Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: REVISÃO DISCIPLINAR - 0001366-35.2022.2.00.0000
Requerente: REJANE EIRE FERNANDES ALVES
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ - TJCE

 

REVISÃO DISCIPLINAR. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR INSTAURADO EM DESFAVOR DE MAGISTRADA. VIOLAÇÃO DO ART. 35, I, II E III, DA LOMAN, E ART. 20 DO CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA. FALTA DISCIPLINAR COMPROVADA. MOROSIDADE PROCESSUAL. COMPORTAMENTO NEGLIGENTE E OMISSO EM RELAÇÃO À EQUIPE DE TRABALHO. APLICAÇÃO DA PENA DE CENSURA. INEXISTÊNCIA DE CONTRARIEDADE À EVIDÊNCIA DOS AUTOS. CONCLUSÃO QUE SE COADUNA COM O ACERVO PROBATÓRIO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO REVISIONAL.

1. Revisão disciplinar proposta contra acórdão do TJCE que aplicou à magistrada a pena de censura, por morosidade reiterada na prestação jurisdicional.

2. A decisão da Corregedoria Nacional de Justiça que manifesta o desinteresse daquele órgão censor em propor uma revisão de ofício não afasta o direito do(a) requerente de buscar a revisão do julgadomediante provocação”, como bem assenta o comando da Lei Maior (art. 103-B, § 4º, V, da Constituição Federal). Preliminar rejeitada. 

3. Havendo elementos que comprovam o comportamento omissivo da magistrada em relação à equipe, a falta de orientação quanto à condução dos feitos, a inexistência de fluxos de trabalho e a clara ausência de fiscalização posterior, descabe a tese de que o acórdão atacado seria contrário à evidência dos autos.

4. Além de a efetiva prestação jurisdicional ser corolário de uma gestão eficiente, é certo que essa gestão da unidade compete ao magistrado e se torna ainda mais crucial quando esse agente público conta com número reduzido de pessoal e servidores inexperientes, como ocorre na espécie.

5. “De nada adianta um juiz eficiente e célere no exercício de sua função se a sua Serventia ou Secretaria for lenta e desidiosa com os atos que devem ser praticados, dentro dos prazos estabelecidos pela lei”.

6. Constatado que há processos de 2013/2014, inclusive com prioridade legal, paralisados por longos períodos, é de se reconhecer a afronta aos princípios constitucionais da duração razoável do processo e do acesso à justiça.

7. A pretensão de utilizar a revisão disciplinar como sucedâneo recursal não só refoge ao escopo da classe processual, como encontra óbice nos julgados deste Conselho. 

8. Revisão disciplinar conhecida, porém, no mérito, julgado improcedente o pleito revisional.


 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, julgou improcedente a revisão disciplinar, nos termos do voto do Relator. Votou a Presidente. Declarou suspeição, o Conselheiro Mario Goulart Maia. Ausente, circunstancialmente, o Conselheiro Giovanni Olsson. Ausente, justificadamente, o Conselheiro Sidney Madruga. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário, 25 de abril de 2023. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins (Relator), Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Sustentaram oralmente: pela Requerente, a Advogada Julia D Alge Mont Alverne Barreto - OAB/CE 33.685/A; pela Interessada, o Advogado Robson Halley Costa Rodrigues - OAB/DF 67.827; e, pelo Requerido, o Juiz Auxiliar da Presidência Marcelo Roseno de Oliveira.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: REVISÃO DISCIPLINAR - 0001366-35.2022.2.00.0000
Requerente: REJANE EIRE FERNANDES ALVES
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ - TJCE


 

RELATÓRIO

 

Trata-se de Revisão Disciplinar proposta pela magistrada Rejane Eire Fernandes Alves contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE), que lhe aplicou a pena de censura (Id. 4638655).

Alega a requerente, em síntese, que o Processo Administrativo Disciplinar 8501208-36.2019.8.06.0026 foi instaurado na origem com o objetivo de apurar supostas condutas relacionadas à morosidade processual, à falta de diligência na fiscalização de unidade de acolhimento, à afronta às atribuições do Ministério Público e à extinção irregular de processos.

