Conselho Nacional de Justiça


Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0004837-64.2019.2.00.0000
Requerente: NÚCLEO ESPECIALIZADO DE PROMOÇÃO E DEFESA DOS DIREITOS DAS MULHERES - DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Requerido: DJALMA MOREIRA GOMES JUNIOR

 

EMENTA 

RECURSO ADMINISTRATIVO. RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. REITERAÇÃO DE PEDIDO. ARQUIVAMENTO. PRECEDENTES.

1. A análise do presente expediente em conjunto com as Reclamações Disciplinares n. 0004454-23.2018.2.00.0000 e n. 0004807-63.2018.2.00.0000 deixa claro que todos os processos têm o mesmo objetivo, qual seja, aferir a existência de violação de deveres funcionais por parte de magistrado em episódio que envolveu o julgamento de ação civil pública manejada pelo Parquet para fins de obrigar ente municipal a realizar procedimento cirúrgico.

2. O argumento recursal de que a presente reclamação encontra-se mais bem instruída, sobretudo pela existência de manifestação da paciente afirmando que não teria expressado vontade de se submeter à cirurgia não legitima a reabertura de reclamação disciplinar, visto que consta dos autos da RD n. 0004807-63.2018.2.00.0000, tanto na defesa do magistrado, como no laudo juntado, que ela foi submetida a avaliação psicológica na qual, reduzida a termo, expressou consentimento no procedimento. 

3. Conforme jurisprudência desta Corte, determina-se o arquivamento de expediente quando se constata que o objeto do pedido de providências é idêntico ao de outro feito já analisado pelo Conselho Nacional de Justiça.

Recurso administrativo improvido.

S10/Z10/S22

 ACÓRDÃO

Após o voto do Conselheiro Luciano Frota (vistor), o Conselho, por maioria, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Vencidos os Conselheiros Ivana Farina Navarrete Pena e Luciano Frota. Plenário Virtual, 29 de novembro de 2019. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Dias Toffoli, Humberto Martins (Relator), Emmanoel Pereira, Luiz Fernando Tomasi Keppen, Rubens Canuto, Valtércio de Oliveira, Mário Guerreiro, Candice L. Galvão Jobim, Luciano Frota, Ivana Farina Navarrete Pena, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, André Godinho, Maria Tereza Uille Gomes e Henrique Ávila. Não votou a Excelentíssima Conselheira Maria Cristiana Ziouva.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0004837-64.2019.2.00.0000
Requerente: NÚCLEO ESPECIALIZADO DE PROMOÇÃO E DEFESA DOS DIREITOS DAS MULHERES - DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Requerido: DJALMA MOREIRA GOMES JUNIOR


RELATÓRIO

 

O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator): 

 

Cuida-se de recurso administrativo interposto contra decisão desta Corregedoria proferida nos autos da Reclamação Disciplinar n. 0004837-64.2019.2.00.0000, proposta pelo NÚCLEO ESPECIALIZADO DE PROMOÇÃO E DEFESA DOS DIREITOS DAS MULHERES contra DJALMA MOREIRA GOMES JÚNIOR, Juiz da Vara Cível da Comarca de Mococa – SP, na qual, com fundamento no art. 8º, I, do RICNJ, fora determinado o arquivamento da reclamação, por se verificar que o expediente versa sobre o mesmo objeto das Reclamações Disciplinares n. 0004454-23.2018.2.00.0000 e n. 0004807-63.2018.2.00.0000. 

A recorrente reitera os argumentos apresentados na inicial alegando, em síntese, que diante da impossibilidade jurídica do pedido da ação civil pública manejada pelo MP em desfavor do Município de Mococa – SP para que procedesse à esterilização compulsória de Janaína Aparecida Quirino e que, em razão da ausência de livre consentimento manifestado por ela, o magistrado, ao julgar procedente a referida ação, teria violado o disposto nos arts. 3º do Código de Ética da Magistratura e 35 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional.

Alega que o "magistrado deveria ter agido com prudência ao apreciar um pedido que não tem respaldo legal, que vai de encontro à toda normativa de proteção dos direitos das mulheres e que fere a dignidade da pessoa humana" (Id. 3729727). 

