Conselho Nacional de Justiça

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0003463-71.2023.2.00.0000
Requerente: CAMILA CAIXETA CARDOSO 
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS 



EMENTA

RECURSO ADMINISTRATIVO. PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO DE PROVAS E TÍTULOS PARA OUTORGA DE DELEGAÇÕES DE NOTAS E REGISTROS DO ESTADO DE MINAS GERAIS. REPERCUSSÃO GERAL ADMINISTRATIVA RECONHECIDA. IMPUGNAÇÃO CRUZADA NÃO CONSTATADA. FASE DE TÍTULOS. PONTUAÇÃO RELACIONADA À ASSISTÊNCIA JURÍDICA VOLUNTÁRIA. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DO CUMPRIMENTO DE UM ANO DA ATIVIDADE DE ASSISTÊNCIA JURÍDICA VOLUNTÁRIA CONCOMITANTE COM A INSCRIÇÃO NA OAB COMO ESTÁGIÁRIO DURANTE TODO O PERÍODO. COMPROVADO O ERRO INTERPRETATIVO DA COMISSÃO DO CONCURSO. REAFIRMAÇÃO DO ENTENDIMENTO DO CNJ. TERMOS DO DISPOSTO NA RESOLUÇÃO CNJ N. 81/2009, NO ART. 6º, §2º DA RESOLUÇÃO CNJ N. 62/2009 E NO ART. 3º, §2º, DA LEI N. 8.906/1994. DETERMINAÇÃO DE REVISÃO DA PONTUAÇÃO DE TODOS OS CANDIDATOS EM RELAÇÃO À TITULAÇÃO REFERENTE À ASSISTÊNCIA JURÍDICA VOLUNTÁRIA (ITEM 18.4, “E”, DO EDITAL N. 1/2019). RECURSO ADMINISTRATIVO CONHECIDO E PROVIDO. 

 

 ACÓRDÃO

O Conselho decidiu: I - rejeitar questão de ordem no sentido de tentar a mediação no caso concreto; II - rejeitar pedidos de sustentação oral formulados pelos advogados dos interessados, na forma regimental; III - por maioria, dar provimento ao recurso administrativo e determinar que a Comissão do Concurso Público de Provas e Títulos para a Outorga de Delegações de Notas e de Registro do Estado de Minas Gerais revise a pontuação do item 18.4, e, na forma do voto do Conselheiro Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, que lavrará o acórdão. Vencidos os Conselheiros João Paulo Schoucair, Alexandre Teixeira, Daniela Madeira e Giovanni Olsson, que negavam provimento ao recurso. Vencido, em parte, com voto híbrido, o Conselheiro Bandeira de Mello, que acompanhava o Relator quanto à preliminar de impugnação cruzada de títulos e, superada esta, dava provimento ao recurso. Declarou suspeição, por motivo de foro íntimo, o Ministro Luís Roberto Barroso. Presidiu o julgamento o Ministro Luis Felipe Salomão. Plenário, 16 de abril de 2024. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Luís Roberto Barroso, Luis Felipe Salomão, Caputo Bastos, José Rotondano, Mônica Autran Machado Nobre, Alexandre Teixeira, Renata Gil, Daniela Madeira, Giovanni Olsson, Pablo Coutinho Barreto, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Daiane Nogueira e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Manifestaram-se, pela Associação dos Notários e Registrados do Brasil, o Advogado Maurício Zockun, OAB/SP 156.594, e o Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Mansour Elias Karmouche.

 

RELATÓRIO

 

Trata-se de Procedimento de Controle Administrativo (PCA), com pedido de liminar, proposto por Camila Caixeta Cardoso Porto em face do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), no qual se insurge contra a organização da fase de títulos do Concurso Público, de Provas e Títulos, para a Outorga de Delegações de Notas e de Registro do Estado de Minas Gerais, regido pelo Edital n.º 1/2019. 

Em síntese, a requerente argumenta que a Comissão Examinadora incorreu em falha na análise de títulos, em especial, quanto à pontuação relativa ao exercício de assistência jurídica voluntária (prevista no item 18.4, alínea “e” do edital). Diz que a banca, erroneamente, concedeu pontos referentes à “assistência jurídica voluntária” a candidatos que não comprovaram sua inscrição como estagiário na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Argumenta que a inscrição na OAB como estagiário é requisito necessário para o reconhecimento da referida atividade, cujo respectivo título somente pode ser alcançado com a comprovação do tempo mínimo de 1 (um) ano de atividade voluntária como estagiário devidamente inscrito na OAB. Assim, aduz que o requerido deixou de observar esse requisito, em desacordo com o disposto no art. 3º, caput e § 2º[1], da Lei n.º 8.906/94 (Estatuto da OAB); no art. 6º[2], da Resolução CNJ n.º 62/2009, e; na Resolução CNJ n.º 81/2009, reproduzida no item 18.4, alínea “e” do edital[3].

Relata que, em 12/5/2023, solicitou a revisão de ofício das pontuações eventualmente conferidas aos candidatos. Não obstante, informa que a sua pretensão não foi acolhida pelo Tribunal requerido, sendo divulgado, em 16/5/2023, o resultado definitivo dos títulos sem que tenha havido qualquer revisão. Diz, ainda, que no dia 24/5/2023 foi publicada a convocação para proclamação e divulgação da classificação final do certame.

Para ilustração da ilegalidade suscitada, argumenta que a Comissão Examinadora dispensou a comprovação de inscrição de estagiário na OAB e conferiu a respectiva pontuação ao candidato Marcelo Cunha de Araújo. Apesar do referido candidato ter exercido a função de estágio voluntário no período de 12/2/1998 a 13/2/1999, informa que ele somente realizou sua inscrição na OAB em 9/3/1998, não alcançando o período total de um ano na referida atividade como estagiário voluntário inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, restando um pouco menos de um mês (exatos 26 dias).

Considera que a interpretação adotada pela comissão examinadora violou os princípios da legalidade e da isonomia. Cita precedentes deste Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no sentido de que “é válida a prestação de assistência jurídica voluntária por estagiário, desde que regularmente inscrito na OAB” e que no “documento juntado pelo candidato para comprovar a prestação de assistência jurídica voluntária não é possível extrair a sua regular inscrição na OAB”.

Por não vislumbrar a presença dos requisitos autorizadores, a medida de urgência solicitada foi indeferida (Id 5159565).

Em continuação, o TJMG apresentou manifestação de defesa por meio do Ofício n.º 28.503/2023 (Id 5179874). Defendeu que o objeto do presente PCA trata de interesse individual da requerente, bem como que a pretensão implica em impugnação cruzada, fase não prevista no edital de abertura do certame.

Na análise dos autos, o pedido apresentado na inicial não foi conhecido (Decisão Monocrática - Id 5224782). Embora a requerente afirme não desejar promover a “impugnação cruzada”, foi observado que a sua pretensão, em última análise, consiste na reavaliação dos títulos apresentados por outro candidato, com a eventual e consequente redução/revisão das notas, sendo tal fase não prevista no edital do certame. Considerou, ainda, que o questionamento suscitado foi direcionado contra a pontuação conferida ao candidato Marcelo Cunha de Araújo (1º colocado no certame), cuja eventual alteração pode impactar positivamente na classificação da candidata requerente Camila Caixeta Cardoso Porto, que obteve a 2ª colocação

Inconformada, a requerente interpôs tempestivo Recurso Administrativo (Id 5246441), solicitando o reexame do caso pelo Plenário deste Conselho. Nas razões recursais, defende que a sua pretensão “ultrapassa os interesses privados da Recorrente e não se enquadra na denominada ‘impugnação cruzada’, tendo em vista que o que se pugna é seja dada adequada interpretação e correta aplicação da Resolução n. 81/CNJ, da Lei n. 8.906/94 e da Resolução n. 62/CNJ”. Por considerar a existência de “fato novo”, aduz que a Comissão Examinadora confirma que não exigiu a comprovação de inscrição na OAB para atribuir a pontuação, a título de assistência jurídica voluntária, aos candidatos que declararam exercício de estágio. Sustenta que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em semelhante concurso público, indeferiu pontuações referentes ao título de “assistência jurídica voluntária” de todos os candidatos que não comprovaram inscrição na OAB durante o alegado período de estágio, inclusive anteriores a 2009.

A par disso, solicita em suas razões recursais:

 

a) A reconsideração do pedido para que sejam pontuados por “assistência jurídica voluntária” em decorrência de exercícios de estágios apenas os candidatos que comprovaram a respectiva inscrição na OAB, na condição de estagiário, durante o período alegado;

b) Caso não seja reconsiderado, seja submetido ao Plenário para julgamento e provimento. 

 

Em suas contrarrazões (Id 5270141), o Tribunal requerido reitera semelhantes argumentos àqueles anteriormente apresentados, razão pela qual pugna pela improcedência da pretensão recursal. Em síntese, alega que o questionamento suscitado visa realizar a impugnação cruzada de títulos e que o exame realizado na pontuação conferida ao candidato Marcelo Cunha de Araújo seguiu as orientações constantes do regulamento do certame. 

As candidatas Cláudia Maria Resende Neves Guimarães, Luciane Mendonça Marques e Marina Oliveira Daniel Pereira, também aprovadas no mesmo certame, foram habilitadas nos autos como terceiras interessadas (Id 5281606).

O candidato Marcelo Cunha de Araújo, cuja pontuação conferida na fase de títulos foi pontualmente impugnada pela requerente, apresentou manifestação de defesa junto ao Id 5287460. Em sede de preliminar, pugnou: (i) pelo não conhecimento do presente procedimento por considerar que a requerente pretende reabrir a fase de títulos do certame para realizar “impugnação cruzada”; (ii) pelo reconhecimento da conexão do presente feito com o PCA n.º 0003335-22.2021.2.00.0000; (iii) que antes da análise do mérito, que seja determinada a “reabertura da fase de títulos com a explicitação do documento que será considerado apto pela comissão e que os títulos apresentados por todos os candidatos sejam publicizados aos demais no sentido da fiscalização recíproca – vez que tal já foi oportunizada à candidata autora que teve acesso a todos os documentos apresentados pelo impugnado”.