Afirma, contudo, que, após a instrução do feito, a Corte requerida teria concluído pela parcial procedência das imputações, por considerar comprovada apenas a “inobservância da celeridade, pontualidade e temporalidade para cumprimento dos prazos e solução dos processos”.

Sustenta, entretanto, que a alegada falta teria sido “erroneamente” reconhecida pelo TJCE, uma vez que as provas testemunhais e documentais revelariam a sua assiduidade e o efetivo exercício da função judicante.

Aduz, ainda, que o acúmulo de processos estaria relacionado a fatores externos, como a suposta perseguição de representante do Ministério Público Estadual, a deficiência das estruturas física e de pessoal e a distribuição desigual de feitos entre as varas da Comarca de Eusébio/CE.

Também relata que o julgamento promovido pelo Tribunal Cearense teria analisado taxa de congestionamento incorreta, bem como ignorado as providências buscadas perante a corregedoria local para a solução da distribuição de processos.

Diante de tais fatos, assevera que o acórdão combatido seria contrário à evidência dos autos e pugna pelo reconhecimento dos vícios existentes no julgado atacado, com a sua consequente absolvição (Id. 4638652).

Conclusos os autos, foi determinada a intimação da Corte requerida para que juntasse cópia integral do PAD, bem como apresentasse informações a respeito dos fatos relatados na RevDis e sobre o trânsito em julgado do acórdão rescindendo (Id. 4646938).

Em resposta, o TJCE juntou considerações acerca do feito disciplinar e colacionou cópia do PAD (Id. 4679895).

Concedido o prazo para razões finais, a Procuradoria-Geral da República manifestou-se pela improcedência do pleito, com manutenção da penalidade aplicada (Id. 4712458).

A requerente, por seu turno, reiterou os argumentos trazidos na inicial e renovou o pedido de procedência da RevDis (Id. 4739222).

Diante do teor da matéria, a Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (ANAMAGES) pleiteou o ingresso como terceira interessada e reiterou os argumentos e pedidos da magistrada (Id. 4731588). Referido ingresso foi deferido.

É o relatório.


Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: REVISÃO DISCIPLINAR - 0001366-35.2022.2.00.0000
Requerente: REJANE EIRE FERNANDES ALVES
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ - TJCE


 

VOTO

 

Conforme relatado, a presente Revisão Disciplinar foi proposta pela magistrada Rejane Eire Fernandes Alves contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE), que lhe aplicou a pena de censura, em razão da “estagnação e paralisação de demandas, causando evidente morosidade na prestação jurisdicional” (Id. 4638655, p. 106).  Confira-se a ementa do julgado (Id. 4638655):

EMENTA: PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. [...] VIOLAÇÃO DE DEVERES INSTITUCIONAIS DA MAGISTRATURA. COMPROVAÇÃO SUFICIENTE A JUSTIFICAR A PUNIÇÃO ADMINISTRATIVA. SEQUENCIAMENTO DE ATOS. 3. PENALIDADE PROPORCIONAL À CONDUTA. CENSURA. POSSIBILIDADE. ART. 4º DA RESOLUÇÃO Nº 135 DO CNJ E ART. 44 DA LOMAN.

1. Cuida-se de Processo Administrativo Disciplinar – PAD contra a magistrada Rejane Eire Fernandes Alves por ofensa ao art. 35, incisos II, III, IV, VII e VIII da Lei Complementar nº 35/79 (LOMAN), bem como dos arts. 20, 22, 25, 26, 37 e 39 da Resolução nº 60/2008 do Conselho Nacional de Justiça (Código de Ética da Magistratura), consubstanciado em violação às prerrogativas ministeriais e suspensão indevida de audiências, além de extinção irregular de processos, ausência de melhor atenção à casa de acolhimento de menores e paralisação indevida de demandas.

