ACÓRDÃO

Após o voto da Conselheira Vistora, o Conselho, por maioria, não ratificou a liminar, nos termos do voto da Conselheira Jane Granzoto. Vencidos os Conselheiros Marcos Vinicius Jardim Rodrigues (Relator), Sidney Madruga, João Paulo Shoucair, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Lavrará o acórdão a Conselheira Jane Granzoto. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário Virtual, 30 de setembro de 2022. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: REVISÃO DISCIPLINAR - 0004901-69.2022.2.00.0000
Requerente: WOLFGANG WERNER JAHNKE
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ - TJPR


RELATÓRIO

           

 

 

 

Trata-se de Revisão Disciplinar (RevDis), com pedido liminar, proposta pelo Juiz de Direito Wolfgang Werner Jahnke, visando a reforma do acórdão proferido pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR) que julgou procedente o Processo Administrativo Disciplinar (PAD) n.  54863-29.2020.8.16.6000 e o sancionou a pena de disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço.

O pedido de revisão fundamenta-se na contrariedade da decisão “a texto expresso de lei, à evidência dos autos e a ato normativo do Conselho Nacional de Justiça”.

Em 22/08/2022, considerando presentes os requisitos autorizantes (fumaça do direito e perigo da demora), deferi o pleito liminar para suspender os efeitos do acórdão condenatório até decisão final nesta RevDis (decisão Id 4831053).

Em atenção ao art. 25, XI, do Regimento Interno do CNJ (RICNJ), submeto à apreciação do Egrégio Plenário a decisão para ratificação.

É o relatório.

Brasília, 26 de agosto de 2022.

 

Conselheiro Marcos Vinícius Jardim

                 Relator

 

 

VOTO DIVERGENTE

Adoto o relatório do Conselheiro Marcos Vinícius Jardim lançado no procedimento em análise.

A presente Revisão Disciplinar foi proposta pelo magistrado Wolfgang Werner Jahnke em face da decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR) no julgamento do Processo Administrativo Disciplinar (PAD) 0054863-29.2020.8.16.6000 que lhe aplicou a pena de disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço. Em caráter liminar, o requerente pediu a suspensão cautelar do acórdão condenatório com o consequente retorno às atividades judicantes.

Nos termos da decisão Id4831053, diante de indícios de inadequação da penalidade aplicada pelo Tribunal, o Eminente Relator constatou a presença da plausibilidade do direito. Quanto ao perigo da demora, foi apontada a iminência de efetivação da sanção.

Pedi vista para melhor examinar os autos e, concluída a análise, peço vênia ao Conselheiro Relator para não referendar a decisão cautelar pelos motivos expostos a seguir.

Em minha compreensão, no exame superficial da matéria, próprio desta fase processual, não há elementos para fundamentar a concessão da medida liminar.

É de rigor registrar que, em sua essência, as providências acauteladoras se destinam a impedir a ocorrência de danos irreparáveis ou de difícil reparação. Em outros termos, é preciso que seja demonstrado, de plano e de forma indene de dúvidas, que o direito reivindicado é verossímil e, além disso, que a manutenção do ato impugnado irá comprometer o resultado útil do processo.

Além disso, deve ser registrado que, no âmbito de revisões disciplinares, o entendimento deste Conselho é o de preservar a autonomia dos Tribunais e prestigiar as decisões por eles proferidas, de modo que a concessão de liminares somente é admissível na presença de graves violações ao devido processo legal. Nesse sentido, destaco o seguinte precedente:  

