Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: REVISÃO DISCIPLINAR - 0006166-14.2019.2.00.0000
Requerente: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ - TJPA e outros

 

 

REVISÃO DISCIPLINAR. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ - TJPA. PROCESSO N. 0001944-12.2019.8.14.0000. ARQUIVAMENTO DE PROPOSTA DE INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR - PAD. AUSÊNCIA DE QUÓRUM DE MAIORIA ABSOLUTA PARA ABERTURA. ART. 93, X, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART. 14, § 5º, DA RESOLUÇÃO CNJ N. 135 E ART. 82 DO REGIMENTO INTERNO DO TRIBUNAL. HIPÓTESE DE DECISÃO CONTRÁRIA À EVIDÊNCIA DOS AUTOS. INEXISTENTE. PROCEDÊNCIA DE INCIDENTE DE INSANIDADE MENTAL DA MAGISTRADA PROCESSADA. MANIFESTAÇÃO DO ÓRGÃO MINISTERIAL PELA PREJUDICIALIDADE E ARQUIVAMENTO DE PAD EM CURSO NO TRIBUNAL DE ORIGEM. CONHECIMENTO E IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO REVISIONAL. 

1. Revisão Disciplinar comporta conhecimento sempre que cumprido o prazo constitucional para sua propositura e indicada, em tese, uma das hipóteses previstas no art. 83 do RICNJ. 

2. Jurisprudência do CNJ consolidada no sentido de não perquirir, no julgamento de revisões disciplinares, a correção ou não da deliberação originária a partir da retomada da discussão em si, mas tão somente sob o enfoque das estritas hipóteses de cabimento. 

3. Pedido revisional fundado no art. 83, inciso I, do RICNJ, deve ter como pressuposto a flagrante dissociação entre o conjunto probatório e o julgamento levado a efeito pelo Tribunal de origem, situação não constatada neste caso. 

4. Arquivamento da proposta de instauração de PAD decorrente de não ter sido alcançado o quórum de maioria absoluta previsto no art. 93, X, da Constituição Federal, art. 14, § 5º, da Resolução CNJ n. 135 e art. 82 do Regimento Interno do TJPA. 

5. Ciência do Pleno do TJPA quanto à tramitação de Incidente de Insanidade Mental em desfavor da magistrada processada, ao tempo da decisão ora combatida.

6. Incidente procedente e consequente prejudicialidade e arquivamento de PAD contemporâneo ao procedimento sob revisão.

7. Manifestação do Ministério Público Federal pela improcedência da REVDIS proposta pelo Parquet estadual.

8. Revisão Disciplinar conhecida e julgada improcedente.

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, julgou improcedente a Revisão Disciplinar, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário, 20 de setembro de 2022. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Manifestou-se oralmente o Subprocurador-Geral da República Alcides Martins.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: REVISÃO DISCIPLINAR - 0006166-14.2019.2.00.0000
Requerente: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ - TJPA e outros

 

 

RELATÓRIO

 

Trata-se de REVISÃO DISCIPLINAR – REVDIS proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ – MPPA em face do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ – TJPA que, ao deliberar sobre o Processo n. 0001944-12.2019.8.14.0000 (na origem n. 2018.6.000929-6), “determinou o arquivamento do procedimento formulado pela Corregedoria de Justiça da Região Metropolitana de Belém/PA (...) em face da Magistrada TARCILA MARIA SOUZA DE CAMPOS, então titular da Vara Criminal de Marituba (PA)” (ID n. 3725563). 

A decisão tomada pelo Tribunal Pleno do TJPA foi ementada nos seguintes termos: 

“TRIBUNAL PLENO. SINDICÂNCIA ADMINISTRATIVA CONTRA MAGISTRADA. INSTAURAÇÃO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. MAIORIA ABSOLUTA NÃO ATINGIDA. ART. 82 DO REGIMENTO INTERNO DO TJPA. ARQUIVAMENTO.” (ID n. 3725617, p. 245) 

 

O voto vencedor daquele julgamento, por sua vez, conteve os seguintes apontamentos:

“(...) abri divergência no sentido de não ser instaurado o referido PAD, considerando que a Sindicada apresenta um quadro de saúde instável, fato esse que gerou o incidente de insanidade mental, em outros procedimentos contra ela vinculados. De tal forma, levantei que diante dessa circunstância, não devia a magistrada, até a apresentação do laudo conclusivo atestando alguma debilidade, responder aos termos da ação em discussão, nas condições que, em tese, se encontra.

Além disso, não vislumbrei, em um primeiro momento, o dolo da conduta da juíza representada que ensejasse um Procedimento Administrativo Disciplinar, o que, a meu ver, seria precipitada sua instauração.

Após o relato, os votos foram colhidos, sendo 13 (treze) deles acompanhando a relatora ou seja, pela instauração do competente PAD, 07 (sete) com a divergência, não atingindo, portanto, 16 (dezesseis) votos necessários a instauração daquele Procedimento.

Em sendo assim, considerando não ter alcançado a maioria absoluta de votos para a abertura do PAD, determino o arquivamento do procedimento formulado pela Corregedoria de Justiça da região Metropolitana de Belém/PA, nos termos do art. 82 do Regimento Interno do TJPA.” (grifamos) (ID n. 3725617, p. 247)

 

Em razão desse deslinde, o MPPA propôs a REVDIS sob exame, com fundamento no art. 83, inciso I, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, o qual prevê a possibilidade de propositura de revisão “quando a decisão for contrária a texto expresso da lei, à evidência dos autos ou a ato normativo do CNJ”.

