Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: REVISÃO DISCIPLINAR - 0010270-83.2018.2.00.0000
Requerente: EDISON YASSUO TAKASE
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO - TJSP

 

RECURSO EM REVISÃO DISCIPLINAR. NÃO DEMONSTRADA A OCORRÊNCIA DE HIPÓTESE DO ART. 83 DO RICNJ. REAVALIAÇÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE DECURSO DO PRAZO PRESCRICIONAL.  VALORAÇÃO ADEQUADA DA PROVA. NÃO PROVIMENTO.

1. Recurso contra decisão que julgou improcedente o pedido em revisão disciplinar.

2. Pedido revisional que não se enquadra em nenhuma das situações taxativas, elencadas no art. 83 do Regimento Interno deste Conselho.

3. Entendimento do CNJ no sentido de que a Revisão não se presta à reapreciação fática ou a devolução de toda matéria já analisada pelo Tribunal, mas tão somente à análise com enfoque nas estritas hipóteses de cabimento.

4. O cálculo da prescrição deve observar o prazo de 5 (cinco) anos, salvo quando configurar tipo penal, hipótese em que o prazo prescricional será o do Código Penal, nos termos da Resolução CNJ nº 135/2011.

5. Prazo prescricional aferido com base na pena abstrata, como decorrência da independência e autonomia das esferas penal e administrativa.

6. Impossibilidade, ainda, de cômputo da prescrição com base na pena em concreto, tomando por base data anterior a instauração do processo, conforme expressa disposição do art. 110, §1º, do Código Penal.

7. No exercício de sua competência disciplinar, e com base nos elementos probatórios, o Tribunal concluiu pela infringência de deveres do magistrado (art. 35, inciso VIII, da LOMAN e arts. 1º, 15, 16 e 37, do Código de Ética da Magistratura Nacional).

8. Penalidade de aposentadoria compulsória aplicada após análise da gravidade da conduta, a culpabilidade, a eficácia da punição e as circunstâncias pessoais do magistrado.

9. Recurso conhecido, uma vez que tempestivo, mas a que, no mérito, nega-se provimento.

 

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora. Plenário Virtual, 30 de agosto de 2019. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Dias Toffoli, Humberto Martins, Aloysio Corrêa da Veiga, Iracema Vale, Daldice Santana (então Conselheira), Valtércio de Oliveira, Márcio Schiefler Fontes, Fernando Mattos (então Conselheiro), Luciano Frota, Maria Cristiana Ziouva, Arnaldo Hossepian, André Godinho e Maria Tereza Uille Gomes. Não votaram os Excelentíssimos Conselheiros Henrique Ávila e, em razão da vacância do cargo, o representante da Ordem dos Advogados do Brasil.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: REVISÃO DISCIPLINAR - 0010270-83.2018.2.00.0000
Requerente: EDISON YASSUO TAKASE
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO - TJSP


 

RELATÓRIO

 

Tratam os autos de Recurso Administrativo em Revisão Disciplinar interposto por Edison Yassuo Takase, Juiz de Direito, em face do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – TJSP, objetivando a reforma de decisão monocrática que julgou improcedente o pedido.

O caso: o magistrado propôs o presente procedimento a fim de impugnar decisão proferida no Processo Administrativo Disciplinar (PAD) n° 60.566/2012, pela qual o Órgão Especial do TJSP aplicou-lhe a sanção de aposentadoria compulsória, com fulcro no art. 42, V, c/c art. 56, II, da Lei Orgânica da Magistratura (LOMAN).

Aduz que titularizava a 4ª Vara de Família e Sucessões de Guarulhos/SP e que, em 05/10/2016, foi instaurado o citado PAD, após sua condenação em ação penal pública, proferida em 24/02/2016, pela prática do crime de lesão corporal contra sua ex-mulher.

Noticia que o PAD n° 60.566/2012 foi julgado pelo Tribunal em 08/08/2018, de modo que a revisão seria tempestiva, pois apenas teria tomado ciência “do v. acórdão do e. TJSP aos 29 de agosto do corrente ano (doc. 03 – fls. 1310) e até a data em que os patronos haviam acessados os autos não constava certidão de trânsito em julgado”.

Alega a ocorrência de prescrição, ao argumento de que teria decorrido mais de 05 anos entre a data em que o fato foi comunicado à Presidência do Tribunal, por ofício emitido pelo delegado de Polícia (04/10/2011), e a instauração do processo administrativo, por meio da Portaria nº 52, de 1º/11/2016.

Destaca que as esferas administrativa e criminal são independentes, de modo que “o processo na seara penal não depende do disciplinar para ter sua marcha processual e vice-versa”.

Não obstante, entende que teria ocorrido a prescrição da pretensão punitiva mesmo se considerados os prazos previstos no Código Penal (CP). Isso porque lhe foi imposta a pena de 01 ano e 06 meses, por meio de decisão condenatória que transitou em julgado 27/02/2017, de modo que o prazo prescricional seria de 04 anos, conforme o artigo 110, §1º, c/c 109, V, do CP.

Quanto ao mérito, sustenta que a penalidade foi imposta sob o argumento de violação ao art. 35, VIII, da LOMAN, mas o TJSP não “aceitou as justificativas expostas pelo magistrado Requerente, além disso, sequer levou em consideração o excelente desempenho do cartório, organização e sua alta produtividade”.

Entende que a sua condenação criminal decorreu de fato isolado, ocorrido no âmbito familiar, alheio às suas funções jurisdicionais.

Afirma que “se penitenciou muito pelas discussões ocorridas no âmbito do seio familiar de sua residência, mas ainda que no calor do momento, jamais agrediria sua ex-cônjuge”, acrescentando que não houve quaisquer testemunhas oculares dos fatos narrados pela ex-esposa.

Assevera que a conclusão do TJSP está em desacordo com os elementos fático-probatórios levantados durante a instrução processual.

Defende que a sanção fora aplicada de forma desproporcional, considerando a ausência de condenação ou de processo disciplinar durante sua vida funcional, e destaca que o Ministério Público Estadual, nas alegações finais do PAD nº 60.566/2012, opinou pela aplicação da pena de remoção compulsória.

O pedido: liminarmente, requer a suspensão dos efeitos da pena de aposentadoria compulsória com a consequente impossibilidade de se disponibilizar a Vara por ele titularizada em concurso. No mérito, pede seja declarada a nulidade do acórdão proferido no PAD n° 60.566/2012 ou, subsidiariamente, a aplicação de penalidade mais branda.

Despacho: determinei a intimação do Tribunal, para manifestação, antes da apreciação da liminar (Id nº 3495518).

A resposta: o TJSP expõe que, em caso de infração disciplinar decorrente da prática de crime, o prazo prescricional corresponde àquele aplicável ao tipo respectivo.

Defende que não se verificou a prescrição, pois “o requerente foi denunciado como incurso no artigo 129, §9º, combinado com o artigo 61, inciso II, alínea ‘a’, ambos do Código Penal (ID nº 3492372 – pg. 30), de forma que a pena máxima in abstrato equivale a 3 (três) anos de detenção. Consequentemente, e ao contrário do que se sustenta na inicial, o prazo prescricional para imposição de sanção disciplinar por este Tribunal é de 8 (oito) anos, conforme expressamente previsto no artigo 109, caput e inciso IV, do Código Penal”.

Afirma que o termo inicial da prescrição disciplinar se iniciou em 30/03/2011, data dos fatos, e findaria apenas em 29/03/2019, de modo que na data de instauração do PAD, o prazo prescricional não havia se exaurido, e sequer teria ocorrido o trânsito em julgado do acórdão penal condenatório, que se deu em 27/02/2017.

Destaca que o Boletim de Ocorrência nº 1872/11, noticiando a suposta prática de crime de lesão corporal pelo recorrente no âmbito de relações domésticas, foi encaminhado ao Tribunal, ensejando a autuação de procedimento preliminar. Acrescenta, ainda, que 08/05/2012, a vítima formulou representação disciplinar perante a Corregedoria Geral de Justiça, originando a Investigação Preliminar nº 2012/00060566.

Sustenta que a materialidade e a autoria do fato restaram suficientemente comprovadas na ação penal, que foi julgada procedente em sessão do Órgão Especial de 24/02/2016, para condenar o recorrente à pena de 01 ano e 06 meses de detenção, em regime aberto, com suspensão da pena por 02 anos e determinação de prestação de serviços.

Expõe que, nos autos do PAD n° 60.566/2012, o Órgão Especial concluiu que o magistrado deixou de cumprir seus deveres funcionais previstos nos artigos 35, VIII, da LOMAN e 1º, 15, 16 e 37, do Código de Ética da Magistratura Nacional, julgando procedente procedimento, por unanimidade, e aplicando, por maioria, a penalidade de aposentadoria compulsória, devido à incompatibilidade permanente para o desempenho das funções jurisdicionais.

Assevera que “o julgamento foi precedido de intensa produção probatória e de amplos debates, que foram sopesadas todas as circunstâncias da infração”, de modo que, “em linha com a jurisprudência deste Egrégio CNJ, o eminente Desembargador Ricardo Anafe (relator do voto vencedor) ponderou a gravidade da conduta, a carga coativa da pena, a culpabilidade e a eficácia da punição, consagrando-se, ao cabo que a prática de crime por Magistrado acarretaria incompatibilidade permanente de exercício das funções judicantes” (Id nº 3502487).

