EMENTA

 

 

 

REPRESENTAÇÃO POR EXCESSO DE PRAZO. COMPETÊNCIA ORIGINAL, AUTÔNOMA E CONCORRENTE DO CNJ PARA APURAÇÃO, A QUAL SE COADUNA COM A DELEGAÇÃO À CORREGEDORIAS LOCAIS.

 

1.    O Supremo Tribunal Federal já assentou em duas oportunidades (AgRg no MS n. 36.055/2019 e MS n. 28.513/2015) que a competência do CNJ é original, autônoma e concorrente, no que respeita a procedimentos apuratórios e disciplinares.

 

2.    Essa competência, quando delegada às Corregedorias locais, em especial sob controle e fiscalização da Corregedoria Nacional de Justiça, respeita a natureza constitucional que foi explicitada pelo STF e não traz qualquer prejuízo aos representantes, os quais podem, inclusive, voltar a demandar o CNJ, se assim se fizer necessário.

 

A42

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário Virtual, 30 de abril de 2021. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura, Emmanoel Pereira, Luiz Fernando Tomasi Keppen, Rubens Canuto, Tânia Regina Silva Reckziegel, Mário Guerreiro, Candice L. Galvão Jobim, Flávia Pessoa, Ivana Farina Navarrete Pena, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, André Godinho, Maria Tereza Uille Gomes e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Não votou, em razão da vacância do cargo, o representante do Ministério Público da União.

 

RELATÓRIO

 

          A EXMA. SRA. MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA (Relatora):

         

       Trata-se de representação por excesso de prazo formulada por JERSONITA MONTALVÃO DA CUNHA contra GABRIEL CONSIGLIERO LESSA, Juiz da 3ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Anápolis do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás.

          

         A representante requereu a apuração de morosidade nos processos de curatela, inventário e prestação de contas distribuídos, respectivamente, sob os números 109543-69.2015.8.09.0006, 0345406.05.2015.8.09.0006 e 5165982.39.2020.8.09.0006.

            

         Narrou que é curadora de idosa meeira nos autos do referido inventário e que foi deferida a venda de bem dele constante, em razão das necessidades da idosa. Afirma que, mesmo com a venda do bem, necessita constantemente estar peticionando em juízo para que sejam liberados valores que são imprescindíveis para os cuidados da curatelada. Assevera que os autos em questão foram redistribuídos ao Juízo do representado em 06 de outubro de 2020, há mais de 2 (dois) meses, sem que os alimentos imprescindíveis à sobrevivência da idosa tenham sido liberados.

 

        Em 08/01/2021 (ID 4220046), decidi pelo arquivamento do feito com delegação à Corregedoria-Geral do Estado de Goiás, nos seguintes termos:

 

Em consulta ao sítio eletrônico do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, verifica-se a juntada de petição requerendo seja o feito chamado à ordem, no processo de inventário n. 0345406-05.2015.8.09.0006, em 30/11/2020, e de petição com prestação de contas referente ao período de 17/01/2020 a 30/11/2020 nos autos de Prestação de Contas n. 5165982.39.2020.8.09.0006, na mesma data. Quanto ao processo de curatela, n.109543-69.2015.8.09.0006, há despacho, em 11/8/2020, do seguinte teor:

(...)

Embora a redistribuição ao magistrado requerido tenha menos de 100 dias, levando-se em conta que o feito envolve idosa curatelada, com alegada necessidade de liberação de valores para seu sustento, é recomendável que se verifique a existência de eventual mora.

A Corregedoria à qual o magistrado está vinculado, por ser responsável imediata pela supervisão dos trabalhos desenvolvidos pelos magistrados e varas de primeiro grau de jurisdição e por conhecer a estrutura e as características relacionadas a todas as unidades judiciais do estado, tem condições adequadas de apurar, com qualidade e efetividade, a eventual mora na tramitação processual apontada no requerimento inicial.