O Órgão Ministerial sustentou, em síntese, que (ID n. 3725563):

“De fato, a decisão do E. Tribunal de Justiça do Estado do Pará ocorrida em 22/05/2019, isentou totalmente a Magistrada TARCILA MARIA SOUZA DE CAMPOS, em flagrante conflito com a evidência dos autos, pois a análise da Comissão, encampada pela Corregedoria local, constatou sim a prática de condutas reprováveis por parte da Magistrada que mereciam, pelo menos, melhor e mais detida apuração, sobretudo pela motivação da visita efetivada ao réu e do vazamento de informações sigilosas de que tinha conhecimento bem como a acusação, descabida da prática de crime de prevaricação pela Promotora de Justiça.

(...)

Na decisão submetida à revisão por este Conselho, o Plenário do E. TJE/PA deixou de instaurar o PAD, por não ter sido atingido o quórum necessário de 16 (dezesseis) votos correspondente à maioria absoluta prevista no inciso X do artigo 93 da Constituição Federal, tendo prevalecido a divergência oral suscitada pelo Desembargador Raimundo Holanda Reis, que não analisou detidamente os autos, limitando-se a ressaltar que em outros procedimentos a mesma magistrada havia requerido a instauração de procedimento de sanidade mensal (de si mesma), resultando no arquivamento da representação da sindicância.” (grifo nosso) [sic]

 

Requereu, em sede de liminar, a suspensão dos efeitos do Acórdão n. 204.457, de 22/05/2019 (publicado no DJE de 30/05/2019), no qual se consignou o arquivamento do procedimento tendente à instauração do processo disciplinar, ao fundamento de que “a manutenção da decisão do Tribunal local traz efetivos prejuízos, sobretudo à sociedade, posto que, vem prejudicando a população, que em razão das chuvas, e não mitigação dos problemas, intensificando a emissão de gases nocivos, mau cheiro e o aumento de incidência de problemas de saúde vinculados, vem sendo prejudicada diretamente, voltando a realizar manifestação contra o empreendimento do aterro, ante a impunidade premiada com a não abertura do PAD” (ID n. 3725536).

O Tribunal requerido e a Magistrada em referência foram intimados para prestar informações iniciais (ID n. 3726324).

O Tribunal acostou aos autos os documentos constantes dos IDs n. 3736449 a 3736460.

Apesar da reiteração do pedido de intimação da Magistrada TARCILA MARIA SOUZA DE CAMPOS (ID n. 3767622), o TJPA informou a impossibilidade de cumprimento da Carta de Ordem, uma vez que na data em que realizada a diligência a Magistrada encontrava-se em viagem e em razão de estar em gozo de Licença para Tratamento de Saúde, no período de 19 de setembro de 2019 a 16 de janeiro de 2020 (ID n. 3788278).

Em 28 de outubro de 2019, o pedido liminar foi indeferido, nos seguintes termos:

“Consolidou-se no âmbito do Conselho entendimento no sentido de que o deferimento de medida liminar, resultante do concreto exercício do poder geral de cautela, somente se justifica em face da existência de plausibilidade do direito invocado (fumus boni juris), de um lado, e da possibilidade de lesão irreparável ou de difícil reparação (periculum in mora), de outro.

Assentadas as premissas normativas, não se vislumbra possibilidade de deferimento da medida de urgência requerida, uma vez que o Órgão Ministerial consignou, tão somente, alegações genéricas, sem comprovar o efetivo prejuízo ou risco de dano e, ademais, porque a medida é integralmente de caráter satisfativo, o que corresponde a dizer que se confunde com o próprio mérito da RevDis, a ser pronunciado pelo Plenário do Conselho e não por este Relator, de forma monocrática.

Destarte, a situação recomenda que se aguarde a adequada e necessária formação do contraditório e ampla defesa, com a oitiva da Magistrada TARCILA MARIA SOUZA DE CAMPOS, com vistas à reflexão e à análise mais detida do mérito da questão, em decisão final.” (ID n. 3790722).

 

Após o decisum, sobreveio manifestação da Requerida, por meio da qual pugnou, preliminarmente, pela declaração de nulidade da sindicância administrativa ante a ausência de: i) regulamentação específica sobre o trâmite desse procedimento no âmbito do TJPA; ii) apontamento de fundamentação legal e regimental e de descrição sumária do fato objeto de apuração na Portaria n. 033/2018-CJRMB, que deflagrou o procedimento; e iii) motivação para a prorrogação da etapa investigativa).

No mérito, pleiteou a manutenção da decisão tomada pelo Tribunal Pleno do TJPA, que decidiu pelo arquivamento da proposta de instauração de Processo Administrativo Disciplinar – PAD.

Pugnou pelo reconhecimento de que estão ausentes, neste procedimento, qualquer das 3 (três) hipóteses autorizadoras do processamento de Revisão Disciplinar, a teor do art. 83 do Regimento Interno do CNJ.

Caso as preliminares sejam ultrapassadas, a Requerida indicou que:

“(...) a Comissão de Sindicância optou por atribuir à Sindicada supostas infrações que, a bem da verdade, visam investigar e punir a magistrada pelo exercício da função judicante.

(...)

Acerca do primeiro fato, qual seja, a visita ao réu Lucas Feltre, em cárcere no Centro de Recuperação Coronel Anastácio das Neves, ao contrário do aduzido de início pelo Ministério Público Estadual, a Defendente ainda não estava licenciada para tratamento de saúde naquela oportunidade.