E mais:

"Cabe ressaltar que sentença do magistrado não foi fundamentada no direito à saúde de Janaína, uma vez que a laqueadura é um procedimento invasivo que precisa ser realizado nos moldes da Lei de Planejamento familiar e não por meio de um processo judicial e nem realizado numa mulher que se encontra custodiada pelo Estado.

Nesse sentido, jaz no cerne deste pleito não somente a punição em razão dos danos causados, mas evitar a recorrência dos mesmos atos pelo referido juiz. Configura-se, portanto, não somente o objeto de questões de direitos, mas motivos que se relaciona à função jurisdicional. 

O magistrado não se porta dentro da institucionalidade e da função de julgador, não inspirando confiança à população, à cidadania, ao cultivo de princípios éticos. Deste modo, visando o fortalecimento da Magistratura, é que se apresenta a presente Reclamação".     

 

Requer, por conseguinte, o desarquivamento do expediente para regular processamento, pois entender que as informações e provas contidas na presente reclamação disciplinar ultrapassam as apresentadas nas RDs n. 0004454-24.2018.2.00.0000 e n. 0004807-63.2018.2.00.0000.

Explica que "[...] entrou em contato com a Sra. Janaína e vem representando os seus interesses e defendendo os seus direitos desde a notícia do procedimento de esterilização compulsória, tendo inclusive ido buscar a sra. Janaína na Penitenciária de Mogi-Guaçu", o que não teria acontecido nas citadas reclamações disciplinares.

Aponta, ainda, fato novo, qual seja, "[...] a condenação do promotor do caso, o Sr. Frederico Liserre Barrufini, a uma pena de suspensão de 15 dias pela a sua atuação no pedido de esterilização compulsória da Sra. Janaína".

Foi juntado ainda vídeo de Janaína Aparecida Quirino expressando que assinou a autorização para laqueadura sem ter ciência do que estava assinando.

Requer, por fim, a reconsideração do decisum ora recorrido ou a remessa do pleito para apreciação do Plenário.

É, no essencial, o relatório.

 

S10/Z10/S22

 

Conselho Nacional de Justiça


Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0004837-64.2019.2.00.0000
Requerente: NÚCLEO ESPECIALIZADO DE PROMOÇÃO E DEFESA DOS DIREITOS DAS MULHERES - DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Requerido: DJALMA MOREIRA GOMES JUNIOR

 

 


VOTO 


O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator): 

O recurso não prospera.

Não obstante o esforço da entidade em aduzir a inexistência de identidade entre o presente expediente e as Reclamações Disciplinares n. 0004454-23.2018.2.00.0000 e n. 0004807-63.2018.2.00.0000, a análise conjunta dos elementos que integram os autos deixa claro que todos os procedimentos têm o mesmo objetivo, qual seja, aferir a existência de violação de deveres funcionais por parte do Magistrado Djalma Moreira Gomes Júnior, do Juízo da 2ª Vara da Comarca de Mococa – SP, no episódio que envolveu o julgamento de ação civil pública manejada pelo Parquet para fins de obrigar o Município de Mococa a realizar em Janaína Aparecida Quirino o procedimento de laqueadura tubária.

Cabe esclarecer que a RD n. 0004454-23.2018.2.00.0000, manejada pela OAB/SP, foi apensada à RD n. 0004807-63.2018.2.00.0000, atravessada por Nasser Ahmad Allan, cuja decisão de arquivamento ostenta o seguinte teor (Id. 3525446):

"Cuida-se de reclamação disciplinar formulada por NASSER AHMAD ALLAN em desfavor de DJALMA MOREIRA GOMES JÚNIOR, Juiz da 2ª Vara do Foro de Mococa – SP.