Decisão liminar: em 08/12/2018, a Conselheira Daldice Santana, em substituição regimental, indeferiu o pedido liminar, por entender ausentes os requisitos autorizadores da medida e deu vista dos autos ao Ministério Público Federal (MPF), para manifestação (Id nº 3508728).

Razões do MPF: afirma que, conforme a jurisprudência pátria, a contagem da prescrição tem início na data do conhecimento dos fatos, de forma inequívoca, pela autoridade competente para a instauração do procedimento administrativo disciplinar, que, no caso, é o Corregedor-Geral da Justiça (art. 28, II, do Regimento Interno do TJSP).

Destaca que a representação na Corregedoria-Geral da Justiça foi apresentada em 08/05/2012, com conclusão do feito ao juiz Assessor em 11/05/2012, data que seria o marco inicial para o prazo prescricional. Acrescenta, ainda, que o marco interruptivo da prescrição é a decisão que determinou a instauração do PAD (de 05/10/2016), e não a Portaria nº 52/2016 (de 1º/11/2016).

Acrescenta que a falta funcional se amolda ao tipo descrito no art. 129, §9º, do Código Penal, atraindo a incidência do prazo previsto no art. 109, IV, do Código Penal. Conclui que, por “ter transitado em julgado o acórdão criminal em 27 de fevereiro de 2017, o prazo prescricional a ser aplicado até esta data é de 8 anos”.

Aduz que o sopesamento da infração perpetrada, sua repercussão perante os jurisdicionados – inclusive por se tratar de juiz que presidia uma vara de família – e as circunstâncias pessoais do magistrado foram amplamente discutidas pelo órgão censor, que reconheceu a prática de falta funcional e aplicou penalidade de acordo com o disposto na Lei Orgânica da Magistratura e na Resolução CNJ nº 135/2011.

Conclui “não ter o requerente logrado êxito em comprovar a contrariedade ao texto de lei ou a oposição à evidência dos autos, e tampouco a ocorrência de fato novo capaz de modificar a decisão do órgão de origem” (Id nº 3556886).

Despacho: no Id nº 3557077, determinei a intimação do recorrente para ciência dos fatos e fundamentos apresentados e para apresentar razões de defesa.

Razões finais do magistrado: reitera os argumentos apresentados, aduzindo que se operou “a prescrição e não restou cabalmente demonstrado que o magistrado de fato teve conduta lesiva à integridade física e a honra de sua ex-cônjuge, além de não ter sido confirmado quaisquer dos elementos subjetivos da culpa, do dolo ou da má-fé, essenciais para a tipificação da conduta”.

Defende não ser possível acolher o argumento do MPF, quanto a não ocorrência da prescrição pelo fato de a Corregedoria ser o órgão competente, por se tratar apenas de questão de organização interna. Repisa, ao fim, que a conclusão de Tribunal está em desacordo com os elementos fáticos-probatórios levantados durante a instrução processual, ensejando a intervenção deste Conselho.

Terceiro interessado: a Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB requer o ingresso no feito, na qualidade de terceira interessada.

Aduz que o TJSP não observou o prazo prescricional de 05 anos, contados a partir do conhecimento do fato pela Administração Pública, previsto na Resolução CNJ nº 135/2011. Sustenta, ainda, desproporcionalidade da pena aplicada, considerando que, nos termos do art. 92 do Código Penal, apenas “é possível ter a condenação criminal como perda do cargo, já que não se trata de crime relacionado a abuso de poder ou com violação de dever para com a Administração Pública, se a pena aplicada for superior a 4 anos” (Id nº 3584797).

Decisão monocrática: no Id nº 3591476, proferi decisão pela qual julguei improcedente o pedido e determinei o arquivamento dos autos, considerando que não foi demonstrada a existência de nenhuma das hipóteses elencadas no art. 83 do Regimento Interno deste Conselho (RICNJ).

Recurso administrativo: irresignado, o recorrente reitera que se operou o prazo prescricional para a instauração do processo administrativo disciplinar “seja se considerado o prazo de cinco anos ou se a conduta configurar tipo penal, como in casu” (Id nº 3608999).

Expõe que contra o acórdão que o condenou na ação penal pública, proferido em 24/02/2016 e publicado em 30/03/2016, não houve a interposição de recurso pela acusação, de modo que “transitou em julgado para a Procuradoria Geral da Justiça em 04/04/2016”, o que refutaria “qualquer possibilidade de considerar para cálculo prescricional punitivo a pena in abstrato”.

Destaca que “o i. Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tomou conhecimento do caso, mediante a autuação da representação contra o magistrado Requerente proveniente do ofício emitido pelo delegado de Polícia, em 04.10.2011, e a instauração do processo administrativo disciplinar foi somete [sic] prolatada em 01.11.2016, quando da expedição da Portaria nº 52/2016, ou seja, cinco anos após o conhecimento da autoridade pública administrativa competente”.

Ressalta, ainda, que “não parece crível que uma servidora, do próprio Tribunal que trabalha, representa criminalmente seu ex-cônjuge, que é magistrado da mesma Corte, na Secretaria da Magistratura, órgão competente para cuidar das questões atinentes a toda magistratura Paulista, e apenas o Presidente em exercício tem conhecimento dos fatos e o seu Corregedor não”.

Quanto ao mérito, repisa tratar-se de fato isolado, alheio às suas funções jurisdicionais, reiterando haver desproporcionalidade na sanção aplicada. 

Recurso administrativo AMB: aduz que em virtude do disposto no art. 24 da Resolução CNJ nº 135/2011 “que manda aplicar a prescrição do processo penal quando o fato imputado ao magistrado constituir crime – tem-se como imperiosa a aplicação da prescrição ao processo disciplinar nos mesmos moldes do processo penal”. Entende, assim, que a decisão recorrida contrariou a disciplina do § 1º, do art. 110, do Código Penal, que deveria incidir no caso em comento, e cita precedente do Superior Tribunal de Justiça. 

Defende que tal entendimento conduziria à aplicação do prazo prescricional calculado com base na pena em concreto, tendo em vista que “quando do julgamento do PAD, a sentença condenatória já se encontrava imutável pelo trânsito em julgado”.

Alega que o termo a quo do prazo prescricional seria a data em que a Presidência do TJSP foi oficiada pelo Delegado de Polícia. Isso porque o art. 12 da Resolução CNJ nº 135/2011 estabelece que “para os processos administrativos disciplinares e para a aplicação de quaisquer penalidades previstas em lei, é competente o Tribunal a que pertença ou esteja subordinado o Magistrado”.

Salienta haver desproporcionalidade na pena aplicada, considerando que o magistrado foi condenado no âmbito criminal à pena de 1 ano e 6 meses, e reitera que “somente é possível ter a condenação criminal como razão para perda do cargo, já que não se trata de crime relacionado a abuso de poder ou com violação de dever para com a Administração Pública, se a pena aplicada for superior a 4 anos”, conforme art. 92 do Código Penal (Id nº 3609072).

Despacho: determinei a intimação do TJSP para apresentar contrarrazões (Id nº 3615069).

Contrarrazões: o TJSP defende a inocorrência de prescrição, considerando que o marco inicial seria a data do conhecimento dos fatos pela autoridade competente, no caso, o Corregedor Geral da Justiça (art. 28, II, do RITJSP).

Destaca que o Código Penal distingue a prescrição da pretensão punitiva (art. 109) da prescrição da pretensão executória (art. 110). Acrescenta que a “prescrição da pretensão punitiva corresponde ao lapso temporal máximo para imposição de condenação. Corre antes do trânsito em julgado e é calculada pelo máximo da pena em abstrato, não se computando para este efeito as agravantes. Por sua vez, a prescrição da pretensão executória refere-se ao lapso temporal máximo para início da execução da sanção imposta. Verifica-se após o trânsito em julgado da sentença condenatória e regula-se pela pena efetivamente aplicada”.

Salienta que, no caso, o prazo prescricional para a imposição de sanção disciplinar é de 8 anos, conforme art. 109, caput, inciso IV, do Código Penal, que não havia se escoado na data da instauração do PAD. Ressalta que “naquela data, nem sequer havia trânsito em julgado do acórdão penal condenatório (ocorrido somente em 27.02.2017)”, não sendo possível o cálculo da pretensão disciplinar pela pena em concreto.

Reitera que o processo administrativo disciplinar não apresentou qualquer nulidade e, no mérito, cingiu-se a aferir as consequências da condenação criminal. Quanto a pena aplicada, ratifica que após a análise de todas as circunstâncias da infração, o Órgão Especial, por maioria, concluiu pela incompatibilidade permanente com o exercício da função judicante.

É o relatório.

 

 


 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: REVISÃO DISCIPLINAR - 0010270-83.2018.2.00.0000
Requerente: EDISON YASSUO TAKASE
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO - TJSP

 


 

VOTO

 

O recurso é tempestivo e próprio, razão pela qual dele conheço, nos termos do artigo 115 do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça.

Examinando os autos, verifica-se que a parte recorrente não trouxe em sede recursal qualquer razão jurídica capaz de alterar o entendimento sobre a causa, motivo pelo qual mantenho a decisão monocrática, a qual submeto ao crivo deste Colegiado:

 

“Inicialmente, defiro o pedido da AMB para ingressar no feito, na condição de terceira interessada.

Por considerar que o feito se encontra devidamente instruído, passo à análise do mérito.