Como restou evidenciado ao longo da sindicância, a protocolo do licenciamento ocorreu em momento posterior à visita da defendente ao Centro de Recuperação Coronel Anastácio das Neves, demonstrando que a Magistrada estava no pleno exercício de suas funções.

A própria Comissão Sindicante assim reconhece:

53. Em relação a este fato, o que está comprovado é que a visita se deu quando a magistrada ainda não havia protocolado o seu pedido de licença médica (...)

Mais do que isto, a visita ao réu Lucas Feltre não se deu de forma sigilosa, pelo contrário, o depoimento da servidora Danielle Couceiro de Miranda Ferreira (fls. 596) deixa claro que era de conhecimento de todos da vara:

(...) QUE a visita que a Dra. Tarcila Fez ao presídio de Santa Isabel era de conhecimento de todos na Vara, e em momento algum ela escondeu tal fato. (...)

(...)

Ademais, a quebra da imparcialidade não resta configurada pela simples visita ao réu preso, devidamente justificada. Esta deve ser PROVADA, e não PRESUMIDA.

Esta fato é reconhecido pelas próprias representantes do Ministério Público Estadual, por meio do depoimento das i. Promotoras Marcela Christine Ferreira de Melo (Fls. 646/648) e Daniela Souza Filho Moura (Fls. 649/650) ao afirmarem, respectivamente:

Marcela Christine Ferreira de Melo:

(...) QUE entende que a visita da sindicada ao preso prejudicou o processo em razão de que entende que a sindicada deixou de ser imparcial no julgamento do processo. QUE esta imparcialidade não foi materializada em qualquer ato (...)

Daniela Souza Filho Moura:

(...) QUE não tem conhecimento de nenhum ato da Dra. Tarcila que tenha materializado a sua falta de imparcialidade ou causado qualquer dano ou benefício a um dos acusados. QUE somente entenderam que, o só fato da mesma ter visitado o réu na casa penal e também levando em consideração a dimensão dos fatos apurados no processo comprometeriam a imparcialidade da sindicada. (...) QUE não tem motivos para achar que a Dra. Tarcila tenha tido benefício financeiro com a visita à casa penal.

Portanto, Exa., não há nos autos qualquer indício ou prova de que a visita da Defendente ao réu Lucas Feltre teve motivação ilícita capaz de configurar uma infração disciplinar, pelo contrário, os motivos que levaram a tanto foram o dever de cuidado e zelo, a proteção aos direitos humanos do réu preso, o qual demonstrou, no dia anterior a visita, elevado grau de vulnerabilidade psicológica e física, capaz de levá-lo à consequências desastrosas.

Acerca da violação ao sigilo de informações relacionadas à investigação em andamento e a imputação à representante do Ministério Público de crime, sabendo-a inocente, também não merecem prosperar tais acusações.

Neste ponto, fica ainda mais patente que o procedimento de sindicância teve o ânimo de investigação disciplinar em face de decisão judicial, o que não é admitido pelo ordenamento jurídico.

Isto porque, a defendente não “vazou” informações ou “violou sigilo” de qualquer investigação, já que proferiu decisão judicial devidamente fundamentada contra a arguição de suspeição formulada pelo Ministério Público Estadual.

É inadmissível considerar os fundamentos de uma decisão judicial como vazamento de informações, especialmente quando estas não estavam sob o manto do sigilo processual, como demonstrado nos autos.

(...)

Merece ser esclarecido, ainda, que as reportagens publicadas pela mídia local não constam a opinião ou qualquer entrevista da defendente, mas apenas e tão somente os trechos da decisão judicial acima mencionada, que, por força do princípio da publicidade, restou publicada e de livre acesso.

Ademais, ao longo da decisão judicial da suspeição não houve qualquer imputação de crime à representante do Ministério Público Estadual, somente menção ao fato de que não esta haveria deixado de adotar medidas investigatórias contra a servidora do MPE responsável pelo vazamento de informações.

Embora se reconheça o conteúdo crítico deste trecho da decisão, em momento algum houve a intenção de tipificar a conduta da Promotora como crime, o que foi explorado de forma midiática pela imprensa local, como o objetivo de vender notícias a qualquer custo, sem arcar com as consequências.

(...)

Consoante arts. 5º e 6º do Código de Ética da Magistratura Nacional, impõe-se ao magistrado pautar-se no desempenho de suas atividades sem receber indevidas influências externas e estranhas à justa convicção que deve se formar em seu íntimo para a solução dos casos que lhe sejam submetidos. Logo, é também dever do magistrado denunciar qualquer interferência que vise a limitar sua independência funcional.

Justamente para garantir esta independência como prerrogativa fundamental para o exercício da poder-dever constitucional de julgar é que a LOMAN prevê a decisão judicial não será objeto de investigação disciplinar.” (grifos no original) (ID n. 3811477)

 

Foi anotada ainda, em sede de defesa prévia, a inexistência de má-fé e de qualquer tipo de prejuízo à magistratura nacional, assim como a ausência de comportamento ou de prática que tenha violado os deveres dos Magistrados ou o estabelecido no Código de Ética da Magistratura.

Nesses termos, requereu a improcedência da REVDIS sob exame e a manutenção da decisão de arquivamento do PAD.

Àquela altura, após o exame dos documentos que formavam os autos, entendeu-se necessário averiguar o deslinde do expediente administrativo n. PA-MEM 2019/02343-A (ID n. 3736459, p. 59), no qual foi submetido pedido de aposentadoria por invalidez permanente apresentado pela magistrada Sra. TARCILA MARIA SOUZA DE CAMPOS (ID n. 3736459, p. 52).

