Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0002712-55.2021.2.00.0000
Requerente: CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA
Requerido: GIOVANNI ALFREDO DE OLIVEIRA JATUBA

 


                                                                                   EMENTA


PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. CUMPRIMENTO AO DISPOSTO NO ART. 28 DA RESOLUÇÃO 135/CNJ. REVISÃO DE PROCESSO DISCIPLINAR. INSTAURAÇÃO DE OFÍCIO, SEM AFASTAMENTO CAUTELAR DO MAGISTRADO. JUIZ DE DIREITO. INDICAÇÃO DE ADVOGADO QUE ATUAVA NO ESCRITÓRIO DO PRÓPRIO FILHO. CONDUÇÃO DE POSTERIOR PROCESSO E DECISÃO EM FAVOR DA PARTE A QUEM SE INDICOU ADVOGADO. VIOLAÇÃO A IMPEDIMENTO LEGAL. PENA DE ADVERTÊNCIA. APLICAÇÃO INADEQUADA. BUSCA PELA ADEQUAÇÃO E PROPORCIONALIDADE DA PENALIDADE APLICADA. REVISÃO DISCIPLINAR INSTAURADA DE OFÍCIO.

  

1. A jurisprudência do Conselho Nacional de Justiça admite a instauração de revisão de processo disciplinar, quando, da análise das informações prestadas pelo órgão correcional local, constata-se que a sanção aplicada é inadequada ao contexto fático-probatório ventilado nos autos. 

2. A pena de advertência deverá ser aplicada reservadamente, por escrito, no caso de negligência no cumprimento dos deveres do cargo.

3. A aplicação da pena de advertência é aparentemente insuficiente e desproporcional em relação à gravidade do fato apurado nos autos, em que o requerido indicou advogado pertencente ao escritório jurídico do qual fazia parte seu filho, despachou no processo  e deferiu pedido de liminar à sociedade empresária autora, quando manifestamente impedido. 

4. Quando a conduta do magistrado indicar o descumprimento de deveres intransponíveis impostos aos magistrados e um indevido favoritismo na sua decisão, a gerar uma repercussão extremamente negativa à imagem do Poder Judiciário e uma inegável perda da confiança dos jurisdicionados na sua atuação, deve-se verificar a adequação e proporcionalidade da penalidade aplicada ao caso. 

5. Conclusão pela necessidade de instauração, de ofício, da revisão de processo disciplinar, sem afastamento cautelar do magistrado, fundada no art. 83, inciso I, do RICNJ, para verificação da adequação e proporcionalidade da penalidade aplicada ao juiz requerido, nos termos dos arts. 82 e 86 do RICNJ. 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, instaurou revisão disciplinar em desfavor do magistrado, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário Virtual, 10 de março de 2023. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão (Relator), Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0002712-55.2021.2.00.0000
Requerente: CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA
Requerido: GIOVANNI ALFREDO DE OLIVEIRA JATUBA


RELATÓRIO


                 O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator): 

  

1. Cuida-se de pedido de providências instaurado a fim de dar cumprimento ao disposto nos arts. 9º, § 3º, 14, §§ 4º e 6º, 20, § 4º, e 28 da Resolução CNJ n. 135, de 13/7/2011, em virtude da comunicação da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de Alagoas à Corregedoria Nacional de Justiça, referente a expediente instaurado em desfavor do juiz Giovanni Alfredo de Oliveira Jatubá.

Segundo o relatório da decisão inicialmente encaminhada, o procedimento se originou do envio de documentação pelo Ministério Público Estadual, decorrente da menção do nome do magistrado em investigação deflagrada para apuração de crimes de sonegação tributária e fraudes fiscais. Naquele procedimento, haveria a apuração de supostas irregularidades praticadas pelo magistrado especialmente na condução do Processo n. 0705490-24.2018.8.02.0058.

Foi determinado o afastamento cautelar do requerido de suas atividades jurisdicionais, conforme decisão proferida no dia 12/04/2021 (ID 4322532).

A Corregedoria local informou que a composição plenária do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas acolheu a proposta de abertura de processo administrativo disciplinar, conforme cópia do acórdão lavrado em 01/06/2021 (ID 4384497).