REVISÃO DISCIPLINAR. JUIZ DE DIREITO. PENALIDADES. REMOÇÃO COMPULSÓRIA E DISPONIBILIDADE. RATIFICAÇÃO DA TUTELA DE URGÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DO FUMUS BONI IURIS. GRAVIDADE DAS INFRAÇÕES. FALTA INJUSTIFICADA AO TRABALHO. CESSÃO DO CARTÃO DE ASSINATURA AOS SERVIDORES. CONDUTA REITERADA. LIMINAR NÃO REFERENDADA. 1. In casu, a liminar foi concedida para suspender o provimento do cargo de entrância final da 1ª Vara de Ferraz de Vasconcelos/SP visando assegurar o resultado útil do provimento final. 2. Ausente, contudo, um dos requisitos autorizadores à concessão da medida postulada, qual seja, o fumus boni iuris, porquanto a sanção disciplinar foi imposta ao requerente pelo Órgão Especial do TJSP, sob a fundamentação de graves e reiteradas condutas, que justificaram a aplicação das penalidades de remoção compulsória e de disponibilidade. 3. A revisão dos processos disciplinares é cabível em três hipóteses: quando a decisão for contrária a texto expresso da lei, à evidência dos autos ou a ato normativo do CNJ; quando se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos ou quando, após a decisão, surgirem fatos novos ou novas provas ou circunstâncias que determinem ou autorizem modificação da decisão proferida pelo órgão de origem (RICNJ, art. 83). 4. Somente graves e fundadas razões – as quais não antevejo na espécie, ao menos neste juízo de cognição sumária - poderiam conduzir este órgão superior de controle a intervir, mesmo que provisoriamente, no exercício da autonomia constitucional do Tribunal de Justiça e na sua prerrogativa de prover os cargos de juiz de carreira da respectiva jurisdição (CF, art. 96, I, c). 5. Liminar não referendada. (CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0004007-98.2019.00.0000 - Rel. DIAS TOFFOLI - 53ª Sessão Virtual - julgado em 26/09/2019, grifamos)

Em juízo de delibação preliminar, não despontam indicativos de flagrantes nulidades no PAD 0054863-29.2020.8.16.6000 que, em princípio, poderiam justificar a adoção da providência acauteladora.

A documentação acostada aos autos denota que a cominação da sanção ao magistrado Wolfgang Werner Jahnke, em tese, encontra arrimo na legislação de regência e nos fatos apurados ao longo da instrução do procedimento disciplinar. Infere-se do acórdão proferido no PAD 0054863-29.2020.8.16.6000 (Id4820877, fl. 69/95) que a sanção administrativa foi aplicada em virtude de atrasos injustificáveis em dezenas de processos, prolação de decisões sem fundamentação e da comprovação da desídia.

Desse modo, o exame preambular dos autos não permite corroborar os argumentos deduzidos na inicial que sustentam a alegação de inexistência de motivos para configuração da infração funcional.

Todavia, para concessão da medida liminar, o Ilustre Relator assinalou que a condição de saúde do requerente registrada em laudo médico psiquiátrico não foi considerada pelo TJPR para aplicação da penalidade, surgindo daí a plausibilidade do direito. Para configuração do periculum in mora, a decisão Id4831053 registrou a iminência da aplicação da sanção administrativa.

Renovando o pedido de vênia, entendo que a análise do pedido cautelar não comporta a emissão de juízo de valor acerca de provas produzidas no curso da instrução do processo administrativo disciplinar e avaliação da dosimetria da pena. Estas questões, a meu sentir, constituem o mérito desta Revisão Disciplinar.

Sem embargo aos judiciosos fundamentos da decisão Id4831053, não diviso a possibilidade de sobrestar a penalidade imposta ao requerente diante de suposto erro do TJPR na valoração da prova pericial produzida no PAD 0054863-29.2020.8.16.6000 ou em razão da desproporcionalidade da sanção. O reconhecimento de tais circunstâncias exige a incursão no arcabouço probatório e esta medida é incompatível com o rito da tutela de urgência.

Desse modo, não vislumbro a presença da plausibilidade do direito reclamada para concessão da medida liminar. Reputo não ser o momento processual adequado para analisar com profundidade provas para eventual constatação da inadequação da sanção ou equívoco na dosimetria da pena, uma vez que, a meu ver, tais medidas representam o julgamento prematuro do feito.

Nesse contexto, ausente o fumus boni iuris, não há falar em perigo da demora, porquanto a análise perfunctória dos autos não denotou a presença de incontestáveis ilegalidades na decisão proferida no PAD 0054863-29.2020.8.16.6000. Por consequência, sem que tenha sido demonstrada irregularidade passível de reconhecimento prima facie, não há motivos para impedir o TJPR exerça sua autonomia constitucional e efetive a penalidade aplicada em processo administrativo disciplinar cuja higidez não foi infirmada de pronto, ainda que por meros indícios. 

Ante o exposto e reiterando o pedido de escusas, divirjo do Eminente Relator para não ratificar a liminar Id4831053 na forma da fundamentação acima. 

É como voto.

 

Brasília, data registrada no sistema. 

 

Jane Granzoto

Conselheira

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: REVISÃO DISCIPLINAR - 0004901-69.2022.2.00.0000
Requerente: WOLFGANG WERNER JAHNKE
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ - TJPR

 


VOTO

          

 

 

Em atenção ao art. 25, inciso XI, do Regimento Interno do CNJ, submeto à apreciação do Plenário a decisão por mim proferida em 22/08/2022 (Id 4831053), na qual concedi medida liminar suspensiva dos efeitos do acórdão proferido pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná que aplicou, ao ora requerente, a pena de disponibilidade com vencimentos proporcionais, até o julgamento de definitivo deste processo.