O Regimento Interno deste Conselho (RICNJ) prevê, no art. 82, que “poderão ser revistos, de ofício ou mediante provocação de qualquer interessado, os processos disciplinares de juízes e membros de Tribunais julgados há menos de um ano do pedido de revisão”. Estabelece, ainda, que a revisão disciplinar tem cabimento em hipóteses taxativas, elencadas em seu art. 83, verbis:

“Art. 83. A revisão dos processos disciplinares será admitida:

I - quando a decisão for contrária a texto expresso da lei, à evidência dos autos ou a ato normativo do CNJ;

II - quando a decisão se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;

III - quando, após a decisão, surgirem fatos novos ou novas provas ou circunstâncias que determinem ou autorizem modificação da decisão proferida pelo órgão de origem”.

No caso em comento, verifica-se que o procedimento revisional foi autuado em 20/11/2018, a fim de impugnar decisão condenatória proferida pelo Órgão Especial do TJSP em 08/08/2018 (Id nº 3492253), de modo que foi observado o prazo regimental de 01 ano.

Não obstante, não se vislumbra a ocorrência de nenhuma das hipóteses descritas no art. 83 do RICNJ, notadamente a alegada contrariedade da decisão impugnada com a lei ou com os elementos fático-probatórios do processo administrativo disciplinar.

A análise dos autos permite concluir que todas as questões aventadas pelo requerente foram devidamente analisadas pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Com efeito, o requerente alega, inicialmente, a ocorrência de prescrição. Argumenta que teria transcorrido prazo superior aos 05 anos, previstos na Resolução nº CNJ 135/2011, entre a data em que o fato fora comunicado à Presidência do Tribunal, por meio de ofício emitido pelo delegado de Polícia (04/10/2011), e a instauração do processo administrativo, por meio da Portaria nº 52, de 01/11/2016.

Todavia, conforme destacado nas razões finais da Procuradoria-Geral da República, prevalece o entendimento de que o marco inicial para a contagem do prazo prescricional é a data do conhecimento dos fatos pela autoridade competente para a instauração do procedimento administrativo disciplinar – no caso, a Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de São Paulo, conforme art. 28, II, do Regimento Interno do TJSP.

Nesse sentido:

“ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. MAGISTRADO. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. AGRAVO INTERNO DO PARTICULAR A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. No caso, as infrações chegaram ao conhecimento da autoridade competente em 1o. de abril de 2008 - embora a representação contra o Magistrado tenha sido protocolada na data de 3 de março de 2008 - oportunidade em que os autos foram conclusos à Corregedoria Geral de Justiça.

2. A jurisprudência do STJ é a de que o início do prazo prescricional da atividade administrativa sancionadora somente se dá quando a ciência do ato infracional chega ao conhecimento da autoridade punitiva competente, o que no caso ocorreu em 1o.4.2008, quando a Corregedoria-Geral de Justiça teve ciência da infração, não estando consumada, portanto, a prescrição.

3. Agravo Interno do Particular a que se nega provimento.

(AgInt no RMS 45.235/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12/02/2019, DJe 15/02/2019)” (destaques acrescidos)

Ademais, ainda se considerada a data apontada pelo requerente, qual seja, 04/10/2011, não restaria configurado o decurso do prazo prescricional. Tanto é que o TJSP, em suas informações de Id nº 3502487, noticia que considerou como marco inicial data anterior – qual seja, o dia em que ocorreram os fatos (30/03/2011) –, mas ainda assim afastou a ocorrência da prescrição.

Isso porque, nos termos do art. 24 da Resolução CNJ nº 135/2011, “o prazo de prescrição de falta funcional praticada pelo magistrado é de cinco anos, contado a partir da data em que o tribunal tomou conhecimento do fato, salvo quando configurar tipo penal, hipótese em que o prazo prescricional será o do Código Penal”.

Consoante destacado pelo TJSP, o fato objeto do processo administrativo disciplinar configurou conduta prevista no art. 129, §9º, do Código de Penal, cuja “pena máxima in abstrato equivale a 3 (três) anos de detenção. Consequentemente, e ao contrário do que se sustenta na inicial, o prazo prescricional para imposição de sanção disciplinar por este Tribunal é de 8 (oito) anos, conforme expressamente previsto no artigo 109, caput e inciso IV, do Código Penal” (Id nº 3502487).

Não prospera, da mesma forma, o argumento do requerente de que o prazo prescricional deveria ser estabelecido com base na pena em concreto. Isso porque, o art. 109 do Código Penal traz expressa previsão no sentido de que os prazos ali elencados se aplicam até o trânsito em julgado da sentença penal, que, no caso em comento, apenas ocorreu em 27/02/2017 – e, portanto, após a instauração do PAD nº 60.566/2012, que se deu por meio de decisão proferida em 05/10/2016. 

Outrossim, não merece respaldo a alegação de que a condenação no processo administrativo está em desconformidade com os elementos fático-probatórios.

Ao contrário, o acervo probatório demonstra a existência de agressão à integralidade corporal de sua ex-mulher, que culminou, inclusive, em condenação pelo crime de lesão corporal, por motivo fútil. Vale destacar, por oportuno, o seguinte trecho do voto do Relator do PAD n° 60.566/2012: 

“A apuração de suposta falta disciplinar perpetrada pelo magistrado EDISON YASSUO TAKASE decorre da sua incursão no artigo 129, §9º, combinado com o artigo 61, inciso II, alínea “a”, ambos do Código Penal, em razão de ofensa á integridade corporal de sua ex-mulher Suelly Tamie Shinozaki, por motivo fútil, causando-lhe lesões corporais de natureza leve. (...)

O fato foi objeto de persecução penal e apurado em Ação Penal intentada pela Procuradoria Geral de Justiça, a qual culminou no reconhecimento da autoria e materialidade delitivas, bem como na confirmação da responsabilidade criminal de EDISON pelos fatos a ele imputados, tendo sido condenado em 24 de fevereiro de 2016, por votação unânime deste Colendo Órgão Especial, à pena de 01 (um) ano e 06 (seis) meses de detenção, em regime aberto, medida esta suspensa, conforme exposto, pelo período de 02 (dois) anos, devendo presta serviços à comunidade, durante o primeiro ano da sanção.

(...)

Daí porque, em que pese o esforço da combativa defesa, não resta mais espaço para pretensões absolutórias pautadas em negativas fáticas (autoria ou materialidade).

Diante disso, tendo em mente que o objetivo nesta seara administrativa é sopesar a consequência disciplinar que este Tribunal Bandeirante deve impor ao seu agente político – juiz de direito – diante da comprovada conduta perpetrada sob a perspectiva de seus deveres funcionais, nada mais é necessário ao deslinde deste feito.

De outro lado, ainda que a exclusão da tese absolutória não ocorresse pelos fundamentos acima lançados, o restante amealhado aos autos é mais do que suficiente para fazê-lo. (...)

O conjunto probatório é convergente no sentido do magistrado como agressor de sua ex-esposa, revelando conduta absolutamente repreensível em sua vida particular (desaguando, inclusive, à pública), bem como confirmando a triste realidade de uma sociedade entalhada (quase conformada) na violência doméstica.

Nesse sentido, infere-se dos autos (cf. 1199/1215) que: A vítima, no depoimento juntado nas fls. 721, verso/732, verso, detalha o ocorrido, no sentido de que, de que, durante discussão ocorrida em sua residência a agrediu com uma cadeira de bonecas.

Nesse sentido, declarou: “(...) sentei na cadeira do escritório e me abaixei para ligar a CPU. Nisso, eu levei a primeira cadeirada – foi ‘aqui na cabeça – e fiquei encurralada; a única coisa que eu fazia para me defender era com os braços, porque com na cadeirada abriu a minha cabeça – e é uma região muito irrigada -, foi sangue para tudo quanto é ado; sangue nos armários, na mesa, e eu sentia realmente o sangue escorrendo, foi aí que eu percebi que estava sangrando, porque eu senti que algo quente escorria, e aí eu vi sangue. Como percebi que fui ferida na cabeça e ele não parava de bater com a cadeira, a única coisa que eu procurava era proteger a cabeça para não ter outro ferimento. E, nisso, enquanto eu tentava me defender, toda cadeirada vinha na mão, nos braços, nessa região, pela violência da pancada (...)”.

(...)

Superado tal ponto, revela-se imprescindível avaliar que nenhum dos testemunhos prestados na instrução do presente PAD foi capaz de trazer á tona eventual eiva no restante do conjunto probatório amealhado, tampouco foi a defesa técnica capaz de apontar elementos a corroborar com versão diversa daquela (certeza fática) já alcançada na esfera criminal.

Ao contrário. Denota-se absolutamente crédula a versão que aponta o magistrado como autor de ofensa a integralidade corporal de ex-mulher, por motivo fútil, causando-lhe lesões corporais de natureza leve, tendo esta Relatoria, data máxima vênia, concluído como correta a imputação consubstanciada na infringência do disposto no artigo 35, inciso VIII, da Lei Orgânica Nacional da Magistratura (Lei Complementar nº 35/1979), bem como nos artigos 1º, 15, 16 e 37, todos do Código de Ética da Magistratura Nacional (Resolução do Conselho Nacional de Justiça nº 602008) (...).

Imperioso esclarecer que mesmo a mudança de postura adotada pelo magistrado EDISON YASSUO TAKASE durante seu interrogatório na esfera administrativa (cf. fls. 1169/1176) – diferente da soberba e machismo revelados durante o interrogatório prestados na Ação Penal, destacados no exímio voto da lavra do Des. Antônio Carlos Malheiros (cf. fls. 565/586) – não se extrai de suas palavras elementos que conduzam à conclusão diversa da efetiva incursão nas imputações acima transcritas.

Na mesma direção, infere-se que os demais elementos amealhados à instrução do Procedimento Administrativo Disciplinar são igualmente insuficientes a insculpir dúvidas acerca da conduta criminosa de EDISON YASSUO TAKASE.

Nesse sentido, nenhuma das testemunhas ouvidas (Senhor Luiz Kojio Yamashita – fls. 1085/1087 – Doutor Tetsuo Shimohirao – fls. 1088/1101 – Senhor José Fernandes Dantas – fls. 1163/1168) apresentou versão que pudesse conduzir ao descrédito daquela imputada ao magistrado.

Destaca-se que um juiz de direito possui a obrigação não só de exercer sua judicatura dentro dos limites impostos pelo ordenamento pátrio, como também o de cumprir seus deveres funcionais balizado na observância e respeito ao princípio da moralidade inerente ao Estado Democrático de Direito que representa.

Diante de tão contundente acervo probatório e do próprio contexto fático – a denotar repercussão da conduta de um representante do Estado frente à sociedade –, inarredável revela-se o convencimento racional a convergir no sentido de ter o magistrado praticado conduta absolutamente incompatível com seus deveres funcionais” (destaques acrescidos).

Por oportuno, destaca-se, ainda, o seguinte trecho do Desembargador Ricardo Anafe, que prevaleceu quanto a pena aplicada ao requerente:

Com efeito, é dever do Magistrado manter conduta irrepreensível na vida pública e particular (Lei Orgânica da Magistratura Nacional, artigo 35, inciso VIII). A irrepreensibilidade de conduta do juiz, tanto em sua vida pública quanto privada, configura um dever e uma necessidade absoluta de sua função, pois, como representante do Poder Judiciário, deve ostentar, perante as partes e a sociedade, um comportamento pessoal e profissional irretocável. Portanto, não cabe apenas ao Magistrado ter uma atuação profissional aparentemente correta e competente, mas é indispensável que, até por exigência legal, apresente conduta irrepreensível, inclusive na vida privada, mantendo-se distante de qualquer situação que possa comprometer sua respeitabilidade ou a independência de sua atividade funcional, pois, se assim não for, vulnerar-se-ão as exigências éticas que devem pautar e condicionar a atividade que lhes é inerente. (...)

Nessa quadra, a conduta comprovada do Magistrado, que ofendeu a integridade corporal de sua ex-cônjuge, por motivo fútil, causando-lhe lesões corporais de natureza leve, ostenta a mais extrema gravidade que o estatuto disciplinar da Magistratura pode prever, o que justifica a aplicação da sanção administrativa de aposentadoria compulsória com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço.

De mais a mais, todos esses fatos, em conjunto, evidenciam ofensa aos princípios contidos nos artigos 1º, 15, 16 e 37 do Código de Ética da Magistratura Nacional, além da infração ao artigo 35, inciso VIII, da Lei Complementar nº 35/1979.

Nessa esteira, fixada a ocorrência dos fatos objeto deste Processo Disciplinar e diante da conduta (criminosa) perpetrada pelo Magistrando, expondo-o de forma incompatível com o cargo que ocupa, de modo a configurar incompatibilidade definitiva, insuperável, com a dignidade, a honra e o decoro das funções de Magistrado, cumpre enquadrar a prática do requerido nas penalidades previstas no artigo 42, inciso V, cumulado com os artigos 56, inciso II, da LOMAN, e artigo 7º, inciso II, da Resolução 135 do CNJ” (destaques acrescidos).

Constata-se, portanto, que não foi identificada nenhuma irregularidade no transcurso do processo disciplinar que observou todas as disposições normativas aplicáveis e, com fundamento nas provas produzidas, reconheceu a existência de infração disciplinar, em virtude de ofensa ao artigo 35, inciso VIII, da Lei Complementar nº 35/1979 – que impõe expressamente ao magistrado o dever de manter conduta irrepreensível na vida pública e particular –, bem como desrespeito aos princípios contidos artigos 1º, 15, 16 e 37 do Código de Ética da Magistratura Nacional.

Ademais, verifica-se que o Tribunal, no exercício de sua competência disciplinar, sopesou os elementos carreados aos autos e ponderou a gravidade da conduta, a culpabilidade e a eficácia da punição, considerando ainda as circunstâncias pessoais do magistrado – Titular de Vara de Família, que agindo de forma livre e consciente, praticou o crime de lesão corporal contra sua ex-esposa, servidora do TJSP – e concluiu pela incompatibilidade definitiva e insuperável com o exercício da função jurisdicional, com a dignidade, a honra e o decoro das funções de Magistrado.

Assim, aplicou a pena de aposentadoria compulsória, nos termos do artigo 42, inciso V, cumulado com os artigos 56, inciso II, da LOMAN, e artigo 7º, inciso II, da Resolução 135 do CNJ, que expressamente estabelecem:

Lei Orgânica da Magistratura

Art. 56 - O Conselho Nacional da Magistratura poderá determinar a aposentadoria, com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, do magistrado: (...)

Il - de procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções;

Resolução CNJ nº 135/2011

Art. 7º O magistrado será aposentado compulsoriamente, por interesse público, quando: (...)

II - proceder de forma incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções;

Desse modo, os elementos contidos nos autos não permitem vislumbrar a ocorrência da hipótese descritas no art. 83, I, do RICNJ, mas demonstram que a real pretensão do requerente é a análise dos fatos e argumentos já apreciados, refletindo mera irresignação com o conteúdo da decisão impugnada.

Não obstante, a revisão disciplinar não possui natureza de recurso, não se prestando à reapreciação fática ou a devolução de toda a matéria, dado que o Conselho Nacional de Justiça, em sua missão constitucional, não se apresenta como instância recursal dos processos disciplinares. Nesse sentido:

“REVISÃO DISCIPLINAR. DISCUSSÃO ACALORADA ENTRE MAGISTRADO E ADVOGADO EM AUDIÊNCIA. DECISÃO DE ARQUIVAMENTO DO PROCESSO DISCIPLINAR PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. INEXISTÊNCIAS DE ILEGALIDADES. REANÁLISE DO CONJUNTO PROBATÓRIO. PRETENSÃO RECURSAL. FALTA DE PREVISÃO REGIMENTAL. IMPOSSIBILIDADE.

1. Pedido de revisão não se enquadra em nenhuma das hipóteses existentes, cujos requisitos estão expressamente elencados no art. 83 do Regimento Interno deste Conselho.

2. Este Conselho tem entendimento sedimentado no sentido de que a Revisão Disciplinar não possui caráter recursal, uma vez que ela não se presta para novo exame da matéria objeto de análise e decisão anterior pelo Tribunal censor, não podendo a parte, por meio do processo revisional, retomar a discussão da causa em si, especificamente acerca da correção ou não da deliberação originária.

3. Revisão Disciplinar não conhecida.” (CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0003590-87.2015.2.00.0000 - Rel. DALDICE SANTANA - 47ª Sessão Extraordinária - j. 29/05/2018) (destaques acrescidos).

*****

“RECURSO EM REVISÃO DE PROCESSO DISCIPLINAR – TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – VIOLAÇÃO DE DEVERES DE MAGISTRADO. PENA DE CENSURA. DECISÃO FUNDAMENTADA. AMPLA DEFESA ASSEGURADA. PENALIDADE ADEQUADA. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE JUSTIFIQUEM A INTERVENÇÃO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. 1. O procedimento de Revisão Disciplinar não se presta à reapreciação fática ou a devolução de toda matéria já analisada pelo Tribunal Disciplinar de origem. 2. Devolver ao CNJ toda a matéria apreciada pela Corte de origem, em sede de revisão disciplinar, configuraria desvirtuamento das prerrogativas constitucionais e regimentais atribuídas a este órgão. 3. Ausência de ilegalidade na dilação discricionária do TJRJ. 4. Punição Adequada. 5. Decisão de Arquivamento de Revisão Disciplinar mantida.”.

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0003901-10.2017.2.00.0000 - Rel. ROGÉRIO NASCIMENTO - 266ª Sessão Ordinária - j. 20/02/2018).

DISPOSITIVO

Por tais razões, e com fundamento no art. 85 do RICNJ, conheço da presente Revisão Disciplinar e julgo-a improcedente.

Intimem-se e, após, arquivem-se.

À Secretaria para providências.

Conselheira IRACEMA VALE 

Relatora” 

 

No caso, impositiva a manutenção da decisão, pelos motivos que se passa a expor:

 

I - DA INOCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO

 

Em que pesem as alegações dos recorrentes, verifica-se que não houve o decurso do prazo prescricional para a instauração do processo administrativo disciplinar.

Isso porque prevalece o entendimento de que o marco inicial para a contagem é a data do conhecimento dos fatos pela autoridade competente para a instauração do procedimento administrativo disciplinar, que, no caso em comento, é a Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de São Paulo, considerando o disposto no art. 28, II, do Regimento Interno do TJSP[1].

