Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0007304-45.2021.2.00.0000
Requerente: ROVANY DE SOUZA SANTOS
Requerido: EZILDA PASTANA MUTRAN e outros

 


 

EMENTA 

 

RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS MÍNIMOS DA PRÁTICA DE INFRAÇÃO DISCIPLINAR. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO.

 

1. Inexistindo, nas razões recursais, qualquer elemento novo capaz de alterar o entendimento adotado, a decisão monocrática combatida deve ser mantida.

 

2. A instauração de procedimento de natureza disciplinar contra magistrado deve ser precedida de rigoroso exame de admissibilidade, processando-se somente aqueles casos em que se evidencie desvio de conduta ou falta funcional cometida por má-fé, dolo ou fraude, o que não foi demonstrado no caso concreto

 

3. A ausência de comprovação de infringência aos deveres funcionais dos magistrados conduz necessariamente ao arquivamento da presente reclamação disciplinar por ausência de justa causa.

 

4. Recurso conhecido, uma vez que tempestivo, mas a que, no mérito, se nega provimento.

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário Virtual, 24 de junho de 2022. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura (Relatora), Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0007304-45.2021.2.00.0000
Requerente: ROVANY DE SOUZA SANTOS
Requerido: EZILDA PASTANA MUTRAN e outros


RELATÓRIO

 

 

Cuida-se de recurso administrativo apresentado por ROVANY DE SOUZA SANTOS contra decisão proferida pela Corregedoria Nacional de Justiça, que determinou o arquivamento da presente reclamação disciplinar, em razão da falta de justa causa para o seu prosseguimento (ID 4562460). 

Extrai-se dos autos que a Reclamação Disciplinar foi formulada em face da Desembargadora EZILDA PASTANA MUTRAN e do Juiz de Direito HEYDER TAVARES DA SILVA FERREIRA e se refere à Ação Penal n.º 0041818-92.2016.8.14.040.

Em suma, o reclamante alegou que a primeira reclamada praticou advocacia administrativa e o segundo, sob sua influência, decretou sua prisão preventiva sem que fossem preenchidos os requisitos legais, bem como demorou na expedição de alvará de soltura. 

No presente recurso, o Recorrente afirma que “a própria Reclamada admitiu ter entrado em contato com o promotor de justiça para solicitar os autos, ademais, no próprio bilhete, cuja existência foi reconhecido pelo titular da vara do júri, Dr Fleza Ribeiro, [...] deixa bem claro que quem solicitou a cópia integral dos autos foi a DESEMBARGADORA EZILDA PASTANA, e que a VÍTIMA ERA O SOBRINHO DELA. 

Assim, defende que a Desembargadora usou do seu cargo para obter a vantagem de ter acesso facilitado aos autos do processo e, consequentemente, praticou transgressão disciplinar. Sustenta que o pedido de impronúncia formulado pelo Ministério Público não é capaz de afastar a suposta tentativa de interferência.

Avança para aduzir que houve movimentação suspeita no processo e que a defesa da representada foi mentirosa e agressiva ao afirmar que ele seria miliciano.

Quanto ao segundo reclamado, afirma que restou comprovado que ele utilizou possíveis artifícios judiciais para postergar a expedição do seu alvará de soltura. Defende, por fim, a gravidade do fato de ter ficado preso além do prazo devido. 

Intimada para apresentar contrarrazões, a recorrida defendeu preliminarmente que o recurso é intempestivo e, no mérito, que o resultado e a lentidão do processo afastam a existência de indícios de influência. Por fim, disse que “a hipotética relação de ROVANY em exército paraestatal foi extraída de feito criminal cuja relação com o presente caso é inerente, não sendo possível atribuir à defesa conduta ilícita por meramente reproduzi-la” (ID 4630425).

Já o magistrado requerido argumentou, em síntese, que irresignação referente à decretação da prisão preventiva possui caráter exclusivamente jurisdicional e que o cumprimento do alvará em testilha não lhe competia (ID 4644345). 

É, no essencial, o relatório. 

