Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: ATO NORMATIVO - 0001883-74.2021.2.00.0000
Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

 

 

ATO NORMATIVO. RESOLUÇÃO. PROCEDIMENTOS E DIRETRIZES PARA O RECONHECIMENTO DO DIREITO À REMIÇÃO DE PENA POR MEIO DE PRÁTICAS SOCIAIS EDUCATIVAS EM UNIDADES DE PRIVAÇÃO DE LIBERDADE. CUMPRIMENTO DE ORIENTAÇÕES DO CNJ SOBRE O TEMA, DA LEGISLAÇÃO QUE REGE A MATÉRIA E DE ATOS NORMATIVOS INTERNACIONAIS.




 ACÓRDÃO

O Conselho decidiu, por unanimidade: I - incluir em pauta o presente procedimento, nos termos do § 1º do artigo 120 do Regimento Interno; II - aprovar a Resolução, nos termos do voto do Relator. Ausente, em razão da vacância do cargo, o representante do Ministério Público da União. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário, 4 de maio de 2021. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura, Emmanoel Pereira, Luiz Fernando Tomasi Keppen, Rubens Canuto, Tânia Regina Silva Reckziegel, Mário Guerreiro, Candice L. Galvão Jobim, Flávia Pessoa, Ivana Farina Navarrete Pena, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, André Godinho, Maria Tereza Uille Gomes e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: ATO NORMATIVO - 0001883-74.2021.2.00.0000
Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

 

 

RELATÓRIO 

 


Trata-se de proposta de ato normativo que estabelece procedimentos e diretrizes a serem observados pelo Poder Judiciário no reconhecimento do direito à remição de pena, por meio de práticas sociais educativas em unidades de privação de liberdade.

Debatida a matéria no âmbito dos grupos de trabalho responsáveis pela elaboração de planos nacionais de fomento à leitura nos ambientes de privação de liberdade (Portaria CNJ 204/2020) e de fomento ao esporte e lazer no sistema prisional (Portaria CNJ 205/2020), foram delineadas as diretivas e o conteúdo da proposta (SEI 08844/2020 e SEI 08845/2020).

Concluídos os trabalhos, o Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF) compilou as sugestões e elaborou minuta de resolução, que tem o objetivo de servir como instrumento garantidor de direitos das pessoas privadas de liberdade e de efetivação da legislação de regência.

Acolhida a proposta, determinei, com fulcro no art. 102, § 1º, do Regimento Interno do CNJ, a autuação do presente procedimento, com vistas à submissão do ato normativo ao Plenário do CNJ. 

 É o relatório.  


 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: ATO NORMATIVO - 0001883-74.2021.2.00.0000
Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

 

 

VOTO

 

 

Conforme relatado, a presente resolução foi concebida no âmbito dos grupos de trabalho responsáveis pela elaboração de Plano Nacional de Fomento à Leitura nos Ambientes de Privação de Liberdade (Portaria CNJ 204/2020) e de Plano Nacional de Fomento ao Esporte e Lazer no Sistema Prisional (Portaria CNJ 205/2020), que contaram com a participação de organizações e especialistas na matéria, de representantes do sistema de justiça, de representantes do Poder Executivo ligados ao tema e à gestão do sistema prisional, bem como do  Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF).

Imbuídos do encargo de promover a leitura, o esporte e o lazer, de forma sistêmica e ampla, em estabelecimentos penais e tendo constatado que, mesmo com a edição da Recomendação CNJ 44/2013[1], em 2020, apenas 3,09%, 0,02% e 1,22% do total da população prisional acessou, respectivamente, a remição de pena pela leitura, pelos esportes ou por outras atividades complementares[2], os integrantes dos referidos grupos de trabalho procuraram elaborar norma que se mostrasse capaz de alterar essa realidade e garantir efetividade aos direitos das pessoas privadas de liberdade.

Desse modo, foram estabelecidos mecanismos de oferta das práticas sociais educativas, seu escopo e abrangência, além de terem sido fixadas atribuições aos magistrados para o reconhecimento e concessão da remição de pena, promoção e garantia do direito à educação, cultura, esporte, lazer, leitura e outras estratégias de aprendizagem.

