Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: CONSULTA - 0007049-19.2023.2.00.0000
Requerente: JOAO VICTOR GUIMARAES TEIXEIRA
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

 

CONSULTA. REGIME DE PRECATÓRIOS. AMPLIAÇÃO DO PERÍODO DE GRAÇA CONSTITUCIONAL PARA ALCANÇAR O INTERVALO COMPREENDIDO ENTRE A DATA-BASE E O MOMENTO DE APRESENTAÇÃO DO PRECATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. AUMENTO DE LIMITAÇÃO DO DIREITO CREDITÍCIO SEM PREVISÃO NO TEXTO DA CONSTITUIÇÃO. MEDIDA PREJUDICIAL AO CREDOR. 

1. Como se sabe, a graça constitucional provoca modificações temporárias no título judicial, na medida em que desconsidera a incidência dos juros moratórios até o dia 31 de dezembro do ano seguinte ao encaminhamento das informações ao Ente ou ao(à) devedor(a), para fins de cumprimento do disposto no art. 100, § 5º, da Constituição Federal de 1988. 

2. Nessa perspectiva, somado à realidade vivenciada no Brasil em que alguns Tribunais, pelo volume agigantado das dívidas fazendárias, delongam a expedição dos requisitórios, há que se reconhecer que a dilatação do “período de graça constitucional” para englobar o intervalo entre a data-base e o momento de apresentação do precatório geraria prejuízos ao credor, amplificando-se, outrossim, limitação do direito creditício sem previsão em texto da Carta Magna. 

3. Portanto, é impossível a ampliação do período de não-incidência de juros de mora sobre o precatório, para abranger o intervalo compreendido entre a data-base e o momento de sua apresentação.

4. Consulta respondida negativamente.

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, conheceu da consulta, para responder quanto ao mérito, pela impossibilidade da ampliação do período de não-incidência de juros de mora sobre o precatório, para abranger o intervalo compreendido entre a data-base e o momento de sua apresentação, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento o Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário Virtual, 15 de março de 2024. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luís Roberto Barroso, Luis Felipe Salomão, Caputo Bastos, José Rotondano, Mônica Autran, Alexandre Teixeira, Renata Gil, Daniela Madeira, Giovanni Olsson, Pablo Coutinho Barreto, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto e Daiane Nogueira. Não votou o Excelentíssimo Conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: CONSULTA - 0007049-19.2023.2.00.0000
Requerente: JOAO VICTOR GUIMARAES TEIXEIRA
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

 

RELATÓRIO

 

Trata-se de consulta formulada por João Victor Guimarães Teixeira sobre o regime de precatórios no que tange à ampliação do período de não-incidência de atualização monetária e juros.

O consulente alega que, nos termos do art. 100, § 5º, da Constituição Federal de 1988, os precatórios apresentados até 2 de abril devem ser pagos até o final do ano seguinte, quando passarão a ter os valores corrigidos. Essa previsão refere-se ao chamado “período de graça”, durante o qual o crédito não recebe atualização monetária nem incidência de juros.

Aduz que, ao lado do “período de graça”, existiria outro intervalo relevante na tramitação dos precatórios, qual seja, o espaço de tempo entre a data-base e o momento de apresentação do precatório, cujas conceituações são previstas no art. 2º da Resolução CNJ 303/2019[1], que “dispõe sobre a gestão dos precatórios e respectivos procedimentos operacionais no âmbito do Poder Judiciário”.

Nesse particular, assevera que, a depender da complexidade do processo judicial ou da gestão interna do Tribunal, o lapso compreendido entre a data-base e a apresentação do precatório pode durar dias, meses ou mesmo anos, sendo certo que esse tempo, imediatamente anterior ao “período de graça”, teria o condão de impactar o valor final do crédito a ser pago pelo ente devedor, em caso de inexistência de atualização monetária.

Ademais, aponta que alguns Tribunais, em vez de dar início ao “período de graça” quando da apresentação do precatório (art. 100, § 5º, CF/88), têm estendido o intervalo de não-atualização até a data-base, o que reduziria o valor do crédito.

Por fim, registra que o art. 22, § 2º, da Resolução CNJ 303/2019, preconiza que a vedação da atualização monetária se refere ao período anterior à data-base, de sorte que, “a partir da data-base (excetuando-se o período de graça), o crédito há de ser atualizado monetariamente, incluindo juros”.