Após sucessivas suspensões, foi noticiado o julgamento do PAD em causa, em 14/06/2022. A ementa do acórdão foi sintetizada nos seguintes termos (ID nº 4813525): 

  

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR INSTAURADO COM A FINALIDADE DE APURAR FALTA FUNCIONAL COMETIDA POR MAGISTRADO. ALEGAÇÃO DE QUE O JULGADOR INDICOU ESCRITÓRIO JURÍDICO DO QUAL FAZ PARTE SEU DESCENDENTE IMEDIATO (FILHO) PARA ASSUMIR CAUSA A SER JULGADA PELO PRÓPRIO JUIZ. PRESENÇA DE ELEMENTOS PROBATÓRIOS SUFICIENTES PARA CONFIRMAR O FATO INICIALMENTE REPORTADO A ESTA CORTE DE JUSTIÇA. CONSTATADA A QUEBRA DE IMPARCIALIDADE DO JULGADOR. OFENSA AO ART. 35, INCISO VIII, DA LC 35/79, ART. 1º, CAPUT, DO CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA NACIONAL E ART. 144, INCISO III E § 3º, DO CPC/15. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA PENA DE CENSURA DIANTE DA AUSÊNCIA DE PUNIÇÃO ANTERIOR DE ADVERTÊNCIA POR CONTA DE NEGLIGÊNCIA FUNCIONAL. IMPOSTA A PENA DE ADVERTÊNCIA, NA FORMA DO ART. 43 DA LEI COMPLEMENTAR 35/79 (LOMAN). PROCEDÊNCIA. 

Esta Corregedoria, por entender ser o caso de incidência do previsto no art. 83, I do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça – RICNJ, com possível instauração de revisão disciplinar para análise de sanção disciplinar mais adequada, intimou o requerido para apresentar defesa prévia (ID 4820826).

Em sua defesa, o juiz requerido sustenta que: a) não há prova dos fatos ilícitos narrados no acórdão da corregedoria local; b) houve diversas contradições entre as testemunhas ouvidas no PAD; c) não ficou demonstrado que o requerido tenha proferido decisões liminares em troca de vantagem pecuniária; d) a decisão que exarou no processo 0705490-24.2018.8.02.0058 está devidamente fundamentada, baseada em seu livre convencimento motivado; e) alternativamente, deve-se manter a sanção de advertência, já aplicada na origem.

É o relatório. 

 

 

 

 


J5



 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: 

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0002712-55.2021.2.00.0000

Requerente:

CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA

Requerido:

GIOVANNI ALFREDO DE OLIVEIRA JATUBA

 

VOTO

            O MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator):  

2. Compete ao Conselho Nacional de Justiça “rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano” (art. 103-B, § 4º, V, da CF). 

Cumpre registrar que não decorreu o prazo decadencial de um ano para a instauração da Revisão Disciplinar, considerando que o julgamento do Processo Administrativo Disciplinar nº 0757171-61.2021.8.18.0000 foi concluído pelo Pleno do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas - TJAL em 14/06/2022 (ID n° 4813525). A decisão que concluiu pela possibilidade de revisão disciplinar e notificou o requerido para defesa prévia foi proferida em 17/08/2022 (ID 4820826). 

Assim, não se operou a decadência. 

3. Quanto aos requisitos necessários à instauração de Revisão Disciplinar, está configurada a hipótese prevista no art. 83, I, do RICNJ. Isso porque há possível contrariedade entre a evidência dos autos, os textos da Lei Orgânica da Magistratura Nacional e do Código de Ética da Magistratura Nacional e a sanção aplicada ao magistrado Giovanni Alfredo de Oliveira Jatubá. 

4. A pena de advertência, entendida como suficiente e adequada para punir conduta - consistente em indicar advogado pertencente ao escritório jurídico do qual fazia parte o filho do requerido, e, posteriormente este último despachar nos mesmos autos e deferir pedido de liminar à sociedade empresária autora - , parece demasiado branda no caso em que o juiz é manifestamente impedido, nos termos dos art.144, III e § 3º, do CPC.