O TJPA informou que, em razão dos afastamentos médicos da magistrada, a Junta Médica do Tribunal formulou proposta de aposentadoria por invalidez, tendo em vista incapacidade permanente para o exercício do mister (PA-PRO-2020/02337) (ID n. 4145911, p. 4). Destacou, oportunamente, “que o processo de aposentadoria (...) esteve sobrestado por cautela, em razão da tramitação do Processo Administrativo Disciplinar nº. 0004945-39.2018.8.14.0000 e do Incidente de Insanidade Mental nº. 0001365-64.2019.8.14.0000” e que, em 10/3/2021, o Tribunal Pleno, à unanimidade, deliberou por arquivar o PAD acima referenciado, em consequência da prejudicialidade da insanidade mental acolhida, recomendando a aposentação por invalidez da magistrada (ID n. 4405976).

Em sede de razões finais, a teor do art. 87, § único, do Regimento Interno do CNJ, o Ministério Público Federal – MPF assim se manifestou:

“Revisão Disciplinar. Arquivamento de Sindicância Administrativa contra magistrada.

1. Suposta violação dos deveres previstos no artigo 36, inciso III, da Lei Orgânica da Magistratura e nos artigos 1º, 8º, 9º e 25 do Código de Ética da Magistratura.

2. Não atingida a maioria absoluta no Tribunal Pleno necessária para a instauração do Processo Administrativo Disciplinar. Artigo 93, inciso X, da Constituição Federal e artigo 82 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado do Pará.

3. Contrariedade à lei ou às evidências dos autos não caracterizadas. Inexistência de novos fatos ou circunstância aptas a ensejar a modificação da decisão de arquivamento.

Manifestação pela improcedência do pedido formulado na revisão disciplinar.” (grifo no original) (ID n. 4439943) 

 

O prazo assinalado para a Requerida transcorreu em branco.

É o breve relatório.

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: REVISÃO DISCIPLINAR - 0006166-14.2019.2.00.0000
Requerente: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ - TJPA e outros

 

VOTO 

  

A REVISÃO DISCIPLINAR – REVDIS sob exame foi proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ – MPPA, com amparo nas disposições regimentais atinentes ao procedimento, no intuito de obter a anulação do Acórdão nº 201.457, de 22/05/2019, por meio do qual foi arquivada a proposta de instauração de Processo Administrativo Disciplinar – PAD em desfavor da Magistrada TARCILA MARIA SOUZA DE CAMPOS.

Conforme relatado, ao deliberar sobre o Processo n. 0001944-12.2019.8.14.0000 (na origem n. 2018.6.000929-6), o Tribunal Pleno do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ – TJPA não reuniu maioria absoluta, a teor do art. 82 do Regimento Interno daquele Tribunal, do art. 14, § 5º, da Resolução CNJ n. 135 e, bem assim, do art. 93, X, da Constituição Federal, destacando-se, naquela oportunidade, a existência de quadro de saúde instável, fato esse que gerou o incidente de insanidade mental (ID n. 3725617, p. 247).

O Órgão Ministerial pretende, em síntese, que o Conselho Nacional de Justiça – CNJ julgue procedente a REVDIS, instaure e processe o PAD em desfavor da Magistrada, uma vez que, a seu juízo, “a manutenção da decisão do Tribunal local traz efetivos prejuízos, sobretudo à sociedade, posto que, vem prejudicando a população, que em razão das chuvas, e não mitigação dos problemas, intensificando a emissão de gases nocivos, mau cheiro e o aumento de incidência de problemas de saúde vinculados, vem sendo prejudicada diretamente, voltando a realizar manifestação contra o empreendimento do aterro, ante a impunidade premiada com a não abertura de PAD, em flagrante conflito com todos os fatos incontroversos e farto acervo de provas constante dos autos” [sic] (ID n. 3725563).

Em sede de defesa, a Magistrada TARCILA MARIA SOUZA DE CAMPOS pugnou pela improcedência da REVDIS, ante a ausência de cumprimento de qualquer dos pressupostos autorizadores de seu processamento, bem como de “fundamentos aptos para acolher os argumentos do Parquet Estadual, considerando que a matéria fática já foi discutida incansavelmente pelo Órgão Censor Estadual” (ID n. 3811477).

Na instrução providenciada, verificou-se a existência de pedido de aposentadoria por invalidez permanente formulado pela Magistrada (ID n. 3736459, p. 52 e 59), razão pela qual o TJPA foi intimado para prestar informações quanto à ocorrência (IDs n. 4124968 e 4395405). 

Sobreveio, em síntese, a notícia de que o processo de aposentadoria requerido (registrado no sigadoc como PA-PRO-2020/02337) esteve sobrestado em razão da tramitação de um outro processo disciplinar e de Incidente de Sanidade Mental nº 0001365-64.2019.8.14.0000.

Colaciona-se a informação prestada pelo TJPA:

“(...) comunico que em 10/3/2021, durante a 8ª Sessão Ordinária do Tribunal Pleno, foi realizado o julgamento do Incidente de Insanidade Menta nº 0001365-64.2019.8.14.0000, na ocasião o Colegiado deste Tribunal decidiu, à unanimidade, pelo arquivamento do Processo Administrativo Disciplinar nº. 0004945-39.2018.8.14.0000, em consequência da prejudicialidade da insanidade mental acolhida, recomendando a aposentação por invalidez da requerida.

