EMENTA 

 

RECURSO ADMINISTRATIVO EM PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. A INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL DO MAGISTRADO REVERBERA EM GARANTIA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL IMPARCIAL EM FAVOR DA SOCIEDADE. MATÉRIA DE NATUREZA EMINENTEMENTE JURISDICIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME. DECISÃO DE ARQUIVAMENTO MANTIDA.

1. O que se alega contra a requerida se classifica como matéria estritamente jurisdicional, diretamente vinculada a procedimento de citação adotado nos autos. Em tais casos, deve a parte valer-se dos meios processuais adequados, não cabendo a intervenção do Conselho Nacional de Justiça.

2. O CNJ, cuja competência está restrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não pode intervir em decisão exclusivamente jurisdicional, para corrigir eventual vício de ilegalidade ou nulidade, porquanto a matéria não se insere em nenhuma das atribuições previstas no art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal.

3. A independência funcional do magistrado reverbera em garantia de prestação jurisdicional imparcial, em favor da sociedade, expressamente prevista no art. 41 da LOMAN, somente podendo ser questionada administrativamente quando demonstrado que, no caso concreto, houve atuação com parcialidade decorrente de má-fé, o que não se verifica neste caso.

4. Ausentes indícios de má-fé na atuação da magistrada, eventual impugnação deve ser buscada pelos mecanismos jurisdicionais presentes no ordenamento jurídico. 

5. Recurso administrativo a que se nega provimento.

 

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário Virtual, 12 de agosto de 2022. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura (Relatora), Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0000695-92.2022.2.00.0814
Requerente: CONSTRUTORA VILLAGE EIRELI
Requerido: LAILCE ANA MARRON DA SILVA CARDOSO


 

RELATÓRIO 

  

 A EXMA. SRA. MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA (Relatora):

  

Trata-se de recurso administrativo interposto por CONSTRUTORA VILLAGE EIRELLI contra decisão que determinou o arquivamento deste pedido de providências, em decisão assim fundamentada (Id 4708930):

 

O exame do que consta dos autos revela adequado o entendimento que se adotou na origem.

Não há elementos que autorizem divisar, ainda que em perspectiva, a prática da conduta infracional a justificar a deflagração ou seguimento de procedimento, quer de natureza investigativa, quer punitiva.

A propósito, constou da decisão da Corregedora-Geral da Justiça: 

 

Inicialmente, observa-se que o objeto dos presentes autos de Reclamação Disciplinar é precipuamente a insatisfação em relação à condução judicial dos autos do processo n.º 0874545- 84.2018.8.14.0301.

Ademais, não consta nenhuma prova documental ou testemunhal cabal para se auferir “in concreto” qualquer atitude ilegal, abusiva ou prejudicial praticada pela Juíza de Direito reclamada, a qual contraditou as acusações apontadas.

No tocante à manifesta insatisfação quanto à condução do processo e ao conteúdo de decisões proferidas pela Juíza de Direito reclamada, é indubitável que a reclamação em questão é de cunho jurisdicional, portanto, a matéria objeto da reivindicação exorbita o âmbito do poder censório desta Corregedoria.

Cumpre destacar que a Lei Complementar nº 35, de 14/03/1979 – Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN), a fim de impedir que a atuação dos órgãos censores interfira na independência do magistrado (...)

Assim, convém ressaltar ao requerente que a competência desta Corregedoria-Geral de Justiça se restringe a situações de ordem administrativa, sem nenhuma função judicante.

Desse modo, não cabe ao Órgão Correcional analisar recurso e nem mérito de decisão judicial, tampouco avaliar os fundamentos da mesma, sob pena de extrapolar os lindes de sua competência e, mais grave ainda, ferir a independência do juiz.

Ademais, a Resolução nº 135 do CNJ, em seu Art. 9º, § 2º, estabelece que “quando o fato narrado não configurar infração disciplinar ou ilícito penal, o procedimento será arquivado de plano pelo Corregedor, no caso de magistrados de primeiro grau”.

Ante o exposto, uma vez que de todo o apurado e da análise acurada dos autos, não houve possibilidade de atribuir a prática de qualquer ato irregular ou ilegal à Magistrada reclamada, DETERMINO o ARQUIVAMENTO da presente reclamação disciplinar com fulcro no parágrafo único do art. 91 §4 do Regimento Interno deste Tribunal de Justiça e no art. 9º, § 2º da Resolução nº 135 do Conselho Nacional de Justiça.

