Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0003223-82.2023.2.00.0000
Requerente: MARCELO ALMEIDA DA SILVA
Requerido: TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO - TRT 15

 


EMENTA:

RECURSO ADMINISTRATIVO. PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO. RESERVA DE VAGAS PARA CANDIDATOS NEGROS OU COM DEFICIÊNCIA. OBSERVAÇÃO DA TOTALIDADE DOS CARGOS, POR ESPECIALIDADE. RECURSO IMPROVIDO.

1. A reserva de vagas para candidatos negros e com deficiência nos concursos públicos realizados no âmbito do Poder Judiciário deve tomar por base de cálculo a quantidade total de vagas oferecidas no respectivo edital do certame, para cada cargo público, definido em função da especialidade. Precedentes. 

2. Recurso administrativo a que se nega provimento.

 

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Ausente, em razão da vacância do cargo, o representante do Tribunal Regional do Trabalho. Presidiu o julgamento o Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário Virtual, 1º de março de 2024. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luís Roberto Barroso, Luis Felipe Salomão, Caputo Bastos, José Rotondano, Mônica Autran, Renata Gil, Daniela Madeira, Giovanni Olsson, Pablo Coutinho Barreto, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Daiane Nogueira e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0003223-82.2023.2.00.0000
Requerente: MARCELO ALMEIDA DA SILVA
Requerido: TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO - TRT 15


RELATÓRIO

 

Trata-se de Recurso Administrativo (Id 5320839) interposto pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, em face da Decisão de Id 5306018, que julgou procedente em parte o pedido formulado no presente Pedido de Providências, para determinar a observação dos percentuais mínimos de candidatos negros e com deficiência nas futuras nomeações de classificados no concurso público regido pelo Edital n.º 01/2018.

Na petição inicial, o requerente, ora recorrido, sustentou que a nomeação dos candidatos aprovados/classificados no referido certame não examinara a necessária proporcionalidade das vagas que devem ser asseguradas aos candidatos negros, em um possível desacordo com as regras estabelecidas na Lei n.º 12.990/2014 e a Resolução n.º 203/2015 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Pontuou que o Tribunal “vem considerando que em não havendo mais cotistas habilitados para determinada região, deve-se utilizar aprovados da lista da ampla concorrência do respectivo polo, quando, na verdade, deveria ter feito uma lista geral de cotistas para esses casos, tal como vem sendo feito por boa parte dos órgãos que realizaram concurso regionalizado”.

Além disso, defendeu que o critério adotado acabou por restringir o percentual legal de vagas destinadas aos candidatos negros e diminuiu o alcance da política afirmativa de igualdade material ao segregar as vagas por polo de lotação.

Já no presente recurso, o Tribunal requerido, em suma, argumenta que a ausência de critérios objetivamente definidos para a adoção de listagem única criaria insegurança para o resultado do concurso, potencialmente comprometendo a isonomia entre os candidatos das listas prioritárias.

Por fim, o requerente apresentou contrarrazões (Id 5322552), argumentando que não há inconstitucionalidade na adoção dos critérios por localidades, mas a adoção desse critério não pode impedir o cumprimento integral das legislações de cotas.

Outrossim, defende que não existe óbice para se elaborar lista unificada, dado que são feitas com candidatos aprovados no concurso e respeitam a cláusula de barreira, portanto, requer que: (I) seja realizada lista unificada apenas com os candidatos aprovados; (II) os mínimos previstos nas leis de cotas sejam respeitados; (III) a documentação anexa aos autos, relativa aos suposta não dificuldade em se realizar lista unificada, seja analisada; e (IV) se julgue improcedente o recurso.

É o relatório. Decido. 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0003223-82.2023.2.00.0000
Requerente: MARCELO ALMEIDA DA SILVA
Requerido: TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO - TRT 15

 


 

VOTO

Presentes os requisitos, conheço do recurso.

