devendo receber o processo no estado em que se encontra. Anote-se.

A prioridade de tramitação à luz do Estatuto do Idoso foi observada, considerando a redistribuição deste feito à minha relatoria em 20 de janeiro de 2022 e solicitação de inclusão em pauta em 9 de fevereiro de 2022. 

A decisão monocrática de lavra da então Conselheira Ivana Farina foi proferida nos seguintes termos (id. 4427204):

 

II – A Revisão Disciplinar possui amparo na Constituição Federal, que estabelece no art. 103-B, § 4º, V que compete ao CNJ “rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano”.

O art. 82 do Regimento Interno deste Conselho (RICNJ), por seu turno, reproduz o mesmo critério temporal como requisito de admissibilidade da revisão disciplinar:

Art. 82. Poderão ser revistos, de ofício ou mediante provocação de qualquer interessado, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano do pedido de revisão. 

Conforme consta da própria petição inicial, o PAD que se pretende revisar foi julgado na sessão administrativa do TJ/CE do dia 10/10/2019 (Id. 4408788). Os supracitados embargos de declaração, a seu turno, foram julgados e rejeitados pelo Plenário do Tribunal cearense em 05/03/2020.

O requerente sustentou que a presente revisional atenderia ao mencionado requisito temporal, dada a suspensão de prazos determinada pela Medida Provisória nº 928/2020 para o período entre 23/03/2020 e 20/07/2020, em razão da pandemia provocada pelo novo coronavírus. Sustentou o autor: 

19. Como se extrai do acórdão e da respectiva certidão de julgamento anexos (DOC. 5), que julgou improcedentes os Embargos de Declaração opostos, referido julgamento foi realizado em 05 de março de 2020.

20. De acordo com o art. 1.026, caput, do Código de Processo Civil, os Embargos de Declaração “interrompem o prazo para a interposição de recurso”. Sendo assim, julgados os aclaratórios, da data de julgamento deve ser contado o prazo de 1 (um) ano para apresentação da Revisão Disciplinar.

21. Outrossim, a Medida Provisória nº 928/2020, que vigeu entre 23 de março de 2020 e 20 de julho de 2020, determinou o seguinte, referindo-se à calamidade causada pela pandemia de Covid-19, ipsis litteris:

MEDIDA PROVISÓRIA Nº 928/2020

Art. 6º-C. Não correrão os prazos processuais em desfavor dos acusados e entes privados processados em processos administrativos enquanto perdurar o estado de calamidade de que trata o Decreto Legislativo nº 6, de 2020.

Parágrafo único. Fica suspenso o transcurso dos prazos prescricionais para aplicação de sanções administrativas previstas na Lei nº 8.112, de 1990, na Lei nº 9.873, de 1999, na Lei nº 12.846, de 2013, e nas demais normas aplicáveis a empregados públicos. (grifei)

22. Considerando essa suspensão promovida por ocasião da Medida Provisória nº 928/2020, que vigeu por quase 04 (quatro) meses, e a data de julgamento dos Embargos Declaratórios, mais especificamente no dia 05 de março de 2020, o prazo fatal, que seria no dia 05 de março de 2021, foi alterado em razão da suspensão determinada pelo art. 6º-C da Medida Provisória supracitada.

23. Assim, com os 04 (quatro) meses de suspensão determinados pela Medida Provisória nº 928/2020, o prazo fatal para apresentação da presente Revisão Disciplinar é o dia 02 de julho de 2021.

24. Portanto, a presente demanda satisfaz ao requisito temporal para o seu ajuizamento, estando, sob este aspecto, em plenas condições de ser conhecida e processada perante este Conselho Nacional de Justiça. 

De início, importa destacar o parágrafo único do art. 6º da MP nº 928/2020 fixou a suspensão apenas dos prazos prescricionais, como, aliás, a mencionada normativa registra textualmente.

A propósito, convém ressaltar que tal dispositivo, a rigor, contém previsão que corre em favor da Administração Pública, não dos(as) administrados(as), ao ter estabelecido que “fica suspenso o transcurso dos prazos prescricionais para aplicação de sanções administrativas (...)”.