 

A decisão liminar foi sistematizada nos seguintes termos:

 

Trata-se de Revisão Disciplinar (RevDis), com pedido liminar, proposta pelo Juiz de Direito Wolfgang Werner Jahnke visando a reforma do acórdão proferido pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJRJ) que julgou procedente o Processo Administrativo Disciplinar (PAD) n.  54863-29.2020.8.16.6000 e aplicou-lhe a penalidade de disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço.

Os fatos imputados ao requerente referem-se a atrasos injustificados na prestação jurisdicional e foram assim resumidos na Portaria que deflagrou o processo disciplinar (Id 4820873, p. 520–523, de 29/07/2020):

 

Em 25.9.2015, o Corregedor-Geral da Justiça à época, Des. Eugênio Achille Grandinetti, determinou a abertura de Protocolo Individual de monitoramento da Atividade Jurisdicional do referido Magistrado em razão da existência de 84 (oitenta e quatro) processos conclusos por mais de 100 (cem) dias, consoante informação contida no SEI nº 0056887-06.2015.8.16.6000.

Em 14.7.2017, houve o arquivamento em razão da regularização, já que o Magistrado não possuía mais processos conclusos com prazo superior a 100 (cem) dias aptos a justificar a continuidade do monitoramento. Contudo, em 23.11.2017, promoveu-se nova abertura do Protocolo Individual de Monitoramento de Magistrado no Sistema Projudi diante da existência de 14 (quatorze) processos conclusos em excesso de prazo. Após, em 22.1.2018, arquivou-se novamente o expediente.

Todavia, em 17.10.2018 (mov. 12), ocorreu a reabertura do aludido monitoramento diante da existência de 38 (trinta e oito) processos conclusos.

Entretanto, desde então o Núcleo de Estatística e Monitoramento da Corregedoria (NEMOC) informa acerca da existência de processos conclusos há mais de 100 (cem) dias, de modo que houve um aumento expressivo do número de processos em atraso no decorrer do período de 2015 a 2020 (com apenas dois arquivamentos pontuais).

Destaca-se que, em 30.4.2020, este era o número de processos conclusos por mais de 100 (cem) dias: [541]

(...)

Frisa-se, também, que os feitos mais antigos com o MM. Juiz de Direito datam de 4.6.2018, ou seja, estão paralisados por 562 (quinhentos e sessenta e dois dias). (3) Dentre os 50 (cinquenta) processos conclusos do ano de 2018, 26 (vinte seis) contêm decisões que foram assinadas com a seguinte mensagem "Insira o texto aqui".

 

O PAD foi julgado na sessão de 11/04/2022, em que o Órgão Especial do TJPR reconheceu a “materialidade da infração administrativa consistente, em suma, no atraso injustificado na prestação jurisdicional, condenando-se o requerido a pena de disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, por unanimidade de votos”. Confira-se a ementa do acórdão (Id 4820877, p. 69-95, publicado em 27/04/2022):

 

Processo administrativo disciplinar em face de magistrado. Atrasos em dezenas de processos, conclusos há mais de 100 dias. Prolação de decisões sem fundamentação em 26 feitos. Oportunizada a regularização, o magistrado se manteve inerte. Abertura do processo administrativo disciplinar por ofensa aos arts. 35, incisos I, II, III, da LOMAN; arts. 20 e 24, ambos do Código de Ética da Magistratura Nacional; e arts. 5°, inciso LXXVIII, e 93, inciso IX, da Constituição Federal. Defesa calcada no quadro depressivo. Perícia médica que aponta semi-imputabilidade. Magistrado que compreendia o caráter ilícito, mas pela doença, tinha comprometida sua capacidade de autodeterminação. Diligência para verificar se houve correção dos vícios. Resposta da NEMOC pela sanação, apontando que outro magistrado proferiu decisões fundamentadas e o requerido apenas corrigiu em parte os atrasos, num prazo bem elevado.

Configuração dos ilícitos funcionais. Atrasos injustificáveis. A correção parcial, num prazo elevado, não desconstitui o ilícito. Depressão que não elide a prática infracional. Diversas oportunidades de correção, com inércia do magistrado.