O reclamante informa que: 

a) o Ministério Público do Estado de São Paulo teria manejado ação civil  pública, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela (Processo n. 1001521-57.2017.8.26.0360), em desfavor do Município de Mococa (SP), a fim de que o réu fosse obrigado a realizar, na Senhora Janaína Aparecida Quirino, pessoa civilmente capaz, o procedimento de laqueadura tubária, sem a anuência da referida Janaína;

b) o magistrado teria julgado a lide de forma antecipada, estabelecendo a condenação do réu em realizar o procedimento de laqueadura da Senhora Janaína Aparecida Quirino sem ouvi-la previamente, sob pena de multa diária no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), limitada ao valor total de R$ 100.000,00 (cem mil reais); e

c) o cumprimento da sentença proferida em 5/10/2017 teria ocorrido em 14/2/2018, após parto do último filho.

Afirma, em corroboração às suas alegações, que:

[...]

A completa ausência de prudência do D. Magistrado, ainda, se evidencia a partir do julgamento antecipado da lide, sem nem sequer proceder à oitiva da Sra. Janaína acerca de sua real vontade em relação ao procedimento que lhe seria imposto, decidindo com base tão somente em documentos frágeis, de produção unilateral e contraditórios.

Não se atentou o d. magistrado, ademais, às consequências irreversíveis que uma intervenção cirúrgica desta envergadura gera, contrariamente à literalidade do artigo 25 do Código de Ética acima transcrito. 

Nesse mesmo contexto, tem-se que o Magistrado também não foi diligente, deixando de proceder à produção de importantes provas nos autos, como a pericial e a oral. Não decidiu, assim, no “prazo razoável” de que trata o artigo 20 do Código de Ética da Magistratura Nacional, especialmente considerando que a gravidade do objeto da ação demandava dilação probatória muito mais profunda.

O D. Juiz, ainda, agiu contrariamente à dignidade, honra e decoro de suas funções, na medida em que, em análise absolutamente superficial e arbitrária, proferiu decisão eivada de discriminação social, ferindo grave e permanentemente a integridade física da Sra. Janaína Aparecida Quirino. O comportamento adotado é expressamente reprovado pelo artigo 39 do Código de Ética da Magistratura Nacional'.

[...]

Em consulta ao site do TJSP, constata-se que a 8ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

a) deu provimento, em 23/5/2018, ao recurso de apelação interposto pelo Município de Mococa e que o acórdão respectivo está registrado sob número 20180000380733; e

b) determinou remessa de cópia dos autos à Corregedoria do Ministério Público e à Corregedoria-Geral de Justiça. 

Assim, considerando a existência de possíveis indícios de irregularidades praticadas pelo magistrado, os autos foram encaminhados à Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de São Paulo para esclarecimento acerca dos fatos narrados.

No Id 3208494, a Corregedoria local comunicou que os mesmos fatos estavam em fase avançada de apuração no Procedimento n. 93.876/2018. 

Em 24/9/2018, informou que o processo foi arquivado por entender que as decisões judiciais proferidas pelo magistrado se harmonizaram com sua versão de que havia concordância do procedimento com a parte, Janaína Aparecida Quirino, e não representaram transgressão deliberada do ordenamento jurídico e violação dos deveres funcionais previstos na LOMAN e no Código de Ética da Magistratura. 

Posteriormente, em 12/12/2018, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por meio de seu órgão especial, negou provimento ao recurso administrativo apresentado contra a decisão de arquivamento do feito pela Corregedoria local.

É, no essencial, o relatório.

Inicialmente, ressalto que a competência do Conselho Nacional de Justiça, que é definida no art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal, embora reconhecidamente ampla, não lhe assegura a exclusividade do controle da atividade administrativa dos tribunais. Em outras palavras, a competência correcional e disciplinar é concorrente. 

Dessa forma, observo que, encaminhado à Corregedoria local para esclarecimento dos fatos aqui apresentados, o feito obteve julgamento definitivo na origem, em razão da reclamação ser idêntica a procedimento anteriormente apurado. 