Cuida-se, portanto, de ato normativo que não só contempla diretrizes já traçadas pelo CNJ, como também ostenta preceitos que se alinham aos comandos da Lei 7.210/1984 (Lei de Execução Penal), às Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos (Regras de Nelson Mandela), às Regras das Nações Unidas para o Tratamento de Mulheres Presas e Medidas Não Privativas de Liberdade para Mulheres Infratoras­ (Regras de Bangkok), aos Princípios de Yogyakarta (direitos humanos em relação à orientação sexual e identidade de gênero) e ao compromisso do Estado Brasileiro com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (ODS 4).

Sendo assim, voto pela APROVAÇÃO da minuta de resolução anexa, que estabelece procedimentos e diretrizes a serem observados pelo Poder Judiciário para o reconhecimento do direito à remição de pena, por meio de práticas sociais educativas em unidades de privação de liberdade.  

É como voto. 

Brasília, data registrada no sistema.  


Conselheiro MÁRIO GUERREIRO, 

Relator.

 

 

 

 

 

Exposição de motivos

 

 

Trata-se de resolução do Conselho Nacional de Justiça que apresenta procedimentos e diretrizes a serem observados pelo Poder Judiciário para o reconhecimento do direito à remição de pena por meio de práticas sociais educativas em unidades de privação de liberdade. 

A referida iniciativa surge da constatação da necessidade de avançar em relação à Recomendação N° 44, de 26 de novembro de 2013, na qual foram estabelecidos parâmetros de regulação das atividades educacionais complementares para fins de remição da pena pelo estudo, estabelecendo, ainda, critérios para a admissão pela leitura. 

O conceito de “práticas sociais educativas” que ora se apresenta tem como característica reconhecer os processos de aprendizagem que se dão ao longo da vida e por meio de diferentes experiências e sociabilidades. Conforme o Marco de Ação de Belém, documento resultante da VI Conferência Internacional de Educação de Adultos – CONFINTEA VI, ocorrida em Belém/PA, em dezembro de 2009:

 

a aprendizagem ao longo da vida constitui “uma filosofia, um marco conceitual e um princípio organizador de todas as formas de educação, baseada em valores inclusivos, emancipatórios, humanistas e democráticos, sendo abrangente e parte integrante da visão de uma sociedade do conhecimento[3].

 

Tal concepção, por sua vez, já surgira na Recomendação sobre o Desenvolvimento da Educação de Adultos adotada em Nairóbi, em 1976, e aprofundada na Declaração de Hamburgo, em 1997, compreendendo que a educação de adultos engloba:

 

todo processo de aprendizagem, formal ou informal, em que pessoas consideradas adultas pela sociedade desenvolvem suas capacidades, enriquecem seu conhecimento e aperfeiçoam suas qualificações técnicas e profissionais, ou as redirecionam, para atender suas necessidades e as de sua sociedade (UNESCO, 2010, p. 6).

 

Outrossim, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional inclui a prática da educação física, das artes visuais, da dança, da música e do teatro no currículo escolar obrigatório da educação básica. A referida lei também estipula que a Base Nacional Comum Curricular referente ao ensino médio incluirá obrigatoriamente estudos e práticas de educação física, arte, sociologia e filosofia.

Os fundamentos da educação de adultos e da aprendizagem ao longo da vida são essenciais para a compreensão das práticas educativas que se desenvolvem nos espaços de privação de liberdade: seja porque o sistema prisional brasileiro se dirige ao público adulto e, portanto, as práticas educativas nele existentes devem estar amparadas nessas concepções, seja porque os dados históricos apresentam baixo alcance de tais práticas e ausência de mecanismos efetivos que permitam não apenas ampliar o acesso, mas, sobretudo, diversificar sua oferta e reconhecer as iniciativas que, em grande medida, são de auto-organização das próprias pessoas privadas de liberdade.

As políticas penais no Brasil conformam um campo de enormes desafios, do qual faz parte a integração entre a execução penal e as políticas sociais legalmente estabelecidas, tendo por finalidade a garantia de direitos e a promoção da cidadania para as pessoas em privação de liberdade.

          A maturidade da Lei de Execução Penal, promulgada em 1984, e a consolidação dos direitos sociais propugnada pela Constituição Federal de 1988 acrescem àqueles desafios a urgência de que sejam concebidos os arranjos normativos, institucionais e organizacionais necessários a tal integração, responsabilidade essa que vem sendo enfrentada pelo Conselho Nacional de Justiça desde sua criação, em dezembro de 2004. Por meio de formulações normativas e da implementação de ações de controle e transparência nos atos processuais e administrativos do Poder Judiciário, o CNJ se consolida como protagonista no campo da garantia de direitos a toda a população brasileira e, especialmente no campo da execução penal, sua atuação se destaca mediante a proposição de ações e programas inovadores, em que sobressaem a implantação das audiências de custódia, o Projeto Começar de Novo, o Sistema Eletrônico de Execução Unificado, dentre outros.

Paralelamente, o Brasil obteve avanços significativos, no que tange à promoção da cidadania e à garantia de direitos para as pessoas em privação de liberdade, sobretudo a partir da segunda década do século XXI. Na área da educação, as Diretrizes Nacionais para a oferta de educação a jovens e adultos em privação de liberdade nos estabelecimentos prisionais[4], em 2010, permitiu assegurar o direito à educação e reafirmar o dever do Estado de garantir ensino regular, público e gratuito para as pessoas encarceradas. A PNAISP – Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade em estabelecimentos prisionais, de 2014, reconheceu a necessidade de efetivar uma política pública de saúde nas prisões, promovendo um arranjo intersetorial voltado à integração da saúde prisional ao Sistema Único de Saúde.

Na área de trabalho, a PNAT – Política Nacional de Trabalho no âmbito do sistema prisional, publicada em Decreto Federal de 2018, propõe estratégias para a qualificação da oferta de vagas de trabalho, para o empreendedorismo e para a formação profissional das pessoas presas e egressas do sistema prisional.

Não obstante, alguns setores das políticas públicas ainda carecem de arranjos normativos, institucionais e organizacionais que assegurem o cumprimento dos princípios e garantias previstos na Constituição Federal para as pessoas em privação de liberdade. Assim ocorre com o setor de esportes e lazer, para o qual pouca atenção tem sido dada pelo Poder Público.

O fomento de práticas desportivas formais e informais e o incentivo ao lazer como forma de promoção social é dever do Estado, conforme disposto Constituição da República de 1988, em seu art. 217.  São direitos reconhecidos como universais, ou seja, devem ser assegurados a todas as pessoas, independentemente da condição ou local de vida em que se encontrem, bem como de sua raça, gênero, idade, classe social ou outros marcadores sociais de diferenças.

A Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84) reconhece, em seu art. 41, o direito da pessoa presa e internada ao exercício de atividades desportivas, assim como ao contato com o mundo exterior por diversos meios. Dentre os tratados e normativas internacionais de que o Brasil é signatário, as Regras de Nelson Mandela indicam a necessidade de assegurar pelo menos uma hora diária de exercícios físicos ao ar livre, além da disposição de instalações para oferta de atividades físicas, recreativas e culturais. As Regras de Bangkok - Regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras, dispõe sobre a necessidade de proporcionar atividades recreativas e culturais em benefício da saúde física e mental das mulheres privadas de liberdade (Regra 78).

Em que pese a importância da promoção de atividades desportivas e de lazer em unidades de privação de liberdade, historicamente, essas atividades são realizadas de forma espontânea, resultantes da iniciativa das pessoas presas, prescindindo do planejamento da gestão prisional para oferta, realização continuada e valorização dessas práticas. São atividades, na maioria das vezes, que não estão incorporadas nas rotinas de gestão e, consequentemente, apartadas das demais áreas assistenciais (educação, direitos humanos, saúde, trabalho e qualificação profissional) e de uma visão interdisciplinar. Outro ponto crítico consiste na indisponibilidade de profissionais habilitados para planejar e executar as ações de esporte e lazer, o que contribui para a manutenção de práticas descontextualizadas e destacadas das demais políticas prisionais.