 

De fato, não se colhem dos autos elementos, sequer indícios, de que a atuação da magistrada no caso concreto foi desidiosa, abusiva ou desviada das finalidades próprias à judicatura. Houvesse alguma suspeita nesse sentido lastreada no conjunto probatório, seria caso de se deflagrar o procedimento administrativo disciplinar.

Como visto, a insurgência refere-se a questão eminentemente jurisdicional relacionada ao mérito das decisões proferidas pela magistrada requerida.

Nos termos do artigo 103-B, § 4º, da Constituição Federal, a competência do Conselho Nacional de Justiça está limitada "ao controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes".

Sob essa ótica, constata-se a adoção de entendimento adequado na origem. Mostra-se, portanto, desnecessária intervenção do Conselho Nacional de Justiça.

Pelo exposto, nos termos do que dispõem o art. 28, parágrafo único, e o art. 19, primeira parte, do Regulamento Geral desta Corregedoria Nacional de Justiça, arquive-se o presente expediente, com baixa. 

 

Sustenta a recorrente, na petição recursal:

 

Imprescindível observar que a Autora, na Inicial, expressamente, revela ser devedora na relação contratual discutida nos autos de origem, assim como que foi notificada a vistoriar o imóvel negociado, porquanto estava pronto.

Ainda assim, a MM Juíza Reclamada houve por bem DEFERIR a liminar pleiteada quanto ao pagamento de lucros cessantes, sem qualquer cautela em relação ao que fora afirmado pela própria Autora da ação.

Além disso, ao longo das tentativas de citação da Reclamante, a MM Juíza, ex officio, diversamente do peticionado pela própria Autora, em pleno interesse na causa, houve por bem extrair, do sistema INFOJUD, informações de localização da Reclamante, conforme se afigura do Despacho de ID 17170267, nos seguintes termos: [...]

 

Conclui, com isso, que o “ato que revela claro interesse da Julgadora na causa, sem a observância de preceito fundamental, previsto na Constituição Federal e refletida na codificação processual em vigor”.

Acentua que “a própria Julgadora, em entendimento contrário ao pleiteado pela parte, houve por bem, ORDENAR citação por hora certa, no único intuito de prejudicar a Reclamante, merecendo ser aplicada a penalidade cabível à espécie, vez que estamos diante de Reclamada com interesse prejudicial à Reclamante”.

Menciona decisão proferida em agravo de instrumento, que deferiu efeito suspensivo diante da probabilidade de provimento do recurso e de risco de dano. Porém, “a MM Juíza insiste em DESCUMPRI-LA, haja vista que foi proferida em Dezembro de 2021 e nunca teve decisão de cumprimento por parte da Reclamada”.

Entende configurado “retardo proposital por parte da Reclamada em não cumprir ordem judicial advinda do Tribunal de Justiça paraense, haja vista que tal decisão, ao fim e ao cabo, é favorável à Reclamante. Valendo ressaltar, que o mesmo tratamento não é dado à parte adversa do processo de origem”.

Acentua que “a Juíza Reclamada tem se comportado de maneira a favorecer a Autora em TOTAL PREJUÍZO da Reclamante, porquanto tem autorizado, inclusive, ato de ofício diversamente do pleiteado pela parte, como no caso da citação por hora certa e da investigação do endereço da Reclamante sem pedido nos autos e sem pagamento das custas pertinentes”. Aponta a parcialidade da magistrada.

Pugna pelo provimento do recurso, a fim de que se processe e julgue procedentes os argumentos expostos na inicial, com a imposição da penalidade administrativa cabível à juíza reclamada.

É o relatório.

A34/Z04

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0000695-92.2022.2.00.0814
Requerente: CONSTRUTORA VILLAGE EIRELI
Requerido: LAILCE ANA MARRON DA SILVA CARDOSO

 


 

VOTO

 

 A EXMA. SRA. MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA (Relatora):

 

Conforme consignado na decisão impugnada, a matéria aqui tratada é estritamente jurisdicional, pois se questiona a atuação da magistrada na ação judicial, em especial no tocante ao procedimento de citação.

 A questão, contudo, como informa a própria recorrente, já foi submetida a exame do Tribunal de origem, em sede de agravo de instrumento, com notícia de concessão de efeito suspensivo.

Nos termos do artigo 103-B, § 4º, da Constituição Federal, a competência do Conselho Nacional de Justiça está restrita "ao controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura".

Nesse sentido: 

  

RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. ALEGAÇÃO DE SUSPEIÇÃO. INDEFERIMENTO DE PROVAS E JUSTIÇA GRATUITA. QUESTÕES MERAMENTE JURISDICIONAIS. RECURSO DESPROVIDO.  