2. Inviável a intempestividade das razões finais ofertadas pelo Ministério Público se não restou comprovado o prejuízo causado pelo atraso ou a entrega dos autos no protocolo do órgão. Tema 959 do STJ.

3. É assegurado aos membros do Ministério Público, da Defensoria Pública e Advogados em geral o acesso aos autos para exame, nos termos da legislação vigente, ressalvados aqueles sujeitos às restrições legais e passíveis de retirada da unidade, cuja carga pode ser regulamentada pela autoridade judicial.

4. Dentre as prerrogativas do Ministério Público, o ato regulamentando o assento junto aos Juízes, à direita e no mesmo plano, deve ser relativizado, inexistindo ofensa ao privilégio se a unidade se acha instalada em situação física precária. Precedentes.

5. A extinção do processo ante a omissão da parte em suprir a indicação do patrono é viável por previsão legal, mercê do entendimento jurídico do Juiz, mormente se há omissão do Estado em indicar Defensor Público para atuar na comarca e há dificuldades na indicação de defensor dativo.

6. A emissão de certificado como critério de autorização para funcionamento de Casa de Acolhimento de Menores é ônus do magistrado da comarca e mostra-se adequada a conclusão negativa baseada em relatório de inspeção promovida pelo Conselho Municipal da Infância e da Juventude, que ressalta a falta de qualificação de pessoal e notícia de ocorrência de possível crime de natureza sexual aos acolhidos, demonstrando maiores cuidados no atendimento ao menor.

7. Ocorre evidente ofensa aos deveres do magistrado a inobservância da celeridade, pontualidade e temporalidade para cumprimento dos prazos e solução dos processos pelo Juiz, caracterizando infração administrativa prevista na Lei Orgânica da Magistratura e Código de Ética dos Magistrados.

8. O sequenciamento de falta disciplinar constitui circunstância agravante cometida pela magistrada, justificando a imposição de penalidade proporcional à conduta praticada, relativa, no caso, à censura. (grifos nossos) 

De acordo com a requerente, a revisão do referido acórdão seria necessária, porquanto a Corte requerida teria contrariado a evidência dos autos, ao desconsiderar que “os problemas de produtividade, na verdade, decorreram unicamente de fatores completamente alheios” à sua vontade (Id. 4638652).  

Ocorre que, quando se promove o acurado exame do PAD, o que avulta do feito não é alegada desconsideração de provas, mas, sim, a pretensão de utilizar esta RevDis como sucedâneo recursal.

I – DO CONHECIMENTO DA REVDIS 

Considerando que o acórdão impugnado transitou em julgado em 15/12/2021 (Id. 44680054, p. 13) e que o presente procedimento foi proposto em 9/3/2022 (Id. 4638652), a RevDis deve ser conhecida, visto que atendido o prazo decadencial estabelecido pelo art. 103-B, § 4º, V, da Constituição Federal. 

E assentada tal premissa, nem mesmo a preliminar suscitada pelo TJCE afigura-se hábil a obstar esse conhecimento. Com efeito, defende a Corte requerida que esta revisão não seria cabível e deveria ser arquivada de plano, porque o CNJ já teria reconhecido “a higidez do sobredito PAD no bojo da Reclamação Disciplinar nº 6162-79.2016.2.00.0000” (Id. 4679895, p. 9). 

A fim de sustentar a sua tese, o Tribunal invoca monocrática proferida pela então Corregedora Nacional de Justiça que, após ter sido comunicada do julgamento do PAD e da aplicação da pena (Portaria CNJ 34/2016 e à Resolução CNJ 135/2011), considerou que “a questão foi adequadamente tratada, sendo adequada e proporcional a sanção de censura aplicada”.

Ou seja, o argumento da Corte Cearense é fundado em manifestação que realmente evidencia concordância com o seu julgado e o desinteresse da citada autoridade censória em propor uma revisão de ofício. Todavia, não se pode desconsiderar que esse pronunciamento não afasta o direito de que dispõe a magistrada de provocar o Plenário do CNJ com o intuito de que o seu processo disciplinar seja revisto. 