No procedimento apurado no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (voto no Processo n. 00093876/2018) constatou-se que (Id 3514549, fl. 2):

'RECURSO. DECISÃO DA CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DE ARQUIVAMENTO DE REPRESENTAÇÃO EM FACE DE MAGISTRADO. INEXISTÊNCIA DE FALTA FUNCIONAL A DAR ENSEJO À INSTAURAÇÃO DE PROCESSO DISCIPLINAR. INSATISFAÇÃO DA REPRESENTANTE EM RELAÇÃO AO CONTEÚDO DE SENTENÇA. INCIDÊNCIA DO ARTIGO 41 DA LOMAN. APURAÇÃO PRELIMINAR QUE VERIFICOU PARA O FIM ADMINISTRATIVO: (A) CAUTELA DO MAGISTRADO NA CONDUÇÃO DO PROCESSO E (B) EXISTÊNCIA DE PROVA CABAL DE QUE HAVIA AUTORIZAÇÃO DA PARTE PARA A REALIZAÇÃO DO PROCEDIMENTO DE LAQUEADURA. RAZÕES RECURSAIS INSUFICIENTES À MODIFICAÇÃO DA DECISÃO DA CORREGEDORIA, DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 9º, § 2º E ARTIGO 10, AMBOS DA RESOLUÇÃO N. 135/11 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA E DO ARTIGO 99 DO REGIMENTO INTERNO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO'. 

 

Dessa forma, analisando a documentação juntada e as decisões que arquivaram os procedimentos na origem, entendo que não existiu desídia, omissão ou qualquer outra irregularidade na apuração dos fatos semelhantes aos ora tratados nesta reclamação tanto pela Corregedoria local quanto pelo órgão especial do TJSP no Processo n. 00093876/2018.

Como dito, o CNJ não é instância recursal de órgão correicional, exercendo competência concorrente diante de flagrante ilegalidade do ato impugnado ou evidente inércia na apuração da suposta falta, hipóteses inocorrentes nos autos.

Ademais, a justiça ou injustiça das decisões proferidas pelo magistrado reclamado devem ser questionadas por meio dos recursos próprios e não por via de reclamação disciplinar.

Por fim, tendo em vista o apensamento neste feito da RD n. 0004454-23.2018.2.00.0000, que trata dos mesmos fatos ora analisados, e, in casu, em se considerando incabível a revisão de toda a matéria probatória, posto que já analisada tanto pela Corregedoria local como pelo órgão especial do TJSP, impõe-se o arquivamento da RD n. 0004454-23.2018.2.00.0000 pelos mesmos fundamentos acima expostos.

Ante o exposto, com fundamento no art. 19, primeira parte, do Regulamento Geral da Corregedoria Nacional de Justiça, determino o arquivamento do presente expediente e da Reclamação Disciplinar apensada a este feito (RD n. 0004454-23.2018.2.00.0000).

Após, à Secretaria Processual para que translade cópia desta decisão à RD n. 0004454-23.2018.2.00.0000.

Sem recurso, ao arquivo".

 

Com efeito, a presente reclamação apura violação dos arts. 3º do Código de Ética da Magistratura e 35 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, porquanto o magistrado representado teria proferido sentença sem observar a devida prudência inerente ao exercício do cargo, ferindo assim direitos inerentes à dignidade da pessoa humana.

Contudo, consoante consignado no decisum recorrido, a presente reclamação guarda identidade de conteúdo com a RD n. 0004807-63.2018.2.00.0000, que fora arquivada, nos termos acima citados, quais sejam, além de já ter sido apurado pelo órgão censor local – em razão da competência concorrente –, quando da apreciação do tema pelo CNJ não ficou provada qualquer desídia, omissão ou irregularidade, bem como entendeu-se que o teor da representação possui caráter eminentemente jurisdicional, conteúdo que foge ao âmbito de atuação correcional.

Outrossim, sem amparo o argumento recursal de que a presente reclamação encontra-se mais bem instruída, sobretudo pela manifestação da Sra. Janaina ao afirmar, em vídeo, que não teria expressado de forma contundente a vontade de se submeter à cirurgia de laqueadura, visto que consta dos autos da RD n. 0004807-63.2018.2.00.0000, tanto na defesa do magistrado, como no laudo juntado, que ela foi submetida à avaliação psicológica na qual, reduzida a termo, expressou consentimento no procedimento cirúrgico. In verbis (RD 0004807-63.2018.2.00.0000):

"Cumprindo determinação de Vossa Excelência, apresento o Relatório Psicológico redigido conforme Manual de Elaboração de Documentos Escritos produzidos pelo psicólogo, decorrentes de avaliação psicológica (Resolução CFP nº 007/2003) e Código de Ética Profissional do Psicólogo (Resolução CFP 010/05).