Quanto ao mérito, destaco que não trouxe o recorrente quaisquer argumentos ou elementos novos capazes de justificar a modificação da decisão monocrática proferida no Id 5306018.

Sendo assim, cumpre reiterar e expor suas razões à apreciação do Plenário:

“(...)

O requerente se insurge contra o critério adotado pelo Tribunal para convocação e preenchimento das vagas reservadas aos candidatos negros no âmbito do concurso público para servidores, regido pelo Edital n.º 01/2018. Considera que a identificação das vagas reservadas aos candidatos cotistas, com especificação “por polo de lotação” e desconsiderando o total de vagas ofertadas para o respectivo cargo não observa os preceitos legais aplicados para a concretização das ações afirmativas.

O regulamento do concurso ora questionado foi assim publicado, na parte que interessa:

EDITAL N.º 01/2018

(…)

6. DAS INSCRIÇÕES PARA CANDIDATOS NEGROS

6.1 Serão reservadas aos candidatos negros 20% (vinte por cento) das vagas existentes e das que vierem a surgir durante o prazo de validade do concurso, para cada um dos Cargos/Áreas/Especialidades/Polo de Classificação oferecidos, na forma da Lei nº 12.990/2014 e da Resolução nº 203/2015 do Conselho Nacional de Justiça e do Ato Regulamentar GP nº 06/2015 do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. (Grifo nosso)

No âmbito da Administração Pública, a Constituição Federal estipula que os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma legal (art. 37, inciso I[1]).

Para atender ao princípio da isonomia, que visa conferir igualdade material entre os cidadãos por meio da distribuição equitativa dos bens sociais, o art.1º da Lei n.º 12.990/2014[2] assegura aos negros a reserva de 20% do total de vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União.

De forma semelhante, o art. 2º[3] da Resolução n.º 203/2015 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estabelece que a reserva de vagas aos candidatos negros deve observar o total de cargos oferecidos nos concursos públicos realizados no âmbito do Poder Judiciário, em cada especialidade.

Como se observa, a orientação normativa acima delineada é direcionada para a efetiva aplicação das ações afirmativas voltadas para a concretização do princípio da igualdade material. Para tanto, exige-se uma postura proativa do Estado, na intenção de diminuir as desigualdades e promover, de forma realmente eficaz, a esperada justiça social.

Na esteira da orientação normativa acima indicada, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) afirmam em seus precedentes jurisprudenciais que o desmembramento uniforme das vagas por localidade constitui critério que pode levar, como no caso em análise, ao eventual desatendimento do preceito da igualdade, constituindo obstáculo para a adequada efetivação do direito fundamental em exame.

Para a Suprema Corte, a reserva de vagas para concorrência específica (deficientes e negros) encarta verdadeiro requisito de validade do ato administrativo, devendo a Administração Pública convolar esforços para a incidência do percentual indicado legalmente sobre o total de vagas oferecidas no respectivo concurso, para cada cargo público definido em função da especialidade. Confira-se:

CONSTITUCIONAL. DIREITO ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. RESERVA DE VAGAS À ESPECÍFICA CONCORRÊNCIA. ESTRUTURAÇÃO DE FASE DO CONCURSO EM DUAS TURMAS DE FORMAÇÃO. LEI 8.112/1990, ART. 5º, § 2º. DECRETO 3.298/1999. ESPECIFICIDADES DA ESTRUTURA DO CONCURSO. IRRELEVÂNCIA PARA A ALTERAÇÃO DO NÚMERO TOTAL DE VAGAS OFERECIDAS. MODIFICAÇÃO DO NÚMERO DE VAGAS RESERVADAS. IMPOSSIBILIDADE. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. 1. Recurso ordinário em mandado de segurança interposto de acórdão do Superior Tribunal de Justiça que entendeu ser plausível o cálculo da quantidade de vagas destinadas à específica concorrência de acordo com o número de turmas do curso de formação. 2. Os limites máximo e mínimo de reserva de vagas para específica concorrência tomam por base de cálculo a quantidade total de vagas oferecidas aos candidatos, para cada cargo público, definido em função da especialidade. Especificidades da estrutura do concurso, que não versem sobre o total de vagas oferecidas para cada área de atuação, especialidade ou cargo público, não influem no cálculo da reserva[4]. (Grifo nosso)