É certo que a manifestação da então Ministra Corregedora tem robustez e corrobora a tese de improcedência defendida pelo TJCE, porém é igualmente certo que aquela decisão não se mostra capaz (nem tem a pretensão) de frustrar o preceito constitucional que assegura à requerente o direito de impugnar o aludido julgamento e buscar a sua revisãomediante provocação”, como bem assenta o comando da Lei Maior (art. 103-B, § 4º, V[1], da Constituição Federal).

Nessa perspectiva, não há dúvida de que a preliminar arguida deve ser rejeitada e que o caso é de conhecimento, sobretudo quando já assentou o CNJ que o que se perquire para o conhecimento da RevDis é tão somente o cumprimento do prazo constitucional para sua propositura e indicação, em tese, uma das hipóteses previstas no art. 83 do RICNJ, o que foi observado in casu:

REVISÃO DISCIPLINAR. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ - TJPA. PROCESSO N. 0001944-12.2019.8.14.0000. ARQUIVAMENTO DE PROPOSTA DE INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR - PAD. AUSÊNCIA DE QUÓRUM DE MAIORIA ABSOLUTA PARA ABERTURA. ART. 93, X, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART. 14, § 5º, DA RESOLUÇÃO CNJ N. 135 E ART. 82 DO REGIMENTO INTERNO DO TRIBUNAL. HIPÓTESE DE DECISÃO CONTRÁRIA À EVIDÊNCIA DOS AUTOS. INEXISTENTE. PROCEDÊNCIA DE INCIDENTE DE INSANIDADE MENTAL DA MAGISTRADA PROCESSADA. MANIFESTAÇÃO DO ÓRGÃO MINISTERIAL PELA PREJUDICIALIDADE E ARQUIVAMENTO DE PAD EM CURSO NO TRIBUNAL DE ORIGEM. CONHECIMENTO E IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO REVISIONAL.

1. Revisão Disciplinar comporta conhecimento sempre que cumprido o prazo constitucional para sua propositura e indicada, em tese, uma das hipóteses previstas no art. 83 do RICNJ.

2. Jurisprudência do CNJ consolidada no sentido de não perquirir, no julgamento de revisões disciplinares, a correção ou não da deliberação originária a partir da retomada da discussão em si, mas tão somente sob o enfoque das estritas hipóteses de cabimento.

[...]

8. Revisão Disciplinar conhecida e julgada improcedente. (grifos nossos)

(Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0006166-14.2019.2.00.0000 - Rel. Giovanni Olsson - 356ª Sessão Ordinária - julgado em 20/09/2022).

II – DO MÉRITO

Quando se avança, contudo, sobre a questão de fundo o cenário deixa de ser favorável à magistrada, já que não se constata a alegada dissonância entre o acórdão do TJCE e os elementos de prova, tampouco a desarrazoabilidade da pena aplicada. O quadro que exsurge é o de omissão da requerente e de má gestão da 3ª Vara da Comarca de Eusébio/CE, da qual era titular.

Decerto, colhe-se do PAD que, desde 2017, a situação daquela unidade judiciária mostra-se marcada por processos sem movimentação, entre os quais constam feitos referentes a criança e adolescentes e representações extintas devido ao implemento da maioridade. Observa-se, ainda, que toda essa morosidade chegou a gerar uma taxa de congestionamento de 92,08% na vara em 2019 (Id. 4679917, p. 42 a 44):

                                                        

                                                      

Também se extrai do feito disciplinar que a magistrada tinha conhecimento desses atrasos, porém se limitava a elaborar despachos genéricos destinados à assessoria, sem orientar a equipe sobre esses despachos e sem promover reuniões para definir um fluxo de trabalho que pudesse alterar a situação de mora verificada (Ids. 4679920, p. 57 e 4679917, p. 45):