Ainda assim, vê-se que o prazo para propositura de revisão disciplinar é decadencial, ou seja, potestativo por natureza. Não admite, portanto, suspensão ou interrupção, em face do que estabelece o art. 207 do Código Civil, que transcrevo: 

Art. 207. Salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição.

Na hipótese, a invocada norma da MP nº 928/2020 não fixou a extensão, aos prazos decadenciais, da suspensão expressamente consignada para a prescrição, conforme exige o Código Civil.

A certidão de julgamento dos embargos de declaração (Id. 4408783) marca o início do prazo decadencial do procedimento revisional, qual seja, 05/03/2020, data em que a penalidade administrativa aplicada na origem tornou-se definitiva, na linha dos inúmeros precedentes deste Conselho (REVDIS n. 0000807-25.2015.2.00.0000; 0001179-37.2016.2.00.0000, Rel. Cons. Fernando Mattos, 261ª Sessão Ordinária, j. 24/10/2017; REVDIS n. 0005375-21.2014.2.00.0000, Rel. Cons. Aloysio Corrêa da Veiga, 261ª Sessão Ordinária, j. 24/10/2017; Recurso Administrativo em REVDIS n. 0005084-16.2017.2.00.0000, Rel. Cons. Bruno Ronchetti, 26ª Sessão Virtual, j. 4/10/2017; REVDIS n. 0007043-27.2014.2.00.0000, Rel. Cons. Carlos Eduardo Dias, 239ª Sessão Ordinária, j. 11/10/2016).

Tendo em vista o prazo decadencial de um ano, o autor teria até 06/03/2021 para apresentar a Revisão Disciplinar perante este Conselho (art. 66, caput e § 2º, da Lei nº 9.784/99). Como a petição inicial foi protocolada apenas em 01/07/2021, tem-se por intempestivo o pedido revisional.

Vale observar, por oportuno, que os procedimentos neste Conselho tramitam de forma eletrônica e o serviço de protocolo no CNJ não foi interrompido, mesmo no período de suspensão da prescrição constante da MP nº 928/2020. Logo, o disposto na citada Medida Provisória não configura justificativa válida para impedir o requerente de protocolar qualquer procedimento perante o CNJ.

III - Ante o exposto, não conheço da Revisão Disciplinar e determino o arquivamento dos autos (art.25, X do RICNJ), prejudicada a análise do pedido liminar.

À Secretaria Processual do CNJ para as providências.

Brasília/DF, data registrada no sistema.

Conselheira Ivana Farina Navarrete Pena

Relatora

             

A insurgência sob análise recai, precisamente, quanto aos fundamentos delineados em sede monocrática que levaram ao não conhecimento do pedido, por intempestividade.

Desenvolveu a parte autora, ora recorrente, a tese de que a determinação de suspensão de prazos trazida no caput do art. 6º-C da MP n. 928/2020 deve ser aplicada para todos os prazos, sem distinção se prescricionais ou decadenciais, restringindo-se aos prescricionais apenas o contido no parágrafo daquele mesmo dispositivo, in verbis:

 

Art. 6º-C  Não correrão os prazos processuais em desfavor dos acusados e entes privados processados em processos administrativos enquanto perdurar o estado de calamidade de que trata o Decreto Legislativo nº 6, de 2020.

Parágrafo único.  Fica suspenso o transcurso dos prazos prescricionais para aplicação de sanções administrativas previstas na Lei nº 8.112, de 1990, na Lei nº 9.873, de 1999, na Lei nº 12.846, de 2013, e nas demais normas aplicáveis a empregados públicos.” (NR)

           

Contudo, a leitura da decisão combatida evidencia e desnecessidade de reparos. Para além de toda a fundamentação trazida, a interpretação de textos legais indica que os parágrafos explicam o conteúdo do caput. A lei complementar n. 95/1988, que dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis preceitua, no art. 11, III, “c”, que para a obtenção de ordem lógica, devem ser expressados por meio dos parágrafos “os aspectos complementares à norma enunciada no caput do artigo e as exceções à regra por este estabelecida”.       