No mérito, sustenta que a banca examinadora não incorreu em ilegalidade ao atribuir a sua pontuação, mantendo-se dentro dos parâmetros adequados e inerentes à condução do concurso. Para aferição da atividade de assistência jurídica voluntária, o edital exige, como forma de comprovação, apresentação de “Declaração circunstanciada do Órgão para o qual o serviço foi prestado”, cuja circunstância foi devidamente atendida pelo candidato, não havendo que falar em ilegalidade flagrante. A par disso, considera descabida a atuação deste Conselho para controle e revisão de ato administrativo realizado no âmbito da organização de concurso público, conforme precedente assentado no Recurso Extraordinário n.º 632.853-CE. Considera, assim, que o exame realizado pela comissão examinadora ocorreu dentro dos padrões normativos exigidos no edital do certame, não havendo que se falar em ilegalidade flagrante justificadora de posterior intervenção para impugnação cruzada de títulos.

Argumenta que o conceito de “prestação de assistência jurídica voluntária” não é normatizado e já sofreu alterações de interpretação nos últimos anos, razão pela qual considera pertinente o reconhecimento de outras situações de prestação de assistência jurídica voluntária cuja atividade tenha sido realizada antes da Resolução CNJ n.º 62/2009. Nesse sentido, aduz que a Resolução n.º 5/2018 do Ministério da Educação prevê (art. 6º, § 2º) que os serviços de assistência jurídica voluntária poderão ser realizados na própria instituição e não apenas nos Juizados Especiais. Considera, assim, que “não há de se pensar na necessidade da inscrição nos quadros de estagiários da OAB para a prestação da assistência jurídica no âmbito das instituições de ensino”. Informa que essa orientação está alinhada ao Parecer n.º 636/2018 do Conselho Nacional de Educação[4], que estabeleceu que “as atividades de prática jurídica que serão ofertadas na própria instituição poderão ser realizadas por meio de serviços de assistência jurídica sob sua responsabilidade”. Nesse contexto, entende que a Resolução CNJ n.º 62/2009 não pode retroagir para alcançar situações pretéritas realizadas antes da sua publicação, cujas atividades eram exercidas nos moldes das orientações fixadas pelo Ministério da Educação. Argumenta, ainda, que a exigência estrita da inscrição perante a OAB, principalmente antes da Resolução CNJ n.º 62/2009, para alguns acadêmicos que possuem incompatibilidade (servidores públicos), constitui obstáculo intransponível para a realização da prática de assistência jurídica voluntária.

O candidato Marcelo Cunha de Araújo sustenta que o serviço de assistência judiciária da PUC-MG considerava facultativa a inscrição na OAB, pois ainda não existia a Resolução CNJ n.º 02/2009, além de exigir a prestação de 20 (vinte) horas semanais de atividade, período superior às 16 (dezesseis) horas mensais agora pontuadas. A par disso, argumenta que o próprio órgão para o qual o serviço foi prestado considerou como unitário o tempo total de dedicação à atividade. Considera, ainda, que a requerente “obteve acesso ilícito (conforme explicitado supra) às datas em que o estágio voluntário foi prestado (informação que era restrita à banca examinadora) e obteve certidão produzida unilateralmente e de forma incompleta (eis que não apresenta a data do requerimento à autarquia) da inscrição na OAB-MG”.

A requerente apresentou nova manifestação no Id 5479427. Em síntese, pugna pelo indeferimento dos pedidos formulados pelo candidato Marcelo Cunha de Araújo e o julgamento do feito na primeira sessão virtual subsequente, independente de nova publicação, conforme Art. 118-A, § 6º-D, RICNJ.

O processo foi inicialmente incluído na 15ª Sessão Virtual de 2023 (Id 5340136), sendo retirado em razão de pedido de vista.

Após a nova inclusão dos autos em pauta de julgamento virtual (Id 5480893), os também candidatos aprovados no concurso, André Fonseca Guerra (Id 5480606), Osvaldo José Gonçalves de Mesquita Filho e outros (Id 5480953) solicitaram a realização de diligências para compreensão do eventual alcance da decisão deste Conselho, bem como pugnaram pela aplicação da orientação constante do Enunciado Administrativo n.º 22 do CNJ, que dispõe sobre a manutenção de concursos de provas e títulos para a outorga de delegação de notas e registro, já encerrados, com situação de fato já consolidada.

O candidato Marcelo Cunha de Araújo apresentou derradeira manifestação no Id 5482279, na qual impugnou as razões apresentadas pela requerente e pugnou, ainda, “seja o presente processo deslocado para julgamento em sessão presencial”.

Os candidatos Osvaldo José Gonçalves de Mesquita Filho e outros apresentaram nova manifestação no Id 5483701, na qual reiteraram o pedido de sustentação oral e a consequente inclusão do feito em sessão de julgamento presencial.

A Associação dos Notários e Registradores do Estado de Minas Gerais (ANOREG-MG), solicitou a habilitação como terceira interessada, bem como pugnou pelo destaque para julgamento em sessão presencial. No mérito, defende a improcedência da pretensão inicial por considerar a situação já consolidada, nos termos do Enunciado Administrativo n.º 22 do CNJ. Considera pertinente, ainda, a convocação de todos os candidatos do concurso como litisconsórcio necessário.

Diante do potencial alcance dos efeitos da decisão a ser preferida nestes autos e com vistas a evitar eventual nulidade processual, foi determinada a conversão do julgamento em diligência para oportunizar o contraditório a todos os candidatos aprovados no certame (Id 5488476).

Em continuação, foi determinada “a suspensão cautelar de novos atos administrativos tendentes a impulsionar” o concurso público em análise no presente feito administrativo (Id 5494707).

Por fim, apresentaram manifestação nos autos os candidatos aprovados no certame Nathália da Mota Santos Dias (Id 5493984), Pedro Nazaré de Mendonça Procópio (Id 5495367), Joamar Gomes Vieira Nunes (Id 5495418), Lucas Shigueru Fujiike (Id 5495524), Leandro Marcos Magno Silva (Id 5495545), Hudson Fortunato de Faria Neto (Id 5495719), Luciane Mendonça Marques (Id 5496539 e 5496752), Eduardo Marques Machado (Id 5496912), Luciana Barboza Leal de Brito (Id 5496028), Helen Goulart Magalhães da Fonseca (Id 5496994), Melissa Souza Salles Barrozo (Id 5497204), José Maria Lopes da Silva (Id 5497290), Flávia de Oliveira Dias Fonseca (Id 5497501), Sarah Lara Alves Martins (Id 5497618), José Maria Lopes da Silva (Id 5497720), Daniel Rubens Valério de Barros (Id 5498288), Sislaine Alves de Moura (Id 5498394), Eduardo Calais Pereira (Id 5498532), Joelma Cristina Paiva (Id 5498436), Marina Oliveira Daniel Pereira (Id 549844), Aline Knaack Menezes (Id 5498456), Welington Batista Lourenço (Id 5498449), Gabriela Oliveira Silva Vasconcelos e outra (Id 5498669), Natália Regina Pinheiro Queiroz (Id 5498672), Wanessa Mayre Nadalini Hoffmann Schmitt (Id 5498855), Miriam Fernanda Miranda Meira (Id 5499483), Daniel de Araújo Ribeiro (Id 5499506), Raquel Dayrell Valadares Pereira (Id 5499868), Marina Araújo Campos Cardoso (Id 5499926), Rodrigo Paulucci Santos (Id 5500311), Nadja Santos Melo (Id 5500074), Eduardo de Almeida Barbosa Pires do Couto (Id 5500620), William Greg Nedel (Id 5501303), Christiane Julia Ferreira Soares (Id 5501662), Osvaldo José Gonçalves de Mesquita Filho e outros (Id 5497299) e Ana Paula Quadros Mota (Id 5516323). 

O TJMG apresentou derradeira manifestação em 15/4/2024, na qual alegou a perda superveniente de objeto do presente PCA em razão da conclusão de todas as fases do certame, a teor do Enunciado Administrativo n.º 22 do CNJ. Defendeu, ainda, a ausência de interesse geral e a impossibilidade de o CNJ revisar os critérios das decisões administrativas relativas à análise de notas e pontuações conferidas pela banca examinadora, cuja avaliação seguiu estritamente os termos do título indicado no item 18.4, ‘e’, do Edital n.º 01/2019 (Id 5524625).

 

É o relatório. Decido.

 



[1] Art. 3º O exercício da atividade de advocacia no território brasileiro e a denominação de advogado são privativos dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). (...) § 2º O estagiário de advocacia, regularmente inscrito, pode praticar os atos previstos no art. 1º, na forma do regimento geral, em conjunto com advogado e sob responsabilidade deste.

[2] Art. 6º Os tribunais poderão firmar, na forma da lei, convênios ou termos de cooperação com instituições de ensino para viabilizar a prestação de assistência jurídica voluntária, em espaços para atendimento ao público destinado e estruturado pelo Poder Judiciário ou pelas próprias instituições. § 1° Na hipótese prevista no caput, a assistência jurídica voluntária poderá ser prestada por estagiários, sob a supervisão de advogados orientadores contratados pela instituição de ensino. § 2° Os estagiários e os orientadores a que se refere o parágrafo anterior somente serão admitidos ao serviço voluntário de assistência jurídica, na forma desta Resolução, se comprovar a inscrição e situação regulares na Ordem dos Advogados do Brasil. § 3° Os acadêmicos ainda não inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil poderão prestar auxílio operacional aos estagiários e orientadores.

[3] (...) exercício, no mínimo durante 1 (um) ano, por ao menos16 horas mensais, das atribuições de conciliador voluntário em unidades judiciárias, ou na prestação de assistência jurídica voluntária (...)

[4] Processo nº 23001.000020/2015-61.

 

 

 

 

Poder Judiciário

Conselho Nacional de Justiça

Gabinete do Conselheiro Marcos Vinícius Jardim 

 

Autos:

PCA n. 0003463-71.2023.2.00.0000

Requerente:

Camila Caixeta Cardoso  

Requerido:

Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais

 

VOTO DIVERGENTE

 

O EXMO. SENHOR CONSELHEIRO MARCOS VINÍCIUS JARDIM


Fundamentação 

Adoto o relatório apresentado pelo eminente relator, Conselheiro João Paulo Schoucair, em cujo voto nega provimento ao recurso administrativo para manter a decisão monocrática que não conheceu dos pedidos formulados pela requerente na peça inaugural.