Descrição da Demanda

Trata-se de avaliação psicológica realizada com a Sra. Janaína Aparecida Quirino, a fim verificar sua volição em realizar cirurgia de laqueadura, como método contraceptivo irreversível. Avaliação Psicológica foi determinada nas fls. 19.

Procedimento

-Entrevista Psicológica com a Sra. Janaina Aparecida Quirino em 23/06/2017

A presente avaliação tem como fundamentação teórica a Abordagem Comportamental, que busca analisar os eventos históricos que determinaram os comportamentos das pessoas e também as situações presentes que os mantém.
Vale ressaltar, que o processo de avaliação considera as determinações históricas, sociais, econômicas e políticas das questões psicológicas, portanto, há de se considerar a sua natureza dinâmica, ou seja, não definitiva e não cristalizada.

 Análise

Entrevista Psicológica com Sra. Janaina

Janaina tem 36 anos de idade, não exerce atividade remunerada de trabalho. Reside em imóvel alugado (R$ 250,00) há dois meses com seu companheiro Cristiano Rodrigues, o qual mantém um relacionamento intermitente há aproximadamente onze anos. Apresentou-se a entrevista sóbria, com discurso coerente e colaborativo.

Após ser informada sobre o assunto desta ação, Janaina declarou que tem o interesse em realizar a cirurgia de laqueadura, pois não deseja ter mais filhos. Disse que sua principal motivação nesta cirurgia se deve ao fato que ela já realizou o sonho da maternidade, pois possui sete filhos. Declarou também, que devido às conseqüências da dependência química (dela e do companheiro), recentemente perdeu legalmente o poder familiar dos quatro filhos mais novos. Salientou que tem noção que possui uma rotina de vida muito vulnerável e instável e que não poderia dar conta de cuidar de outro filho advindo de uma possível nova gravidez. Acrescentou que sofreria muito em 'perder outro filho para adoção novamente' (sic).

Ressaltou que já deu início ao processo de laqueadura em outros momentos, com a ajuda da rede de atendimento protetiva (CREAS, CAPS AD e Conselho Tutelar), porém não deu conta de concluir o processo, pois de acordo com ela 'é demorado e complicado' (sic) e por vezes perdia o interesse quando ficava sob efeito do álcool.

Declarou que o companheiro Cristiano não se opõe a realização da cirurgia e que tem ciência que o procedimento de laqueadura é irreversível. Acrescentou que embora não tenha desejo de uma nova gravidez, o casal não utiliza nenhum método contraceptivo, justificando que ambos não se adaptaram com outros meios anticoncepcionais (injetável, pílula e preservativo).

(...)

Conclusão

Trata-se de avaliação psicológica realizada com a Sra. Janaina Aparecida Quirino, a fim verificar sua voliçáo em realizar cirurgia de laqueadura, como maneira de evitar novas gestações.

Na avaliação realizada notamos que Sra. Janaina aparentou ter desejo espontâneo e convicto em realizar a cirurgia, como forma de evitar outras possíveis ocorrências de gravidez. Demonstrou tal motivação, pelo fato de já ter sete filhos, os quais não estão sob sua responsabilidade, e estar consciente da situação complexa na qual vivência, a qual não lhe permitiria cuidar de outro bebê.

Notamos que esta decisão referente à laqueadura não é recente, sendo que Janaina já deu início a este processo anteriormente, porém desmotivou-se durante as fases do processo, devido às conseqüências da dependência química e sua situação de extrema vulnerabilidade psicossocial.

Sendo assim, considerando os direitos sexuais e reprodutivos femininos, e o desejo consciente de Sra. Janaina em realizar a laqueadura, somado a sua declaração em que não se adaptou a outros métodos contraceptivos, opinamos favoravelmente a realização da cirurgia de laqueadura.

