Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0001769-04.2022.2.00.0000
Requerente: INSTITUTO CRISTAO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO LTDA e outros
Requerido: MATEUS MIRANDA DE MORAES

 


EMENTA

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. APURAÇÃO SATISFATÓRIA PELA CORREGEDORIA LOCAL. INEXISTÊNCIA DE INFRAÇÃO DISCIPLINAR. ARQUIVAMENTO. MANUTENÇÃO.

 

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, determinou o arquivamento do feito, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário Virtual, 16 de dezembro de 2022. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão (Relator), Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0001769-04.2022.2.00.0000
Requerente: INSTITUTO CRISTAO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO LTDA e outros
Requerido: MATEUS MIRANDA DE MORAES


RELATÓRIO


            

           O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA:   

 

Cuida-se de representação disciplinar apresentada por INSTITUTO CRISTÃO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO SS LTDA (MANTENEDOR DA FACULDADE EXCELÊNCIA), FACULDADE KURIOS e CEBAK – COMUNIDADE EVANGÉLICA BATISTA KURIOS (MANTENEDORA DA FACULDADE KURIOS) em desfavor de MATEUS MIRANDA DE MORAES, juiz federal do trabalho em exercício na 2ª Vara do Trabalho da Comarca de Maracanaú-CE.

Os reclamantes alegam, em síntese, que “Em data de 24 de fevereiro de 2022, por volta das 13:00 horas, realizou-se uma audiência de instrução e julgamento, tendo como promovente a Sra. FRANCISCA GECILDA DE SOUSA LOPES e como promovidas o grupo econômico composto por FACULDADE EXCELÊNCIA, FACULDADE KURIOS, INSTITUTO CRISTÃO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO SS LTDA (MANTENEDOR DA FACULDADE EXCELÊNCIA) e CEBAK – COMUNIDADE EVANGÉLICA BATISTA KURIOS(MANTENEDORA DA FACULDADE KURIOS), tendo o ilustre Juiz antes de iniciar os debates narrado sua petição inicial, afirmando que ali diante dele estaria uma lide simulada, indagando aos advogados presentes se os mesmos tinham alguma explicação a apresentar, já que não era comum na 2ª Vara do Trabalho de Maracanaú causas com a cobrança de valores exorbitantes, afirmando que trata-se de uma lide fraudulenta e que o objetivo era o locupletamento ilícito de algum Diretor das Instituições de Ensino ou da própria Diretora Geral da Faculdade Excelência, Prof. Dra. ELAINE DE OLIVEIRA FREITAS.”

Afirmam, ainda, que “O eminente magistrado após tecer vários comentários desabonadores as partes, já que ser acusado de fraude em processo judicial é grave e exige uma prova robusta e incontestável, deu início ao “interrogatório” da Sra. FRANCISCA GECILDA DE SOUSA LOPES, indagando da mesma as razões da cobrança de um valor exorbitante, não comum naquele juízo, tendo a mesma respondido que fora contratada pela Faculdade Kurios em data de 05 de janeiro de 2015 e que a partir de 26 de janeiro de 2018 passou a trabalhar para a sucessora da FACULDADE KURIOS, ou seja, a trabalhar para a FACULDADE EXCELÊNCIA, em virtude da substituição de mantença, ou seja, o INSTITUTO CRISTÃO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO SS LTDA passou a substitui a CEBAK – COMUNIDADE EVANGÉLICA BATISTA KURIOS.”

 Aduzem, mais, que “Transtornado e apresentando falta de equilíbrio, indagou o eminente Juiz a Reclamante (FRANCISA GECILDA DE SOUSA LOPES) se a mesma tinha algum caso com algum Diretor do grupo econômico reclamado ou mesmo se tinha algum caso com a Profª. Dra. ELAINE DE OLIVEIRA FREITAS, atual Diretora da Faculdade Excelência e que responde pela antiga FACULDADE KURIOS, por determinação do MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO.”

         Requerem seja aberto procedimento administrativo para apurar o caso, especialmente o comportamento do magistrado quando do interrogatório da Sra. Francisca Gecilda de Sousa Lopes.