(...) foi retomada a tramitação do expediente administrativo PA-PRO-2020-02337, a fim de efetivamente concluir a aposentação da requerida.”

 

Pois bem.

 

I – DA TEMPESTIVIDADE

De início, cumpre registrar que a Constituição Federal não faz qualquer outra exigência para o conhecimento de revisões disciplinares de juízes e membros de Tribunais além da relativa ao prazo para o início do procedimento revisional. Vejamos:

“Art. 103-B. O Conselho Nacional de Justiça compõe-se de 15 (quinze) membros com mandato de 2 (dois) anos, admitida 1 (uma) recondução, sendo:

(...)

§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:

(...)

V - rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano;”

 

Na mesma linha está o Regimento Interno do CNJ (RICNJ):

“Art. 82. Poderão ser revistos, de ofício ou mediante provocação de qualquer interessado, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano do pedido de revisão.”

 

Nesse cenário, considerando-se que a decisão de arquivamento da proposta de instauração de PAD (Processo n. 0001944-12.2019.8.14.0000 (na origem n. 2018.6.000929-6) foi lavrada nos termos do Acórdão n. 204457, publicado no Diário de Justiça de 30/05/2019 - Edição nº 6669/2019, e que o MPPA propôs a REVDIS sob exame em 22/8/2019, reconhece-se a tempestividade em sua propositura.

 

II – DA ADMISSIBILIDADE

É de pontuar, ainda, que o RICNJ estabelece, na forma do art. 83, as hipóteses de admissibilidade da REVDIS:

“Art. 83. A revisão dos processos disciplinares será admitida:

I – quando a decisão for contrária a texto expresso da lei, à evidência dos autos ou a ato normativo do CNJ;

II – quando a decisão se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;

III – quando, após a decisão, surgirem fatos novos ou novas provas ou circunstâncias que determinarem ou autorizem modificação da decisão proferida pelo órgão de origem.”

 

Em relação a essas, basta que se verifique, neste exame preliminar, a indicação, em tese, do atendimento de uma ou mais delas. No caso, o Proponente indicou a hipótese constante do inciso I, nos seguintes termos:

“De fato, a decisão do E. Tribunal de Justiça do Estado do Pará ocorrida em 22/05/2019, isentou totalmente a Magistrada TARCILA MARIA SOUZA DE CAMPOS, em flagrante conflito com a evidência dos autos.” (ID n. 3725563)

 

A análise quanto à demonstração inequívoca dessa hipótese é questão de mérito.

Assim, a Revisão Disciplinar foi instaurada tempestivamente e indicada a hipótese de seu cabimento.

 

III – DO MÉRITO

Compulsados os autos e analisada especificamente a decisão no Incidente de Sanidade Mental n. 0001365-64.2019.8.14.0000, reputo que a decisão de arquivar a proposta de instauração de PAD, nos autos do Processo n. 0001944-12.2019.8.14.0000 (na origem n. 2018.6.000929-6), não evidencia contrariedade à evidência dos autos. Explico.

O processo disciplinar cuja decisão é combatida nesta REVDIS analisou o comportamento da magistrada em relação à 3 (três) situações, a saber: “(i) a visita da Magistrada ao réu Lucas Feltre, em cárcere no Centro de Recuperação Coronel Anastácio das Neves; (ii) a hipotética violação de sigilo de informações relacionadas à investigação em andamento e (iii) eventual imputação à representante do Ministério Público de crime, sabendo-a inocente.”

A então Corregedora de Justiça da Região Metropolitana de Belém, ao acolher o relatório final da Comissão sindicante, em 22/5/2019, entendeu que os atos praticados pela sindicada eram passíveis de eventual punição administrativa e que a instauração de PAD seria útil ao exame mais específico e detido da conduta, “para que não reste margem de dúvidas quanto ao seu comportamento” (ID n. 3725617, p. 242).

No curso do julgamento dessa matéria, foi suscitada a questão relativa ao Incidente de Sanidade Mental:

“(...) O incidente de sanidade mental juntado neste sindicância foi – conforme expliquei aqui, antes de adentrar no relatório – mandado para o processo, um outro processo, que estava com a Desembargadora Edinéia, e de lá foi trazido aqui e aqui foi suspenso. O mesmo procedimento poderá ser feito aqui, porque ele não cabe na sindicância, na via estreita da sindicância. Então, é aqui apresentado e se o Pleno decidir pela abertura do procedimento, vai ser sorteado um relator e a própria magistrada já entra, novamente, com o mesmo procedimento lá.

(...)

Acho que seria plausível que se suspendesse esse procedimento porque se ela tem algum problema mental, ela não pode, sequer, ser ouvida a respeito do procedimento que se diz e que se está processando.

(...)

Vou acompanhar a divergência. Não tem necessidade de abrir, se tem um procedimento de insanidade mental contra a colega.” (ID n. 3725617 p. 267 a 274)

 

Após colher os votos dos Desembargadores votantes, o Tribunal Pleno decidiu pelo arquivamento da proposta de instauração de PAD, “considerando não ter alcançado a maioria absoluta de votos” para sua abertura (ID n. 3725617, p. 274).

Instruída a REVDIS, ao examinar as informações relativas à tramitação do Incidente de Sanidade Mental n. 0001365-64.2019.8.14.0000 e, notadamente, o resultado daquele julgamento, a meu juízo, a hipótese de decisão dissociada das evidências dos autos, alegada pelo Proponente desta REVDIS, tornou-se inviável, porquanto o quadro de saúde revelado naquele processo, presente ao menos desde 2016, fulminou a possibilidade de imputação de pena disciplinar à Magistrada.