Confira-se:

Art. 144. Há impedimento do juiz, sendo-lhe vedado exercer suas Junções no processo: [...] III - quando nele estiver postulando, como defensor público, advogado ou membro do Ministério Público, seu cônjuge ou companheiro, ou qualquer parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive;

[...]§ 3º O impedimento previsto no inciso III também se verifica no caso de mandato conferido a membro de escritório de advocacia que tenha em seus quadros advogado que individualmente ostente a condição nele prevista, mesmo que não intervenha diretamente no processo.

Sobre o tema, dispõe a Lei Complementar nº 35/1979, em seu art. 44, que: 

  

Art. 43 - A pena de advertência aplicar-se-á reservadamente, por escrito, no caso de negligência no cumprimento dos deveres do cargo.

 

No caso em análise, a penalidade imposta pelo Tribunal de Justiça do Estado de alagoas pode não ter sido a mais adequada, dada a gravidade da conduta em julgamento.

Explica-se.

5. Importante a transcrição de trechos do voto condutor do acórdão para compreensão dos fundamentos que levaram o Plenário do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas a concluir pela procedência do processo administrativo disciplinar em epígrafe com aplicação da penalidade de advertência (ID 4813525):

[...] 19. No mérito, destaco que o ponto controverso deste procedimento administrativo diz respeito à análise da possível falta disciplinar cometida pelo Magistrado, ora requerido, contra os valores ético-profissionais da Magistratura, na condução da Ação Ordinária n.° 0705490-24.2018.8.02.0058, que tem, como parte Autora, a empresa R. I. Comércio de Alimentos Ltda. Isso porque, o julgador, ao deferir um pedido liminar, no sentido de liberar mercadoria perecível em favor da demandante, teria incorrido em ilícito, pois, previamente, indicou para advogado da causa, um escritório jurídico, do qual sabia fazer parte, seu filho Antônio Alfredo Vilela Jatubá.

20. Pois bem. Em que pese o entendimento exposto pelo então Relator Des. Orlando Rocha Filho, filio-me à interpretação dos fatos feita pelo Eminente Des. Fábio José Bittencourt Araújo, no sentido de que os elementos probatórios presentes nos autos indicam a conduta temerária e contrária aos valores da Magistratura, que o ora requerido empreendeu.

21. Digo assim, porque a testemunha Ivanildo de Almeida Rodrigues afirmou que apresentou o requerido ao sócio da referida demandante, oportunidade em que o Magistrado indicou o escritório jurídico onde seu filho mantinha vínculo, para a referida banca de advogados assumir uma causa, que, posteriormente, veio a ser julgada pelo ora representado. Tal fato foi confirmado pela advogada Daniela Rose Ferreira Oliveira, que teria sido informada que o Magistrado facilitaria a liberação de mercadorias apreendidas, o que veio a ser corroborado pelos Promotores de Justiça Kleber Valadares Coelho Júnior e Guilherme Diamantares de Figueiredo. O próprio requerido, em seu interrogatório, aduziu ter indicado seu filho a Ivanildo, para tratar da demanda a ele apresentada informalmente, enquanto foi apresentado ao sócio da demandante em um "shake" (Loja da Herbalife). Por fim, a celeridade no andamento do processo e na emissão do decisum concessivo da liminar também registrou indícios que confirmam a quebra de parcialidade do representado.

22. Nesse sentido, se encontra o esclarecedor voto emitido pelo Eminente Desembargador Fábio José Bittencourt Araújo, pelo que transcrevo e acompanho, neste particular, na íntegra. Veja-se:

[...] Compulsando os autos da ação ordinária n.° 0705490-24.2018.8.02.0058, constata-se que o seu protocolo ocorreu em 30/08/2018 às 22h37min. Em 31/08/2018, às 09h20 min, o Magistrado proferiu despacho determinando que fossem recolhidas as custas processuais, sob pena de indeferimento da exordial. As 10h32min, a parte autora colacionou aos autos a GRJ devidamente paga às 11:30h, do mesmo dia 31/08/2018, foi liberada nos autos a decisão interlocutória deferindo a liminar [...]