Na inicial, Camila Caixeta Cardoso argumenta que a Comissão do Concurso Público de Provas e Títulos para a Outorga de Delegações de Notas e de Registro do Estado de Minas Gerais (Edital nº 1/2019) incorreu em erro na fase de análise de títulos, em especial, quanto à pontuação relativa ao exercício de assistência jurídica voluntária (prevista no item 18.4, alínea “e” do edital).

Alega que a banca, erroneamente, concedeu pontos referentes à “assistência jurídica voluntária” a candidatos que não comprovaram corretamente a inscrição como estagiário na Ordem dos Advogados do Brasil, em contrariedade aos comandos da Resolução CNJ nº 62/2009, da Resolução CNJ nº 81/2009, da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da OAB), bem como do entendimento consolidado do CNJ.

A autora requereu a aplicação das normas e do entendimento vigentes de forma que a banca examinadora apenas atribua a pontuação de títulos relacionada à “assistência jurídica voluntária” aos candidatos que efetivamente comprovaram o exercício da atividade pelo período de 1 (um) ano, com a devida demonstração de inscrição na OAB como estagiário no mesmo período.

Em decisão monocrática, o eminente relator, Conselheiro João Paulo Schoucair, não conheceu dos pedidos sob o argumento de que a questão se reveste de natureza individual, bem como de que se trata de “impugnação cruzada”, questões não passíveis de apreciação por este Conselho.

Em que pese os argumentos apresentados, manifesto a minha divergência da linha argumentativa proposta pelo relator na decisão id 5224782 e no voto do recurso administrativo ora em debate, uma vez que a análise do mérito, neste caso, não pode ser obstaculizada pelo argumento da natureza individual da matéria ou da impugnação cruzada.

No meu entendimento, a questão apresentada pela requerente transcende o limite da questão meramente individual, possuindo caráter geral em razão dos evidentes reflexos gerados nos concursos em andamento e nos futuros, bem como diante da necessidade de reforço e uniformização da interpretação do CNJ sobre as normas que regem o tema, que, aparentemente, não estão sendo aplicadas adequadamente.

Explico.

No caso, o que está em discussão é a interpretação dada pela comissão do Concurso Público de Provas e Títulos para a Outorga de Delegações de Notas e de Registro do Estado de Minas Gerais (Edital nº 1/2019) sobre os requisitos para a comprovação da ”assistência jurídica voluntária”, em flagrante desacordo com a lei, atos normativos deste Conselho, bem como do entendimento sedimentado sobre o tema.

Em que pese se trate da impugnação apresentada por uma candidata específica, a matéria veiculada neste procedimento ultrapassa a esfera individual, na medida em que se relaciona a eventual equívoco interpretativo em desacordo com normativo deste Conselho, que afeta direta ou indiretamente todos aqueles que participaram do certame em questão, bem como reflete, até mesmo, na análise dos títulos dos próximos concursos para provimento de delegações extrajudiciais.  

Ao se deparar com equivocada interpretação de suas próprias normas e decisões, o Conselho Nacional de Justiça não pode se furtar em aplicar o seu correto entendimento, ao argumento da ausência de repercussão geral, sob pena de engessar a sua própria atuação e permitir a perpetuação de equivocadas interpretações de normas pelas bancas examinadoras.

A repercussão geral em situações como a ora apresentada, no meu entender, é presumida, tendo em vista a possível violação à resolução e jurisprudência deste Conselho – em interpretação analógica à repercussão geral contida no art. 1035, §3º, I, do CPC[1] - bem como por se relacionar de forma direta a princípios constitucionais e administrativos relevantes, como o da legalidade, isonomia, vinculação ao edital e segurança jurídica.

O Plenário deste Conselho em diversas oportunidades já conheceu de pedidos formulados por candidatos e reconheceu a repercussão geral em situações semelhantes à ora posta, como forma de reafirmar e uniformizar a interpretação dos dispositivos de resoluções relacionadas aos concursos para delegação de serventias extrajudiciais:


PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TJMG. CONCURSO PÚBLICO PARA OUTORGA DE SERVIÇOS DE NOTAS E DE REGISTRO. EDITAL N. 01/2018. REQUISITOS PARA CONCORRER ÀS VAGAS DE REMOÇÃO. EXERCER TITULARIDADE DE OUTRA DELEGAÇÃO HÁ MAIS DE DOIS ANOS NA UNIDADE DA FEDERAÇÃO QUE REALIZA O CONCURSO. IMPOSSIBILIDADE DE SOMA DE PERÍODOS DESCONTÍNUOS EM SERVENTIAS DIFERENTES COM HIATO ENTRE UM PERÍODO E OUTRO. ART. 3º DA RESOLUÇÃO CNJ 81/2009. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO.

1. Repercussão Geral reconhecida, tendo em vista a necessidade do CNJ uniformizar a interpretação ao art. 3º da Resolução CNJ n. 81/2009.

2. (...)

4. Pedido julgado procedente. (CNJ - PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0003224-38.2021.2.00.0000 - Rel. SIDNEY MADRUGA - 355ª Sessão Ordinária - julgado em 30/08/2022). 

 

Ademais, em situações anteriores, o Plenário do CNJ ingressou no mérito do pedido para apreciar exatamente o requisito para atribuição da pontuação no caso de “assistência jurídica voluntária” em concursos de delegação de serventias extrajudiciais, como será fundamentado quando da análise do mérito no presente voto (PCA 0006569-56.2014.2.00.0000 e PCA   0000682-23.2016.2.00.0000).  

Especificamente em relação ao argumento de que a requerente realiza impugnação cruzada, uma vez que exemplifica a questão com o caso do candidato classificado na primeira colocação, não verifico, neste caso, hipótese de aplicação da referida tese ou qualquer outro óbice ao avanço ao mérito do procedimento.

Note que a candidata não requer a retirada ou atribuição de pontuação a candidato específico, mas sim, almeja que a comissão “(...) REVISE e atribua a pontuação do item 18.4, “e”, com relação à assistência jurídica voluntária, apenas aos candidatos que cumpriram o período mínimo de 01 (um) ano de exercício efetivo com a respectiva inscrição na OAB durante todo o lapso temporal, nos termos da Resolução 62/CNJ e do Item 18.4, alínea “e”, do Edital 01/2019”, pedido este que representa o mero cumprimento do entendimento deste  Conselho e que afetará, de forma indistinta, todos os candidatos do concurso.

A apresentação de PCA neste Conselho é forma legítima para que o cidadão - no caso destes autos, uma candidata participante de concurso público - requeira o fiel cumprimento dos normativos e entendimentos editados pelo próprio CNJ.

 Se, após a definição da tese por este Plenário, tiver que ocorrer eventual reclassificação por parte da comissão do concurso, tal fato será mera consequência administrativa da aplicação das normas e do entendimento do CNJ, o que fará justiça a todos os candidatos que fielmente cumpriram os requisitos da lei e não somente à requerente.

Pelos motivos expostos, entendo necessário superar a limitação relacionada à questão individual e impugnação cruzada, de forma a reconhecer a repercussão geral e a necessidade de apreciação do mérito da matéria pelo Plenário deste Conselho.


Avanço para análise do mérito do presente PCA.

 

Dos autos, extrai-se que, de fato, a Comissão do Concurso Público de Provas e Títulos para a Outorga de Delegações de Notas e de Registro do Estado de Minas Gerais (Edital nº 1/2019) aplicou, na análise dos títulos, a pontuação relativa à “assistência jurídica voluntária” em desacordo com os normativos de regência e a interpretação consolidada do CNJ sobre o tema.

A pontuação relacionada à assistência jurídica voluntária possui disciplina na Resolução CNJ n. 81/2009, que determina a atribuição de 0,5 ponto ao candidato que comprovar “exercício, no mínimo durante 1 (um) ano, por ao menos 16 horas mensais, das atribuições de conciliador voluntário em unidades judiciárias, ou na prestação de assistência jurídica voluntária”.

A Resolução CNJ n. 62/2009 trouxe a regulamentação a respeito da prestação de assistência jurídica voluntária por estagiários de direito em instituições de ensino. O normativo deixa claro que a assistência jurídica voluntária poderá ser prestada por estagiários, sob a supervisão de advogados orientadores contratados pela instituição de ensino, desde que comprovada a inscrição e situação regular na Ordem dos Advogados do Brasil.

Observe:


Art. 6º Os tribunais poderão firmar, na forma da lei, convênios ou termos de cooperação com instituições de ensino para viabilizar a prestação de assistência jurídica voluntária, em espaços para atendimento ao público destinado e estruturado pelo Poder Judiciário ou pelas próprias instituições.

§ 1° Na hipótese prevista no caput, a assistência jurídica voluntária poderá ser prestada por estagiários, sob a supervisão de advogados orientadores contratados pela instituição de ensino

§ 2° Os estagiários e os orientadores a que se refere o parágrafo anterior somente serão admitidos ao serviço voluntário de assistência jurídica, na forma desta Resolução, se comprovar a inscrição e situação regulares na Ordem dos Advogados do Brasil.

§ 3° Os acadêmicos ainda não inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil poderão prestar auxílio operacional aos estagiários e orientadores.


Os comandos citados, contidos nas resoluções do CNJ n. 81/2009 e 62/2009, estão em plena consonância com o artigo 3º do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei n. 8.906/1994), que, ao tratar sobre as atividades privativas da advocacia, dispõe que “o estagiário de advocacia, regularmente inscrito, pode praticar os atos previstos no art. 1º, em conjunto com advogado e sob responsabilidade deste”. Observe:


Art. 1º São atividades privativas de advocacia:

(...)

II - as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas. 

 

E

Art. 3º (...)

§ 2º O estagiário de advocacia, regularmente inscrito, pode praticar os atos previstos no art. 1º, na forma do regimento geral, em conjunto com advogado e sob responsabilidade deste. 

 

A interpretação sistêmica dos dispositivos da Resolução CNJ n. 81/2009 e n. 62/2009, bem como do Estatuto da OAB conduzem à conclusão de que a atribuição da pontuação referente à assistência jurídica voluntária por estagiário depende da comprovação do exercício da atividade durante 1 (um) ano, desde que regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil como estagiário no período.

Exatamente este é o entendimento do CNJ sobre o tema.