Por inteira pertinência, transcreve-se a ementa do Incidente em referência:

INCIDENTE DE SANIDADE MENTAL Nº 0001365-64.2019.8.14.0000 (APENSO AO PAD N 0004945-39.2018.8.14.0000) - SEGREDO DE JUSTIÇA

REQUERENTE: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ

REQUERIDA:T. M. S. C.

ADVOGADO: RICARDO NASSER SBFFER – OAB/PA 14.800

ADVOGADO:RODRIGO COSTA LOBATO -OAB/PA 20.167

ADVOGADO:FELIPE JALES RODRIGUES - OAB/PA 23.230

RELATORA: DESA. EDINÉA OLIVEIRA TAVARES

 

EMENTA: INCIDENTE DE SANIDADE MENTAL EM PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR DA MAGISTRADA T. M. S. C. CONCLUSÕES ADVINDAS DO LAUDO PERICIAL PSQUIÁTRICO N° 2020.01.000102-PSQ, AFIRMANDO QUE A REQUERIDA É PORTADORA DE ENFERMIDADE MENTAL CLASSIFICADA SOB O CID-10 F 31.7. ACOLHIMENTO DO INCIDENTE DE SANIDADE MENTAL. PREJUDICIALIDADE E ARQUIVAMENTO DO PAD. SUGESTÃO DE APOSENTAÇÃO POR INVALIDEZ, ANTERIORMENTE POSTULADA PELA MAGISTRADA. A UNANIMIDADE.

1. A CAPACIDADE PARCIAL DE ENTENDER O CARÁTER TRANSGRESSIVO ÉTICO-PROFISSIONAL DOS FATOS A ELA IMPUTADOS, E/OU DE DETERMINAR SE DE ACORDO COM ESSE ENTENDIMENTO É TRADUTOR DO ACOLHIMENTO DO INCIDENTE DE SANIDADE MENTAL. PREJUDICIALIDADE E ARQUIVAMENTO DO PAD, COM A SUGESTÃO DE APOSENTAÇÃO POR INVALIDEZ, JÁ POSTULADA PELA MAGISTRADA, EM VISTA DO CARGO OCUPADO POSSUIR INÚMBROS FATORES ESTRESSORES RESPONSABILDADES INERENTES A ELE É A DIFICULDADE EM ESTABELECER O LIMITE DA ESTABILIDADE DO HUMOR, MESMO COM TRATAMENTO, O QUB INVIABILIZA O LABORO NESTA POSIÇÃO (FLS. 228/229).

2. ESSE TAMBÉM FOI O ENTENDIMENTO FIRMADO PELA JUNTA MÉDICA DO TJPA, ATRAVÉS DO PSIQUIATRA EFRAHIM TREXEIRA (CRM-PA 7683) E DO MÉDICO DO TRABALHO EMILIANO COUTINHO (CRM-PA 5077), A FL. 488, VERSO - PAD N° 0004945-39.2018.8.14.0000, QUE DENTRE OUTRAS CONSTATAÇÕES, CONCLUIU QUE A MAGISTRADA REQUERIDA APRESENTA TRANSTORNO AFETIVO BIPOLAR, EPISÓDIO ATUAL DEPRESSIVO GRAVE COM SINTOMAS PSICÓTICOS.

3. IGUAL ENTENDIMENTO DA DD. PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA, AS FLS. 254/258, AO EMITIR PARECER NO SENTIDO DE RECOMENDAR QUE SEJA CONCEDIDA A APOSENTADORIA POR INVALIDEZ A MAGISTRADA, NOS TERMOS DO ART. 63, DO RITUPA C/C ART. 76, DA LEI COMPLEMENTAR N° 35, de 1979 - LOMAN, POR MANIFESTA INCAPACIDADE, TOTAL E PERMANENTE, DE CONTINUAR EXERCENDO SUAS FUNÇÕES JUDICANTES, ANTE O ACOMETIMENTO DE ENFERMIDADE MENTAL CLASSIFICADA SOB O CID-10 F 31.7.

4. VOTO NO SENTIDO DE ACOLHER O INCIDENTE DE SANIDADE MENTAL DA MAGISTRADA T. M. S. C., DIANTE DAS CONCLUSÕES ADMIVINDAS DO LAUDO PERICIAL PSIQUIÁTRICO Nº 2020.01.000102-PSQ, AFIRMANDO QUE A REQUERIDA É PORTADORA DE ENFERMIDADE MENTAL CLASSIFICADA SOB O CID-10 F. 31.7. CONSEQUENTEMENTE, VOTO PELA PREJUDICIALIDADE DO PAD Nº 0004945-39.2018.8.14.0000 E SEU ARQUIVAMENTO.

5. COM AS VÊNIAS DE ESTILO, E NA ESTEIRA DO PARECER DA DD. PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA, ÀS FLS. 254/258, HEI POR SUGERIR À DD. PRESIDÊNCIA DESTE E.TJPA, SEJA ACOLHIDA A RECOMENDAÇÃO SOBRE A CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ À MAGISTRADA T. M. S. C., NOS TERMOS DO ART. 63, DO RITJPA C/C ART. 76, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 35, DE 1979 – LOMAN, POR MANIFESTA INCAPACIDADE, TOTAL E PERMANENTE, DE CONTINUAR EXERCENDO SUAS FUNÇÕES JUDICANTES, ANTE O ACOMETIMENTO DE ENFERMIDADE MENTAL CLASSIFICADA SOB O CID – 10 F 31.7, POR ASSIM ENTENDEREM OS MEUS PARES À UNANIMIDADE.” (ID n. 4405979) (grifo nosso)

 

Essa decisão se coaduna com a opinião manifestada pela Procuradoria Geral de Justiça do Estado do Pará, que também indicou o acolhimento do Incidente de Sanidade Mental e a consequente prejudicialidade e arquivamento do PAD n. 0004945-39.2018.8.14.0000, instaurado em data anterior ao procedimento cuja decisão está sob exame nestes autos (ID n. 4405979).