Determinada a apuração dos fatos à Corregedoria-Geral de Justiça do Trabalho (Id 4670301), o feito foi arquivado por se entender que o magistrado não violara dever funcional.

É o relatório.

 


 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0001769-04.2022.2.00.0000
Requerente: INSTITUTO CRISTAO DE DESENVOLVIMENTO HUMANO LTDA e outros
Requerido: MATEUS MIRANDA DE MORAES

 


VOTO


            

 

 

O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA:   

 

A Corregedoria-Geral de Justiça do Trabalho, após a apuração dos fatos, concluiu que (Id 4811295):

 

O objeto deste expediente recai sobre a alegação de infração disciplinar apresentada pelas Requerentes, que figuram como Reclamadas nos autos do processo nº 0000054-75.2022.5.07.0033, em face do Juiz da 2ª Vara do Trabalho da Comarca de Maracanaú, do TRT da 7ª Região, Mateus Miranda de Moraes, em razão de supostas irregulares na condução da audiência de instrução e julgamento realizada na mencionada Reclamatória.

As Requerentes argumentaram, em síntese, que a conduta do Requerido, durante a audiência feriu a dignidade das partes, apontando, principalmente que o Requerido teria feito insinuações infundadas direcionadas aos interrogados, como a de que a Sra. Francisca Gecilda de Sousa Lopes (reclamante) mantinha relacionamento amoroso com a Sra. Elaine de Oliveira Freitas (atual Diretora da Faculdade Excelência e que responde pela antiga Faculdade Kurios, por determinação do Ministério da Educação).

Oficiado pela Corregedoria Regional, o juiz Requerido apresentou sua defesa, esclarecendo todo ocorrido na audiência em exame e apontando cada uma das circunstâncias que foram sobrepesadas na formulação e condução das perguntas direcionadas aos interrogados, de modo a formar as razões de seu convencimento.

Os fatos trazidos pelo Magistrado Requerido em sua manifestação são relevantes para o melhor entendimento do caso e representam, como sinalizado pelo próprio juiz, forte indício de fraude processual por parte das Requerentes.  Entre eles destaca-se o fato de as reclamadas não terem apresentado contestação escrita na audiência una, mesmo diante do vultoso valor da causa e apesar de terem comparecido com advogado, permitindo, dessa forma, que lhes fosse aplicada a pena de revelia.

Neste aspecto, registrou (fl. 24 – numeração arquivo pdf):

“Dadas as circunstâncias do caso, uma vez que as partes reclamadas respondem por dívida trabalhista milionária perante seus ex empregados; o elevado e incomum valor dado à causa pela parte reclamante e; que as partes reclamadas sequer apresentaram defesa nos autos, de forma que lhes fora aplicada a pena de revelia; este Magistrado cuidou de averiguar a existência de possível conluio entre as partes processuais, com a única finalidade de frustrar o recebimento de verbas pelos seus credores em execução coletiva ou, frustrar a execução de dívidas cíveis e tributárias por meio da criação fraudulenta de créditos com preferência trabalhista.”

 Consignou, ainda, que a Reclamada, Faculdade Kurios, é executada em processo em seu desfavor no qual um imóvel de sua propriedade está sendo levado a hasta pública e que a apresentação da Reclamação Trabalhista em questão, distribuída sob nº 0000054-75.2022.5.07.0033, ocorreu no momento em que o referido imóvel passou a ser objeto de possível desapropriação por parte do Município de Maranguape, demonstrando haver, neste aspecto, uma tentativa de forçar uma execução trabalhista em detrimento à execução de dívidas cíveis e tributárias já em andamento em outros processos.

Em sua defesa, o Magistrado Requerido transcreve, ainda, trecho da sentença proferida, a qual, conforme se percebe, não causou em qualquer prejuízo às reclamadas.

Mesmo assim, contudo, houve a oposição de Embargos de Declaração, nos quais as reclamadas, ora Requerentes, postularam a nulidade do julgado.