Ademais, a exposição de motivos da MP n. 928/2020 é clara ao abordar os argumentos para sua edição:

 

1.A presente Exposição de Motivos trata sobre proposta de alteração de legislação para o estabelecimento de procedimentos no âmbito da política de acesso à informação bem como sobre a suspensão dos prazos prescricionais dos processos administrativos sancionadores, incluídos aí os Acordos de Leniência, em andamento no Poder Executivo Federal, durante o período de enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, que levou o Congresso Nacional a reconhecer o estado de calamidade pública no país, bem como da revogação do artigo 18 da Medida Provisória nº 927, de 22 de março de 2020. (...) 19.   Ante o exposto e considerando que a disposição sobre prazos prescricionais é matéria sujeita à reserva legal, propõe-se a edição dessa medida provisória ou de projeto de lei, nos moldes da minuta anexa, impedindo o transcurso dos prazos processuais em favor dos acusados e suspendendo os prazos prescricionais das sanções administrativas passíveis de aplicação pelas unidades de corregedoria e pelos responsáveis por firmar Acordos de Leniência, bem como a revogação do art. 18 da Medida Provisória nº 927, de 2020. (grifo nosso)

 

No mesmo contexto pandêmico, quando o legislador desejou abranger a suspensão de prazos decadenciais, o fez expressamente. É o caso da lei 14.010/2020, que dispôs sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do coronavírus (Covid-19). A lei em comento enuncia, no capítulo II, tratar da prescrição e da decadência:

 

CAPÍTULO II

DA PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA

Art. 3º Os prazos prescricionais consideram-se impedidos ou suspensos, conforme o caso, a partir da entrada em vigor desta Lei até 30 de outubro de 2020.

(...)

§ 2º Este artigo aplica-se à decadência, conforme ressalva prevista no art. 207 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). (grifo nosso)

 

Desse modo, para o caso em análise, não há dúvidas quanto ao decurso do prazo decadencial. A jurisprudência a respeito da ação rescisória, que igualmente deve observar prazo decadencial de propositura, é elucidativa a respeito do tema:

 

É pacífico, tanto na jurisprudência desta Corte [STF], quanto do Superior Tribunal de Justiça, que o prazo bienal para a propositura de ação rescisória é de natureza decadencial, peremptório, improrrogável e decorre no dia correspondente ao termo final, ainda que em final de semana, feriado ou férias coletivas, considerado o período fixado em lei.

(STF. –AR: 2842 ES 0051413-21.2021.1.00.0000. Relator: Min. Gilmar Mendes. J. em 7/4/2021 – grifos no original)

 

Nessa perspectiva, a revisão disciplinar proposta em 1º de julho de 2021 com o objetivo de desconstituir PAD cujo trânsito em julgado remonta a 5 de março de 2020 não pode ser conhecida pelo Conselho Nacional de Justiça, pois ultrapassado o prazo decadencial.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso.

Intimem-se e, após, arquive-se.

 

           Brasília, 7 de fevereiro de 2022.

 

Conselheira Salise Monteiro Sanchotene

Relatora

 

 

 

 

 

VOTO CONVERGENTE

(COM ACRÉSCIMOS DE FUNDAMENTOS)

 

Trata-se de recurso administrativo em Revisão Disciplinar (RevDis) interposto por Eduardo Gibson Martins, Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE), contra a decisão monocrática que não conheceu do pedido em razão da intempestividade da apresentação da peça revisional (Id. 4427204).

Adoto o relatório lançado pela eminente relatora, Conselheira Salise Monteiro Sanchotene.

No mérito, aderindo à conclusão no sentido de negar provimento ao recurso, peço vênia apenas para refutar expressamente a argumentação do Recorrente no sentido de que a suspensão de prazos trazida pela MP n. 928/2020 incidiria em seu caso concreto, como passo a expor.