Decisões desprovidas de fundamentação que somente foram corrigidas por outro magistrado. Desídia demonstrada.

Aplicação de disponibilidade justificada no caso concreto. Pena mais grave (aposentadoria) incabível. Ausência de

punição anterior e quadro de semi-imputabilidade. Penas mais leves também inaplicáveis. Gravidade da conduta,

somada a inércia para correção dos vícios. Permanência no exercício da judicatura que se revela prejudicial à prestação jurisdicional. Reprimenda que leva em consideração a semi-imputabilidade apontada em perícia médica, e a necessidade de busca por tratamento médico adequado e efetivo.

Procedência da acusação, com imposição de pena de disponibilidade, com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço. (Grifou-se) 

 

O pedido de revisão fundamenta-se na contrariedade da decisão “a texto expresso de lei, à evidência dos autos e a ato normativo do Conselho Nacional de Justiça”.

Expõe o requerente ser juiz de direito do Estado do Paraná desde 11/11/1996, titular do 5º Juizado Especial do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba desde 2009, com atribuições cível e criminal, e nunca ter sido apenado administrativamente.

Afirma estar acometido por transtorno depressivo desde 2012, conforme constatado em incidente de insanidade mental. Em complemento, indica que, apesar de ter se afastado uma única vez por 30 dias, teve sua capacidade laboral reduzida desde então.

Defende, diante disso, que os excessos de prazo constatados não resultam de desídia, mas de redução da sua capacidade laborativa, ocasionada pela doença parcialmente incapacitante, e que não houve dolo de sua parte, o que afastaria a tipicidade das condutas.

Aduz não haver provas de que os atrasos constatados teriam causado “prejuízo excepcional ou significativo às partes” dos processos em trâmite perante o juizado.

Alega que o acórdão violou o disposto no art. 24 do Regulamento Geral da Corregedoria Nacional de Justiça (Portaria 211, de 10/08/2009) que estabelece: “se restar, desde logo, justificado o excesso de prazo ou demonstrado que não decorreu da vontade ou de conduta desidiosa do magistrado, o Corregedor arquivará a representação”.

Assevera que o TJPR desconsiderou a gravidade da doença que atinge, segundo o magistrado, mais de 300 milhões de pessoas no mundo e grande parcela de magistrados, além de estar entre as cinco principais causas de afastamento do trabalho no Brasil.

Explica que um dos fundamentos para a aplicação da penalidade de disponibilidade foi a “necessidade de recuperação” de sua saúde, a evidenciar patente ilegalidade, considerando não ser a sanção a medida destinada a tal finalidade.

Nesse contexto, frisa a desproporcionalidade da pena, por ser excessivamente grave em relação aos fatos apurados, a qual tem sido aplicada, entre outros casos, a magistrados claramente desidiosos, não acometidos por doenças incapacitantes.

Pede, liminarmente, a suspensão do acórdão impugnado, até julgamento final da Revisão Disciplinar. No mérito, requer sua absolvição dos fatos imputados ou, subsidiariamente, a aplicação da penalidade de advertência ou censura.

Intimado, o TJPR prestou informações sobre o processamento do PAD e juntou cópia integral deste (Ids 4820889, 4820873 e seguintes).

É o relatório.

Fundamentação 

De acordo com o Regimento Interno do CNJ (art. 25, XI), compete ao Relator “deferir medidas urgentes e acauteladoras, motivadamente, quando haja fundado receio de prejuízo, dano irreparável ou risco de perecimento do direito invocado, determinando a inclusão em pauta, na sessão seguinte, para submissão ao referendo do Plenário”.

Para o deferimento da medida, é indispensável a presença simultânea dos seguintes requisitos: i) o perigo da demora (periculum in mora), que deve considerar o risco de dano próximo e/ou da ineficácia da decisão, caso seja proferida apenas ao final da instrução processual; ii) a plausibilidade do direito alegado (fumus boni iuris), considerando os elementos de informação coligidos aos autos.

No caso em apreço, verifica-se a existência de ambos os requisitos necessários à suspensão do decisum condenatório.

A plausibilidade do direito evidencia-se a partir de duas situações: a constatação de que o requente estava acometido por doença capaz de reduzir sua capacidade laborativa, e a potencial desproporcionalidade da pena de disponibilidade em relação aos fatos constatados.