Pois bem! Os depoimentos colhidos indicaram que a Sindicada constatava a morosidade nas inspeções internas e nas realizadas pela Corregedoria, limitando-se a proferir despacho descrito como bastante genérico, determinando aos servidores, maioria não formada em Direito, o impulso dos processos, sob pena de instauração de PAD, mas sem orientar sobre as providências concretas em cada caso identificado. (grifos nossos) 

 

                                                                                   

                 

Os depoimentos colhidos bem atestam que a morosidade identificada decorria dessa falta de orientação e fiscalização da magistrada, que considerava que o papel de gestão da vara cabia unicamente à supervisora da unidade (Id. 4638655, p. 84 e 85):

       Supervisora - Aline Guimarães Marques

[...] considera como resultado do número reduzido de funcionários e a necessidade permanente de aprendizado, o que afetou a produtividade e contribuiu para elevação do acervo processual.

Quanto à gestão administrativa da secretaria, relata que nunca houve reuniões para estabelecer rotinas de trabalho ou prioridades de expediente, ocorrendo resoluções pontuais de problemas surgidos no decorrer do processo, com orientações eventuais sempre direcionadas ao Supervisor ou Diretor da unidade. (grifos nossos) 

 

Supervisora - Maria Marfísia Silva de Souza

Expõe a depoente que não havia reuniões com a magistrada sobre o gerenciamento da unidade, ou mesmo um melhor diálogo sobre o impulso a ser dado aos processos, tendo o problema se agravado a partir da cobrança por parte do Ministério Público, primeiramente em pareceres e, após, em seguidas representações, as quais eram respondidas pela magistrada, que procurava sanar a origem da paralisação dando regular impulso aos processos reclamados. (grifos nossos)

No mesmo sentido, revela-se a manifestação do Parquet Estadual, que relata que a estagnação dos feitos estava relacionada ao descumprimento de determinações da magistrada (Id. 4638655, p. 83):

Sobre as representações por ela apresentadas, esclarece a nobre Promotora que optou por especificá-las para melhor fiscalização na análise de cada processo, sendo apresentadas de forma gradual e, na quase totalidade, relatavam paralisações na tramitação dos autos pelo não cumprimento das determinações e ausência de impulso oficial, justificada pelo grande número de audiências designadas, que dificultavam a confecção do expediente, gerando o cancelamento das sessões e acúmulo de demandas, findando por constituir enorme acervo na unidade. (grifo nosso)

Aliás, ao se defender nesta RevDis, a própria requerente procura se desincumbir da obrigação de gestão da unidade, ao afirmar que cumpria seu papel despachando, decidindo e sentenciando processos, mas que a gestão administrativa da vara era atribuição da supervisora (Id. 4638652, p. 12, 16 e 20):

[...] razão pela qual a magistrada despachava, decidia e sentenciava todos os processos, sem recorrer à ajuda dos servidores, justamente para que estes pudessem se desincumbir de suas tarefas, que não eram poucas.

[...]

63. Ainda assim, a fim de melhorar os serviços prestados pela unidade e dar efetividade à prestação jurisdicional almejada, a magistrada operou, por duas vezes, a modificação do responsável pela Direção de Secretaria, implementando, portanto, mudanças práticas em prol da melhoria da qualidade do serviço público local.

[...]

80. Alega ainda que não se verificou a função administrativa da magistrada a ser exercida na unidade sob sua responsabilidade, em que violou aos preceitos contidos na legislação acerca da condução e desenvolvimento do processo. 

81. Todavia, cumpre ratificar que a referida incumbência é de responsabilidade da Supervisora de Secretaria, e não da magistrada, sobretudo porque nenhum servidor da secretaria elaborava despachos, decisões ou sentenças, sendo humanamente impossível à magistrada desempenhar também as funções dos outros servidores além da sua própria, já absolutamente sobrecarregada, e considerando, primordialmente, a precária situação funcional da unidade, em termos de funcionários, de adequação do espaço física e de distribuição não equânime (comparativamente às demais varas da Comarca de Eusébio), como exposto. (grifos nossos)

Tanto é assim que não demonstra qualquer embaraço, ao ressaltar que o mero ato de trocar a supervisora representaria medida suficiente a buscar “a melhoria da qualidade do serviço público local”.