1. Alegação de suspeição em razão de suposta parcialidade deve ser realizada no bojo dos autos judiciais, mediante ato processual específico para a espécie.  

2. Magistrada que indeferiu provas e a concessão de justiça gratuita nos autos de ação trabalhista. Irresignação que se volta ao exame de matéria eminentemente jurisdicional, hipótese em que a parte prejudicada deve valer-se dos meios recursais próprios, não se cogitando atuação do CNJ.  

3. Recurso administrativo desprovido. 

(CNJ – RA – Recurso Administrativo em RD – Reclamação Disciplinar – 0004381-85.2017.2.00.0000 – Rel. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA – 268ª Sessão Ordinária – j. 20/3/2018.) 

  

RECURSO ADMINISTRATIVO. RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. EXAME DE MATÉRIA JURISDICIONAL. CONTROLE DE ATO JUDICIAL. DESCABIMENTO. INCOMPETÊNCIA DO CNJ. ART. 103-B, § 4º, DA CF. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 

1. A competência constitucional do Conselho Nacional de Justiça é restrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não lhe cabendo exercer o controle de ato de conteúdo judicial para corrigir eventual vício de ilegalidade ou nulidade. 

2. Exame de matéria eminentemente jurisdicional não enseja a intervenção do Conselho Nacional de Justiça por força do disposto no art. 103-B, § 4º, da CF. 

3. Recurso administrativo conhecido e desprovido.

(CNJ – RA – Recurso Administrativo em PP – Pedido de Providências –Corregedoria – 0002342-86.2015.2.00.0000 – Rel. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA – 22ª Sessão Virtual – j. 5/6/2017.)

 

RECURSO ADMINISTRATIVO EM PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. ARQUIVAMENTO SUMÁRIO. INEXISTÊNCIA DE INFRAÇÃO DISCIPLINAR. QUESTÃO MERAMENTE JURISDICIONAL. INCIDÊNCIA DO ART. 41, LOMAN. 

1. Pedido de Providências distribuído ao Gabinete da Corregedoria Nacional de Justiça em 10/02/2015. 

2. A simples existência de representação anterior na Corregedoria Nacional de Justiça – para processar, em tempo razoável, ações do interesse do reclamante – não tornam, por si só, suspeito ou impedido o Juiz do processo. 

3. Hipótese em que a parte prejudicada poderia ter se valido dos meios processuais adequados para discutir eventual suspeição ou impedimento do julgador. 

4. Irresignação que se volta ao exame de matéria eminentemente jurisdicional, não se justificando a atuação do CNJ. 

5. Recurso administrativo não provido.

(CNJ – RA – Recurso Administrativo em PP – Pedido de Providências – Conselheiro – 0000440-98.2015.2.00.0000 – Rel. Min. NANCY ANDRIGHI – 15ª Sessão Virtual – j. 21/6/2016.)

 

 Sob essa perspectiva, portanto, a matéria é flagrantemente estranha às finalidades deste Conselho, fazendo incidir o art. 16, § 1º, do Regulamento Geral desta Corregedoria Nacional de Justiça, in verbis:

 

Será determinado o arquivamento liminar da reclamação quando a matéria for flagrantemente estranha ao objeto da Corregedoria Nacional ou às finalidades do Conselho Nacional de Justiça, quando for manifestamente improcedente o pedido, quando esteja despida de elementos mínimos para a compreensão da controvérsia ou quando ausente o interesse geral.

 

Ressalte-se que, a despeito de alegado, não há indícios de interesse pessoal da magistrada no resultado do processo ou da prática de falta funcional. O inconformismo com o teor das decisões deve ser resolvido pelas vias judiciais próprias, o que, como visto, já está sendo feito.

Enfim, a questão é eminentemente jurisdicional e nada impede que a medida adequada seja formulada pela parte interessada junto ao órgão competente.

Finalmente, cabe anotar que a independência funcional do magistrado reverbera em garantia de prestação jurisdicional imparcial, em favor da sociedade, expressamente prevista no art. 41 da LOMAN. Somente se admite questioná-la administrativamente quando demonstrado que, no caso concreto, houve atuação com parcialidade decorrente de má-fé. Essa, porém, não é a hipótese desses autos.

Dessarte, mostra-se irrepreensível a decisão adotada no Tribunal de origem e por mim referendada..

Ante o exposto, nego provimento ao recurso administrativo.

É como voto. 

 

A34/Z04