Diante desses fatos, apresenta a seguinte indagação: “considerando o disposto no art. 100, § 5º, da Constituição Federal, a ampliação, pelo tribunal, do período de não-incidência de atualização monetária e juros sobre o precatório, passando a abranger o período compreendido entre a data-base e o momento de apresentação, configura violação ao texto constitucional?

Na instrução do procedimento foi juntado parecer técnico do Fórum Nacional de Precatórios – FONAPREC (Id. 5430963), devidamente aprovado pelos seus membros (Id. 5430962).

É o relatório.




[1]Art. 2º Para os fins desta Resolução:

I – [...]

VI – data-base é a data correspondente ao termo final utilizado na elaboração da conta de liquidação;

VII – momento de apresentação do precatório é o recebimento do ofício precatório perante o tribunal ao qual se vincula o juízo da execução;

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: CONSULTA - 0007049-19.2023.2.00.0000
Requerente: JOAO VICTOR GUIMARAES TEIXEIRA
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

 

VOTO


Considerando que os questionamentos ora formulados se enquadram nas hipóteses delineadas pelo art. 89, caput, do Regimento Interno do CNJ[1], a presente consulta comporta conhecimento.

Quanto ao mérito, a temática cinge-se ao exame da possibilidade de ampliação do "período de graça constitucional" (art. 100, § 5º, da CF/88[2]), passando a abranger o intervalo compreendido entre a data-base e o momento de apresentação do precatório.

Por pertinência, adequação e esgotamento satisfatório dos pontos que circundam o feito, compartilha-se o posicionamento técnico externado pelo FONAPREC, o qual, já adianto, adiro integralmente (Ids. 5430962 e 5430963):

[...] Conforme se observa, a indagação apresentada pelo consulente diz respeito à possiblidade de Tribunal proceder o elastério da graça constitucional, de forma a incluir o período compreendido entre a data-base e o momento de apresentação (realizado até o dia 02 de abril).

Entendo que a medida seria violação ao disposto na Res CNJ 303/2019. Explico.

A graça constitucional, como dito alhures, é um período em que não são contabilizados juros moratórios, mas, tão somente, providenciada a correção monetária das dívidas da Fazenda Pública. Ou seja, trata-se de beneplácito concedido pelo Poder Constituinte.

A origem do não cômputo dos juros no período de graça constitucional remonta à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 351/2009, chamada de “PEC dos Precatórios”. Naquela oportunidade, as casas Congresso Nacional se debruçaram sobre a questão dos precatórios, e da dificuldade encontrada pelos Entes da Federação em honrar o pagamento dos valores devidos. O parlamento, a partir dessa realidade, buscou equilibrar as finanças públicas e dar um tipo de “respiro” ao erário.

A justificativa apresentada com a proposta originária[3] da PEC dizia o seguinte, in verbis:

‘A questão de precatórios assumiu relevância no cenário nacional a partir do enorme volume de precatórios não pagos por parte dos Estados e Municípios. O total pendente de pagamento a preços de junho de 2004 é de 61 bilhões, dos quais 73% se referem a débitos dos Estados. Paralelamente a esta situação, Estados e Municípios apresentam uma situação financeira difícil. Os Estados apresentam uma média de comprometimento da receita corrente líquida de 85% (pessoal, saúde, educação e pagamentos de dívidas), ou seja, do total de recursos dos estados restam apenas 15% para outros gastos e investimentos. Esta proposta de emenda à Constituição é apresentada como sugestão para viabilizar o debate na busca de uma solução par a questão de precatórios. Durante o ano de 2005 foram realizadas reuniões com todos os segmentos objetivando minimizar conflitos e buscar uma solução comum a todos os envolvidos. Esta proposição busca contribuir para uma solução definitiva para a questão, equacionando os débitos existentes e ao mesmo tempo assegurando o pagamento dos novos precatórios.’ – destaquei.

Como se observa, as razões que animaram a alteração do texto constitucional, que trouxe grandes mudanças no regime dos precatórios, entre elas a concessão de uma espécie de moratória aos juros incidentes sobre os valores devidos (período de graça), decorreram de uma realidade periclitante e premente da Fazenda Pública de honrar as suas dívidas.

A medida salutar encontrada pelo legislador foi necessária e bem-vinda, todavia, ela não pode ser elastecida inadvertidamente, sem que haja autorização constitucional para tanto.

Não se pode olvidar que o mecanismo encontrado pelo Poder Constituinte Derivado Reformador, só foi alcançado após o transcorrer de vários anos de discussões no Congresso Nacional. E mais do que isso! O período de graça, apesar de conceder à Fazenda Pública uma “trégua” em relação aos juros incidentes sobre as suas dívidas, atinge diretamente o direito do credor.

O não-cômputo de juros no período de graça, portanto, atinge diretamente o direito de propriedade dos credores, mas essa foi a opção adotada pelo Poder Constituinte Derivado Reformador.

É fundamental não perder de vista, outrossim, que a graça constitucional provoca modificações temporárias no título judicial, porquanto, como dito, desconsidera a incidência dos juros moratórios até o dia 31 de dezembro do ano seguinte ao encaminhamento das informações ao Ente ou Entidade devedora, para fins de cumprimento do disposto no art. 100, § 5º, da CF.

Nessa perspectiva, e considerando a existência de uma realidade angustiante no Brasil em que alguns Tribunais do país, pelo volume agigantado das dívidas fazendárias, delongam o momento da expedição dos requisitórios, há possibilidade aviltante de prejuízo ao direito dos credores.

A título de exemplo, imaginemos que determinado e hipotético Tribunal atrase 1 (um) ano para providenciar a expedição do precatório, contado da data-base. E que, após isso, a Presidência deste Tribunal prolongue em mais de 2 (dois) anos a inclusão dos valores na lista a ser encaminhada ao Ente devedor (art. 100, § 5º, da CF).

Nesse período, compreendido entre a data-base e o encaminhamento da lista, ter-se-iam passados mais de 3 (anos), que, somados ao período de graça constitucional, alcançaria 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses, no mínimo.

No caso apresentado pelo consulente, durante todo o período não seriam contabilizados os juros! A medida, inegavelmente e inadvertidamente, geraria prejuízo ao credor, que ficaria tolhido do recebimento de valores por período dilatado. Amplificaria, pois, a limitação do direito creditício sem previsão no texto constitucional.

Finalmente, quanto à correção monetária, deve ser enfatizado que sua incidência não sofre qualquer impacto, seja no período da graça constitucional ou fora dele, devendo, pois, ser respeitada, independentemente da natureza da dívida pública encartada.

Posto isso, entendo que a Consulta deve ser conhecida de forma que, no caso hipotético ventilado, a resposta seja afirmativa no sentido de que a ampliação do período de não-incidência de juros de mora sobre o precatório não se mostra adequado com a Resolução CNJ nº 303/2009 (norma presumidamente constitucional), nos termos da fundamentação acima. (grifos do original)

 

Como se vê, o alargamento do “período de graça constitucional” para englobar o intervalo compreendido entre a data-base e o momento de apresentação do precatório, à luz da legislação aplicável, não se mostra possível, sobretudo por gerar severos prejuízo ao direito creditício.

No mais, consoante bem pontuado no parecer técnico, revela-se imperioso repisar que a incidência da correção monetária não sofre qualquer impacto, seja no "período da graça constitucional" ou fora dele, devendo, portanto, ser respeitada, independentemente da natureza da dívida pública encartada.

Ante o exposto, o voto é no sentido de CONHECER a consulta, respondendo-se, no mérito, pela impossibilidade da ampliação do período de não-incidência de juros de mora sobre o precatório, para abranger o intervalo compreendido entre a data-base e o momento de sua apresentação.

Intimem-se todos os órgãos do Poder Judiciário, para efeitos do disposto no art. 89, § 2º, do Regimento Interno do CNJ. 

Após as comunicações de praxe, arquivem-se os autos.

Brasília, data registrada no sistema. 

 

 

 

 

JOSÉ EDIVALDO ROCHA ROTONDANO

 

Conselheiro Relator


 

CJR 03





[1] Art. 89. O Plenário decidirá sobre consultas, em tese, de interesse e repercussão gerais quanto à dúvida suscitada na aplicação de dispositivos legais e regulamentares concernentes à matéria de sua competência.

[2] Art. 100. [...]

§ 5º É obrigatória a inclusão no orçamento das entidades de direito público de verba necessária ao pagamento de seus débitos oriundos de sentenças transitadas em julgado constantes de precatórios judiciários apresentados até 2 de abril, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente.

[3] Disponível no seguinte endereço eletrônico: Portal da Câmara dos Deputados (camara.leg.br).