Ocorre que além de ser cediço que a efetiva prestação jurisdicional pressupõe uma gestão eficiente da unidade judiciária, é certo que tal atribuição compete ao magistrado e se torna ainda mais crucial quando esse agente público conta com número reduzido de pessoal e servidores inexperientes, como ocorre na espécie.

Nesse ponto, inclusive, é de se destacar a ponderação feita pelo Relator do PAD sobre a necessidade/dever do magistrado de promover uma gestão estratégica para fazer frente às dificuldades físicas e de pessoal enfrentadas em grande parte das varas cearenses (Id. 4638655, p. 89):

Deve ser considerado, no caso, que os problemas surgidos na gestão de processos não é privilégio de um só. Todos os magistrados estaduais são unânimes em reportar severos problemas estruturais e funcionais de suas unidades, sempre dificultando sobremaneira a boa prestação jurisdicional a seu cargo, sendo os mais comuns a carência de pessoal qualificado e estruturação física, muitas delas sem assentos adequados, ou até cadeiras para sentar, sem ar- condicionado ou simples ventiladores para amenizar o natural clima de nosso torrão, sem esquecer as iniciativas de informatização das unidades, essas, felizmente, aos poucos estão se ultimando em todo o estado.

A melhor opção, nestes casos, é administrar suas unidades da melhor forma possível, usando o bom senso, a criatividade, a experiência e as boas relações para melhor desempenho da difícil função a que se propôs. (grifos nossos) 

Não era essa, entretanto, a preocupação da magistrada que, mesmo admitindo a existência de processos em mora, procura justificar o atraso da prestação jurisdicional na suposta interrupção do seu fluxo de trabalho, provocada pelo excesso de representações disciplinares apresentadas pelo Ministério Público Estadual; no volume superior de feitos distribuídos à sua unidade; na incorreção da taxa de congestionamento levantada; e na carência e deficiência técnica de pessoal.

O que se observa, porém, é que não foram trazidas provas capazes de evidenciar que as reclamações do MP teriam sido a causa do problema, notadamente quando se verifica que esses feitos disciplinares se voltam contra uma mora já existente na vara.

Não há, outrossim, elementos que comprovem que a suposta distribuição desigual de processos teria impedido o atendimento célere das demandas, máxime porque, além de o conjunto probatório apontar essencialmente para a “morosidade do cumprimento das determinações emitidas” (Id. 4638655, p. 88), há dados que revelam a superioridade de processos distribuídos à 2ª Vara de Eusébio/CE em determinado momento (Id. 4679913, p. 8).

Quanto à taxa de congestionamento contestada (92,08%), mais uma vez não há provas que legitimem a tese defensiva de que, nesse percentual, teriam sido considerados processos já despachados/decididos que retornaram à conclusão no momento da migração para sistema informatizado (Id. 4638655, p. 81).

Assim, na esteira do que ressaltou o Ministério Público Federal, o que sobressai do PAD, em verdade, é o comportamento negligente da magistrada que, mesmo sendo experiente, permitiu que processos de 2013/2014, inclusive com prioridade legal, permanecessem paralisados por longos períodos  (Id. 4635836):

35. Com efeito, após afastar diversas imputações contidas na portaria de instauração do procedimento disciplinar, a Corte Estadual considerou ter sido comprovada uma alta taxa de feitos pendentes, os quais, apesar de ajuizados nos anos de 2013 e 2014, ainda não haviam sido sentenciados em 2019.

36. A requerente alegou não ser verídico tal dado, pois os autos físicos, após a digitalização, não teriam sido direcionados às filas apropriadas, permanecendo para a conclusão, ainda que neles já constasse manifestação da magistrada. Não há no procedimento disciplinar, contudo, elementos que corroborem a alegação defensiva, conforme destacado no voto condutor do acórdão condenatório:

[...]