Nesse sentido, pode-se citar não apenas precedente deste Conselho, mas também acórdão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – este último versando, inclusive, sobre processo administrativo disciplinar instaurado contra magistrado do TJSP:

 

“RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA DISCIPLINAR. TERMO INICIAL. CONHECIMENTO PELA AUTORIDADE COMPETENTE PARA INSTAURAR O PAD. ART. 142, § 1º, DA LEI N.º 8.112/90. LIMINARES PARA A LIBERAÇÃO DE MARGEM DE CONSIGNAÇÃO DE SERVIDORES PÚBLICOS. RECEBIMENTO DE VANTAGEM INDEVIDA. PARTICIPAÇÃO DE MAIS DE TRÊS PESSOAS. INFRAÇÃO FUNCIONAL. INDÍCIOS. PRESENÇA. (...)

3- O cálculo da prescrição deve observar o prazo de 5 (cinco) anos contados da data em que os fatos caracterizadores de infração disciplinar tornaram-se conhecidos pela autoridade competente para a instauração do PAD. Precedentes do STJ.

4- (....).

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em RD - Reclamação Disciplinar - 0007023-36.2014.2.00.0000 - Rel. Min. NANCY ANDRIGHI - 13ª Sessão Virtual - j. 17/05/2016)” (destaques acrescidos).


*****

 

“ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. MAGISTRADO. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. AGRAVO INTERNO DO PARTICULAR A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. No caso, as infrações chegaram ao conhecimento da autoridade competente em 1º de abril de 2008 - embora a representação contra o Magistrado tenha sido protocolada na data de 3 de março de 2008 - oportunidade em que os autos foram conclusos à Corregedoria Geral de Justiça.

2. A jurisprudência do STJ é a de que o início do prazo prescricional da atividade administrativa sancionadora somente se dá quando a ciência do ato infracional chega ao conhecimento da autoridade punitiva competente, o que no caso ocorreu em 1º.4.2008, quando a Corregedoria-Geral de Justiça teve ciência da infração, não estando consumada, portanto, a prescrição.

3. Agravo Interno do Particular a que se nega provimento”.

(AgInt no RMS 45.235/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12/02/2019, DJe 15/02/2019)” (destaques acrescidos)

 

Nesse sentido, a Procuradoria-Geral da República destacou em suas razões finais que foi protocolada “representação contra o magistrado na Corregedoria-Geral da Justiça em 8 de maio de 2012, com a conclusão do feito ao juiz Assessor em 11 de maio de 2012” (3492257, fls. 31), concluindo que “esse é o marco inicial da contagem do prazo prescricional” (Id nº 3556886).

Ademais, observa-se que não restou consumada a prescrição no caso em comento, independentemente do marco inicial adotado.

Isso porque o art. 24 da Resolução CNJ nº 135/2011 estabelece que o prazo de prescrição de falta funcional praticada por magistrado é de cinco anos, “salvo quando configurar tipo penal, hipótese em que o prazo prescricional será o do Código Penal”.

Desse modo, não há que se falar na aplicação do prazo de 5 anos, considerando que o fato apurado configurou a conduta tipificada no art. 129, §9º, do CP.

Constata-se, todavia, que a Resolução CNJ nº 135/2011 não explicita qual o parâmetro que deve ser adotado para o cálculo do prazo prescricional apresentado no Código Penal – se a pena máxima cominada ao delito ou se a pena concretamente aplicada na seara criminal.

Quanto ao ponto, ressalta-se, inicialmente, que não procede o argumento da AMB no sentido de que quando do julgamento do PAD, a sentença condenatória já se encontrava imutável pelo trânsito em julgado”, o que alegadamente atrairia a incidência da prescrição com esteio na pena em concreto.

Nesse ponto, tanto o magistrado quanto o Tribunal ressaltam que o trânsito em julgado da sentença penal ocorreu em 27/02/2017, ou seja, posteriormente à instauração do PAD nº 60.566/2012, que foi determinada em 05/10/2016.

Nada obstante, e em que pese a alegação do recorrente no sentido de que a decisão condenatória penal teria transitado em julgado para a acusação em 04/04/2016, a análise mais detida da matéria conduz ao entendimento de que há de ser considerado o prazo aferido com base na pena in abstracto.

Conforme destacado pelo próprio magistrado, “o processo na seara penal não depende do disciplinar para ter sua marcha processual e vice-versa”. Em outras palavras, há independência na aplicação de sanções nas instâncias administrativa e penal, a qual decorre, inclusive, da constatação de que o mesmo fato pode ofender bens jurídicos distintos.

Tem-se que a tipificação penal de condutas possui a função primordial de assegurar a ordem e os valores inerentes ao convívio na sociedade, de forma geral. Por outro lado, as infrações funcionais decorrem da violação de dever jurídico intrínseco ao vínculo do indivíduo com a Administração.

Nesse sentido, é pacífico o entendimento de que as esferas penal e administrativa são independentes e autônomas, havendo vinculação somente no caso de sentença penal absolutória que negue a existência do fato ou da autoria.

Confira-se, a propósito, os seguintes julgados do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF):

 

“ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO DISCIPLINAR. OBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. ESFERA ADMINISTRATIVA E PENAL. INDEPENDÊNCIA.

1. Hipótese em que os recorrentes foram excluídos da Polícia Militar do Estado do Ceará em razão de Processo Administrativo Disciplinar que apurou conduta tipificada como crime (concussão).

2. O processo administrativo disciplinar transcorreu em estrita obediência aos preceitos constitucionais e legais, com o exercício regular do contraditório e da ampla defesa.

3. Não cabe ao Judiciário imiscuir-se no mérito do ato administrativo, circunscrevendo-se seu exame apenas aos aspectos da legalidade do ato. Precedentes do STJ.

4. As esferas penal e administrativa são independentes e autônomas e a única vinculação admitida entre elas ocorre se o acusado for inocentado na Ação Penal em face da negativa da existência do fato ou quando não reconhecida a autoria do crime, o que não é o caso dos autos. Nessa linha: RMS 37.964/CE, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 30.10.2012; RMS 32.641/DF, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ acórdão Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 11.11.2011.

5. Recurso ordinário não provido.

(RMS 39.186/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/02/2013, DJe 07/03/2013)” (destaques acrescidos)

 

*****

 

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO DEMITIDO POR ILÍCITO ADMINISTRATIVO. SIMULTANEIDADE DE PROCESSOS ADMINISTRATIVO E PENAL. INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS. PRECEDENTES. Esta Corte tem reconhecido a autonomia das instâncias penal e administrativa, ressalvando as hipóteses de inexistência material do fato, de negativa de sua autoria e de fundamento lançado na instância administrativa referente a crime contra a administração pública. Precedentes: MS nº 21.029, CELSO DE MELLO, DJ de 23.09.94; MS nº 21.332, NÉRI DA SILVEIRA, DJ de 07.05.93; e 21.294, SEPÚLVEDA PERTENCE, julgado em 23.10.91; e MS nº 22.076, Relator para o acórdão Min. MAURÍCIO CORRÊA. Segurança denegada.
(MS 21708, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 09/11/2000, DJ 18-05-2001 PP-00436 EMENT VOL-02031-04 PP-00696)”
(destaques acrescidos)

 

Cumpre destacar, por oportuno, o seguinte trecho do voto do Ministro Celso de Mello, proferido no julgamento do MS nº 21708 supramencionado:

 

“Na realidade, as sanções penais e administrativas, qualificando-se como respostas autônomas do Estado à prática de atos ilícitos cometidos pelos servidores públicos, não se condicionam reciprocamente, tornando-se possível, em consequência, a imposição de punição disciplinar independentemente de prévia decisão da instância penal. Desse modo, com a só exceção do reconhecimento judicial da inexistência de autoria, ou da inocorrência material do próprio fato, ou, ainda, da configuração das causas de justificação penal, as decisões do Poder Judiciário não condicionam o pronunciamento censório da Administração Pública (MS 21.029, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

Essa autonomia das sanções administrativas e penais, associada à independência das respectivas instâncias, tem levado a doutrina e a jurisprudência dos Tribunais a reconhecerem que o exercício do poder disciplinar pelo Estado não está sujeito à prévia conclusão da persecutio criminis promovida pelo Ministério Público.

Daí a advertência de HELY LOPES MEIRELLES (‘Direito Administrativo Brasileiro’, p. 414, 17ª edição, 1992, Malheiros), que, ao versar o tema da responsabilidade administrativa dos agentes estatais, observa:

 

A punição administrativa ou disciplinar não depende de processo civil ou criminal a que se sujeite também o servidor pela mesma falta, nem obriga a Administração a aguardar o desfecho dos demais processos, nem mesmo em face da presunção constitucional de não culpabilidade. Apurada a falta funcional, pelos meios adequados (processo administrativo, sindicância ou meio sumário), o servidor fica sujeito, desde logo, à penalidade administrativa correspondente.

A punição interna, autônoma que é, pode ser aplicada ao servidor antes do julgamento judicial do mesmo fato. E assim é porque, como já vimos, o ilícito administrativo independe do ilícito penal. A absolvição criminal só afastará o ato punitivo se ficar provada, na ação penal, a inexistência do fato ou que o acusado não foi seu autor’ (grifei)” (destaques acrescidos).

 

Desse modo, e a fim de assegurar a autonomia das instâncias penal e administrativa, apenas se vislumbra a possibilidade de utilizar o prazo prescricional calculado com base na pena in abstracto. Isso porque adotar a pena concretamente aplicada representaria em indevido condicionamento da atuação da Administração Pública ao resultado do processo criminal.