Quanto ao primeiro ponto, o parecer médico psiquiátrico (Id 4820877, p. 27-39) evidencia que, de fato, o requerente foi diagnosticado com “transtorno de personalidade anancástica com comorbidade com transtorno depressivo recorrente”, e é claro ao concluir que essa condição “explica o prejuízo laboral do magistrado em tela, tendo em vista que devido às características próprias de sua personalidade já demandava tempo excessivo para manter seus padrões rígidos de perfeccionismo, e com a sobreposição de sintomas depressivos isso se tornou tarefa basicamente impossível”. Confira-se, por oportuno:

Os dados atualmente disponíveis permitem concluir que o Periciado manifesta sintomas de transtorno de personalidade anancástica com comorbidade com transtorno depressivo recorrente.

O DSM-5 (MANUAL DIAGNÓSTICO E ESTATÍSTICO DE

TRANSTORNOS MENTAIS) descreve o transtorno de personalidade anancástica (ou obsessivo-compulsiva) da seguinte maneira:

Um padrão difuso de preocupação com ordem, perfeccionismo e controle mental e interpessoal à custa de flexibilidade, abertura e eficiência que surge no início da vida adulta e está presente em vários contextos, conforme indicado por quatro (ou mais) dos seguintes:

1. É tão preocupado com detalhes, regras, listas, ordem, organização ou horários a ponto de o objetivo principal da atividade ser perdido;

2. Demonstra perfeccionismo que interfere na conclusão de tarefas (p.ex., não consegue completar um projeto porque seus padrões próprios demasiadamente rígidos não são atingidos);

3. É excessivamente dedicado ao trabalho e à produtividade em detrimento de atividades de lazer e amizades (não explicado por uma óbvia necessidade financeira);

4. É excessivamente consciencioso, escrupuloso e inflexível quanto a assuntos de moralidade, ética ou valores (não explicado por identificação cultural ou religiosa);

5. É incapaz de descartar objetos usados ou sem valor mesmo quando não têm valor sentimental;

6. Reluta em delegar tarefas ou trabalhar com outras pessoas a menos que elas se submetam à sua forma exata de fazer as coisas; 

7. Adota um estilo miserável de gastos em relação a si e a outros; o dinheiro é visto como algo a ser acumulado para futuras catástrofes;

8. Exibe rigidez e teimosia.”

(...)

Com o surgimento de sintomas depressivos concomitantes, algumas das características de sua personalidade passaram a ser um problema na sua produtividade.

Pela CID-10 (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde), o código F33 - transtorno depressivo recorrente se caracteriza por “ocorrência repetida de episódios depressivos, tal como descrito em episódio depressivo grave”.

Episódio depressivo grave, pela CID-10, caracteriza-se por “rebaixamento do humor, redução da energia e diminuição da atividade. Existe alteração da capacidade de experimentar o prazer, perda de interesse, diminuição da capacidade de concentração, associadas em geral à fadiga importante, mesmo após esforço mínimo. Observam-se em geral problemas do sono e do apetite. Existe quase sempre uma diminuição da auto-estima e da autoconfiança e freqüentemente idéias de culpabilidade e ou de indignidade. O humor depressivo varia pouco de dia para dia ou segundo as circunstâncias. Idéias e atos suicidas são comuns.

A comorbidade de sua personalidade anancástica com o quadro depressivo explica o prejuízo laboral do magistrado em tela, tendo em vista que devido às características próprias de sua personalidade já demandava tempo excessivo para manter seus padrões rígidos de perfeccionismo, e com a sobreposição de sintomas depressivos isso se tornou tarefa basicamente impossível. (Destaques originais)

 

No entanto, não parece que o TJPR efetivamente considerou a condição de adoecimento do requerente na dosimetria da pena, a ensejar possível inadequação da penalidade aplicada.

 

Conforme relatado, as condutas ensejadoras da condenação referem-se a: a) decisões desprovidas de fundamentação em 26 processos; e b) atraso de mais de 100 dias em 541 feitos.

 

Na fundamentação do acórdão revisando, o TJPR concluiu que, no tocante aos 26 processos, a correção do vício foi realizada por outro magistrado; em relação aos atrasos, apesar de reconhecer que “maior parte (53%) tenha sido corrigida pelo requerido”, considerou que os atrasos não foram justificados e que a “depressão não serve para explicar uma demora de 745 dias de conclusão”, tendo em vista que “a semi-imputabilidade do requerido” permitiu-lhe compreender “o caráter ilícito da conduta”.

Depreende-se da decisão impugnada que a condenação decorreu de avaliação acerca do grau da enfermidade do requerente: se era ou não suficiente para retirar-lhe a compreensão do caráter ilícito da conduta, em análise objetiva sobre a imputabilidade prevista no artigo 26[1] do Decreto-Lei n. 2.848, de 7/12/1940 (Código Penal), e se, por isso, poderia ou não ser responsabilizado pelos fatos.