10. Ademais, quando ouvido neste procedimento disciplinar, a testemunha Ivanildo de Almeida Rodrigues explicou que intermediou o encontro do Sr. Verlei (sócio da empresa RI. Comércio de Alimentos Ltda) com o ora requerido, através do primo deste, Sr. Miguel. Afirma que, juntamente com o Sr. Verlei teria encontrado com o Magistrado em um "shake" (Loja da Herbalife), ocasião em que o Dr. Giovanni teria indicado o escritório do Sr. Agnes e do Dr. AntônioInformou que, à época o Magistrado, não teria informado que o Dr. Antônio era seu filho e só soube dessa informação posteriormente.

11. No mais, consignou que teria sido informado pelo Miguel que o valor da operação junto ao escritório de advocacia do filho do Magistrado requerido foi de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais).

12. Quando ouvida no presente procedimento, a Dra. Daniela Rose Ferreira Oliveira (advogada) confirmou seu depoimento perante o órgão do Ministério Público (GAESF), atestando não ter sofrido qualquer tipo de ameaça. Alegou que só teve contato com o Dr. Agnes, que não conhece o Dr. Antônio e que manteve contato via whatsapp com o Dr. Agnes.

13. A testemunha confirmou o depoimento de Jl. 9.835/9,836 no sentido de que teria sido informada de que o Magistrado requerido iria facilitar a liberação das mercadorias apreendidas.

14. Ainda, os promotores que atuaram no caso perante o GAESF, Dr. Kleber Valadares Coelho Júnior e Dr. Guilherme Diamantaras de Figueiredo, corroboraram depoimentos anteriores.

15. O Magistrado requerido, quando ouvido em juízo, confirmou parcialmente a informação, dizendo que encontrou o Sr. Ivanildo "no meio de uma sala com vinte pessoas tomando 'shake', eu disse: procure meu filho". Alegou ainda que teria sido feita uma confusão e "jogaram no seu colo" tudo isso.

16. Nesse diapasão, tem-se que o fato de um Juiz de Direito ter aceitado esse encontro em um "shake" na cidade de Arapiraca e, ainda, conversado "a sós" com uma pessoa interessada na prolação de uma decisão em seu favor, indicando o escritório do seu filho, por si só, corresponde a uma conduta nitidamente incompatível com os deveres dos Magistrados.

[...] 19. Portanto, constato a existência de elementos que indicam o descumprimento de seus deveres funcionais, agindo em descompasso com os princípios da imparcialidade, impessoalidade, legalidade, transparência, prudência, integridade profissional e pessoal, dignidade da honra e do decoro na condução dos processos judiciais n.° 0705490-24.2018.8.02.0058 e 0707314-18.2018.8,02.0058, com fulcro nos arts. 1°,8°,24 e 37 da Resolução n° 60/2008 do Conselho Nacional de Justiça; art. 35, incisos I, e VIIL da LOMAN. [...] (Trecho do voto divergente de fls. 10.146-10.153)

23. Também do relatório emitido pelo então Relator Des. Orlando Rocha Filho, é possível extrair elementos probatórios relevantes, que denotam a postura incompatível do ora requerido com os valores da Magistratura. Veja-se:

[...] O Sr. Ivanildo de Almeida Rodrigues relatou, em seu depoimento, que teve contato com o Magistrado através do Sr. Miguel, na ocasião o referido Magistrado teria indicado o escritório do advogado Agnes Cavalcante da Silva, para resolver sua demanda processual, e que somente ficou sabendo que o advogado Antônio, filho do Magistrado, era "sócio" do advogado Agnes Cavalcante da Silva, por meio do Sr. Miguel (cf mídia da audiência, à fl. 10047). Na sequência, foi ouvido o Promotor Kleber Valadares Coelho Júnior, na qualidade de testemunha, o qual declarou que o advogado Agnes seria um sócio informal do filho do Magistrado, Antônio Alfredo Vilela Jatubá; que a Sra. Daniela Rose mencionou que Miguel também seria outra pessoa ligada ao filho do Magistrado para esses esquemas; que foi mencionado que o Magistrado teria uma fazenda na cidade de Bom Conselho/PE. aonde seriam feitos os acertos com o advogado Miguel e o filho do Magistrado; que em uma das mensagens entre Daniela e Agnes, este último mencionava Bom Conselho e que esperava "certidão de casamento" ficar pronta; que a "certidão de casamento" seria uma decisão favorável no que diz respeito à liberação de carga; que, salvo engano, Daniela mencionou que apesar do valor pactuado ter sido de RS 120.000,00, o valor efetivamente pago foi de R$60.000,00 para a liberação das carretas de milho, (cf mídia da audiência).