No acórdão prolatado no PCA n. 0006569-56.2014.2.00.0000, da relatoria do Cons. Rubens Canuto, no ponto em que trata “da atribuição de pontos aos candidatos que comprovem assistência jurídica voluntária na condição de estagiários inscritos da OAB”, o Plenário do CNJ julgou precedente o pedido para “(...) determinar que o TJRJ reavalie os títulos apresentados e, uma vez preenchidos os requisitos previstos nas Resoluções CNJ n. 62 e 81, confira a pontuação de que trata o inciso V do item 7.1 do Anexo da Resolução CNJ n. 81 aos candidatos que tenham prestado assistência jurídica voluntária também na condição de estagiários inscritos e em situação regular na Ordem dos Advogados do Brasil, nos termos da fundamentação posta, com republicação do resultado no prazo de 15 (quinze) dias”.[2] 

Já no PCA n. 0000682-23.2016.2.00.0000, da relatoria do Cons. Lelio Bentes, o acórdão prolatado por este Conselho reconheceu o acerto da comissão examinadora ao deixar de conceder pontuação de assistência jurídica voluntária a candidato que não havia comprovado inscrição na OAB.

Observe:

“No que se refere à ausência de comprovante de inscrição na OAB, assente-se que, nos termos da Resolução CNJ n. 62/2009, o exercício da atividade judiciária voluntária por estagiário depende da comprovação da inscrição e situação regular na Ordem dos Advogados do Brasil. Assim dispõe o art. 6º da referida Resolução (os grifos foram acrescidos)

(...)

Percebe-se, portanto, que a exigência da apresentação de documento que ateste a inscrição e a regularidade perante a OAB, revela-se consentânea com o entendimento já sufragado por este Conselho.

(...)

Assim, se do documento juntado pelo candidato para comprovar a prestação de assistência jurídica voluntária, não é possível extrair a sua regular inscrição na OAB (seja na qualidade de advogado, seja na condição de estagiário), o documento não se revela hígido aos fins do Edital [3]

 

Pois bem, da análise dos autos, é notório que a requerente demonstrou, de forma exemplificativa, que a comissão examinadora concedeu pontuação a determinados candidatos que não comprovaram o exercício da assistência jurídica voluntária pelo período de 1 (um) ano, de forma concomitante com a inscrição da Ordem dos Advogados do Brasil na condição de estagiário, o que fatalmente demonstra a interpretação em desacordo com as resoluções e o entendimento do CNJ sobre o tema.

Consta dos autos a documentação relativa ao caso do candidato Marcelo Cunha de Araújo. A banca examinadora atribuiu ao referido candidato a pontuação referente à assistência jurídica voluntária, por entender comprovados os requisitos.

Ocorre que, apesar de Marcelo Cunha de Araújo ter demonstrado a sua participação em estágio voluntário da instituição de ensino superior por mais de um ano, deixou de comprovar a inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil na condição de estagiário no mesmo período de realização do estágio.

Dos documentos juntados, extrai-se que o referido candidato atuou como estagiário voluntário do Serviço de Assistência Judiciária na Faculdade Mineira de Direito da PUC Minas, no período de 12/02/1998 a 13/02/1999 (id 5158304). Entretanto, a certidão emitida pela Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Minas Gerais atesta que ele somente foi devidamente inscrito como estagiário a partir do dia 09/03/1998 (id 518300).

Dessa forma, ao aplicar os termos da Resolução n. 62/2009, da Resolução 81/2009 e do entendimento consolidado deste Conselho, é notório que o candidato em questão não demonstrou o exercício do período integral de 1 (um) ano de estágio voluntário, de forma concomitante com a regular inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil, comprovando apenas o período compreendido entre 09/03/1998 (data em que se inscreveu regularmente na OAB) e 13/02/1999 (data em que finalizou o estágio voluntário).  

A própria comissão examinadora, após a interposição do recurso contra a classificação final do concurso, reconheceu a atribuição de pontuação sem a devida comprovação de inscrição na OAB, afastando a aplicabilidade da Resolução 62/2009 ao caso específico do referido candidato, sob o fundamento de que o regramento apenas regula fatos posteriores à sua edição (2009), motivo pelo qual não atinge o estágio voluntário realizado pelo citado candidato, concluído em 1999. (id 5246442)  Observe:


Ad argumentandum tantum, não se vislumbra qualquer ilegalidade a ser reparada quanto à atribuição de pontuação ao candidato Marcelo Cunha de Araújo, atinente à alínea “e” do subitem 18.4 do edital, bem como aos demais candidatos que receberam a aludida pontuação, uma vez que restou comprovado a prestação de assistência jurídica voluntária, no mínimo durante um ano, por ao menos dezesseis horas mensais, conforme dispusera o edital.

Saliente-se, outrossim, que a normativa elencada na Resolução nº 62, de 10 de fevereiro de 2009, do Conselho Nacional de Justiça, concernente à exigência de comprovação de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil na condição de estagiário, não se aplica ao candidato Marcelo, posto que à época da realização da assistência jurídica voluntária junto à instituição de ensino, no período de 12/02/1998 a 13/02/1999, não existia a referida Resolução, na medida que tal regramento foi promulgado para regular fatos posteriores e não se deve retroagir para prejudicar ao candidato, sob pena de violação aos princípios da legalidade e segurança jurídica. Nessa toada, não há outro entendimento senão o já adotado por essa Comissão Examinadora, em manter as titulações já publicadas, garantindo-se o fiel cumprimento do instrumento convocatório, bem como preservando a segurança jurídica na condução do certame”. 

Ora, não cabe à banca examinadora a discricionariedade de, de forma casuística, deixar de aplicar ou superar requisito objetivo imposto pelo CNJ em norma, sob o argumento de inexistência do requisito ao tempo em que um determinado candidato realizou o estágio, sob pena de violação direta ao princípio da legalidade e da isonomia.

O argumento da suposta proibição de incidência retroativa do art. 6º da Resolução CNJ nº 62/2009 esbarra no fato de que somente se poderia falar em verdadeira retroatividade caso a regra nela contida estivesse sendo aplicada a concurso público cujo edital de abertura fosse anterior ao ato normativo do CNJ.

Também se mostra absolutamente desarrazoada a argumentação apresentada pelo Conselho da Magistratura para justificar o fato de o candidato Marcelo Cunha de Araújo não ter recebido a pontuação pleiteada a título de assistência jurídica voluntária nos certames anteriores (Edital n. 1/2016 e 1/2018), mas ter a pontuação atribuída em 2019 (Edital 1/2019).

Para o Conselho da Magistratura, “(...) o mister interpretativo realizado pela Comissão Examinadora aos termos editalícios é sempre dinâmico, pode evoluir de certame a certame em busca de aprimoramento (até porque os membros das comissões podem ser alterados); sendo que o essencial é que tais interpretações sejam gerais, impessoais, não-casuísticas, tal como se verifica ‘in casu’”. (id 5404942) 

Perceba que, ao tentar justificar a atribuição da pontuação ao candidato no concurso de 2019, quando a mesma pontuação não foi concedida nos dois concursos anteriores, o Conselho da Magistratura invoca suposta “evolução” na interpretação da comissão examinadora, quando, na verdade, ocorreu verdadeiro erro interpretativo no concurso em análise.

Em suma, o exemplo trazido aos autos é suficiente para demonstrar que a comissão do concurso aplicou equivocadamente os normativos e o entendimento do CNJ, fato que implica a atuação deste Conselho para reafirmar a interpretação correta dos dispositivos e fazer justiça a todos os candidatos que fielmente cumpriram o requisito, em atenção aos princípios da legalidade, isonomia, vinculação ao edital e segurança jurídica.

Saliento que a determinação contida neste voto possui caráter amplo, de forma que a comissão deverá, em atenção ao entendimento consolidado do CNJ, reavaliar todos os títulos relacionados à assistência jurídica voluntária do concurso em questão para que apenas seja concedida nota aos candidatos que efetivamente comprovaram o exercício da assistência jurídica voluntária como estagiário por 1 (ano) e que estavam regularmente inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil como estagiários no período, nos exatos termos do disposto na Resolução n. 81/2009 e n. 62/2009.


Dispositivo

Ante o exposto, apresento respeitável divergência em relação ao voto proposto pelo relator para dar provimento ao recurso administrativo e determinar que a Comissão do Concurso Público de Provas e Títulos para a Outorga de Delegações de Notas e de Registro do Estado de Minas Gerais (Edital nº 1/2019) revise a pontuação do item 18.4, “e”, com relação à assistência jurídica voluntária prestada por estagiários, de modo a atribuir a pontuação apenas aos candidatos que cumpriram o período mínimo de 01 (um) ano, com efetiva comprovação de inscrição na OAB em todo o período, nos termos da fundamentação posta.  

 

Conselheiro Marcos Vinícius Jardim

Conselheiro

 



[1] Art. 1.035. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário quando a questão constitucional nele versada não tiver repercussão geral, nos termos deste artigo. [...] § 3º Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar acórdão que: I - contrarie súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal; 

[2] CNJ - PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0006569-56.2014.2.00.0000 - Rel. RUBENS CURADO - 203ª Sessão Ordinária - julgado em 03/03/2015.

[3] CNJ - PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0000682-23.2016.2.00.0000 - Rel. LELIO BENTES CORRÊA - 242ª Sessão Ordinária - julgado em 22/11/2016.

 

 

 

VOTO

 

Inicialmente, em razão da abrangência do questionamento suscitado nos autos, defiro a habilitação, como terceiros interessados, dos candidatos Osvaldo José Gonçalves de Mesquita Filho e outros (Id 5480953), da Associação dos Notários e Registradores do Estado de Minas Gerais (ANOREG-MG) e de todos os demais candidatos aprovados no certame e que apresentaram manifestação nos autos. 

Presentes os requisitos constantes do art. 115[1] do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), conheço do recurso.

No exame das razões recursais, contudo, verifico que a parte recorrente não apresentou argumentos ou elementos novos capazes de justificar a modificação da decisão monocrática proferida no Id 5224782, a qual, firme no princípio do colegiado, reverberou entendimento consolidado pelo Plenário deste Conselho de não cabimento de “impugnação cruzada” entre os diversos candidatos na fase de títulos de concurso público. 

Cumpre reiterar e expor suas razões para apreciação pelo Plenário:

 

DECISÃO

Trata-se de Procedimento de Controle Administrativo (PCA), com pedido de liminar, proposto por Camila Caixeta Cardoso em face do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), no qual alega ter ocorrido ilegalidades no Concurso Público, de Provas e Títulos, Para a Outorga de Delegações de Notas e de Registro do Estado de Minas Gerais (Edital n.º 1/2019).

(...)

É o relatório. Decido.

Conforme relatado, pretende a requerente a revisão do resultado do Concurso Público, de Provas e Títulos, Para a Outorga de Delegações de Notas e de Registro do Estado de Minas Gerais pelo CNJ, especialmente com relação à pontuação concedida pela prática de “assistência jurídica voluntária” a candidatos que, segundo ela, não preencheram os requisitos estabelecidos em lei e no edital, em especial, o candidato Marcelo Cunha de Araújo (Id 5158300).

Ocorre que, conforme esclarecido pelo requerido, “a classificação final foi publicada no DJe do dia 30 de maio de 2023 (14491865). A requerente ficou classificada em 2° lugar com 7,924 pontos e o candidato Marcelo Cunha de Araújo, que teve a análise de títulos impugnada administrativamente pela requerente por duas vezes e agora impugnada no âmbito do Conselho Nacional de Justiça, em 1º lugar com 7,94 pontos. Relatada a atuação da requerente no certame, resta claro que a diminuição da pontuação de títulos do candidato Marcelo Cunha de Araújo impacta positivamente na classificação da candidata requerente Camila Caixeta Cardoso Porto”.

Neste sentido, ressalte-se que a finalidade precípua do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), como previsto na Constituição Federal, é exercer o controle administrativo e financeiro do Poder Judiciário e dos seus órgãos auxiliares, bem como fiscalizar o cumprimento dos deveres funcionais dos juízes (art. 103-B, § 4º).

Em face da sua relevância institucional, dos impactos para o sistema de justiça e da repercussão social da matéria, sua atuação está constitucionalmente reservada para as questões que ultrapassam os interesses privados e subjetivos das partes, não lhe competindo intervir no exame de pretensões de natureza meramente individual, como no presente caso (orientação do Enunciado Administrativo n.º 17/2018).

Além disso, na esteira dos precedentes sedimentados pelo plenário deste Conselho, não lhe cabe realizar a reavaliação de títulos apresentados em certames por outros candidatos, com a consequente revisão de notas, tratando-se a pretensão de uma “impugnação cruzada”. Confira-se:

RECURSO ADMINISTRATIVO. PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS. SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS. CONCURSO PÚBLICO. ETAPA DE TÍTULOS. REVISÃO PELO PRÓPRIO TRIBUNAL. LEGALIDADE. AUTOTUTELA. PRAZO QUINQUENAL. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. ANÁLISE INDIVIDUALIZADA. IMPOSSIBILIDADE.

1. Recurso contra decisão que julgou improcedente pedido de controle de ato de Tribunal que revisou nota de candidata em concurso para outorga de delegações extrajudiciais.

2. Não há falar em análise de matéria preclusa quando a revisão da nota atribuída à candidata ocorre nos autos de processo administrativo em trâmite no Tribunal e dentro do prazo de 5 (cinco) anos previsto pelo art. 54 da Lei 9.784/1999.

3. O prazo previsto para os candidatos interporem recurso contra as notas da etapa de títulos do concurso não se confundem com o lapso temporal no qual o Tribunal poderia exercitar a prerrogativa da autotutela administrativa.

4. Constatada a irregularidade no exame da documentação para concessão dos pontos referentes ao título pelo exercício da advocacia, a revisão da nota dentro do prazo o art. 54 da Lei 9.784/1999, não viola o princípio segurança jurídica, pois seria despropositado falar segurança na ilegalidade.

5. A denominada “impugnação cruzada de títulos” é prática vedada no âmbito do Conselho Nacional de Justiça. Todavia, inexiste óbice para os próprios Tribunais reverem os títulos apresentados pelos candidatos. Neste caso, o reexame ocorrerá por quem possui competência para tanto.

6. Não cabe ao Conselho Nacional de Justiça analisar a documentação apresentada ao Tribunal por um candidato para, ao final, lhe conceder os prontos relativos ao título pelo exercício da advocacia. Este Conselho não é instância recursal dos Tribunais, banca examinadora ou conhece de pretensões de nítido caráter individual.

7. A tese de que o exercício da advocacia não se confunde com a prática jurídica e que basta a comprovação de atuação em ao menos cinco causas judiciais em três exercícios distintos sem o cumprimento de três ciclos de 365 dias não pode ser aceita. Tal entendimento cria distorções ao privilegiar a classe de advogados na contagem do tempo de atividade jurídica e contraria o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 3.460/DF.

8. Recurso a que se nega provimento[2].

RECURSO EM SEDE DE PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA. CONCURSO. ATIVIDADE NOTARIAL E REGISTRAL. PROVA DE TÍTULOS. IMPUGNAÇÃO CRUZADA. IMPOSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE FATO NOVO. NÃO PROVIMENTO.

I. Recurso contra decisão que julgou improcedente o pedido, por considerar vedada a fase de “impugnação cruzada”.

II. Embora o recorrente afirme não desejar promover a “impugnação cruzada”, em última análise, sua pretensão consiste na reavaliação dos títulos apresentados, com a eventual e consequente redução/revisão das notas de alguns candidatos, medida não prevista no edital e incompatível com a atribuição deste Conselho. Precedente do STF.

III. Inexistindo, nas razões recursais, qualquer elemento novo capaz de alterar o entendimento adotado, a decisão monocrática combatida deve ser mantida.

IV. Recurso Administrativo conhecido, uma vez que tempestivo, mas que, no mérito, nega-se provimento[3].

Ante o exposto, nos termos do artigo 25, inciso X, do Regimento Interno do CNJ, não conheço dos pedidos formulados no presente procedimento administrativo e determino seu imediato arquivamento.

À Secretaria Processual para as providências cabíveis.

Brasília, data registrada no sistema. (Grifos no original)

 

 

1)     Da síntese dos fatos.

 

Em acréscimo às razões já assentadas na decisão de piso e ainda em sede de “prejudicial de mérito”, relevante observar que antes de provocar a atuação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a candidata Camila Caixeta Cardoso Porto, ora requerente/recorrente, apresentou 2 (dois) distintos recursos administrativos perante a Comissão Examinadora do concurso público em testilha.

Após o encerramento das fases iniciais do certame, o resultado preliminar da fase de títulos foi disponibilizado no dia 27/2/2023, momento no qual foi facultada a interposição de recurso pelos candidatos entre os dias 1/3/2023 e 2/3/2023.

Na 1ª pretensão recursal apresentada entre o referido interstício, a requerente - que logrou aprovação na 2ª colocação no certame (provimento) - impugnou a pontuação conferida na fase de títulos ao candidato Marcelo Cunha de Araújo (1º colocado), por considerar equivocada a análise preliminar realizada pela comissão examinadora. Mais precisamente, a requerente argumentou que “não há a possibilidade de candidatos exercerem a atividade de conciliação voluntária de forma concomitante ao exercício da função de promotor de justiça, membro do Ministério Público” (Id 5179874, p. 36).

Assim, num primeiro momento, para fundamentar a sua pretensão de rebaixamento da nota atribuída ao candidato Marcelo, a requerente questionou o título relativo à atividade de conciliador voluntário, por considerar incompatível com o exercício concomitante com outro cargo público. Nesse primeiro momento, não foi apresentado qualquer questionamento acerca da atividade jurídica voluntária.

Por não vislumbrar a irregularidade suscitada, a Comissão Examinadora indeferiu seu recurso em 2/5/2023. Considerou que a atribuição da pontuação ao candidato Marcelo Cunha de Araújo se deu nos exatos termos da alínea “e” do item 18.4 do edital do certame, sendo a pontuação corretamente atribuída em face da função de estágio voluntário (e não de conciliador) no período de 12/02/1998 a 13/02/1999, com carga horária de 20 horas semanais, “concluindo assim que a assistência jurídica voluntária foi exercida antes mesmo do desempenho da função de Promotor de Justiça” (Id 5179874, p. 35-37).

Cumpre reiterar e expor suas razões à apreciação do Plenário:

 

DECISÃO EM SEDE DE RECURSO CONTRA A ANÁLISE DE TÍTULOS

RECORRENTE: Camila Caixeta Cardoso Porto

CRITÉRIO DE INGRESSO: PROVIMENTO

INSCRIÇÃO: 929004523

I - Relatório:

(...)

A candidata insurge-se contra a atribuição de pontuação na alínea “e” do candidato Marcelo Cunha de Araújo.

(...)

II – Fundamentação:

Por fim, relata ter ocorrido equívoco na pontuação atribuída ao candidato Marcelo Cunha de Araújo, que obteve 0,5 pontos na alínea “e”, porém pelo currículo público do candidato resta demonstrado o exercício das funções de promotor de justiça do Estado de Minas Gerais, nos anos de 2001 a 2021, o que inviabiliza evidentemente o exercício das funções de conciliador voluntário ou prestador de assistência jurídica voluntária nesse período. Ademais, afirma que o candidato citado foi aprovado nos concursos públicos para outorga das delegações dos editais 1/2016 e 1/2018 e, mesmo apresentando documentação no intuito de ser pontuado, obteve zero no referido item.

Foi anexado ao recurso o resultado definitivo da etapa de títulos dos editais 01/2016 e 01/2018, referentes aos concursos para Outorga de Delegação do Estado de Minas Gerais.

Requer, pois, a reconsideração da decisão da Comissão Examinadora para que seja retirada a pontuação do candidato Marcelo Cunha de Araújo referente à atribuição da alínea “e”.

O pleito não merece guarida.

A atribuição de pontuação atinente à alínea “e” ao candidato Marcelo Cunha de Araújo se deu nos exatos termos do Edital, pois a pontuação para o referido candidato foi corretamente atribuída em face da função de estágio voluntário no Serviço de Assistência Judiciária da Faculdade Mineira de Direito/PUC Minas, no período de 12/02/1998 a 13/02/1999, com carga horária de 20 horas semanais, concluindo assim que a assistência jurídica voluntária foi exercida antes mesmo do desempenho da função de Promotor de Justiça.