Entretanto, enunciar a depressão apenas com viés causador de possível inimputabilidade, desconsiderando toda sua complexidade me parece desmerecer o enfrentamento condizente com a questão deveras sensível.

Segundo a Cartilha Saúde mental e trabalho no Judiciário, editada pelo CNJ:

A partir de dados levantados em 2017 pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), concluiu-se que a depressão e o estresse ocupacional estão entre as cinco principais causas de afastamento do trabalho no Brasil. A Organização Mundial de Saúde (OMS) alerta que, até 2020, a depressão será a doença mais incapacitante do mundo. Já a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) estima que entre 20% e 25% da população tiveram, têm ou terão um quadro de depressão em algum momento da vida[2].

 

Dessa forma, em juízo de cognição sumária, vislumbra-se que a doença do requerente não foi considerada pelo Tribunal paranaense com a devida importância, ao analisar os recorrentes atrasos nos andamentos processuais, a sugerir possível desproporcionalidade na sanção imposta.

 

Outro fundamento para aplicação da disponibilidade ao magistrado, conforme expresso no decisum revisando, foi o de que “o necessário período de inatividade temporária poderá possibilitar ao Magistrado melhores condições para se submeter a tratamento voltado a recuperação de sua saúde mental e futuro retorno ao exercício regular das atividades judicante”.

Há de se considerar, porém, que o afastamento adequado e necessário à recuperação da saúde de qualquer trabalhador é a licença para tratamento da saúde e não seu afastamento punitivo, decorrente da disponibilidade.

Observa-se, portanto, mais um motivo indicador da inadequação da pena imposta ao requerente, a guarnecer suas alegações de plausibilidade suficientes para suspender cautelarmente os efeitos do acórdão condenatório.

Além disso, convém destacar que este Conselho, em casos de morosidade na prestação jurisdicional, tem adotado regras distintas quanto à penalidade ora sob análise: ora tem reconhecido a adequação da disponibilidade, quando inexistente motivo a justificar a morosidade e presentes condenações anteriores[3]; ora tem reputado adequada a aplicação da sanção disciplinar de censura[4].

 

Quanto ao perigo da demora, verifica-se que, uma vez finalizado o julgamento do PAD, a pena de disponibilidade está em vias de ser executada, com o afastamento do requerente de suas funções jurisdicionais e, ainda, a redução de seu subsídio.

Nesse caso, ao se cogitar de possível procedência do pedido formulado nestes autos, a produção dos efeitos do acórdão revisando causar-lhe-ia graves prejuízos, sobretudo de ordem financeira.

Por outro lado, eventual improcedência do pedido em nada prejudicaria o cumprimento da penalidade, que seria apenas postergado, na hipótese de sua manutenção.

Dispositivo

Diante do exposto, com supedâneo nos fundamentos acima alinhavados, entendo presentes os requisitos autorizadores da medida de urgência pleiteada, razão pela qual DEFIRO O PEDIDO LIMINAR PARA DETERMINAR A SUSPENSÃO DOS EFEITOS DO ACÓRDÃO proferido pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná que aplicou ao requerente a pena de disponibilidade com vencimentos proporcionais, até o julgamento de definitivo do feito.

Nos termos do art. 25, XI, do Regimento Interno do CNJ, inclua-se o presente feito em pauta, na primeira oportunidade, para submissão desta decisão ao referendo do Plenário.

 

Diante do exposto, reiterando os fundamentos acima transcritos, proponho a ratificação da decisão.

É o voto que submeto ao egrégio Plenário

 

Conselheiro Marcos Vinícius Jardim

Relator



[1] Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

[2]Brasil. Conselho Nacional de Justiça. Saúde mental e trabalho no Judiciário. 2019. Disponível em: <https://saude.trt5.jus.br/sites/default/files/intra/cartilha_saude_mental_e_trabalho_no_poder_judiciario_2019_08_27.pdf>, acesso em 21 ago. 2022.

[3] CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0006489-82.2020.2.00.0000 - Rel. CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM - 336ª Sessão Ordinária - julgado em 17/08/2021.

[4] CNJ - PAD - Processo Administrativo Disciplinar - 0000057-13.2021.2.00.0000 - Rel. MÁRIO GUERREIRO - 339ª Sessão Ordinária - julgado em 05/10/2021.