Não por outra razão, o MPF, ao se manifestar sobre a REVDIS em tela, considerou que, in verbis:

“(...)

31. No presente caso, o pedido de revisão não se enquadra nas hipóteses regimentais, notadamente na alegada contrariedade à evidência dos autos, consoante se demonstrará a seguir.

(...)

34. Com efeito, não há elementos que demonstrem ter a decisão de arquivamento proferida pelo órgão censor local contrariado as evidências dos autos.

35. Não foi possível estabelecer que a conduta da juíza tenha comprometido o desfecho do processo em que Lucas Rodrigo Feltre igurava como réu, até porque, em seguida ao ocorrido, a magistrada afastou-se por licença médica, conforme informações do Tribunal de origem, sem exarar decisão nos autos.

36. A Promotora de Justiça do MP/PA, Daniela Souza Filho Moura, consignou em seu depoimento que ‘não tem conhecimento de nenhum ato da Dra. Tarcila que tenha materializado a sua falta de imparcialidade ou causado qualquer dano ou benefício a um dos acusados

37. No que se refere ao vazamento de informações sobre as investigações, apurou-se que a assessora do Ministério Público do Estado do Pará - mãe de um funcionário da empresa investigada foi a responsável pelo ocorrido, fato reconhecido pelo MP/PA por intermédio da Promotora de Justiça Marcela Christine Ferreira Melo.

(...)

39. À ausência de indícios de conduta dolosa violadora dos deveres funcionais soma-se a decisão de procedência do incidente de sanidade mental e a aprovação da aposentadoria por invalidez da juíza, fatores que não recomendam a instauração processo administrativo disciplinar contra a magistrada.

40. Conforme o laudo médico homologado pela Junta Médica do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas, o quadro volúvel de saúde mental da magistrada vem de longa data e, ao menos desde 2016, apresentava instabilidade grave, o que levou os especialistas a sugerirem sua aposentadoria (por invalidez).

(...)

42. Dessa forma, não se pode olvidar que à época dos fatos a magistrada já apresentava sinais de distúrbios de comportamento, como corroboram, ainda, os depoimentos trazidos aos autos (...).

43. Por fim, a par da ausência de elementos que indiquem a conduta dolosa da magistrada direcionada à prática de infração funcional e das questões relacionadas à sua higidez mental, não merece reparo a decisão de arquivamento da Sindicância Administrativa 0001944-12.2019.8.14.0000, que se alicerçou na ausência do quórum necessário para a instauração de processo administrativo disciplinar, pautando-se o órgão censor local nas disposições constitucionais e regimentais vigentes (art. 93, inciso X. da CF e artigo 82 do Regimento Interno do TJPA).

(...)

45. Conclui-se, portanto, que o pedido de revisão disciplinar não merece acolhida, eis que o requerente não logrou êxito em comprovar a oposição às evidências dos autos ou a contrariedade ao texto de lei e, tampouco, colacionou novos fatos ou circunstâncias aptas a ensejar a modificação da decisão de arquivamento.

46. Diante do exposto, o Ministério Público Federal se manifesta pela improcedência do pedido formulado na presente revisão disciplinar.” (ID n. 4439943) (grifo no original) 

 

Por todo o exposto, devem ser consideradas, nessa ordem de ideias, as seguintes evidências:

i) ausência de demonstração de que a decisão de arquivamento do procedimento n. 0001944-12.2019.8.14.0000 se deu, efetivamente, de forma dissociada das evidências dos autos;

ii) ausência de demonstração de que houve, naquele julgamento, contrariedade a texto expresso da lei;

iii) inexistência de fato superveniente que autorize o CNJ a modificar a decisão proferida pelo Órgão Censor de origem;

iv) soberania da decisão tomada pelo TJPA que, ao não alcançar o quórum de maioria absoluta exigido pelo Texto Constitucional, nos termos do art. 93, X, determinou o arquivamento do expediente;

v) conhecimento, à época do julgamento, da existência de Incidente de Sanidade Mental que poderia repercutir sobre o deslinde do procedimento disciplinar aventado;

vi) superveniente reconhecimento da insanidade, com a consequente prejudicialidade do procedimento administrativo disciplinar que se encontrava suspenso; e

vii) manifestações do Parquet, no sentido da improcedência da REVDIS sob exame.

 

IV – CONCLUSÃO

Nos termos da fundamentação, entendo que a Revisão Disciplinar ora analisada não merece prosperar.

A decisão proferida pelo Pleno do TJPA é legítima e foi formada a partir de análise profícua da matéria.

É sabido que o procedimento de revisão disciplinar disposto no art. 83 do Regimento Interno do CNJ não admite seu manejo como recurso, em sentido estrito. Os precedentes a seguir elucidam esse entendimento:

RECURSO ADMINISTRATIVO EM REVISÃO DISCIPLINAR. PAD JULGADO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. REGULARIDADE. AVALIAÇÃO DO CONJUNTO PROBATÓRIO. CONTRARIEDADE À EVIDÊNCIA DOS AUTOS NÃO DEMONSTRADA. PROPORCIONALIDADE. PRETENSÃO MERAMENTE RECURSAL. IMPROCEDÊNCIA.