 III – Conclusão

Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso interposto.

Belo Horizonte, data da assinatura eletrônica

Desembargador Marco Aurelio Ferenzini

Presidente da Comissão Examinadora

(Grifo no original)

 

Inconformada com a referida decisão e ciente dos termos que ensejaram a pontuação ao referido candidato, a requerente manejou nova impugnação perante a comissão examinadora, desta vez fora do prazo recursal e por fundamento diverso, para questionar o título relativo ao “exercício de atividade jurídica voluntária”.

Na sua 2ª pretensão recursal, denominada de requerimento e apresentada após o encerramento da fase de títulos, a requerente alterou sua linha argumentativa para apontar que o candidato Marcelo Cunha de Araújo, durante o exercício da atividade de assistência jurídica voluntária, não possuía inscrição na OAB como estagiário no período de um ano exigido na Resolução CNJ n.º 81/2009, constante do item 7.1,“v”, da respectiva minuta de edital. Afirmou em sua peça inicial que “foram pontuados exercícios de estágio nos referidos Serviços sem a comprovação de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil, na condição de estagiário” (grifo no original).

Em resposta ao novo questionamento proposto, a Comissão Examinadora registrou, ad argumentando tantum, que “a atribuição de pontuação atinente à alínea ‘e’ ao candidato Marcelo Cunha de Araújo se deu nos exatos termos do Edital, pois a pontuação para o referido candidato foi corretamente atribuída em face do exercício, no mínimo durante um ano, por ao menos dezesseis horas mensais, de prestação de assistência jurídica voluntária” (Id 5179874, p. 40).

A segunda pretensão recursal foi indeferida em 23/5/2023, nos seguintes termos:

 

DECISÃO EM SEDE DE REQUERIMENTO SOBRE A ANÁLISE DE TÍTULOS

REQUERENTE: Camila Caixeta Cardoso Porto

CRITÉRIO DE INGRESSO: PROVIMENTO

INSCRIÇÃO: 929004523

I – Relatório

Trata-se de requerimento sobre o julgamento dos recursos contra a pontuação de títulos, interposto por Camila Caixeta Cardoso Porto, inscrita sob o nº 929004523, no Concurso Público, de Provas e Títulos, para a Outorga de Delegações de Notas e de Registro do Estado de Minas Gerais – Edital nº 1/2019.

A requerente insurge-se contra a atribuição de pontuação referente à prática de estágio em Serviços de Assistência Judiciária das Instituições de Ensino, atinente à pontuação referenciada na alínea “e” do subitem 18.4, corroborando ainda que, para se pontuar a assistência jurídica dos estagiários, são obrigatórias a inscrição no quadro da OAB, na condição de estagiário, e a voluntariedade na prática do estágio.

Por fim, questiona a pontuação atribuída ao candidato Marcelo Cunha de Araújo, na aludida alínea, arguindo que não possuía o prazo mínimo de um ano, na função de assistente jurídico voluntário, a contar da data de sua inscrição na OAB como estagiário

II – Fundamentação

A requerente visa a contestação da pontuação alcançada por terceiros, relativamente ao título descrito na alínea “e” do subitem 18.4 do Edital 1/2019, que assim dispõe:

(...)

Na edição do Diário do Judiciário Eletrônico de 27 de fevereiro de 2023, foi disponibilizado o resultado preliminar da análise dos títulos dos candidatos aprovados na prova oral do Concurso Público, de Provas e Títulos, para a Outorga de Delegações de Notas e de Registro do Estado de Minas Gerais - Edital nº 1/2019, tendo sido facultado aos candidatos a interposição de recurso nos dias 01 e 02/03/2023. O resultado dos recursos sobre a pontuação preliminar dos títulos foi disponibilizado no DJe de 05/05/2023, não tendo sido provido o recurso interposto pela requerente Camila Caixeta Cardoso Porto contra a atribuição de pontuação na alínea “e” do candidato Marcelo Cunha de Araújo.

O resultado definitivo dos títulos foi disponibilizado na edição do DJe de 16 de maio de 2023.

Preliminarmente, há de se ressaltar que a candidata interpôs o presente requerimento intempestivamente, conforme regramento elencado no subitem 20.41 do edital do certame, de modo que o recurso que não atender à forma e ao prazo determinado no edital não serão conhecidos. Ademais, nos termos da norma editalícia disposta em seu subitem 22.14, não será permitido ao candidato a inclusão, a complementação, a suplementação ou a substituição de recurso durante ou após os prazos previstos no edital.

Ad argumentandum tantum, a atribuição de pontuação atinente à alínea “e” ao candidato Marcelo Cunha de Araújo se deu nos exatos termos do Edital, pois a pontuação para o referido candidato foi corretamente atribuída em face do exercício, no mínimo durante um ano, por ao menos dezesseis horas mensais, de prestação de assistência jurídica voluntária.

III – Conclusão

Pelo exposto, NADA A PROVER.

Belo Horizonte, data da assinatura eletrônica

Marco Aurelio Ferenzini

Presidente da Comissão Examinadora

 

Extrai-se dos autos que a decisão da Comissão Organizadora foi pautada na documentação apresentada pelo candidato na estrita forma exigida pelo edital do certame (item 18.4-“e”), ou seja, com apresentação de “Declaração circunstanciada do Órgão para o qual o serviço foi prestado”. A Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais apresentou Declaração de Estágio Voluntário com indicação de todas as circunstâncias do caso e esclareceu que o candidato “se encontrava, durante o exercício de tal mister, regularmente inscrito como estagiário na Ordem dos Advogados do Brasil” (Id 5287621). Registrou, inclusive, que “(...) a inscrição no quadro de estagiários da OAB-MG era facultativa”, na época. Cite-se:


 

 

Observa-se, assim, que a documentação apresentada pelo candidato Marcelo seguiu adequadamente as orientações do Edital do Concurso n.º 01/2019 do TJMG, cuja análise “foi realizada de modo igualitário entre os candidatos, sem qualquer distinção pessoal”.

Contudo, inconformada com o indeferimento das suas razões recursais pela Comissão Examinadora e ciente das peculiaridades da pontuação conferida ao mencionado candidato, a requerente solicitou, em 10/5/2023, certidão circunstanciada da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de Minas Gerais (OAB/MG), acerca dos registros específicos de Marcelo Cunha de Araújo (Id 5158300), na qual consta que a sua inscrição como estagiário somente teve início em 9/3/1998.

 

 

2)     Da pretensão de impugnação cruzada de títulos.

 

A dinâmica dos fatos acima apresentados, em conjunto com as demais provas dos autos, demonstra que o questionamento proposto é direcionado para a impugnação cruzada de títulos, pois a requerente pretende, desde o início das suas incursões recursais, a revisão da pontuação conferida para outro candidato também aprovado no certame.

Embora a recorrente afirme não desejar promover a “impugnação cruzada”, em última análise, a sua pretensão consiste na reavaliação dos títulos apresentados por outro candidato e cuja solução perpassa pela decomposição da nota e reexame dos documentos por ele apresentados e avaliados pela respectiva comissão examinadora. 

Sobreleva destacar que o respectivo edital do concurso não estabeleceu a impugnação cruzada como fase do procedimento de seleção.

Nesse contexto, a decisão recorrida apresentou entendimento alinhado ao princípio da colegialidade, com aplicação de orientações reiteradamente formalizadas pelo Plenário deste Conselho e que consideraram vedado ao CNJ o exame de questionamentos que envolvam a impugnação cruzada de títulos entre os diversos candidatos no âmbito de concurso público. Cite-se:

 

RECURSO EM SEDE DE PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA. CONCURSO. ATIVIDADE NOTARIAL E REGISTRAL. PROVA DE TÍTULOS. IMPUGNAÇÃO CRUZADA. IMPOSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE FATO NOVO. NÃO PROVIMENTO.

I. Recurso contra decisão que julgou improcedente o pedido, por considerar vedada a fase de “impugnação cruzada”.

II. Embora o recorrente afirme não desejar promover a “impugnação cruzada”, em última análise, sua pretensão consiste na reavaliação dos títulos apresentados, com a eventual e consequente redução/revisão das notas de alguns candidatos, medida não prevista no edital e incompatível com a atribuição deste Conselho. Precedente do STF.

III. Inexistindo, nas razões recursais, qualquer elemento novo capaz de alterar o entendimento adotado, a decisão monocrática combatida deve ser mantida.

IV. Recurso Administrativo conhecido, uma vez que tempestivo, mas que, no mérito, nega-se provimento[4]. (Grifo nosso)

 

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. CONSELHO SUPERIOR DA JUSTIÇA DO TRABALHO. CONCURSO UNIFICADO DA MAGISTRATURA TRABALHISTA. CONVERSÃO DO JULGAMENTO DE RATIFICAÇÃO DE LIMINAR EM JULGAMENTO DE MÉRITO. IMPUGNAÇÃO QUANDO JÁ DEFLAGRADA FASE SUBSEQUENTE DO CERTAME. RESOLUÇÃO CNJ 75/2009. AUSÊNCIA DE PREVISÃO SOBRE OBRIGATORIEDADE DA GRAVAÇÃO DA PROVA ORAL. IMPOSSIBILIDADE DA CHAMADA “IMPUGNAÇÃO CRUZADA”. IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS.

1. Procedimento de Controle Administrativo que se busca a disponibilização de áudios de provas orais e das folhas de notas atribuídas pelos examinadores do I Concurso Público Nacional Unificado para ingresso na carreira da Magistratura do Trabalho.

2. Os atos praticados em cada etapa do concurso devem ser impugnados antes do início da fase seguinte, sob pena de preclusão.

3. A Resolução CNJ 75/2009 não contempla em seu texto previsão de obrigatoriedade da gravação da prova oral, o que afasta eventual ilegalidade por parte do Conselho Superior da Justiça do Trabalho.

4. O CNJ não admite a chamada “impugnação cruzada”, consubstanciada, neste feito, na pretensão de examinar a condução da prova oral de outros candidatos – perguntas repetidas e fora dos pontos do edital – por meio do acesso às gravações das provas orais e às folhas das notas atribuídas pelos examinadores.