É incontroverso nos autos que o início do prazo decadencial do procedimento revisional ocorreu em 05/03/2020, data em que foi tornada definitiva a penalidade administrativa aplicada na origem. Logo, o prazo de um ano previsto no art. 103-B, § 4 º, V, da Constituição Federal e no art. 82 do Regimento Interno deste Conselho Nacional, findou-se em 06/03/2021, razão pela qual a petição inicial destes autos, protocolada em 01/07/2021, é intempestiva, como registrado na decisão monocrática proferida pela então Conselheira Ivana Farina, relatora originária do feito.

Diversamente do alegado pelo Recorrente, o art. 6º-C da MP n. 928/2020 não é aplicável ao presente caso. Dispõe a referida norma:


“Art. 6º-C Não correrão os prazos processuais em desfavor dos acusados e entes privados processados em processos administrativos enquanto perdurar o estado de calamidade de que trata o Decreto Legislativo nº 6, de 2020.

Parágrafo único.  Fica suspenso o transcurso dos prazos prescricionais para aplicação de sanções administrativas previstas na Lei nº 8.112, de 1990, na Lei nº 9.873, de 1999, na Lei nº 12.846, de 2013, e nas demais normas aplicáveis a empregados públicos.”

 

Para exata compreensão da questão, faz-se necessário estabelecer a distinção entre prazos processuais e prazos de direito material, tais como os prescricionais e decadenciais. Ao passo que os primeiros estão diretamente relacionados à existência de um processo já em tramitação, os últimos estão relacionados ao exercício da pretensão ou do direito em si.

E como bem registrado pela relatora, a norma em questão tratou no “caput” apenas dos prazos processuais e, em seu parágrafo único, dos prazos prescricionais, nada dispondo acerca dos prazos decadenciais.

Assim, silente a legislação, não há falar, no caso, em suspensão ou interrupção dos prazos decadenciais no período em que esteve vigente a MP n. 928/2020.

Um último ponto merece ainda reflexão: poderia a suspensão de prazos processuais afetar, de algum modo, os prazos de direito material em especial, a prescrição e a decadência, ainda que não expressamente positivada tal situação?

Em relação a esse ponto, ao contrário do sustentado pelo Recorrente, o STJ tem firme posicionamento de que, apenas nas situações em que o termo final do prazo decadencial ou prescricional coincida com dias em que suspensos os prazos processuais, seria possível sua prorrogação para o primeiro dia útil subsequente. Nesse sentido:


PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. BIÊNIO DE INGRESSO PARA AÇÃO RESCISÓRIA. TÉRMINO NO CURSO DE FÉRIAS FORENSES. PRORROGAÇÃO DO PRAZO PARA O 1º DIA ÚTIL. FUNCIONAMENTO REGULAR DO PROTOCOLO DO TRIBUNAL. IRRELEVÂNCIA. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO NOS ARTIGOS 174 E 275 DO CPC. PRECEDENTES. DIVERGÊNCIA RECONHECIDA NO SENTIDO DO ACÓRDÃO PARADIGMA. PROVIMENTO DO PEDIDO PARA O FIM DE PRORROGAR O PRAZO DE AJUIZAMENTO DA AÇÃO RESCISÓRIA PARA O PRIMEIRO DIA ÚTIL SEGUINTE.AUTOS ENVIADOS AO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU, PARA O REGULAR JULGAMENTO DO FEITO.

1. Cuida-se de embargos de divergência interpostos com o propósito de ver acolhida a tese segundo a qual, recaindo o último dia do prazo bienal para o ajuizamento de ação rescisória durante férias forenses, prorroga-se, até o primeiro dia útil, esse lapso temporal.

Como registrado nos autos, o acórdão embargado ratificou o julgado recorrido e negou provimento ao recurso especial sob o entendimento de que, estando o Tribunal em funcionamento regular, não havia motivo de direito para a pretendida prorrogação do prazo de ajuizamento da ação rescisória. O acórdão indicado como paradigma, por seu turno, assentou que, expirando-se o biênio de ingresso de ação rescisória durante as férias forenses, prorroga-se o prazo de ajuizamento para o primeiro dia útil seguinte ao daquele período.