STJ. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. PORTADOR DE NECESSIDADE ESPECIAL. VAGAS SUPERVENIENTES. RESERVA. CRITÉRIO. TOTALIDADE. RECURSO PROVIDO.

I – A Constituição Federal assegura que a lei reservará percentual de cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão (art. 37, inciso VIII).

II – A Lei nº 8.112/90, por seu turno, estabelece que para aquelas pessoas será reservado, em cada concurso, o máximo de 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas (artigo 5º, § 2º, segunda parte).

III – Na espécie, o edital do certame para o provimento de cargos de Analista Judiciário do e. TRF da 1ª Região, com observância do percentual mínimo previsto no Decreto nº 3.298/99 (art. 37, § 2º), fixou em 5 % (cinco por cento) a reserva para deficientes. Mais ainda, dispôs que esse limite deveria observar as vagas disponibilizadas por localidade, e não a totalidade das vagas oferecidas no concurso.

IV - Tal circunstância, conforme restou definida, obstaculiza a efetivação do comando constitucional e legal pertinentes, sendo que o desmembramento uniforme das vagas por localidade poderia levar - como de fato ocorrera no caso - a situações em que todos os deficientes inscritos no concurso fossem alijados do acesso aos cargos, a despeito da nomeação, em número suficiente para a materialização da reserva, dos demais candidatos.

Recurso ordinário provido[5]. (Grifo nosso)

 

Pelos mesmos fundamentos, o Plenário do CNJ, em recente julgamento, firmou a tese de que a reserva de vagas para candidatos negros e com deficiência nos concursos públicos realizados no âmbito do Poder Judiciário deve tomar por base de cálculo a quantidade total de vagas oferecidas no respectivo edital do certame, para cada cargo público, definido em função da especialidade. Cite-se:

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA. CONCURSO PÚBLICO. ORGANIZAÇÃO DO QUADRO DE SERVIDORES. RESERVA DE VAGAS PARA CANDIDATOS NEGROS OU COM DEFICIÊNCIA. OBSERVAÇÃO DA TOTALIDADE DOS CARGOS, POR ESPECIALIDADE.

1. No âmbito da Administração Pública, a Constituição estipula que os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma legal (art. 37, inciso I).

2. Para atender ao princípio da isonomia, que visa conferir igualdade material entre os cidadãos por meio da distribuição equitativa dos bens sociais, a norma constitucional impõe a necessidade da reserva de determinado percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas com deficiência (VIII). Semelhante orientação é estabelecida na Lei n.º 12.990/2014, que reserva percentual das vagas oferecidas nos concursos aos candidatos negros.

3. A reserva de vagas para cargos públicos deve tomar por base de cálculo a quantidade total de vagas oferecidas no respectivo edital do certame, para cada cargo público, definido em função da especialidade. Precedentes dos Tribunais Superiores (STF e STJ) nesse sentido.

4. Procedimento de controle administrativo que se julga procedente[6]. (Grifo nosso)

 

Independentemente do critério adotado pelo Tribunal para seleção dos candidatos por unidade ou polo de lotação, constata-se que essa circunstância não constitui obstáculo para a plena efetivação do preceito constitucional. A exemplo de outros concursos já realizados no âmbito do Poder Judiciário[7], é possível que a Administração adote critérios coerentes para a reserva de vagas aos candidatos negros e com deficiência, mesmo quando optar pela realização do certame de forma regionalizada.