Ante o exposto, comunique-se à Corregedoria-Geral do Estado de Goiás para apuração, cientificando-a de que: a) a ora representante deverá figurar no polo ativo do procedimento administrativo instaurado em âmbito local, sendo necessariamente intimada de todos os atos processuais; b) esta Corregedoria Nacional deve ser informada do número do expediente instaurado pela Corregedoria-Geral; c) não é o caso de aplicação da Resolução CNJ n. 135.

Intime-se a representante cientificando-a de que ulteriores informações devem ser buscadas junto à Corregedoria-Geral do Estado de Goiás (https://www.cnj.jus.br/poder-judiciario/tribunais/).

Com a informação do número do expediente instaurado pela Corregedoria-Geral, arquivem-se os autos, com baixa, prejudicado o pedido de liminar.

 

           Em 11/01/2021 (ID 4223041) a representante, irresignada, apresentou tempestivamente, recurso administrativo.

 

           Nas razões recursais alega que a competência para apuração de infrações disciplinares praticadas por juízes é concorrente entre o CNJ e as Corregedorias locais, mas reclama a atuação direta deste CNJ, em detrimento da apuração pelo Colegiado do Estado de Goiás. Afirma não ter tido experiência exitosa nesse sentido, já que depois de acionar a Corregedoria estadual esta se quedou inerte. Traz, em socorro à sua tese, julgado do STF, no AgRg no MS n. 36055/2019. Cita também as previsões do art. 103-B, § 4º, III, da CF, e o art. 12, da Resolução n. 135 deste CNJ.

 

           O requerido, intimado, apresentou contrarrazões. Em apertada síntese, diz que a 3ª Vara de Família e Sucessões de Anápolis foi criada a partir da Lei n. 20.816/2020 e do Decreto Judiciário n. 1.763/2020, de 14/09/2020. Afirma que respondeu pelo acervo dessa Unidade de 6/10/2020 a 18/12/2020, até a assunção da juíza titular, Dra. Heloisa Silva Santos. Assevera que a conclusão do feito objeto desta representação só foi feita em 12/01/2021, quando já não era mais responsável pela Vara. Aduz que a advogada subscritora da representação denigre, sem razão,  a imagem da Corregedoria local, e que, com alguma frequência, propõe reclamações infundadas, inclusive contra outro magistrado, no mesmo procedimento, a exemplo das REPs n. 5209 e n. 1439.

            

            É o relatório.

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 VOTO

 

         A EXMA. SRA. MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA (Relatora):

 

O presente recurso assenta suas razões, basicamente, na impropriedade de delegação das atribuições apuratórias desta Corregedoria Nacional de Justiça às Corregedorias locais, dado que sua competência correicional seria concorrente e não subsidiária a dessas últimas, razão por que deveria atuar desde logo e diretamente nas representações que recebe. A recorrente traz, em abono à sua tese, decisão do STF, no AgRg no MS 36055, Rel. Min. Ricardo Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, j. em 22/02/2019.

 

Pois bem.

 

O recurso não prospera por pelo menos duas razões.

 

A primeira delas tem raiz na própria interpretação dada pelo STF, à natureza da competência do CNJ. Assim é que o precedente trazido pela recorrente, ao invés de reforçar sua tese, antes a enfraquece. Vejamos qual foi o contexto que motivou a impetração e como o assunto foi decidido.

 

No MS 360455/2019, o impetrante, Siro Darlan de Oliveira, Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, se voltava contra ato praticado pelo Plenário do CNJ, qual seja, a instauração de PAD - Procedimento Administrativo Disciplinar. Asseverava que o Pleno do Conselho reconhecera a existência de indícios de falta grave nas suas condutas. Insistia em que os mesmos fatos que ensejaram a instauração do processo administrativo já eram objeto de investigação pela Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro – a Corregedoria local - e que não se havia de falar, ao contrário do que sustentado pelo Conselho, em competência concorrente. Sustentava que a competência da Corregedoria do Rio de Janeiro precedia e afastava a do CNJ.