(...) Destaca-se do trecho acima, que a Reclamante apesar de alegar ter trabalhado entre 05/01/2015 a 30/12/2021 para a empregadora demandada, teve a sua CTPS anotada eletronicamente somente em 01/07/2019, registrando o Juiz da causa, ainda, que a mesma não trouxe aos autos qualquer indício de prova material hábil ao reconhecimento desses seis anos de emprego, nem sequer um documento do período que alega ter sido auxiliar administrativa, fatos que corroboram com as suspeitas levantadas pelo Requerido e justificam a sua iniciativa de averiguar a existência de possível conluio entre as partes processuais.

Ressalta-se também, que não restou verificado na hipótese ter o Requerido insinuado a existência de relacionamento amoroso entre a Reclamante e algum dirigente do quadro das Reclamadas, como alegado na peça inicial destes autos.

Conforme restou demonstrado, o Magistrado questionou se a parte Reclamante teria algum parentesco com algum Diretor da Faculdade Kurios e em seguida perguntou se a Administradora da Faculdade teve relacionamento com a reclamante, íntimo ou de parentesco, mas não houve referência a relacionamento amoroso propriamente dito.

Percebe-se que o Magistrado formulou perguntas necessárias e importantes ao deslinde do caso, frente a todas as evidências de que poderia haver naquela Reclamação Trabalhista conluio fraudulento entre a autora e as empresas demandadas.

Observa-se que os fatos trazidos pelo MM. Juiz são contundentes e revelam que este conduziu a audiência com zelo e prudência, não restando configurado qualquer conduta que implique em infração a dever funcional ou mesmo que extrapole os limites da moral e da dignidade devidos no tratamento às partes.

Nesse contexto, a Corregedoria Regional, em decisão proferida nos autos do PP nº 0000029-42.2022.2.00.0507, a partir da análise da audiência instrutória da Reclamação Trabalhista nº 0000054-75.2022.5.07.0033, realizada em 24/02/2022, cuja gravação em vídeo se encontra disponível no Sistema PJE-Mídias e confrontando esta apuração com a peça de defesa encaminhada pelo Requerido, entendeu não existirem configuradas quaisquer condutas ou atitude que “desborde dos lindes da tecnicidade, civilidade e polidez esperadas de um Magistrado na inquirição de uma parte em juízo”.

Fez constar que, o Juiz Requerido em relação ao o depoimento da Reclamante, Sra. Francisca Gecilda de Sousa Lopes, expôs suas considerações com cautela e moderação, mesmo diante do seu estranhamento com as circunstâncias não comuns apresentadas no caso, principalmente, no que se refere ao “elevado valor total das pretensões condenatórias e a revelia das empresas reclamadas, que nem defesa oral cuidaram de apresentar, a despeito de se fazer presente à audiência o advogado por elas constituído”.

Consignou, ademais, que, o Magistrado imprimiu uma postura ponderada durante toda a inquirição, sendo cauteloso, porém também inquisitivo, sem, contudo, haver excessos, demonstrando sua preocupação em esclarecer o tipo de relação de trabalho existente entre a depoente e as demandadas e para tanto interrogando acerca de eventual vínculo mais próximo existente entre a autora e membros da administração de suas ditas empregadoras.

Nesse aspecto, importante destacar, que restou evidente a necessidade de tais questionamentos serem realizados para que o Magistrado formasse a sua convicção e pudesse verificar as suas suspeitas de possível fraude no caso, situação esta que deve realmente ser objeto da investigação instrutória.

Não há que se cogitar, entretanto, que tais perquirições a respeito de possível relacionamento entre a Diretora e a Reclamante impliquem em algum juízo de valor negativo, ou em ofensa às partes, pois este não é o caso dos autos, tendo o Requerido formulado cuidadosamente suas perguntas na busca por delinear um conjunto fático-probatório robusto e o mais completo possível.

Enfatizou que “o que se verifica, em verdade, é, tão somente, um Magistrado cumprindo o dever de bem instruir o feito sob sua jurisdição, com vistas à formação do mais sólido convencimento que lhe norteará o julgamento de mérito. Em momento algum da audiência se vê a manifestação de um Magistrado transtornado ou desequilibrado, como infundadamente sustentam as representantes. Ao revés, ele dispensa à depoente tratamento cortês, sem alterar o tom de voz, mesmo diante de contradições e imprecisões que encontra em determinadas respostas a suas perguntas.” (fl. 35 – numeração arquivo pdf).