44. Vale destacar que a requerente ingressou nos quadros da Corte Estadual em 1998 e encontrava-se lotada na 3ª Vara da Comarca de Eusébio/CE desde 20/6/2012. Trata-se, portanto, de experiente magistrada, sendo razoável esperar que, após 7 anos na administração da unidade - considerando a data da instauração da sindicância -, compreendesse a desordem estrutural em que ela se encontrava e envidasse esforços para regularizar as atividades, de modo a alcançar uma prestação jurisdicional de melhor qualidade.

45. Logo, a par das deficiências estruturais apontadas, é precisamente a comprovação dessa conduta omissiva, demonstrada no quadro probatório trazido aos autos, que consubstanciou a infração dos deveres impostos no art. 35, incisos I, II e III, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, eis que a magistrada deixou de cumprir e fazer cumprir com exatidão os atos de ofício, de não exceder injustificadamente os prazos para sentenciar ou despachar e de determinar as providências necessárias para que os atos processuais se realizassem nos prazos legais. (grifos nossos)

Foi esse comportamento omissivo da magistrada em relação à equipe, a falta de orientação quanto à condução dos feitos, a inexistência de fluxos de trabalho e a clara ausência de fiscalização posterior que levaram o TJCE a reconhecer o quadro incompatível com o seu dever de garantir a observância dos princípios constitucionais da duração razoável do processo e do acesso à justiça.

Como bem destacou a Corte Cearense, de nada adianta um juiz eficiente e célere no exercício de sua função se a sua Serventia ou Secretaria for lenta e desidiosa com os atos que devem ser praticados, dentro dos prazos estabelecidos pela lei”  (Id. 4638655, p. 102)

Logo, sendo esse panorama que emerge do acervo probatório, não há dúvida de que a conclusão a que chegou o Tribunal encontra esteio nos autos e que não merecem guarida as teses defensivas, mormente à vista do notório reflexo negativo da conduta da requerente para os jurisdicionados.

Pelas mesmas razões, é certo que não houve afronta ao princípio da razoabilidade na dosimetria da pena. Consoante consignou o TJCE, a existência de “transgressões relativas à estagnação e paralisação de demandas, causando evidente morosidade na prestação jurisdicional, por atos sequenciados, identificados nos diversos processos relacionados, em decorrência de sua omissão” (Id. 4638655, p. 106) justificam a aplicação da pena de censura.

Não por outro motivo, a razoabilidade da pena também foi apontada pelo MPF (Id. 4712458, p. 15):

53. Nessa perspectiva, não se mostraria adequada a sanção mais branda de advertência, eis que o comportamento da magistrada não se consubstanciou em mera negligência. A penalidade aplicada deve ser sopesada para que se afigure suficiente a cumprir sua finalidade pedagógica e preventiva.

54. Desse modo, a imposição da pena de censura mostrou-se adequada e proporcional ao agir penalizado, não sendo trazidos aos autos elementos que permitam concluir pela possibilidade de alteração da sanção administrativa aplicada pelo órgão censor local, inexistindo razão para modificação do acórdão condenatório.

55. Diante do exposto, o Ministério Público Federal manifesta-se pelo indeferimento do pedido de revisão disciplinar, com a manutenção da penalidade de censura imposta à Juíza Rejane Eire Fernandes Alves, considerando a adequada e escorreita fundamentação da decisão condenatória proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Ceará no Processo Administrativo Disciplinar nº 8501208-36.2019.8.06.0026.

 

III DA CONCLUSÃO

Desse modo, considerando todo o panorama apresentado, é imperioso concluir que a conduta foi devidamente apreciada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Ceará à luz das provas produzidas e que o pleito revisional deve ser julgado improcedente, por ter natureza meramente recursal.

Ante o exposto, CONHEÇO da presente RevDis, porém, no mérito, JULGO IMPROCEDENTE o pedido de revisão do acórdão atacado.

É como voto.

Brasília, data registrada no sistema.

 

MAURO PEREIRA MARTINS

Conselheiro Relator




[1] Art. 103-B [...]

§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:

[...]

V rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano;