EMENTA   

RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. IMPUGNAÇÃO DE ATO JUDICIAL. NÃO CABIMENTO.  INEXISTÊNCIA DE INDÍCIOS OU FATOS QUE DEMONSTREM QUE O MAGISTRADO TENHA DESCUMPRIDO DEVERES FUNCIONAIS. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1 - O Conselho Nacional de Justiça possui competência adstrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não podendo intervir em decisão judicial com o intuito de reformá-la ou invalidá-la. A revisão de ato judicial não se enquadra no âmbito das atribuições do CNJ, nos termos do art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal.

2 - Em casos tais, em que se insurge contra ato praticado no exercício da jurisdição, o interessado deve buscar os meios de impugnação previstos na legislação processual, não cabendo a simultânea intervenção desta Corregedoria Nacional de Justiça. 

3 - É inadmissível a instauração de procedimento disciplinar quando inexistentes indícios ou fatos que demonstrem que o magistrado tenha descumprido deveres funcionais ou incorrido em desobediência às normas éticas da magistratura.  

4 - Os procedimentos disciplinares não podem ter prosseguimento em hipóteses circunscritas a simples ilações, referências genéricas, conjecturas pessoais, pois a instauração de PAD pressupõe que as imputações tenham sido respaldadas por provas ou indícios que evidenciem a prática de condutas ilícitas por parte do magistrado. 

5 - Recurso administrativo a que se nega provimento.

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário Virtual, 17 de dezembro de 2021. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Tânia Regina Silva Reckziegel, Richard Pae Kim, Flávia Pessoa, Sidney Madruga, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Não votaram, em razão das vacâncias dos cargos, os Conselheiros representantes do Tribunal Regional Federal, da Justiça Federal, do Ministério Público Estadual e os representantes do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA (Relatora):

Cuida-se de recurso administrativo apresentado por LUIZ CARLOS BATISTA contra decisão da minha lavra que determinou o arquivamento sumário de reclamação disciplinar formulada pelo recorrente em desfavor de WILLIAN SILVA, PEDRO VALLS FEU ROSA, ELISABETH LORDES e EWERTON SCHWAB PINTO JÚNIOR, Desembargadores da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, à motivação de que a reclamação se volta contra atos de natureza jurisdicional, o que não se enquadra no âmbito das atribuições do CNJ, conforme art. 103- B, § 4º, da Constituição Federal (Id 4441940).

O recorrente, invocando jurisprudência do CNJ acerca do cabimento de reclamação disciplinar contra ato judicial, sustenta que “os magistrados (as) que constam no polo passivo da Reclamação Disciplinar, não obstante as oportunidades através do recurso de apelação criminal e de 02 (dois) recursos de embargos de declaração; reiteradamente, descumpriram seus deveres funcionais, ante os vícios de corporativismo, abuso de poder, arbítrio, e falta de fundamentação".

Afirma que “o v. acórdão e votos objurgados, por descumprimento de deveres funcionais (artigo 103-B, §§ 4º e 5º, CF 1988; e Resolução nº 135 de 13.7.2011 do CNJ); que NÃO enfrentou as teses de CONTRADIÇÃO, OMISSÃO, OBSCURIDADE, AMBIGUIDADE e FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO dos declaratórios primevos no recurso de apelação criminal".

Elenca fatos do processo, transcreve a sentença judicial proferida e sustenta a existência de obscuridade no julgado, além de omissão e cerceamento de defesa, bem como ambiguidade e parcialidade do juízo, aduzindo que os votos foram proferidos sem fundamentação, em ofensa ao artigo 93, IX, da CF.

Sustenta que os magistrados reclamados descumpriram deveres funcionais e que a decisão recorrida é teratológica e nega vigência à LOMAN, ao CPC, ao CP e à CF.

Requer o provimento do recurso administrativo com a suspensão dos magistrados e a anulação do acórdão e dos votos proferidos no recurso de embargos de declaração opostos na apelação criminal, com o acolhimento das teses que afastam o estelionato e a apropriação indébita, declarando a absolvição do recorrente, entre outas providências no âmbito do processo penal.

Contrarrazões apenas pelo reclamado EWERTON SCHWAB PINTO JÚNIOR, juntadas sob o Id 4476581.

É o relatório.

A14/Z09

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA (Relatora):

Conforme já ressaltado na decisão recorrida, o Conselho Nacional de Justiça possui competência adstrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não podendo intervir em decisão judicial com o intuito de reformá-la ou invalidá-la. 

Com efeito, a revisão de ato judicial não se enquadra no âmbito das atribuições do CNJ, nos termos do art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal.

No presente caso, ao que se tem, a insurgência em exame efetivamente evidencia mera insatisfação com o conteúdo do acórdão lavrado pelos reclamados nos autos da Ação Penal nº 0093185- 42.2010.8.08.0035 que, ao rejeitarem os embargos de declaração opostos, teriam incorrido em omissão, contradição, obscuridade, ambiguidade e falta de fundamentação.

E, em casos tais, o interessado deve buscar os meios de impugnação previstos na legislação processual, não cabendo a simultânea intervenção desta Corregedoria Nacional de Justiça. 

Nesse sentido, colhem-se os seguintes julgados:

RECURSO ADMINISTRATIVO EM PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. MATÉRIA DE NATUREZA EMINENTEMENTE JURISDICIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME. 1. O que se alega contra a magistrada, conforme decisão ora recorrida, classifica-se como matéria estritamente jurisdicional, qual seja, concessão de liminar extra petita, porquanto  em nenhum momento a autora pediu imissão na posse do imóvel, tampouco “que o pagamento do valor das chaves se desse sem juros e multa”.  Em tais casos, deve a parte valer-se dos meios processuais adequados, não cabendo a intervenção do Conselho Nacional de Justiça. 2. O CNJ, cuja competência está restrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não pode intervir em decisão judicial para corrigir eventual vício de ilegalidade ou nulidade, porquanto a matéria aqui tratada não se insere em nenhuma das previstas no art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal. Recurso administrativo improvido.(CNJ - RA – Recurso Administrativo em RD - Reclamação Disciplinar - 0009003-42.2019.2.00.0000 - Rel. HUMBERTO MARTINS - 63ª Sessão Virtual - julgado em 17/04/2020).

RECURSO ADMINISTRATIVO EM PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. MATÉRIA DE NATUREZA JURISDICIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME. DESVIO DE CONDUTA. INEXISTENTE. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. A análise dos fatos narrados neste expediente refere-se a exame de matéria eminentemente jurisdicional. Em tais casos, deve a parte valer-se dos meios processuais adequados, não cabendo a intervenção do Conselho Nacional de Justiça. 2. Com efeito, a invocação de correção do alegado equívoco jurídico do magistrado (error in procedendo ou error in judicando), na condução do processo, deve ser requerida pela via jurisdicional. 3. Não ficou demonstrada teratologia que justifique a intervenção correcional. 4. Recurso administrativo a que se nega provimento. (CNJ - RA – Recurso Administrativo em PP - Pedido de Providências - Corregedoria - 0000200-02.2021.2.00.0000 - Rel. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA - 89ª Sessão Virtual - julgado em 25/06/2021).

Demais disso, conforme já ressaltado, nos termos do entendimento do Conselho Nacional de Justiça, é inadmissível a instauração de procedimento disciplinar quando inexistentes indícios ou fatos que demonstrem que o magistrado tenha descumprido deveres funcionais ou incorrido em desobediência às normas éticas da magistratura.  

Decerto, os procedimentos disciplinares não podem ter prosseguimento em hipóteses circunscritas a simples ilações, referências genéricas, conjecturas pessoais, pois a instauração de PAD pressupõe que as imputações tenham sido respaldadas por provas ou indícios que evidenciem a prática de condutas ilícitas por parte do magistrado.  

No presente caso, ao que se extrai da própria letra da reclamação formulada, não há indícios que demonstrem que os magistrados reclamados tenham descumprido seus deveres funcionais ou incorrido em desobediência às normas éticas da magistratura.

Com efeito, não há justa causa ou razoabilidade para instauração de procedimento administrativo disciplinar.

A propósito, a demonstração de justa causa é requisito essencial para a instauração de PAD, conforme reiterada jurisprudência do Conselho Nacional de Justiça:   

“RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. AUSÊNCIA DE CONDUTA ILÍCITA. NÃO DEMONSTRADO ELEMENTO SUBJETIVO DA CONDUTA. ART. 8º, INCISO I, DO REGIMENTO INTERNO DA CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA. 1. Exame de matéria eminentemente jurisdicional. Impossibilidade de análise do acerto ou desacerto das decisões jurídicas pela via correcional. 2. Em âmbito administrativo-disciplinar, é necessário que se leve em conta o caso concreto e o elemento subjetivo da conduta do magistrado para verificação da existência de indícios de desvio de conduta na prática de ato jurisdicional, o que não se verifica neste caso. 3. O art. 8º, inciso I, do Regimento Interno da Corregedoria Nacional de Justiça exige o arquivamento sumário das reclamações que, entre outras, se apresentem manifestamente improcedentes. 4. Não há justa causa ou razoabilidade para instauração de procedimento administrativo disciplinar. 5. Ausência de infringência aos deveres funcionais ou de conduta ilícita da magistrada. Recurso administrativo improvido.” (CNJ - RA – Recurso Administrativo em RD - Reclamação Disciplinar - 0008092-30.2019.2.00.0000 - Rel. HUMBERTO MARTINS - 62ª Sessão Virtual - julgado em 27/3/2020)  

Dessa forma, há que se manter o arquivamento da presente reclamação disciplinar.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso administrativo. 

É o voto.