Sugerimos, caso for possível, a realização da cirurgia neste município, uma vez que Janaina não possui suporte familiar que possa acompanhá-la em outra localidade e também que o procedimento ocorra com a possível agilidade, considerando que no momento ela não está gestante. Tal brevidade também é importante, por conta de sua extrema vulnerabilidade psicossocial e sua experiência anterior, quando se frustrou em persistir na conclusão do procedimento, por ter a percepção pessoal que este é demasiadamente complexo e moroso" (Id 3208497 – fls. 76/80).

 

"Sobrevinda avaliação psicológica com Janaína, esta reiterou sua manifestação, consistente no interesse na realização do procedimento de laqueadura tubária e o procedimento foi recomendado pela psicóloga do juízo (fls. 24/28). Diga-se de passagem, trata-se de excelente profissional que trabalha, na companhia deste Magistrado, há alguns anos.

Após a realização do estudo técnico, Janaína, de forma espontânea, compareceu junto à Secretaria Judicial no dia 30/06/2017, declarando, expressamente à Supervisora de Serviços Maria Regina Busso e Silva, a sua intenção de se submeter ao procedimento de laqueadura tubária (fl. 29 dos autos).

Nesse ponto, destaco que a Supervisora de Serviços afirmou, informalmente, que na oportunidade, Janaína estava lúcida e não demonstrava ter ingerido qualquer tipo de substância que lhe retirasse o discernimento, oferecendo a manifestação de forma libre e consciente" (Id 3208498 – fl. 6).

 

No que se refere ao apontado fato novo, qual seja, a condenação do promotor do caso, o Sr. Frederico Liserre Barrufini, a uma pena de suspensão de 15 dias por sua atuação no referido processo, o argumento não enseja revisão no julgado porquanto, não obstante a cooperação das diferentes esferas correcionais, sobretudo no compartilhamento das provas, notoriamente sabe-se que a conclusão de um não vincula/determina a do outro.

Assim, irrepreensível o decisum ora impugnado, pois a reiteração de pedido é prática rechaçada pela mansa jurisprudência do CNJ.

A propósito:

"1. Conforme jurisprudência desta Corte, determina-se o arquivamento de expediente quando se constata que o objeto do pedido de providências é idêntico ao de outro feito já analisado pelo Conselho Nacional de Justiça" (CNJ – RA – Recurso Administrativo em RD – Reclamação Disciplinar – 0009629-32.2017.2.00.0000 – Rel. Min. HUMBERTO MARTINS – 45ª Sessão Virtual – j. 5/4/2019).

 

"II. O tema também foi anteriormente analisado e decido pelo Plenário do CNJ, em sentido contrário à pretensão do requerente. O que se observa, na verdade, é uma tentativa de rediscutir questão já apreciada, o representaria admitir, na prática, uma espécie de “recurso tardio” ou “ação rescisória” no âmbito deste Conselho, subvertendo a lógica jurídica dos procedimentos administrativos submetidos ao CNJ, como também ofenderia a regra expressa no art. 4º, §1º, do Regimento Interno" (CNJ – RA – Recurso Administrativo em PP – Pedido de Providências – Conselheiro – 0004454-62.2014.2.00.0000 – Rel. CARLOS EDUARDO DIAS – 2ª Sessão Virtual - j. 10/11/2015).

 

"1. O ato impugnado foi analisado anteriormente e a matéria foi julgada pelo CNJ

2. Desprezar os julgados anteriores do CNJ significa esvaziar a competência do órgão, além de implicar em absoluta insegurança jurídica" (CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0004279-05.2013.2.00.0000 - Rel. PAULO TEIXEIRA - 186ª Sessão Ordináriaª Sessão - j. 08/04/2014).

 

"I. Em se tratando de matéria idêntica, bem como haver reclamação constitucional (RCL nº 4739) pendente de analise no STF, a qual impugna os mesmos fundamentos já analisados pelo CNJ em caso anterior, não há como conhecer do pleito" (CNJ – PP – Pedido de Providências – Conselheiro – 0000612-21.2007.2.00.0000 – Rel. JORGE ANTONIO MAURIQUE – 49ª Sessão Ordinária – j. 9/10/2007).