 

Diante dessa controvérsia, o STF assentou que a competência do CNJ é originária e concorrente e não subsidiária à atuação primeira da Corregedoria local. Dito de outra forma, isso significa que o CNJ é quem tem precedência (competência original) para atuar sozinho (competência autônoma) ou em cooperação (competência concorrente) com as Corregedorias Gerais ou Regionais, se assim entender de fazê-lo, usando de seu poder discricionário.  Numa palavra, ele pode mais e não menos, no que respeita às atividades fiscalizatórias e disciplinares que lhe competem.

 

Confira-se a ementa:

 

 MS 36055 AgR

Órgão julgador: Segunda Turma

Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI

Julgamento: 22/02/2019

Publicação: 28/02/2019

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ. COMPETÊNCIA. ATRIBUIÇÃO CORREICIONAL ORIGINÁRIA E AUTÔNOMA DO CONSELHO. AUSÊNCIA DE INJURIDICIDADE OU MANIFESTA IRRAZOABILIDADE DO ATO IMPUGNADO. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I – O STF assentou que o CNJ possui atribuição correcional originária e autônoma, não se tratando de atuação subsidiária frente aos órgãos de correição local, mas sim de competência concorrente, de modo que seu exercício não se submete a condicionantes relativas ao desempenho da competência disciplinar pelos tribunais locais. II – O controle dos atos do CNJ pelo STF somente se justifica nas hipóteses de (i) inobservância do devido processo legal; (ii) exorbitância das competências do Conselho; e (iii) injuridicidade ou manifesta irrazoabilidade do ato impugnado (MS 35.100 / DF, Relator Min. Roberto Barroso). Tais hipóteses não estão caracterizadas no caso sub judice. III – Agravo regimental a que se nega provimento. Grifamos.

 

   Esse MS, aliás, consolida a jurisprudência da Casa que já havia sido afirmada em 2015, num caso no qual o impetrante, em hipótese de todo assemelhada, aduzia que a competência do Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 1ª Região ou da Corregedoria do Conselho da Justiça Federal antecedia e afastava a do CNJ. É a ementa deste primeiro julgado:

 

MS 28513

Órgão julgador: Segunda Turma

Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI

Julgamento: 15/09/2015

Publicação: 28/09/2015

Ementa: CONSTITUCIONAL E ADMIISTRATIVO. CNJ. COMPETÊNCIA AUTÔNOMA. REGULARIDADE NA DESIGNAÇÃO DE MAGISTRADO AUXILIAR PARA INSTRUÇÃO DE SINDICÂNCIA. ORDEM DENEGADA. 1. O Conselho Nacional de Justiça tem competência constitucional autônoma, e não subsidiária, da competência dos demais tribunais. 2. É regular a designação de juiz auxiliar, seja ele originário do Judiciário estadual ou federal, para a condução de sindicância, por delegação do Corregedor-Nacional de Justiça, ainda que o investigado seja magistrado federal. 3. Segurança denegada. Grifamos.


 No caso em análise, no exercício pleno de sua competência original, autônoma e concorrente, esta Corregedoria analisou primeiro a representação aqui deduzida, entendeu que a apuração da mora se fazia necessária e determinou o seu processamento pela Corregedoria local, à luz de certas regras, sob seu controle e fiscalização. São elas: (a) que a representante figurasse no polo ativo do procedimento que viesse a ser instaurado naquele órgão; (b) que fosse intimada de todos os atos praticados; e (c) que esta Corregedoria Nacional recebesse o nº do processo lá instaurado.

 

Conclui-se, pois, que a delegação nesses moldes observa o quanto decidido pelo Supremo Tribunal Federal, em todos os aspectos da natureza da competência apuratória do CNJ (original, autônoma e concorrente), além de ter o importante propósito de conferir maior celeridade à solução dos casos, em prol dos jurisdicionados.

 

Em segundo lugar, esta forma cooperativa de proceder não traz à recorrente qualquer prejuízo, na medida em que, além de ter reconhecido previamente o seu direito à apuração da mora, por este Conselho Nacional, com a determinação de acompanhamento de seu processo por um Colegiado aparelhado para tanto, não fica ela impedida de voltar a representar neste CNJ, diante de alguma circunstância superveniente que assim o recomende.

 

Do exposto, nego provimento ao recurso.

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