2. Com razão a parte embargante. A ação rescisória não está contemplada, de forma expressa ou tácita, como sendo ação que tenha curso regular no período de férias forenses. Assim, não é possível se ampliar a regra processual que está configurada nos artigos 174 e 275 do CPC, que veda a suspensão/prorrogação dos prazos forenses nas hipóteses em que especifica.

3. Não é relevante para a situação o fato de se tratar, na espécie, de férias forenses ou de recesso, uma vez que tanto em uma como em outra hipótese, os Tribunais mantém em funcionamento regular os serviços de protocolo, o que se dá, inclusive, no âmbito desta Corte Superior. Também não repercute no desate do litígio a natureza prescricional ou decadencial conferida ao prazo.

4. Em verdade, ao se prorrogar o prazo para o primeiro dia útil, em razão de o lapso temporal se expirar no curso de férias forenses, está-se possibilitando à parte a opção de utilizar ou não esse favor legal. Contudo, não se mostra de direito o inverso, ou seja, retirar da parte o direito à prorrogação do prazo.

5. É nesse sentido, aliás, a jurisprudência reiterada desta Corte Superior, não havendo razão, ao menos no caso em exame, para se aplicar entendimento diverso, como demonstrado: PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. DECADÊNCIA. TÉRMINO DO PRAZO EM DIA NÃO ÚTIL. PRORROGAÇÃO.

- Ainda que decadencial, o prazo para ajuizamento da ação rescisória prorroga-se para o primeiro dia útil. (AgRg no Resp 747.308/DF, DJ 19/03/2007, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros) 6. No mesmo sentido: Resp 167.413/SP, DJ 24/08/1998, Rel. Min. Garcia Vieira; Resp 84.217/MG, DJ 03/02/1997, Rel. Min. Demócrito Reinaldo; Resp 51.968/SP, DJ 10/10/1994, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha; Enunciado nº 100 do TST: - [...] IX - Prorroga-se até o primeiro dia útil, imediatamente subsequente, o prazo decadencial para ajuizamento de ação rescisória quando expira em férias forenses, feriados, finais de semana ou em dia em que não houver expediente forense. Aplicação do art. 775 da CLT. (ex-OJ nº 13 da SBDI-2 - inserida em 20.09.00).

7. Embargos providos para o fim de que, reconhecida a divergência, seja empregada na hipótese em exame a solução adotada pelo acórdão embargado, prorrogando-se o prazo de ajuizamento da ação rescisória para o primeiro dia útil seguinte, porquanto a expiração do biênio autorizativo do pleito rescisório ocorreu no curso das férias forenses. Em decorrência, sejam os autos enviados ao juízo de primeiro grau, para o regular julgamento do feito.

(EREsp n. 667.672/SP, relator Ministro José Delgado, Corte Especial, DJe de 26/6/2008.)

 

Registre-se, ainda, que o próprio STJ já estabeleceu com clareza a diferenciação existente entre os institutos jurídicos da suspensão, da interrupção e da prorrogação de prazos, como se observa do seguinte julgado:


EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL (CPC DE 1973). RECESSO FORENSE. EXTENSÃO. ATO NORMATIVO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. ATECNIA NA NORMA. CONTAGEM DE PRAZO RECURSAL. CONFUSÃO. SUSPENSÃO E PRORROGAÇÃO. DIFERENCIAÇÃO. INTERPRETAÇÃO MAIS FAVORÁVEL AOS DESTINATÁRIOS DA NORMA. O JURISDICIONADO NÃO DEVE SER PREJUDICADO POR FALHA DO JUDICIÁRIO. EMBARGOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS.

1. Na hipótese, durante o curso do prazo recursal, começou o recesso forense de 20 de dezembro a 6 de janeiro, conforme autorizado pela Resolução 8/2005 do Conselho Nacional de Justiça. A seguir, veio a extensão do recesso para o período de 7 a 19 de janeiro do ano seguinte, por resolução da Corte local - Resolução 9/2015, do TJDFT.

2. Sucede que o ato normativo do Tribunal de Justiça causou confusão, pois, enquanto o caput do artigo determinava a suspensão dos prazos processuais no período de 7 a 19 de janeiro de 2016, o parágrafo único do mesmo artigo estabelecia a prorrogação do início e do fim dos prazos para o primeiro dia útil seguinte ao término da extensão do recesso.

3. Não se pode confundir os institutos correlatos. Na suspensão, dá-se a paralisação da fluência do prazo no ponto até então alcançado, somente tornando a fluir após o fim da causa suspensiva, quando é restituído ao interessado pelo tempo que faltava para o término do prazo para a prática do ato processual. Portanto, o prazo volta, recomeça a correr de onde parara, pelo tempo que restava para o seu final. Na interrupção, tem-se a ruptura, a descontinuidade no curso do prazo, que volta a correr por inteiro, ou seja, desde o início, após cessada a causa interruptiva, devolvendo-se ao interessado o prazo integral para a prática do ato. É como se o prazo nunca tivesse fluído anteriormente. Na prorrogação, ocorre o prolongamento, o adiamento, seja do início, seja do fim do prazo, para o momento imediatamente subsequente ao da ocorrência da causa prorrogativa. Afeta, assim, apenas os marcos inicial ou final do prazo considerado, alongando-o pela supressão da contagem do tempo estritamente necessário à ocorrência da causa prorrogativa. A contagem do prazo não iniciado tem começo logo após cessada a causa prorrogativa; caso já iniciado, se a causa prorrogativa ocorrer no termo final do prazo, este fica protraído, adiado para o momento imediatamente subsequente àquela ocorrência.

4. No CPC/1973, o art. 179 trata de suspensão de prazos processuais, enquanto o art. 184 diz respeito à prorrogação de prazos processuais. O art. 179 relaciona a suspensão ao período das férias forenses, de maneira que, se o lapso recursal já havia começado a correr quando se iniciaram as férias, o prazo fica paralisado, voltando a fluir do primeiro dia útil subsequente ao encerramento do recesso, pelo tempo remanescente. Já o art. 184, §§ 1º e 2º, refere-se à prorrogação de prazos processuais, de modo que, neste caso, a superveniência de feriado, de encerramento antecipado do expediente forense ou de fechamento do fórum, caso atinja o dia de início da contagem do prazo (§ 2º) ou o dia derradeiro dessa contagem (§ 1º), trará a prorrogação, o alongamento, a ampliação do período de tempo, em seu princípio (§ 2º) ou em seu final (§ 1º), para o primeiro dia útil seguinte ao evento considerado.

5. A Corte Especial do STJ, aplicando o CPC/1973, entendeu que há suspensão dos prazos no período do chamado recesso forense, por ser equivalente ao de férias, com aplicação da regra do art. 179 daquele diploma processual (EREsp 1.517.176/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, julgado em 05/04/2017).

6. No contexto, constatada a evidente atecnia do ato normativo local, cabe reconhecer a suspensão do prazo no período de extensão do recesso forense, ante o primado jurídico de que as partes não podem ser prejudicadas pelas dúvidas e falhas ocasionadas pelo Poder Judiciário.

7. Embargos de divergência conhecidos e desprovidos.

(EAREsp 1079064/DF, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, CORTE ESPECIAL, julgado em 19/08/2020, DJe 27/10/2020)

 

Por tudo quanto acima exposto, conclui-se que a suspensão dos prazos processuais pela MP n. 928/2020 não teve o condão de prorrogar o prazo decadencial para propositura da pretendida revisão disciplinar, pois, como registrado, o “dies ad quem” para exercício do direito ocorreu em 06/03/2021, data em que os efeitos da referida norma não estavam mais vigentes, não sendo possível validar-se a interpretação pretendida pelo Recorrente com o intuito de ampliação do interstício temporal para ajuizamento desta ação revisional.

Diante do exposto, com o acréscimo de fundamentos acima expostos, ACOMPANHO A RELATORA e voto por negar provimento ao recurso administrativo, confirmando a decisão monocrática que não conheceu do pedido em razão de sua intempestividade.

É como voto.

Brasília, data registrada no sistema.

 

Conselheiro Marcello Terto