 

Ante o exposto, nego provimento ao recurso administrativo.

É como penso. É como voto.


MINISTRO HUMBERTO MARTINS

Corregedora Nacional de Justiça

S10/Z10/S22

 

 

            Adoto o bem lançado relatório do e. Corregedor, mas ouso divergir do voto.

            Conforme referido, trata-se de Reclamação Disciplinar em que o Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres - Defensoria Pública do Estado de São Paulo sustenta, em síntese, a ocorrência de falta funcional do magistrado Djalma Moreira Gomes Júnior, da Vara Cível da Comarca de Mococa/SP.

            Atribuiu-se ao juiz falta de prudência na condução de processo em que o Ministério Público local requereu a realização de procedimento cirúrgico de laqueadura compulsória em Janaína Aparecido Quirino, porquanto a paciente não teria anuído com o procedimento.

            O e. Corregedor arquivou o feito e agora, em sede de recurso administrativo, propôs a manutenção do decisum, sob alegação de que as mesmas imputações feitas ao magistrado já foram apuradas e arquivadas, sem identificação de falta funcional, nos autos das RD 4454-24 e 4807-63.

            Verifico, entretanto, que a requerente aponta o fato de que o promotor do caso, Dr. Frederico Liserre Barrufini, fora punido com suspensão de 15 (quinze) dias pela atuação na ação civil pública em que se requereu a esterilização compulsória.

            Divirjo da conclusão a que chegou o e. Corregedor, que não considerou a punição aplicada ao autor da ação pelo órgão censor do Ministério Público. Com efeito, a sanção lá aplicada não vincula a apuração neste CNJ, mas pode e deve servir como subsídio para tomada de decisão.

            Ora, o órgão censor do MP identificou, na conduta do promotor, desempenho sem o zelo e a presteza devidos às altas atribuições legais atribuídas ao Parquet. A meu ver, tão grave quanto a propositura de ação temerária, como reconhecido na apuração contra o representante ministerial, é o acolhimento, sem as devidas cautelas, da pretensão nela formulada.

            Com efeito, há nos presentes autos, como havia na ação julgada pelo magistrado, referências à dependência química de Janaína Aparecido Quirino. Não se desconhece que o magistrado consignou em sentença ser a Sra. Janaína pessoa capaz (Id. 3687516), mas ante a gravidade da medida pleiteada – procedimento cirúrgico compulsório de laqueadura –, cabia ao juiz zelo e prudência redobrados, até porque não houve apresentação de defesa por parte da demandada na origem.

            Ademais, ao manifestar-se nos autos, o Município de Mococa/SP requereu, como se vê na sentença, fosse “oficiado o CAPS, para que remeta aos autos cópia do prontuário, com atestados, laudos e tratamentos ministrados à requerida Janaína, opondo-se, como consequência, ao julgamento antecipado da lide” (Id. 3687516, fl. 2).

            Não obstante confrontado com a referida pretensão invasiva, sob todos os aspectos da vida de uma pessoa, o magistrado limitou-se, formal e processualmente, a assentar que “cabe ao próprio Município providenciar os documentos do procedimento em questão” (Id. 3687516, fl. 3). Após, apreciou o mérito e deferiu o pedido.

            Penso estar configurada a negligência do magistrado, ao proferir sentença com repercussões irreversíveis para a vida de uma mulher, sem ao menos oportunizar o Município a juntada aos autos de “cópia do prontuário, com atestados, laudos e tratamentos ministrados”.

            Agiu, portanto, sem a prudência que o Código de Ética da Magistratura exige dos juízes, conforme seu art. 25: “Especialmente ao proferir decisões, incumbe ao magistrado atuar de forma cautelosa, atento às consequências que pode provocar”.

            Nesse contexto, entendo haver indício suficiente de falta funcional do magistrado, condição que implica a necessária instauração de procedimento administrativo disciplinar.

            Ante o exposto, julgo procedente o pedido formulado na inicial, para determinar a instauração de processo administrativo disciplinar contra o Juiz Djalma Moreira Gomes Júnior.

Brasília, 2019-12-02.