1. A revisão disciplinar constitui procedimento administrativo autônomo, cabível quando patente a presença de vício ou ilegalidade, bem assim da falsidade dos elementos que fundamentaram a decisão do tribunal de origem, o que não se vislumbra no caso em apreço.

2. O procedimento de revisão disciplinar restringe-se ao exame das hipóteses do artigo 83 do Regimento Interno, sendo defeso realizar novo julgamento da causa quando não presentes quaisquer desses elementos, conforme entendimento já firmado neste Conselho.

3. Extrai-se dos autos a existência de conjunto probatório abundante no sentido da caracterização da infração disciplinar. Inexistência de desproporcionalidade na pena aplicada, que está em harmonia com o conjunto probatório.

4. Recurso Administrativo que se julga improcedente.

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0007042-42.2014.2.00.0000 - Rel. ANDRÉ LUIZ GUIMARÃES GODINHO - 83ª Sessão Virtual - julgado em 30/03/2021). (grifo nosso)

 

REVISÃO DISCIPLINAR. REMOÇÃO COMPULSÓRIA. CONTRARIEDADE À EVIDÊNCIA DOS AUTOS NÃO DEMONSTRADA. TENTATIVA DE REDISCUSSÃO E AMPLA REAPRECIAÇÃO DA PROVA. IMPOSSIBILIDADE. IMPROCEDÊNCIA.

1. A revisão administrativa se assemelha, em tudo, à revisão criminal, de modo que não se presta para o reexame da matéria decidida anteriormente, uma vez que, por revestir natureza de pedido autônomo com o qual se busca a desconstituição da coisa julgada administrativa, não se trata de recurso nem muito menos o Conselho Nacional de Justiça, em sua missão constitucional, se apresenta como instância recursal dos processos disciplinares.

2. Inexistência de desproporcionalidade na pena aplicada, que está em harmonia com o conjunto probatório construído nos autos do processo de origem.

3. Revisão Disciplinar improcedente.

(CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0004248-72.2019.2.00.0000 - Rel. LUIZ FERNANDO TOMASI KEPPEN - 55ª Sessão Extraordinária - julgado em 29/07/2020). (grifo nosso)

 

REVISÃO DISCIPLINAR. JUÍZA DE DIREITO. AMAZONAS. DINHEIRO APREENDIDO JUDICIALMENTE. AUSÊNCIA DE DEPÓSITO EM CONTA BANCÁRIA. GUARDA PESSOAL DOS VALORES POR MAIS DE UM ANO. DESOBEDIÊNCIA A INTIMAÇÕES DA CORREGEDORIA LOCAL PARA ESCLARECER O FATO. EXISTÊNCIA DE FALTAS DISCIPLINARES PRETÉRITAS. PENA DE APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. JULGAMENTO EM CONFORMIDADE COM AS PROVAS PRODUZIDAS. NÃO DEMONSTRADA CONTRARIEDADE À EVIDÊNCIA DOS AUTOS. REVISÃO DISCIPLINAR CONHECIDA, RESSALVADO O ENTENDIMENTO DO RELATOR, PORÉM JULGADA IMPROCEDENTE.

1. O Tribunal de Justiça do Amazonas julgou desrespeitados deveres constantes do Código de Ética da Magistratura (arts. 1º, 10, 11, 14 e 20) por parte de juíza de direito que não depositou em conta bancária oficial valores apreendidos com réu de ação penal, guardando pessoalmente o dinheiro por mais de um ano.

2. Revisão disciplinar proposta com fundamento no art. 83, I, do CNJ se restringe à prova já produzida. Ainda que assim não fosse, a medida se mostra desnecessária no caso, porquanto a requerida exerceu plenamente, na origem, as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa ao juntar documentos, prestar depoimento pessoal e indicar testemunha, ouvida na instrução do feito.

3. Para aplicação da pena de aposentadoria compulsória, considerou-se a gravidade do fato, a ausência de resposta a intimações da Corregedoria local para esclarecimento das circunstâncias e a existência de faltas disciplinares pretéritas por parte da magistrada.

4. O acórdão a ser revisado não apresenta contrariedade à evidência dos autos, constituindo as alegações da requerida mera irresignação com a decisão da Corte de origem. A jurisprudência do CNJ atribui à revisão disciplinar natureza excepcional, não admitindo o procedimento como sucedâneo de recurso. Precedentes.

5. Revisão disciplinar conhecida, ressalvado o entendimento do relator, porém julgada improcedente.

(CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0005243-90.2016.2.00.0000 - Rel. MÁRCIO SCHIEFLER FONTES - 278ª Sessão Ordinária - julgado em 18/09/2018). (grifo nosso)

 

Em vista de todas as considerações lançadas nas passagens precedentes, reputo que a decisão proferida pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ, nos autos do procedimento n. 0001944-12.2019.8.14.0000, merece ser mantida por seus próprios fundamentos, porquanto não preenchido o pressuposto estabelecido no art. 83, inc. I, do RICNJ.

A teor do art. 85, caput, do RICNJ, julgo improcedente a presente Revisão Disciplinar e determino seu arquivamento.

É como voto.

Publique-se nos termos do art. 140 do RICNJ.

Intimem-se.

Após, arquivem-se os autos, independente de nova conclusão.

Brasília, data registrada no sistema.

 

GIOVANNI OLSSON

Conselheiro