Por sua vez a advogada do Magistrado Requerido questionou ao Promotor Kleber Valadares Coelho Júnior se ele teve acesso a alguma prova de fato que comprometa o Magistrado pelo pagamento de propina a ele ou a terceiro vinculado a ele. A testemunha afirmou que em termos de prova objetiva o que nós verificamos como elemento sinalizador eram várias conversas da Daniella com o Agnes a partir de 1" de março de 2019, conversas nas quais era ajustado entre a Daniela e o Agnes a respeito de uma sociedade que eles fariam e que seria, segundo a Daniela, referente a liberação de carga, pagamento de propina (cf. mídia da audiência).

Em seguida, deu-se início ao testemunho do Promotor Guilherme Diamantaras de Figueiredo, que. inquirido pelo representante do Ministério Público, relatou, no que concerne especificamente os fatos em tese ligados direta ou indiretamente a Dr. Giovanni, recorda-se de duas situações; que a primeira seria relacionada a uma medicamentos (...) em que um dos sócios supostamente pagava propina a uma assessora do Dr. Giovanni (...) outro Jato, no decorrer da oitiva de Daniela, (...) um caminhão que teria sido apreendido com algumas mercadorias e, por meio de Daniela e em contato com dois advogados salvo engano um deles filho do Dr. Giovanni, buscava-se intermediar direcionamento favorável do Mandado de Segurança, esses são os fatos que basicamente me recordo. (...) Quando chegamos à informação do possível envolvimento de um Juiz de Direito, conversamos a respeito, eu e os integrantes do MP que oficiavam no GAESP. para remeter à PGJ. (cf mídia da audiência).

(Trecho do relatório do voto vencido, fls. 10.163-10.184, grifo nosso)

24. Ora, a conduta do Magistrado de indicar um escritório jurídico, sabidamente vinculado a um descendente imediato - seu filho, no caso - para assumir uma causa, que, logo após, veio a ser julgada pelo requerido, figurou como uma postura incompatível com a imparcialidade, prudência, integridade, dignidade, honra e decoro que se espera de um membro do Poder Judiciário, notadamente de um Juiz de Direito, conforme se depreende do art. 35, inciso VIII, da LC n° 135/79 e art. 1º  do Código de Ética da Magistratura Nacional. [...]

25. Não é demais frisar que o requerido estava impedido para assumir a referida causa, conforme se extrai do art. 144, inciso III, § 3º, do CPC/15. Logo, como atuou na demanda, inclusive, deferindo pedido em favor da autora, incorreu em quebra de imparcialidade. [...]

26. Acresça-se que, conforme vaticinado pelo Desembargador Tutmés Airan de Albuquerque Melo, durante os debates da sessão administrativa, não há quebra de imparcialidade, em princípio, no fato de o Magistrado, ao ser consultado sobre a indicação de um profissional da advocacia, indicar eventual patrono para assumir uma causa. No entanto, no caso específico dos autos, o Magistrado não só indicou a banca de advogados para determinada empresa contratar para proposição de uma demanda, como o próprio requerido julgou o litígio, deferindo uma liminar que gerou proveito à sociedade empresária e, por consequência, para os advogados que a representaram, dentre eles seu filho, ainda que o mesmo não tenha figurado diretamente no feito.