Uma das consequências desse quadro consiste na restrição de uma oferta diversificada de modalidades e práticas esportivas, tais como os “esportes da mente”, atletismo, modalidades paraolímpicas, jogos eletrônicos, dentre outras. Ademais, é marcante a diferenciação de gênero no acesso às práticas desportivas e a invisibilização de públicos que apresentam diversidades, tais como pessoas indígenas, LGBTI+, pessoas com deficiência, pessoas idosas e pessoas internadas.

No tocante à leitura, compreende-se tratar de dimensão que está relacionada ao pleno desenvolvimento e à formação social do indivíduo e de sua capacidade de perceber a si mesmo, sua comunidade e o mundo. É base para o diálogo, para a democracia, para compreensão da diversidade cultural, da pluralidade, das multiplicidades de visões de mundo.  Tem o potencial de qualificar as relações humanas e sociais, fomenta a autonomia dos sujeitos individuais e coletivos e promove a cidadania. Nesse sentido, a biblioteca é o local de acessibilidade de acervos que possibilita a aproximação das pessoas aos livros e à literatura.  Dessa forma, o acesso aos livros por meio de bibliotecas públicas é estratégico para o desenvolvimento social e da cidadania de um país.

Ao discorrer sobre a importância da leitura, é imprescindível considerar as condições para que ela seja democratizada, especialmente por meio das bibliotecas públicas, configuradas como centros de informação, visando a atingir a igualdade de acesso a toda a população. Em termos legais, a Constituição Federal, em seu artigo 5°, XIV, assegura o direito ao acesso à informação, inclusive às pessoas encarceradas, reforçando aquilo que fora previsto na Lei de Execuções Penais (LEP, art. 21, Capítulo V): “cada estabelecimento penal deve ser dotado de uma biblioteca, para uso de todas as categorias de reclusos, provida de livros instrutivos, recreativos e didáticos”.

Décadas depois, o Plano Nacional do Livro e Leitura – PNLL, instituído por meio do Decreto nº 7.559, de 1º de setembro de 2011, propôs a instituição de uma política pública de fomento à leitura, compreendida em uma perspectiva de inclusão social e, em relação às unidades prisionais, a sociedade civil tem realizado debates e reflexões sobre a temática das bibliotecas e incentivo à leitura.  Mais recentemente, a Política Nacional de Leitura e Escrita – Lei 13.696/2018 - estabeleceu “o reconhecimento da leitura e da escrita como um direito, a fim de possibilitar a todos, inclusive por meio de políticas de estímulo à leitura, as condições para exercer plenamente a cidadania, para viver uma vida digna e para contribuir com a construção de uma sociedade mais justa” (art. 1°, II), sendo necessário o desenvolvimento de estratégias que promovam  a “universalização do direito ao acesso ao livro, à leitura, à escrita, à literatura e às bibliotecas” (art. 1°, I).  

Nesse contexto, conquanto a Recomendação N° 44 deste Conselho Nacional de Justiça tenha representado um avanço normativo fundamental para o fortalecimento das práticas educativas, ao recomendar que para fins de remição pelo estudo (Lei nº 12.433/2011) sejam valoradas e consideradas as atividades de caráter complementar, assim entendidas aquelas que ampliam as possibilidades de educação nas prisões, tais como as de natureza cultural, esportiva, de capacitação profissional, de saúde, entre outras, seus pressupostos não lograram alterar os índices de alcance dessas iniciativas, que, em 2020, apresentaram índices de 3,09%, 0,02% e 1,22% do total da população prisional, que acessaram, respectivamente, a remição de pena pela leitura, pelos esportes ou por outras atividades complementares[5].