Com efeito, não se pode compelir a autoridade administrativa a instaurar procedimento disciplinar em virtude da existência de ação penal em andamento. Deve ser assegurado ao administrador o legítimo desempenho de seu poder disciplinar, mostrando-se viável a opção de aguardar o desfecho da demanda criminal.

Impende ressaltar, por oportuno, que, em virtude da independência das instâncias, o STF já decidiu que no caso de fato que represente infração funcional e ilícito penal, nem mesmo sentença absolutóriacom fundamento diverso da inexistência de materialidade ou autoria – tem o condão de influenciar no prazo prescricional adotado no âmbito administrativo, o qual, apesar de ser o previsto no Código Penal, deve ser aferido com base na pena máxima cominada. Nesse sentido:

 

"EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PENA DE DEMISSÃO. FATO CAPITULADO COMO CRIME. PRESCRIÇÃO PUNITIVA ESTATAL. PRAZO FIXADO A PARTIR DA LEI PENAL (ART. 142, § 2º, DA LEI N. 8.112/1990). PRECEDENTES. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.

(RMS 33858, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 01/12/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-255 DIVULG 17-12-2015 PUBLIC 18-12-2015)"

 

Pede-se vênia para transcrever relevante trecho do voto da Relatora do RMS 33858, Ministra Cármen Lúcia:

 

"3. A tese, contudo, fica prejudicada diante da orientação deste Supremo Tribunal no sentido de bastar a capitulação da infração administrativa como crime para ser considerado o prazo prescricional previsto na lei penal. Nesse sentido, por exemplo: (...)

4. Nesses termos, a absolvição do Recorrente na instância penal mostra-se indiferente, pelo princípio da independência relativa entre as instâncias administrativa e penal, a significar a atuação simultânea das esferas, sem afetarem-se umas às outras, ressalvadas as hipóteses de reconhecimento, na esfera criminal, da inexistência do fato ou da negativa de autoria (por exemplo, Mandado de Segurança n. 25.880/DF, Relator o Ministro Eros Grau, Plenário, DJ 16.3.2007; Recurso Extraordinário com Agravo com Repercussão Geral n. 691.306/MS, Relator o Ministro Cezar Peluso, Plenário Virtual, DJe 11.9.2012; Embargos de Declaração no Agravo de Instrumento n. 521.569/PE, Relatora a Ministra Ellen Gracie, Segunda Turma, DJe 14.5.2010; Mandado de Segurança n. 21.708, Redator para o acórdão o Ministro Maurício Corrêa, Plenário, DJ 18.5.2001; Mandado de Segurança n. 22.438, Relator o Ministro Moreira Alves, Plenário, DJ 6.2.1998), o que não se teve na espécie vertente.

5. Tendo o fato imputado ao Recorrente caracterizado o crime de tentativa de homicídio por motivo fútil, capitulado no art. 121, § 2º, inc. II, c/c art. 14, inc. II, do Código Penal (Ação Penal n. 2004.37.00.004862-0), incide a regra do § 2º do art. 142 da Lei n. 8.112/1990, pelo qual se determina a consideração do prazo prescricional previsto na lei penal: 20 anos, no caso (art. 109, inc. I, do Código Penal).

Não se haveria cogitar, portanto, do transcurso do prazo prescricional da pretensão punitiva, como assentado no voto prevalecente no acórdão recorrido:

‘Em consulta à página eletrônica da Seção Judiciária do Maranhão, verifica-se que o impetrante foi absolvido pelo Tribunal do Júri da acusação de tentativa de homicídio, tendo a decisão transitado em julgado em junho de 2012.

Esta absolvição, com a devida vênia do entendimento esposado pela Relatora, a meu ver, não importa na aplicação do prazo prescricional previsto na legislação administrativa.

Com efeito, o legislador, ao determinar a incidência do prazo prescricional penal para o caso de infração disciplinar também capitulada como crime, o fez em consideração à gravidade da conduta.

Assim, o fato de ter havido superveniente absolvição não altera o definido no art. 142, § 2º, da Lei nº 8.112/90’.

(...)

Nesse contexto, aplica-se ao processo administrativo disciplinar em questão o prazo prescricional previsto no art. 109, inciso I, do Código Penal, isto é, vinte anos” (fl. 65 e 67).

6. O acerto dessa conclusão torna despicienda a discussão sobre a interrupção ou não do prazo prescricional pelo processo administrativo disciplinar declarado nulo.” (destaques acrescidos)

 

Mesmo que se adotasse a tese acerca da possibilidade de o prazo prescricional, no âmbito de processo administrativo disciplinar, ser calculado com base na pena fixada em sentença penal condenatória, constata-se que não restaria alcançada a prescrição, no caso em comento.

O prazo prescricional aferido a partir da pena em concreto decorre do disposto no art. 110, §1º, do Código Penal, que assim estabelece:

“Art. 110 - A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

§ 1o A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa(Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010). (destaques acrescidos)

 

Verifica-se que o citado dispositivo, com redação dada pela Lei nº 12.234/2010, veda expressamente a incidência de prazo prescricional, calculado com fundamento na pena em concreto, no período que antecede o início do processo.

Transportando o comando para a seara administrativa, não se vislumbra a possibilidade de o prazo aferido a partir da pena aplicada na ação criminal ter termo anterior à instauração do processo administrativo disciplinar.

A própria AMB, que pleiteia a aplicação do art. 110, §1º, destaca que seria “imperiosa a aplicação da prescrição ao processo disciplinar nos mesmos moldes do processo penal”.

Com efeito, não seria viável a aplicação de apenas parte do dispositivo legal. Assim, entendendo-se que o prazo prescricional deve ser aferido a partir da pena efetivamente aplicada, com fundamento no art. 110, §1º, do CP, é inegável a incidência do comando que veda sua utilização antes do início do processo – sobremodo no caso em comento, que trata de conduta praticada em 30/03/2011, ou seja, data posterior à Lei nº 12.234/2010.

Cumpre ressaltar que não há que se falar na aplicação, no caso em concreto, de entendimento adotado em decisão do STJ, citada pela AMB (AgRg no MS 32.363), no sentido de que seria possível utilizar a pena em concreto, após o trânsito em julgado de sentença criminal, com fundamento no art. 110, §1º, do CP.

Além das colocações acerca da independência das instâncias acima apresentadas, com esteio em decisões do STF, verifica-se que o precedente do STJ diz respeito a fato ocorrido antes da Lei nº 12.234/2010, que, como visto, passou a vedar a adoção de termo inicial anterior à denúncia no cômputo da prescrição com base na pena em concreto.

Importante destacar, ainda, que em caso de infrações restritas ao âmbito administrativo – ou seja, quando o fato não configura tipo penal – o prazo prescricional, antes da instauração do processo administrativo disciplinar, é necessariamente 5 anos, ou seja, é calculado em abstrato. Apenas a partir da instauração do PAD, leva-se em conta a sanção aplicada, de modo que a prescrição aferida pela pena em concreto não retroage à fase anterior ao processo.

Confira-se a recente decisão deste Conselho, proferida na 292ª Sessão Ordinária (04/06/2019):

 

REVISÃO DISCIPLINAR. DECISÃO QUE APLICOU AO MAGISTRADO A PENA DE ADVERTÊNCIA. REJEIÇÃO DAS PRELIMINARES DE PRESCRIÇÃO EM ABSTRATO E INTERCORRENTE.  INOCORRÊNCIA DE IRREGULARIDADES FORMAIS NA CONDUÇÃO DAS SESSÕES DE JULGAMENTO PELO TRIBUNAL PLENO.  CONTRARIEDADE À EVIDÊNCIA DOS AUTOS NÃO DEMONSTRADA. TENTATIVA DE REDISCUSSÃO E AMPLA REAPRECIAÇÃO DA PROVA. IMPOSSIBILIDADE. FIXAÇÃO DA PENA MAIS BRANDA EM RAZÃO DA AUSÊNCIA DE MAIORIA ABSOLUTA. DECISÃO QUE CONTRARIA DIRETAMENTE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E A RESOLUÇÃO CNJ N. 135, COM A INTERPRETAÇÃO CONFORME LEVADA A EFEITO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO JULGAMENTO DA ADI 4638. NULIDADE DO ATO QUE FIXOU A PENA. AUSÊNCIA DE RESULTADO ÚTIL NO REFAZIMENTO DA VOTAÇÃO. PENALIDADES APLICÁVEIS PRESCRITAS. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. PROCEDÊNCIA PARCIAL.

I.  O regime de prescrição administrativa referente à pretensão punitiva contra magistrados está baseado no Estatuto do Servidor Público Civil da União.

II. A prescrição em abstrato (até a instauração do Processo Administrativo Disciplinar - PAD), via de regra, conta-se pelo prazo de 5 (cinco) anos, contados da data em que os fatos se tornaram conhecidos. Inteligência do art. 24 da Resolução CNJ n. 135 e do art. 142, inciso I, da Lei n. 8.112/1990 (aplicado subsidiariamente).

III. A partir da instauração do PAD, a prescrição conta-se pela pena em concreto ou pela pena aplicada, a teor do que prescreve o art. 24, §2º, da Resolução CNJ n. 135.

IV. Não tendo transcorrido 5 (cinco) anos entre a data em que a Administração tomou conhecimento dos fatos e a instauração do PAD em face do Magistrado requerente, bem assim não havendo qualquer indício de desídia por parte do Tribunal de origem na condução da instrução processual, não há falar em prescrição em abstrato ou intercorrente. Preliminar rejeitada.