A39/Z11 


 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0007304-45.2021.2.00.0000
Requerente: ROVANY DE SOUZA SANTOS
Requerido: EZILDA PASTANA MUTRAN e outros

 


VOTO

DA PRELIMINAR DE INTEMPESTIVIDADE

Preliminarmente, a Desembargadora reclamada pugna pelo não conhecimento do recurso por sustentar que ele teria sido apresentado intempestivamente.

Pois bem, de saída, cumpre consignar que, de acordo com o art. 115, caput, do Regimento Interno do CNJ, é de 5 (cinco) dias o prazo para interposição de recurso administrativo ao Plenário.

Ademais, o Código de Processo Civil, aplicável supletiva e subsidiariamente aos processos administrativos, regula que, “para aferição da tempestividade do recurso remetido pelo correio, será considerada como data de interposição a data de postagem” (art. 1.003, § 4º). 

Em consulta ao Sistema de Consulta do Processo Judicial Eletrônico (PJe) do Conselho Nacional de Justiça, verifica-se que o recorrente foi intimado acerca da decisão de arquivamento no dia 04/02/2022 (sexta-feira), havendo o prazo começado a correr a partir da segunda-feira seguinte (ID 4550832). 

O recurso, por sua vez, foi postado no dia 11/02/2022 (sexta-feira), ou seja, cinco dias após o início do prazo, sendo, portanto, tempestivo.

Passo, portanto, a examinar suas razões. 

 

DO MÉRITO

Adentrando no mérito recursal propriamente dito, observo que a parte recorrente não trouxe qualquer razão jurídica ou fato novo capaz de infirmar a decisão monocrática terminativa.  

Sustenta o recorrente, uma vez mais, a existência de infração disciplinar praticada pela Desembargadora recorrida, considerando o teor de bilhete encontrado nos autos do Processo n. 0014818-92.2016.8.14.0411, que trata do homicídio de seu sobrinho-neto.

Em suma, alega a magistrada que teria entrado em contato com o promotor de justiça responsável pelo caso para solicitar cópia dos autos e conseguir informações sobre o andamento do feito para avaliar a possibilidade de contratação de assistente de acusação. Ela estaria auxiliando os genitores da vítima, em virtude do abalo emocional familiar diante do homicídio em causa.

Além disso, o recorrente sustenta que a reclamada usou de seu cargo para conseguir mais facilmente os autos, bem como que a mãe da vítima era capaz, por si só, de formular aquele pedido de vista dos autos.

Ocorre que, conforme já consignado na decisão recorrida, não se vislumbra prática de infração funcional pelo simples pedido de vista e cópia dos autos de processo físico feita por membro do Poder Judiciário a membro do Ministério Público, ainda que informalmente. 

A ausência de interferência no resultado do processo pode ainda ser vislumbrada nas seguintes circunstâncias: a Desembargadora é membro de turma de Direito Público, não lidando com matéria criminal; não há subordinação entre ela e o membro do MP, que, inclusive, realizou pedido de impronúncia do reclamante; não há qualquer movimentação ou atuação suspeita no processo e não há contemporaneidade entre a data da prisão preventiva e do indigitado bilhete. 

Ademais, não trouxe o recorrente comprovação da presença de elemento subjetivo essencial ao reconhecimento da infração funcional imputada à recorrida, não havendo nos autos indícios de dolo ou má-fé, capazes de caracterizar a necessária justa causa motivadora da instauração de processo administrativo disciplinar.

Já quanto ao segundo recorrido, alega-se que, mesmo com a notícia de concessão de habeas corpus pelo STJ, ele utilizou supostos artifícios para postergar a expedição de alvará de soltura do recorrente e o manteve preso por 4 (quatro) dias além do prazo, em plena pandemia de Covid-19. 

Ocorre que, conforme explicado pelo magistrado, a vara em que é titular - 1ª Vara de Inquéritos Policiais e Medidas Cautelares – não mais era competente para a análise do caso, considerando que já havia sido o processo remetido ao setor de distribuição do Tribunal. Além disso, esclareceu o magistrado que a informação a respeito da medida deferida em sede de HC fora endereçada ao segundo grau, visto que era o Tribunal de Justiça quem figurava como autoridade coatora.