Entendeu, dessa forma, que não ficou demonstrado na conduta do juiz Requerido nem mesmo indícios de qualquer ato que atente contra a dignidade das partes envolvidas, revelando a apuração dos fatos não ter havido extrapolação dos limites da atuação judicante.

Dessa forma, concluiu a Corregedoria Regional que a presente demanda é insuficiente para justificar a instauração de procedimento de caráter disciplinar em face do Juiz Representado.

Assim, tendo em vista a análise dos fatos, a partir da qual não se constatou quaisquer indícios de inobservância de dever funcional pelo Requerido, mormente ante a sua conduta irrepreensível e plenamente justificável frente as circunstâncias suspeitas e não usuais que se apresentaram na hipótese, entende-se não ser o caso de se atribuir ao magistrado qualquer penalidade disciplinar, não havendo justa causa apta a impulsionar a instauração de processo administrativo disciplinar.

Desse modo, considero satisfatórias as informações apresentadas, bem como as conclusões adotadas pela Corregedoria do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região que, no exercício de sua competência administrativa, decidiu pelo arquivamento da iniciativa instaurada em seu âmbito, pois não demonstrada a efetiva configuração de ofensa a deveres funcionais, em face da conduta do Requerido.

Diante dos fatos apresentados, não havendo outros atos ou diligências a serem adotados, determino o ARQUIVAMENTO do presente pedido de providências.

 

Da análise dos documentos que instruem este feito depreende-se que a questão foi adequadamente tratada, sendo satisfatórios os esclarecimentos prestados sobre a apuração dos fatos na origem, uma vez que não constituem infração disciplinar.

Com efeito, nos termos do entendimento do Conselho Nacional de Justiça, é inadmissível a instauração de procedimento disciplinar quando inexistentes indícios ou fatos que demonstrem que o magistrado tenha descumprido deveres funcionais ou incorrido em desobediência às normas éticas da magistratura, sendo que a demonstração de justa causa é requisito essencial para a instauração de PAD.

À vista de tanto, não se verifica hipótese de promover revisão ou apuração complementar dos fatos.

Nesse sentido:

 

“PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. REVISÃO DISCIPLINAR. DECADÊNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. APURAÇÃO SATISFATÓRIA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A PROPOSITURA DE REVISÃO DISCIPLINAR. ARQUIVAMENTO.

1. O Conselho Nacional de Justiça pode rever, de ofício, ou a requerimento do interessado, no prazo de 1 (um) ano, a contar da ciência da decisão proferida na origem, os processos administrativos que lá tramitaram, considerando como suficiente para afastar a decadência a primeira manifestação formal, dentro desse período, de qualquer dos legitimados previstos no art. 86 do RICNJ que expresse o interesse público de instauração da revisão disciplinar.

2. Se a presidência do tribunal de justiça apura, com profundidade, os fatos imputados a magistrado e esclarece a questão, afastando a acusação de corrupção passiva, não há justa causa para a propositura de revisão disciplinar pela Corregedoria Nacional.

3. Pedido de providências arquivado.”

(CNJ - PP - Pedido de Providências - Corregedoria - 0005365-40.2015.2.00.0000 - Rel. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA - 271ª Sessão Ordinária - julgado em 08/05/2018)

 

            “RECURSO ADMINISTRATIVO. RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. ARQUIVAMENTO SUMÁRIO MANTIDO.

            A apuração satisfatória de fatos pelo órgão correcional estadual competente, como no caso, obsta nova apuração em sede de reclamação disciplinar perante o CNJ. Recurso não provido.”

            (CNJ - RA – Recurso Administrativo em RD - Reclamação Disciplinar - 559 - Rel. Cesar Asfor Rocha - 59ª Sessão Ordinária - julgado em 25/03/2008)

 

Ante o exposto, nos termos do artigo 68 do RICNJ, arquive-se o presente feito.

É como voto.

Brasília, data registrada no sistema.


 

Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO

Corregedor Nacional de Justiça

 

A14/Z10/J3/F31