No caso em análise, vislumbra-se que o TRT da 15ª Região vem diligenciando para garantir que as nomeações dos candidatos classificados no cadastro de reserva do concurso regido pelo Edital n.º 01/2018 alcancem índices adequados aos padrões legais acima apresentados.

De acordo com o quadro demonstrativo das nomeações já realizadas (Id 5240883), em geral, são observados os percentuais mínimos de reserva de vagas aos candidatos negros e com deficiência, notadamente quando em comparativo com a totalidade dos cargos ofertados por especialidade.

Percebe-se, porém, pequeno desvio no que tange ao cargo de Oficial de Justiça Avaliador, objeto do questionamento formulado no presente feito. Para o caso, dos 32 (trinta e dois) candidatos até agora nomeados, apesar da nomeação de 5 (cinco) candidatos negros, o percentual indicativo de 20% (vinte por cento) direciona para o mínimo de 6 (seis) candidatos dessa categoria. Essa circunstância, contudo, não foi observada.

Nesse contexto, como o concurso em análise foi homologado em 9.4.2021 e possui prazo de validade até 9/4/2025, constata-se possível ao Tribunal, respeitada sua autonomia administrativa e a disponibilidade orçamentária, adequar as futuras nomeações às orientações e percentuais mínimos acima apresentados, devendo garantir a adequada reserva de vagas aos candidatos negros e com deficiência, independentemente da escolha inicialmente realizada por estes para determinada unidade ou polo de lotação.

Para o caso, na hipótese de inexistirem candidatos classificados para as vagas reservadas no âmbito de específico polo de lotação, cabe ao Tribunal adotar lista unificada de candidatos negros e com deficiência para alcance dos percentuais mínimos fixados legalmente, mantendo o critério da regionalização estipulado no próprio edital do certame.

Ante o exposto, com fundamento no art. 25, XII[8], do Regimento Interno deste Conselho, julgo parcialmente procedente o pedido formulado nos autos para determinar ao Tribunal requerido que, nas futuras nomeações dos candidatos classificados no concurso público regido pelo Edital n.º 01/2018, em especial para o cargo de Oficial de Justiça Avaliador Federal, observe os percentuais mínimos de candidatos negros e com deficiência, na forma acima asseverada.

Intimem-se

À secretaria Processual para as providências cabíveis

Brasília/DF, data registrada no sistema

 

Conselheiro  João Paulo Schoucair

Relator

Dessa forma, não havendo irregularidade a ser sanada, conheço do Recurso Administrativo interposto pelo requerente para negar-lhe provimento, mantendo a decisão atacada por seus próprios e jurídicos fundamentos. 

É como voto. 

Brasília, data registrada no sistema.

 

Conselheiro João Paulo Schoucair

Relator



[1] Art. 37 (...) I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei.

[2] Art. 1º Ficam reservadas aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União, na forma desta Lei.

[3] Art. 2º Serão reservadas aos negros o percentual mínimo de 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos do Quadro de Pessoal dos órgãos do Poder Judiciário enumerados no art. 92, I-A, II, III, IV, V, VI e VII, da Constituição Federal e de ingresso na magistratura dos órgãos enumerados no art. 92, III, IV, VI e VII.

[4] STF - RMS nº 25.666/DF, 2ª turma, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 03/12/2009.

[5] STJ - RMS30.841/GO, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJ de 21/06/2010.

[6] CNJ - PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0002978-71.2023.2.00.0000 - Rel. JOÃOPAULO SCHOUCAIR - 9ª Sessão Virtual de 2023 - julgado em 16/06/2023.

[7] Disponível em:https://www.trf4.jus.br/trf4/upload/editor/2019/rgi_sei_trf4-4681377-editaldeconcursopublicoparaservidores.pdf. Consulta em 27.9.2023.

[8] Art. 25 (...) XII - deferir monocraticamente pedido em estrita obediência a Enunciado Administrativo ou entendimento firmado pelo CNJ ou pelo Supremo Tribunal Federal.