V. (...)

(CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0003740-97.2017.2.0000 - Rel. LUCIANO FROTA - 292ª Sessão Ordináriaª Sessão - j. 04/06/2019)” (destaques acrescidos). 

 

 Observa-se que tanto a aplicação isolada da lei penal, quanto a incidência exclusiva das normas administrativas, resultam na impossibilidade de se computar a prescrição com base na pena em concreto, no que diz respeito à fase pré-processual.

Desse modo, é no mínimo teratológica a conclusão de que a aplicação dos prazos do Código Penal na esfera administrativa possa resultar na prescrição para a instauração de procedimento administrativo disciplinar (ou seja, na fase anterior ao processo), utilizando-se como parâmetro a pena cominada em ação criminal.

Por todo o exposto, conclui-se que o prazo aplicável ao caso em comento é de 8 anos – nos termos do art. 24 da Resolução CNJ nº 135/2011 combinado com os arts. 129, §9º, e 109, IV, do Código Penal –, de forma que não restou consumada a prescrição para a instauração do PAD nº 60.566/2012. 

 

I - DA INEXISTÊNCIA DA HIPÓTESE DESCRITA NO ART. 83 DO RICNJ

O Regimento Interno deste Conselho (RICNJ) estabelece, que a revisão disciplinar tem cabimento em hipóteses taxativamente previstas no art. 83, quais sejam:

“Art. 83. A revisão dos processos disciplinares será admitida:

I - quando a decisão for contrária a texto expresso da lei, à evidência dos autos ou a ato normativo do CNJ;

II - quando a decisão se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;

III - quando, após a decisão, surgirem fatos novos ou novas provas ou circunstâncias que determinem ou autorizem modificação da decisão proferida pelo órgão de origem”.

Nesse ponto, cumpre ressaltar que o CNJ “vem consolidando sua jurisprudência no sentido de não perquirir, no julgamento de revisões disciplinares, acerca da correção ou não da deliberação originária a partir da retomada da discussão em si, mas tão somente sob o enfoque das estritas hipóteses de cabimento” (CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0003740-97.2017.2.0000 - Rel. LUCIANO FROTA - 292ª Sessão Ordináriaª Sessão - j. 04/06/2019).

No caso, não se identificou a ocorrência de nenhuma das situações descritas pelo art. 83 do RICNJ, notadamente a alegada contrariedade da decisão impugnada com a lei ou com os elementos fático-probatórios do processo administrativo disciplinar.

Constata-se que as questões aventadas pelo recorrente nos autos do PAD, e reapresentadas na presente revisão, foram apreciadas pelo Órgão Especial do TJSP.

Desse modo, o Tribunal, ao analisar os elementos probatórios – que demonstram a ocorrência de agressão física, por parte do recorrente, contra sua ex-mulher, resultando inclusive em condenação pelo crime de lesão corporal, por motivo fútil – concluiu pela infringência de deveres previstos na LOMAN e no Código de Ética da Magistratura Nacional. Confira-se o voto do Relator do PAD n° 60.566/2012:

 

“A apuração de suposta falta disciplinar perpetrada pelo magistrado EDISON YASSUO TAKASE decorre da sua incursão no artigo 129, §9º, combinado com o artigo 61, inciso II, alínea “a”, ambos do Código Penal, em razão de ofensa á integridade corporal de sua ex-mulher Suelly Tamie Shinozaki, por motivo fútil, causando-lhe lesões corporais de natureza leve.

Infere-se dos autos que em 30 de março de 2011, por volta de meia noite, na residência da vítima (...), o ora interessado, por motivo fútil, ofendeu a integridade corporal de Suelly, causando-lhe lesões corporais de natureza leve.

O fato foi objeto de persecução penal e apurado em Ação Penal intentada pela Procuradoria Geral de Justiça, a qual culminou no reconhecimento da autoria e materialidade delitivas, bem como na confirmação da responsabilidade criminal de EDISON pelos fatos a ele imputados, tendo sido condenado em 24 de fevereiro de 2016, por votação unânime deste Colendo Órgão Especial, à pena de 01 (um) ano e 06 (seis) meses de detenção, em regime aberto, medida esta suspensa, conforme exposto, pelo período de 02 (dois) anos, devendo prestar serviços à comunidade, durante o primeiro ano da sanção. Os embargos de declaração restaram rejeitados.

O referido decisum foi objeto de Recurso Especial e Extraordinário.

(...)

De mais a mais, até mesmo os fundamentos lançados às Instancias Superiores não objetivavam negar a autoria ou comprova a inexistência do fato, mas sim buscar o reconhecimento de vícios processuais e alterar a análise da culpabilidade de EDISON.

Daí porque, em que pese o esforço da combativa defesa, não resta mais espaço para pretensões absolutórias pautadas em negativas fáticas (autoria ou materialidade).

Diante disso, tendo em mente que o objetivo nesta seara administrativa é sopesar a consequência disciplinar que este Tribunal Bandeirante deve impor ao seu agente político – juiz de direito – diante da comprovada conduta perpetrada sob a perspectiva de seus deveres funcionais, nada mais é necessário ao deslinde deste feito.

De outro lado, ainda que a exclusão da tese absolutória não ocorresse pelos fundamentos acima lançados, o restante amealhado aos autos é mais do que suficiente para fazê-lo.

Muito ao contrário do que se tentou fazer crer, o fato de inexistir testemunha ocular da agressão não impele uma absolvição pro ausência de provas, sobretudo em condutas dessa natureza – como o próprio nome descreve – cometidos valendo-se de relações domésticas, íntimas e, portanto, quase sempre invisíveis a eventuais testemunhas presenciais.

O conjunto probatório é convergente no sentido do magistrado como agressor de sua ex-esposa, revelando conduta absolutamente repreensível em sua vida particular (desaguando, inclusive, à pública), bem como confirmando a triste realidade de uma sociedade entalhada (quase conformada) na violência doméstica.

Nesse sentido, infere-se dos autos (cf. 1199/1215) que: A vítima, no depoimento juntado nas fls. 721, verso/732, verso, detalha o ocorrido, no sentido de que, de que, durante discussão ocorrida em sua residência a agrediu com uma cadeira de bonecas.

Nesse sentido, declarou: ‘(...) sentei na cadeira do escritório e me abaixei para ligar a CPU. Nisso, eu levei a primeira cadeirada – foi ‘aqui na cabeça – e fiquei encurralada; a única coisa que eu fazia para me defender era com os braços, porque com na cadeirada abriu a minha cabeça – e é uma região muito irrigada -, foi sangue para tudo quanto é ado; sangue nos armários, na mesa, e eu sentia realmente o sangue escorrendo, foi aí que eu percebi que estava sangrando, porque eu senti que algo quente escorria, e aí eu vi sangue. Como percebi que fui ferida na cabeça e ele não parava de bater com a cadeira, a única coisa que eu procurava era proteger a cabeça para não ter outro ferimento. E, nisso, enquanto eu tentava me defender, toda cadeirada vinha na mão, nos braços, nessa região, pela violência da pancada (...)’.

A testemunha Grazieta Botelho Megale Peterle, psicóloga do filho do casal, declara que na primeira entrevista foi mencionado o episódio da agressão do representado contra sua ex-esposa, ora representante, e que teria ocorrido uma semana antes dessa entrevista (fls. 733/738)

(...)

A respeito do transcurso do feito administrativo em apreço, cumpre recordar que nada obstante à independência das esferas administrativa e penal, optou-se, in casu, por aguardar o desfecho da Ação Penal Pública.

(...)

Superado tal ponto, revela-se imprescindível avaliar que nenhum dos testemunhos prestados na instrução do presente PAD foi capaz de trazer á tona eventual eiva no restante do conjunto probatório amealhado, tampouco foi a defesa técnica capaz de apontar elementos a corroborar com versão diversa daquela (certeza fática) já alcançada na esfera criminal.

Ao contrário. Denota-se absolutamente crédula a versão que aponta o magistrado como autor de ofensa a integralidade corporal de ex-mulher, por motivo fútil, causando-lhe lesões corporais de natureza leve, tendo esta Relatoria, data máxima vênia, concluído como correta a imputação consubstanciada na infringência do disposto no artigo 35, inciso VIII, da Lei Orgânica Nacional da Magistratura (Lei Complementar nº 35/1979), bem como nos artigos 1º, 15, 16 e 37, todos do Código de Ética da Magistratura Nacional (Resolução do Conselho Nacional de Justiça nº 602008) (...).

Imperioso esclarecer que mesmo a mudança de postura adotada pelo magistrado EDISON YASSUO TAKASE durante seu interrogatório na esfera administrativa (cf. fls. 1169/1176) – diferente da soberba e machismo revelados durante o interrogatório prestados na Ação Penal, destacados no exímio voto da lavra do Des. Antônio Carlos Malheiros (cf. fls. 565/586) – não se extrai de suas palavras elementos que conduzam à conclusão diversa da efetiva incursão nas imputações acima transcritas.

Na mesma direção, infere-se que os demais elementos amealhados à instrução do Procedimento Administrativo Disciplinar são igualmente insuficientes a insculpir dúvidas acerca da conduta criminosa de EDISON YASSUO TAKASE.

Nesse sentido, nenhuma das testemunhas ouvidas (Senhor Luiz Kojio Yamashita – fls. 1085/1087 – Doutor Tetsuo Shimohirao – fls. 1088/1101 – Senhor José Fernandes Dantas – fls. 1163/1168) apresentou versão que pudesse conduzir ao descrédito daquela imputada ao magistrado.

Destaca-se que um juiz de direito possui a obrigação não só de exercer sua judicatura dentro dos limites impostos pelo ordenamento pátrio, como também o de cumprir seus deveres funcionais balizado na observância e respeito ao princípio da moralidade inerente ao Estado Democrático de Direito que representa.

Diante de tão contundente acervo probatório e do próprio contexto fático – a denotar repercussão da conduta de um representante do Estado frente à sociedade –, inarredável revela-se o convencimento racional a convergir no sentido de ter o magistrado praticado conduta absolutamente incompatível com seus deveres funcionais.

Tal transgressão revela-se incompatível com os princípios norteadores do Estado que o magistrado representa, sendo, portanto, inafastável a imposição de resposta do direito administrativo disciplinar à espécie” (destaques acrescidos).

 

Portanto, não foi identificada nenhuma irregularidade no transcurso do processo disciplinar, no qual o Tribunal, com fundamento nas provas produzidas, reconheceu a existência de infração disciplinar, em virtude de ofensa ao artigo 35, inciso VIII, da Lei Complementar nº 35/1979 e dos arts. 1º, 15, 16 e 37 do Código de Ética da Magistratura Nacional, os quais impõem ao magistrado o dever de manter conduta irrepreensível na vida particular, que deve ser norteada pela integridade pessoal:

 

“Lei Complementar nº 35/1979

Art. 35 - São deveres do magistrado:

VIII - manter conduta irrepreensível na vida pública e particular”.

 

*****

 

“Resolução CNJ nº 60/2008

Art. 1º O exercício da magistratura exige conduta compatível com os preceitos deste Código e do Estatuto da Magistratura, norteando-se pelos princípios da independência, da imparcialidade, do conhecimento e capacitação, da cortesia, da transparência, do segredo profissional, da prudência, da diligência, da integridade profissional e pessoal, da dignidade, da honra e do decoro.

 

Art. 15. A integridade de conduta do magistrado fora do âmbito estrito da atividade jurisdicional contribui para uma fundada confiança dos cidadãos na judicatura.

 

Art. 16. O magistrado deve comportar-se na vida privada de modo a dignificar a função, cônscio de que o exercício da atividade jurisdicional impõe restrições e exigências pessoais distintas das acometidas aos cidadãos em geral.

 

Art. 37. Ao magistrado é vedado procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções”.

 

A análise dos autos demonstra, ainda, que o Órgão Especial do TJSP, no legítimo exercício de sua competência disciplinar, com base nos elementos probatórios, sopesou a gravidade da conduta, a culpabilidade e a eficácia da punição, considerando ainda as circunstâncias pessoais do magistrado – Titular de Vara de Família, que agindo de forma livre e consciente, praticou o crime de lesão corporal contra sua ex-esposa, servidora do TJSP – e concluiu pela incompatibilidade definitiva e insuperável com o exercício da função jurisdicional.

Por tal razão, aplicou, por maioria, a pena de aposentadoria compulsória, nos termos do artigo 42, inciso V, cumulado com os artigos 56, inciso II, da LOMAN[2], e artigo 7º, inciso II, da Resolução 135 do CNJ[3], que preveem expressamente a possibilidade de a citada sanção ser imposta a magistrado, em caso de procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções. 

Transcreve-se o seguinte trecho do Desembargador Ricardo Anafe, que prevaleceu quanto a pena aplicada:

Com efeito, é dever do Magistrado manter conduta irrepreensível na vida pública e particular (Lei Orgânica da Magistratura Nacional, artigo 35, inciso VIII). A irrepreensibilidade de conduta do juiz, tanto em sua vida pública quanto privada, configura um dever e uma necessidade absoluta de sua função, pois, como representante do Poder Judiciário, deve ostentar, perante as partes e a sociedade, um comportamento pessoal e profissional irretocável. Portanto, não cabe apenas ao Magistrado ter uma atuação profissional aparentemente correta e competente, mas é indispensável que, até por exigência legal, apresente conduta irrepreensível, inclusive na vida privada, mantendo-se distante de qualquer situação que possa comprometer sua respeitabilidade ou a independência de sua atividade funcional, pois, se assim não for, vulnerar-se-ão as exigências éticas que devem pautar e condicionar a atividade que lhes é inerente. (...)

Nessa quadra, a conduta comprovada do Magistrado, que ofendeu a integridade corporal de sua ex-cônjuge, por motivo fútil, causando-lhe lesões corporais de natureza leve, ostenta a mais extrema gravidade que o estatuto disciplinar da Magistratura pode prever, o que justifica a aplicação da sanção administrativa de aposentadoria compulsória com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço.

De mais a mais, todos esses fatos, em conjunto, evidenciam ofensa aos princípios contidos nos artigos 1º, 15, 16 e 37 do Código de Ética da Magistratura Nacional, além da infração ao artigo 35, inciso VIII, da Lei Complementar nº 35/1979.

Nessa esteira, fixada a ocorrência dos fatos objeto deste Processo Disciplinar e diante da conduta (criminosa) perpetrada pelo Magistrando, expondo-o de forma incompatível com o cargo que ocupa, de modo a configurar incompatibilidade definitiva, insuperável, com a dignidade, a honra e o decoro das funções de Magistrado, cumpre enquadrar a prática do requerido nas penalidades previstas no artigo 42, inciso V, cumulado com os artigos 56, inciso II, da LOMAN, e artigo 7º, inciso II, da Resolução 135 do CNJ (destaques acrescidos).

 

Cumpre ressaltar, por oportuno, precedente deste Conselho em que se destacou o cabimento da aplicação da pena de aposentadoria compulsória em caso de fato que, apesar de não relacionado diretamente ao exercício da jurisdição, culminou no descumprimento do dever de manter conduta irrepreensível na vida particular:  

 

"REVISÃO DISCIPLINAR. TJPE. MAGISTRADO CENSURADO. ALEGAÇÃO DE INADEQUAÇÃO DA PENA À CONDUTA. EMBRIAGUEZ E VIOLENCIA.

1 Ao ingerir bebida alcoólica, cujos efeitos foram potencializados pela diabetes de que é portador, o magistrado agiu de maneira imprudente.

2 Prova do assédio e da violência praticados pelo magistrados em face de, pelo menos, uma mulher, apontando-lhe uma arma e colocando em risco as pessoas presentes no estabelecimento, o magistrado perdeu sua condição moral para manter a função judicante, por faltar-lhe a moral privada essencial para a função.

3 Atitude mais grave a impor pena superior à censura, aplicável a condutas mais brandas. Revisão para aplicação da pena de aposentadoria compulsória.

 (CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0001262-92.2012.2.00.0000 - Rel. EMMANOEL CAMPELO - 171ª Sessão Ordinária - j. 11/06/2013)" (destaques acrescidos).

Destaca-se, por fim, que não restou demonstrada desconformidade com o art. 92, I, do Código Penal, alegada pela AMB, a qual entendeu que somente é possível ter a condenação criminal como razão para perda do cargo, já que não se trata de crime relacionado a abuso de poder ou com violação de dever para com a Administração Pública, se a pena aplicada for superior a 4 anos” (Id nº 3609072).

O referido dispositivo legal trata de efeito que decorre diretamente da condenação penal e que não interfere na atividade disciplinar da Administração Pública, pois, consoante já destacado, as esferas penais e administrativas são autônomas.

Verifica-se, inclusive, que a independência entre as citadas instâncias culmina na possibilidade de a Administração entender pela imposição de penalidade que implique o desligamento definitivo do agente público, ainda em caso de absolvição da esfera criminal, como se observa da seguinte decisão do STF:


“ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL. DEMISSÃO. SERVIDOR PÚBLICO. ABSOLVIÇÃO NA ESFERA CRIMINAL. ART. 386, III, DO CPP. INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS PENAL E ADMINISTRATIVA. REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA STF 279. 1. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, consoante iterativa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. 2. A absolvição na esfera criminal nos termos do art. 386, III, do CPP, no caso, não repercute na instância administrativa, porquanto são independentes. Precedentes. 3. O revolvimento de fatos e provas não é viável nesta via extraordinária (Súmula STF 279). 4. Agravo regimental improvido”.
(AI 521569 ED, Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 20/04/2010, DJe-086 DIVULG 13-05-2010 PUBLIC 14-05-2010 EMENT VOL-02401-05 PP-00913)”
(destaques acrescidos)

 

DISPOSITIVO

 

Por tais razões, conheço do recurso, uma vez que tempestivo, mas, no mérito, nego-lhe provimento e mantenho a decisão atacada por seus fundamentos.

É como voto.

 

Conselheira Iracema Vale

Relatora



[1] Art. 28. Compete ao Corregedor Geral da Justiça: (...)

II - receber e, se for o caso, processar as reclamações e instaurar sindicâncias contra juízes, oficiando como instrutor e relator até o arquivamento ou a instauração definitiva de processo administrativo;

 

[2] Art. 56, LOMAN - O Conselho Nacional da Magistratura poderá determinar a aposentadoria, com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, do magistrado: (...)

Il - de procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções;

[3] Art. 7º, Res. 135/2011. O magistrado será aposentado compulsoriamente, por interesse público, quando: (...)

II - proceder de forma incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções;

 

 

 

Brasília, 2019-09-04.