5. Pedidos julgados improcedentes[5]. (Grifo nosso)

 

Essa mesma orientação também encontra respaldo nas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), que fixou o entendimento de que a impugnação cruzada dos títulos entre os candidatos, notadamente quando não prevista no respectivo edital, como no presente caso, é medida que afronta aos princípios da segurança jurídica e da vinculação ao instrumento convocatório. Cite-se:

 

MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DECISÃO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA QUE OBSTOU A FASE DE IMPUGNAÇÃO CRUZADA. ETAPA NÃO PREVISTA NO EDITAL DE CONVOCAÇÃO DO CONCURSO. PRÁTICA QUE SE REVELA LESIVA AO PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. PRECEDENTES. SEGURANÇA DENEGADA.

(...)

Quanto ao mérito, a controvérsia sub examine dispõe sobre a viabilidade de “impugnação cruzada” sem previsão editalícia, realizada após a apresentação de títulos no certame, pela qual se permite o questionamento, pelos demais candidatos, dos títulos apresentados por determinado candidato.

(...)

Dessarte, tenho que é de se aplicar ao presente writ a mesma ratio decidendi: a previsão superveniente de novos critérios de avaliação/classificação, bem como de novas fases do certame ou de etapas de impugnação sem a anterior previsão no instrumento convocatório revela-se lesiva ao princípio da segurança jurídica e da vinculação ao edital. É dizer: apesar de agora o caso não se colocar exatamente sobre a possibilidade de limitação do número de diplomas utilizados, entende-se que é de se aplicar a mesma razão de decidir, já que se trata de fixação a posteriori de critérios interpretativos e de avaliação pela Comissão de Concurso[6]. (Grifo nosso)

 

Ressalte-se que o caso em exame também foi objeto de interpelação perante o STF. No julgamento do Mandado de Segurança n.º 39.575-DF, interposto pela candidata Camila Caixeta Cardoso Porto (impetrante) contra a decisão administrativa deste Conselho, o STF indeferiu a liminar pleiteada e assinalou que “não há ilegalidade flagrante no caso concreto, já que, ao menos em cognição inicial, o ato do relator está fundamentado nos termos do edital do concurso e na jurisprudência administrativa que veda o questionamento cruzado de títulos”.

A Suprema Corte registrou que a decisão deste Conselho não inovou na ordem jurídica, pois “o edital foi devidamente observado, pontuando-se o candidato primeiro colocado de acordo com os documentos exigidos no ato de abertura do certame”. Pontuou, ainda, que foi trazida prova do registro na OAB como estagiário, “com expressa declaração de inexigência, à época da exibição de tal documento”.

Ocorre que, antes da análise de mérito e ciente das razões que indeferiram a pretensão liminar, a impetrante apresentou pedido de desistência do MS, o qual foi posteriormente homologado pelo e. Ministro Nunes Marques (Relator) nos termos da decisão proferida em 6/3/2024.

 

 

3)     Da preclusão administrativa.

 

Em acréscimo às orientações acima pontuadas, observa-se a ocorrência da preclusão administrativa para posterior questionamento da fase de títulos do certame, sobretudo quando já encerrada a referida fase sem qualquer impugnação do título só agora questionado.

Conforme acima relatado, o primeiro recurso interposto pela requerente impugnou especificamente a pontuação relativa ao exercício da atividade de “conciliador” pelo candidato Marcelo Cunha de Araújo, por considerar que não há a possibilidade de candidatos exercerem tal atividade de forma concomitante com o exercício de outro cargo público (Id 5179874, p. 36). Destaque-se que além de não questionar, no respectivo prazo recursal, o título relativo à “assistência jurídica voluntária”, a requerente firmou sua inicial fundamentação em argumentos diversos aos apresentados nos presentes autos, pois considerou incompatível o desempenho da atividade de conciliador com outro cargo público.

Somente após o transcurso do prazo recursal estabelecido no edital de forma isonômica para todos os candidatos, ou seja, quando já encerrada a respectiva fase de recursos da prova de títulos, é que a requerente apresenta nova insurgência (segunda pretensão recursal) visando impugnar o título relativo ao “exercício de atividade jurídica voluntária”. Ciente das informações apresentadas pelo Tribunal, a requerente alterou sua inicial linha argumentativa para sustentar que, durante o exercício da atividade jurídica voluntária, o candidato Marcelo Cunha de Araújo não possuía inscrição na OAB como estagiário durante todo o período de um ano exigido na Resolução CNJ n.º 81/2009.

Firme nos princípios da isonomia e da segurança jurídica, que visam conferir tratamento uniforme para todos os candidatos e estabilidade para a organização do concurso, os precedentes do Plenário do CNJ reconhecem a ocorrência de preclusão quando da constatação da impugnação tardia e em fase posterior de concurso público. Cite-se:

 

RECURSO ADMINISTRATIVO. PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO. CONCURSO PÚBLICO PARA PROVIMENTO DE CARGOS DE JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO. ESPELHO DE CORREÇÃO DE PROVA DE SENTENÇA CRIMINAL. IMPUGNAÇÃO TARDIA E EM FASE POSTERIOR. PRECLUSÃO. RECURSO CONHECIDO, PORÉM NÃO PROVIDO.

1. Recurso Administrativo em Procedimento de Controle Administrativo que busca questionar o espelho de correção da prova de sentença criminal do XVII Concurso para Provimento de Cargos de Juiz Federal Substituto da 2ª Região.

2. Dado que a propositura do presente feito ocorreu quase 2 (dois) meses depois da publicação do resultado definitivo das provas de sentença e em momento posterior à divulgação do resultado definitivo das provas orais, há de reconhecer-se a preclusão. Precedentes.

3. A partir do espelho de correção disponibilizado, embora não haja referência à pontuação de cada item, a formulação das razões recursais revela-se possível, já que a elaboração do recurso exige apenas o confronto entre os pontos que a banca indica que deveriam ter sido necessariamente versados e a peça elaborada pelo candidato durante a prova. Precedente.

4. É pacífica a jurisprudência do Conselho no sentido de que não há ilegalidade na ausência de divulgação dos critérios de correção de provas subjetivas ou do espelho de correção de provas.

5. Inexistência de fato novo ou de elementos capazes de infirmar os fundamentos que lastreiam a decisão impugnada.  

6. Recurso conhecido, porém não provido[7]. (Grifo nosso)

 

RECURSO ADMINISTRATIVO. PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO-TJMA. CONCURSO DE PROVAS E TÍTULOS. SERVIÇOS EXTRAJUDICIAIS. EDITAL Nº 01/2016. PRECLUSÃO. IMPUGNAÇÃO FORA DO PRAZO. DECISÃO SUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADA. PRETENSÃO DE CARÁTER INDIVIDUAL. MERO INCONFORMISMO. RECURSO QUE SE CONHECE, MAS SE NEGA PROVIMENTO[8]. (Grifo nosso)

 

A razão de ser do instituto da preclusão está lastreada na esperada segurança jurídica do ato administrativo e na boa organização do processo. Sua fundamentação está assentada na prevalência da aspiração da certeza da concretude do ato administrativo, revelando-se instrumento efetivo que se destina à eliminação dos conflitos (MARINELA, 2018[9]). Nesse contexto, permitir a interposição extemporânea de recurso administrativo para possibilitar a impugnação cruzada de títulos, fase não foi prevista no edital, constitui tratamento diferenciado não conferido aos demais candidatos aprovados no certame e que atenta diretamente contra a esperada segurança jurídica.

A preclusão constitui princípio basilar aplicado tanto no processo administrativo como no processo judicial. Pode ser constatada quando do encerramento do prazo fixado para a prática de determinado ato, implicando para a parte interessada, a partir de então, a impossibilidade de se realizar um direito. (CARVALHO FILHO, 2017[10]). Situação aplicável ao presente caso, pois não constatado o tempestivo e regular questionamento formulado pela requerente acerca do título relacionado ao exercício da atividade de assistência jurídica voluntária, somente apresentado após o encerramento da referida fase do certame.

A incidência da orientação acima pontuada atrai a aplicação da orientação disposta no Enunciado Administrativo n.º 22/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o qual estabelece que “nos concursos de provas e títulos para a outorga de delegação de notas e registro, já encerrados, com situação de fato já consolidada pela efetiva outorga das respectivas delegações, o resultado será mantido, independentemente de sua conformidade ou não à interpretação ora adotada”.

 

 

4)     Do mérito.

 

Caso superadas as preliminares acima suscitadas, no exame de mérito, também não são visualizadas razões suficientes para a pretendida intervenção.

No exame das duas pretensões recursais apresentadas para questionar a pontuação conferida ao candidato Marcelo Cunha de Araújo, a banca examinadora do TJMG, no exercício do seu poder/dever de autotutela, manteve a inicial pontuação conferida por considerar adequado aos padrões normativos vigentes na época da aquisição do referido título, sendo atribuída a pontuação ao referido candidato em face do exercício, no mínimo durante um ano, por ao menos dezesseis horas mensais, de prestação de assistência jurídica voluntária.

Por considerar atendidos todos os requisitos exigidos, a banca registrou que atuou “em estrita observância às disposições do edital, à legislação de regência e aos princípios norteadores da Administração Pública”, ressaltando que “a análise de títulos, ora impugnada, foi realizada de modo igualitário entre os candidatos”.

 

4.1) Irretroatividade das normas jurídicas.

 

Conforme esclarecimentos apresentados pelo Tribunal, a prática da “atividade jurídica voluntária”, objeto específico do presente questionamento, foi realizada pelo candidato Marcelo Cunha de Araújo entre os anos de 1998 e 1999, antes da entrada em vigor das orientações assinaladas na Resolução CNJ n.º 62/2009 e na Resolução CNJ n.º 81/2009, que disciplinam, respectivamente, os procedimentos relativos ao cadastramento e à estruturação de serviços de assistência jurídica voluntária e a organização dos concursos públicos de provas e títulos para a outorga das Delegações de Notas e de Registro.

Na época do exercício da referida atividade jurídica (1998/1999), inexistia obrigatoriedade de o estagiário se encontrar inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para o efetivo reconhecimento dessa atividade, conforme informação consignada pela própria Instituição de Ensino Superior (IES) onde a atividade foi realizada.