Nesse sentido, faz-se oportuna a transcrição das informações trazidas pelo magistrado reclamado:


A 1ª Vara de Inquéritos Policiais e Medidas Cautelares foi criada, através da Resolução nº 017/2008 – GP - TJPA, considerando a necessidade de se adotar, na jurisdição da capital paraense, ações que promovessem maior celeridade e eficiência na tramitação regular de inquéritos policiais, peças informativas e demais procedimentos investigatórios criminais, a fim de alcançar a imediata apreciação de medidas cautelares, na fase pré-processual. 

[...]

À época dos fatos, tão logo concluído o inquérito policial através do relatório de indiciamento, os autos físicos deveriam ser encaminhados à Central de Distribuição do Fórum Criminal de Belém, para posterior sorteio e remessa para uma das Varas Criminais da Capital, conforme a natureza do crime em apuração.

No caso em tela, as informações constantes no Sistema de Gestão de Processo – LIBRA – TJ/PA dão conta que, quando do recebimento da informação da concessão da liminar no habeas corpus nº 584525/PA-STJ pela 1ª Vara de Inquéritos de Belém, já havia sido declarado o encerramento da competência da Vara Especializada (decisão – doc. nº 2020.01232072-27, cadastrada em 05.06.2020 às 11h:35min.) e os autos físicos já tinham sido encaminhados à Central de Distribuição Criminal do Fórum de Belém [...]

Não obstante, em razão do presente pedido de providências diligenciamos aos autos do habeas corpus nº 584525/PA-STJ, de onde se extraiu o ofício nº 049826/2020-CPPE-STJ, onde a intimação para o conhecimento/providências da decisão liminar e requisição de informações foi endereçada ao Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, em razão da competência definida ao STJ (art. 105, inciso I, alínea c, da Constituição Federal de 1988).

Atento a competência constitucional daquela Corte, apenas o ato de 2º Grau enseja sua jurisdição, fazendo com que a autoridade coatora seja o Tribunal de Justiça (acórdão) e não o juízo de 1º Grau. Por conseguinte, os atos do STJ são comunicados ao Tribunal de Justiça às providências cabíveis e após aos juízes de piso.

Nesse sentido, somente em 08 de junho de 2020, quando os autos se encontravam perante a 2ª Vara do Tribunal do Júri de Belém, a 1ª Vara de Inquéritos Policiais foi informada via e-mail institucional da decisão liminar exarada pelo STJ, conforme o ofício nº 086/2020-GAB – VIPMC de 8 de junho de 2020, juntado aos autos nº 0003682-59.2020.8.14.0401, através do documento nº 2020.01242401-80, [...]

Desta forma, resta cristalino a ausência de quaisquer atos que provocassem a mora no cumprimento do alvará por este Juízo, sendo minuciosamente documentado à época dos fatos a comunicação da decisão do STJ extemporânea ao término da competência deste Juízo para atuação naquele feito e remessa dos autos à Central de Distribuição do Fórum Criminal [...]” (grifos nossos)

Por fim, com relação à alegação de que os patronos da magistrada teriam praticado excessos ao inferir que o reclamante integraria milícias na região, cumpre salientar que há registros de que a informação fundou-se em elementos contidos na decisão proferida no bojo do HC 584.525/PA , não tendo o ponto relevância para o deslinde da questão disciplinar, nem sendo este o lócus adequado para apuração da sua veracidade.

Nesse sentido, indefiro o pedido formulado de desentranhamento parcial de petição dos presentes autos e de encaminhamento de ofício à Ordem dos Advogados do Brasil. 

Dito isso e não havendo justa causa para a continuidade da apuração disciplinar, conheço do recurso administrativo e, no mérito, nego-lhe provimento.

É como voto.

 

 

Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA

Corregedora Nacional de Justiça 

A39/Z11