27. De toda sorte, apesar de configurado o ilícito administrativo, reputo que a pena adequada ao caso não é a censura, porquanto esta somente tem cabimento nos casos de reiterada negligência no cumprimento dos deveres do cargo, de modo que, como não há notícia de anterior aplicação de advertência em desfavor do Magistrado em apuração, por conta de negligência do representado, o mais prudente a fazer, com fincas no princípio da legalidade e da razoabilidade, e aplicar em detrimento do requerido a pena de advertência, conforme intepretação sistemática dos arts. 43 e 44, da Lei Complementar n° 35/79. [...] (Grifos no original)

6. Da acurada leitura da documentação acostada, bem como do acórdão proferido pelo Pleno do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas, conclui-se que: a) o magistrado requerido indicou advogado para atuar em processo ajuizado pela sociedade empresária R. I. Comércio de Alimentos Ltda. (proc. 0705490-24.2018.8.02.0058); b) o escritório indicado tinha como um dos advogados o Dr. Antônio Alfredo Vilela Jatubá, filho do requerido; c) o juiz ora requerido deferiu liminar em benefício da empresa autora, para quem havia indicado escritório de advocacia para patrocinar a mesma causa; d) não há controvérsia quanto a tais pontos.

7. A testemunha Ivanildo de Almeida Rodrigues afirmou que apresentou o requerido ao sócio da empresa demandante do pedido de liberação de mercadorias, oportunidade em que o Magistrado indicou o escritório jurídico onde seu filho mantinha vínculo, para a referida banca de advogados assumir uma causa, que, posteriormente, veio a ser julgada pelo ora representado.

Tal fato foi confirmado pela advogada Daniela Rose Ferreira Oliveira, que teria sido informada que o Magistrado facilitaria a liberação de mercadorias apreendidas, o que veio a ser corroborado pelos Promotores de Justiça Kleber Valadares Coelho Júnior e Guilherme Diamantares de Figueiredo.

A defesa do magistrado alega ausência de provas quanto aos ilícitos, mas confirma que teria mesmo indicado o escritório de advocacia do qual seu filho faz parte, que despachou no processo ajuizado posteriormente, deferiu liminar benéfica à sociedade empresária a quem indicou advogado.

No ponto, extrai-se do voto condutor do PAD:

“O próprio requerido, em seu interrogatório, aduziu ter indicado seu filho a Ivanildo, para tratar da demanda a ele apresentada informalmente, enquanto foi apresentado ao sócio da demandante em um shake (loja da Herbalife)” (ID 4813525, p. 6)

8. Importante anotar os andamentos do processo 0705490-24.2018.8.02.0058, no qual são partes Comércio de Alimentos Ltda. como autora e o Estado de Alagoas como réu. Advogado da parte autora Dr. Agnes Cavalcante da Silva:

Protocolo em 30/08/2018, ação de conhecimento sob o rito do procedimento ordinário, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela. Em 31/08/2018 houve despacho do requerido concedendo a tutela provisória para anular o ato administrativo que classificou a inscrição da empresa autora como inativa, determinando a imediata liberação da mercadoria. A sentença foi proferida por outro magistrado, que reconheceu a ilegitimidade passiva do Estado de Alagoas e julgou improcedente a pretensão deduzida, com revogação da tutela de urgência (ID 4384497 – e também disponível em: https://www2.tjal.jus.br/cpopg/show.do?processo.codigo=1M0002JVW0000&processo.foro=58&conversationId=&cbPesquisa=NUMPROC&numeroDigitoAnoUnificado=0705490-4.2018&foroNumeroUnificado=0058&dadosConsulta.valorConsultaNuUnificado=0705490-24.2018.8.02.0058&dadosConsulta.valorConsultaNuUnificado=UNIFICADO&dadosConsulta.valorConsulta=&dadosConsulta.tipoNuProcesso=UNIFICADO&paginaConsulta=1, acesso em 16/01/2023).

9. A testemunha Ivanildo Almeida Rodrigues, ouvido perante a Corregedoria local, fez afirmações muito graves:

“...que carretas desta empresa, denominada RI foram apreendidas, quando VERLEI procurou o declarante e este falou com SANDRO; que SANDRO encaminhou o declarante e VERLEI para a pessoa de MIGUEL, que é primo do juiz GEOVANNE; o declarante e MIGUEL se encontraram com GEOVANNE num shake em Arapiraca, no bairro Eldorado, quando GEOVANNE recomendou que eles procurassem seu filho, de nome ANTÔNIO, que é advogado; que o declarante e MIGUEL foram ao escritório de ANTONIO, onde estava presente também o advogado AGNES, que foi apresentado como sócio de ANTÔNIO, além do declarante e MIGUEL; que após explicarem o problema, ANTONIO lhe disse que cuidaria deste seria AGNES, seu sócio, porque como filho do juiz não poderia participar;          que posteriormente soube que as carretas foram liberadas pelo juiz GEOVANNE, bem como habilitada a empresa RI; que posteriormente MIGUEL disse que o valor acertado fora de R$60.000,00”. (ID 4384497)