De acordo com o art. 9º, II, da Lei n.º 8.906/94 (Estatuto da OAB), “para inscrição como estagiário é necessário: (...) II – ter sido admitido em estágio profissional de advocacia”. Assim, antes da solicitação de inscrição como estagiário perante a OAB, era exigida a prévia admissão do interessado no estágio profissional correspondente, a caracterizar o início da atividade antes mesmo do registro perante a Ordem. No caso dos autos, após a admissão e início da atividade jurídica voluntária pelo candidato Marcelo Cunha de Araújo em 12/2/1998, a solicitação de inscrição perante a OAB/MG foi prontamente formalizada em 19/2/1998 (Id 5521188), sendo a respectiva inscrição deferida somente em 9/3/1998, passados alguns dias da sua solicitação.

Pela legislação observada na época, o início do estágio era pressuposto para o deferimento do pedido de inscrição junto à OAB como estagiário, sendo a atividade efetivamente exercida desde a respectiva admissão.

Já a Resolução CNJ n.º 62/2009, que passou a disciplinar os serviços de assistência jurídica voluntária,  passou a estabelecer que “os estagiários e os orientadores a que se refere o parágrafo anterior somente serão admitidos ao serviço voluntário de assistência jurídica, na forma desta Resolução, se comprovar a inscrição e situação regulares na Ordem dos Advogados do Brasil” (art. 6º, § 2º).

Percebe-se, assim, a evidente alteração do contexto normativo aplicado ao caso em exame, pois antes, enquanto a Lei n.º 8.906/94 (art. 9º, II) exigia o início da atividade jurídica voluntário para o deferimento da inscrição perante a OAB; posteriormente, após a entrada em vigor da Resolução CNJ n.º 62/2009, passou-se a estabelecer que somente serão admitidos ao serviço voluntário os estagiários que comprovarem a prévia inscrição perante a Ordem (art. 6º, § 2º).

Essa constatação demostra que a atividade jurídica voluntária foi regularmente alcançada pelo candidato Marcelo nos moldes e nas condições exigidas naquele momento (1998/1999), não podendo ser totalmente desconsiderada em razão da posterior exigência de novos requisitos ou condições para a validade do ato, somente pontuados no ano de 2009.

Orientação que decorre do preceito estabelecido no art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), o qual assevera que “a Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”.

Para que o direito que emergiu do ato jurídico anterior, realizado na forma da legislação então vigente, não seja prejudicado pela imposição de novos requisitos, a norma jurídica reconhece a incorporação do direito ao patrimônio jurídico do candidato. Assim, o ato jurídico perfeito é protegido e subtraído do império da lei posterior, precisamente para que o direito que emergiu daquele ato e que por seu intermédio se tornou adquirido não seja prejudicado pela aplicação retroativa de nova norma.

Para o caso, relevante a aplicação do princípio da irretroatividade das normas jurídicas, cujo preceito visa proteger situações jurídicas consolidadas pelo tempo, mormente aquelas atingidas pelo ato jurídico perfeito, pela coisa julgada e pelo direito adquirido. O citado princípio orienta que as leis, regras e regulamentos não devem ter efeito retroativo, não podendo se exigir do candidato condições novas para fatos consumados antes de sua entrada em vigor, dada a caracterização de ato jurídico perfeito (art. 5ª, XXXVI, da CF[11]).

Com igual acerto, os precedentes do Plenário assinalam que o CNJ não pode fazer as suas decisões e normas retroagirem no tempo para satisfazer requerimento extemporâneo de interessado que não se valeu da via administrativa ou judicial no momento oportuno. Precedentes nesse sentido:

 

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MATO GROSSO. PROMOÇÃO DE MAGISTRADOS POR ANTIGUIDADE. CRITÉRIO DE DESEMPATE. PREVISÃO CONTIDA NO CÓDIGO DE ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA.

1. Não obstante tenha o Poder Judiciário Estadual autonomia para adotar critérios de promoção por merecimento, devem obedecer às normas e princípios constitucionais, bem como o disposto na Resolução n. 6/2005 do Conselho Nacional de Justiça.

2. A adoção do tempo de serviço público prestado ao Estado de Mato Grosso em primazia à ordem de classificação no certame, como critério de desempate, introduzido pela Lei Complementar Estadual 281, de 27/09/2007, que inseriu o parágrafo único no art. 159 da Lei n. 4.964/85, não pode alcançar a requerente e demais magistrados que ingressaram na magistratura no ano 2003, nomeados que foram para o cargo de juiz de direito substituto a 05/12/2003, sob pena de ofensa ao princípio de irretroatividade das normas jurídicas.

3. A utilização do tempo de serviço público, como critério de desempate, no ano de 2007, em preferência e em detrimento à ordem de classificação, não poderia alterar a lista de antiguidade do concurso da requerente, formada na conformidade do tempo de serviço na entrância e de acordo com a ordem de classificação no certame de 2003, em obediência ao mandamento constante do artigo 93, inciso I, da Constituição Federal.

4. Pedido que se julga procedente para determinar ao Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso que edite ato tendente a modificar a redação do art. 159 do seu Código de Organização Judiciária, na parte referente ao requisito do critério de desempate na antiguidade, bem como que não realize qualquer concurso de remoção antes da modificação determinada neste julgamento[12]. (Grifo nosso)

 

RECURSO ADMINISTRATIVO. PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. REVOGAÇÃO DO ART. 20 DA RESOLUÇÃO N. 228/CNJ. VIOLAÇÃO DO ART. 5º, XXXVI DA CF/88. CONSECTÁRIOS DO ATO JURÍDICO PERFEITO E DA SEGURANÇA JURÍDICA.

Não há como a Administração, na edição de ato normativo regulamentar, afastar consectários constitucionais previstos com garantia fundamental, cláusula pétrea por excelência.

Recurso administrativo provido[13]. (Grifo nosso)

 

Observadas todas as particularidades do caso, conclui-se pela impossibilidade de o CNJ revisar os critérios das decisões administrativas relativas à análise de notas e pontuações conferidas pela banca examinadora, cuja avaliação seguiu estritamente os termos do título indicado no item 18.4, ‘e’, do Edital n.º 01/2019, não havendo que se falar em ilegalidade ou teratologia (Id 5524625).

 

Oportuno ressaltar que semelhante questionamento foi proposto pela candidata Camila Caixeta Cardoso nos autos do PCA 0003335-22.2021.2.00.0000, onde também impugnou a organização da fase de títulos do anterior concurso público realizado pelo TJMG, regido pelo Edital n.º 01/2017. Questionou, pontualmente, a pontuação conferida pela banca examinadora para diferentes candidatos, com características de impugnação cruzada, sem alcançar êxito perante este Conselho. 

Assim, coerente a interpretação apresentada pela banca examinadora que, no âmbito da sua autonomia administrativa, considerou válido o título apresentado pelo candidato Marcelo Cunha de Araújo, relativo ao exercício da atividade jurídica voluntária realizada como estagiário durante os anos de 1998 e 1999.

Diante do exposto, conheço do recurso interposto, uma vez que tempestivo, mas, no mérito, nego-lhe provimento.

É como voto.

Brasília, data registrada no sistema.

 

Conselheiro João Paulo Schoucair

Relator

 



[1] Art. 115. A autoridade judiciária ou o interessado que se considerar prejudicado por decisão do Presidente, do Corregedor Nacional de Justiça ou do Relator poderá, no prazo de cinco (5) dias, contados da sua intimação, interpor recurso administrativo ao Plenário do CNJ. § 1º São recorríveis apenas as decisões monocráticas terminativas de que manifestamente resultar ou puder resultar restrição de direito ou prerrogativa, determinação de conduta ou anulação de ato ou decisão, nos casos de processo disciplinar, reclamação disciplinar, representação por excesso de prazo, procedimento de controle administrativo ou pedido de providências. § 2º O recurso será apresentado, por petição fundamentada, ao prolator da decisão atacada, que poderá reconsiderá-la no prazo de cinco (5) dias ou submetê-la à apreciação do Plenário na primeira sessão seguinte à data de seu requerimento. § 3º Relatará o recurso administrativo o prolator da decisão recorrida; quando se tratar de decisão proferida pelo Presidente, a seu juízo o recurso poderá ser livremente distribuído. § 4º O recurso administrativo não suspende os efeitos da decisão agravada, podendo, no entanto, o Relator dispor em contrário em caso relevante. § 5º A decisão final do colegiado substitui a decisão recorrida para todos os efeitos. § 6º Dos atos e decisões do Plenário não cabe recurso.

[2] CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0003708-87.2020.2.00.0000 - Rel. CANDICE LAVOCAT GALVÃO JOBIM - 332ª Sessão Ordinária - julgado em 01/06/2021.

[3] CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0007050-48.2016.2.00.0000 - Rel. CARLOS AUGUSTO DE BARROS LEVENHAGEN - 259ª Sessão Ordinária - julgado em 26/09/2017.

[4] CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0007050-48.2016.2.00.0000 - Rel. CARLOS AUGUSTO DE BARROS LEVENHAGEN - 259ª Sessão Ordinária - julgado em 26/09/2017

[5] CNJ - ML – Medida Liminar em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0010323-64.2018.2.00.0000 - Rel. MÁRCIO SCHIEFLER FONTES - 51ª Sessão Extraordinária - julgado em 18/12/2018.

[6] MS 34082, Relator(a): Min. LUIZ FUX, julgado em 23/11/2016, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-251 DIVULG 24/11/2016 PUBLIC 25/11/2016.

[7] CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0004003-61.2019.2.00.0000 - Rel. MÁRCIO SCHIEFLER FONTES - 52ª Sessão Virtual - julgado em 20/09/2019.

[8] CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0001676-46.2019.2.00.0000 - Rel. MARIA CRISTIANA ZIOUVA - 59ª Sessão Virtual - julgado em 14/02/2020.

[9] MARINELA, Fernanda. Direito administrativo. 12ª edição. São Paulo: Ed. Saraiva. 2018.

[10] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 31. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2017.

[11] Art. 5º (...) XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

[12] CNJ - PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0000745-92.2009.2.00.0000 - Rel. Leomar Amorim - 94ª Sessão Ordinária - julgado em 10/11/2009.

[13] CNJ - RA – Recurso Administrativo em PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 0006637-35.2016.2.00.0000 - Rel. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA - 25ª Sessão Virtual - julgado em 21/09/2017.