10. Há informação do Advogado Agnes de que teria facilidades em resolver questões na vara de titularidade do requerido.

11. Importante consignar que a instauração de revisão disciplinar depende de contrariedade “a texto expresso da lei, à evidência dos autos ou a ato normativo do CNJ”, na forma do art. 83, I, do RICNJ. Nesse sentido, para que a revisão seja iniciada de ofício, essa contrariedade deve restar patente.

No caso concreto, parece-me que a aplicação da pena de advertência ao magistrado não é a solução mais adequada diante das faltas disciplinares apuradas no procedimento.

12. O expediente teve origem na menção do nome do magistrado em processo criminal, no bojo da denominada “Operação Senhor do Sol”, no qual se apurava a prática dos crimes de sonegação tributária e fraudes fiscais. Isso porque os investigados teriam apontado o magistrado como atuante em suposto esquema de sonegação fiscal, mediante o recebimento de vantagem indevida para a concessão de liminares, sendo o pagamento efetuado por meio do escritório jurídico onde seu filho atuava como advogado (fl. 85 do ID 4322563).

Nesse contexto, verificou-se que o magistrado concedeu liminar nos autos da Ação de conhecimento, sob o rito do procedimento comum, nº. 0705490-24.2018.8.02.0058, ajuizada por R.I. Comércio de Alimentos LTDA., no sentido de anular os efeitos do ato administrativo que classificou a inscrição da autora junto à CACEAL INATIVO, determinando, por conseguinte, a imediata liberação de mercadoria apreendida.

Ocorre que foi apurado que o magistrado teria se encontrado com sócio da empresa autora da sobredita ação, ocasião na qual indicou o escritório de advocacia onde atua seu filho para o patrocínio da causa que ele mesmo decidiria.

Ademais, há também notícia de suposto pagamento de propina pela concessão de liminares deferidas pelo magistrado.

13. Diante dos fatos praticados pelo julgador, o Desembargador Fábio José Bittencourt Araújo votou pela aplicação da pena de censura, todavia, seu posicionamento restou vencido (ID 4813523). Com efeito, parece-me que deve ser aplicada penalidade mais grave que a simples advertência em proporcionalidade com a gravidade da conduta apurada e reputada como comprovada pelo Tribunal de origem.

14. Como bem ponderou o Relator, na origem, “frise-se que o fato de um juiz de direito ter aceitado esse encontro em um shake na cidade de Arapiraca e, ainda, conversado a sós com uma pessoa interessada na prolação de uma decisão em seu favor, por si só, corresponde a uma conduta nitidamente incompatível com os deveres dos Magistrados”. (ID 4384497)

Portanto, verifica-se a presença, na esfera administrativa disciplinar, de indícios reveladores de conduta funcional afrontosa aos deveres funcionais previstos nos artigos 35, incisos I e VIII, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, e 1º, 2º, 8º e 25 do Código de Ética da Magistratura Nacional.

Nesse sentido, a aplicação da pena de advertência é desproporcional em relação à gravidade do fato apurado nos autos, tornando necessária a abertura de procedimento revisional para análise de uma possível aplicação de sanção disciplinar mais rigorosa à hipótese dos autos, nos termos do artigo 83, inciso I, do RICNJ.

16. Por derradeiro, entendo não ser o caso de afastamento cautelar do magistrado. Isto porque a gravidade dos fatos em tese cometidos, aliada à inexistência de indícios de recorrência de tais práticas não apontam para a necessidade de afastamento do requerido.

17. Com fundamento no que dispõem os arts. 82 e 86 do RICNJ, voto pela instauração, de ofício, da Revisão de Processo Disciplinar, para verificação da necessidade de modificar a penalidade aplicada ao Juiz de Direito  Giovanni Alfredo de Oliveira Jatuba, sem afastamento cautelar do magistrado.

É como voto.

 

Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO 

  Corregedor Nacional de Justiça