Para compreender os fatores que dificultam o avanço das iniciativas de fomento ao esporte, ao lazer e à leitura no sistema prisional, o Conselho Nacional de Justiça instituiu, em agosto de 2020, dois grupos de trabalho destinados a elaborar, respectivamente, um Plano Nacional de Esporte e Lazer no sistema prisional e um Plano Nacional de Fomento à Leitura em ambientes de privação de liberdade. Dentre os principais entraves para ambas as iniciativas, foram mencionados: 1) precariedade dos recursos para oferta de iniciativas de esporte e leitura; 2) acervos literários deteriorados e com pouca diversidade; 3) censura de livros e autores, à revelia da expressa vedação constitucional; 4) ausência de mecanismos claros para reconhecimento e sistematização das práticas auto-organizadas e de livre iniciativa das pessoas privadas de liberdade; 5) ausência de critérios objetivos e homogêneos para registro, informação e contagem das atividades passíveis de remição; 6) diversidade de procedimentos administrativos nos âmbitos da gestão prisional e das Varas de Execução Penal para concessão da remição; 7) restrição do direito à remição de pena decorrente da escassez de vagas em projetos específicos.

Em face do exposto, a proposta de resolução em tela visa a estabelecer procedimentos e diretrizes claros e objetivos que permitam atualizar os pressupostos da Recomendação N° 44 à luz dos novos arranjos legais e institucionais vigentes, possibilitando maior clareza quanto aos mecanismos de oferta das práticas sociais educativas, seu escopo e abrangência e as atribuições de magistrados no reconhecimento e concessão da remição de pena, promoção e garantia do direito à educação, cultura, esporte, lazer, leitura e outras estratégias de aprendizagem.

Prevê-se, com esta resolução, não somente ampliar o acesso das pessoas privadas de liberdade à remição de pena pelas práticas educativas, mas ampliar o alcance dessas práticas junto à população prisional e mobilizar outros atores para a diversificação de sua oferta e qualificação das ações realizadas.

Por fim, se tais atividades compõem o currículo escolar obrigatório, contam para o cumprimento da carga horária e para o cômputo do número mínimo de dias letivos, devem, por conseguinte, contar também para a carga horária do cálculo da remição.

 


 

RESOLUÇÃO No                , DE                DE                  DE 2021.

 

Estabelece procedimentos e diretrizes a serem observados pelo Poder Judiciário para o reconhecimento do direito à remição de pena por meio de práticas sociais educativas em unidades de privação de liberdade.

 

 

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, no uso de suas atribuições legais e regimentais;

CONSIDERANDO o direito fundamental à educação (arts. 6º, 205 e seguintes da Constituição Federal) e o disposto na Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional -, e na Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014 - Plano Nacional de Educação;

CONSIDERANDO a Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 - Lei de Execução Penal -, que estabelece o direito da pessoa privada de liberdade à educação, cultura, atividades intelectuais e o acesso a livros e bibliotecas, ressaltando a finalidade de reintegração social por meio da individualização da pena  (arts. 17 a 21, 41 e 126); 

CONSIDERANDO a Lei nº 13.696, de 12 de julho de 2018, que institui a Política Nacional de Leitura e Escrita como estratégia permanente para universalizar o acesso aos livros, à leitura, à escrita, à literatura e às bibliotecas de acesso público no Brasil;

CONSIDERANDO que o Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Penitenciário tem entre suas atribuições fomentar a implementação de medidas protetivas e de projetos de capacitação profissional e reinserção social do interno e do egresso do sistema carcerário (art. 1º, §1º, IV, da Lei nº 12.106, de 2 de dezembro de 2009); 

CONSIDERANDO a decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal proferida em agravo regimental no HC 190.806/SC, que reconheceu o direito à remição de pena pela leitura, considerado o escopo da ressocialização em que se inserem as atividades de educação, e determinou a expedição de recomendação ao CNJ para que sejam implementadas condições básicas de estudos no sistema carcerário;

CONSIDERANDO as Regras de Nelson Mandela - Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos -, especialmente aquelas que estabelecem o direito à educação, à biblioteca e às atividades culturais (Regras 4-2, 41, 64, 92, 104, 105 e 117);

CONSIDERANDO as Regras de Bangkok - Regras das Nações Unidas para o Tratamento de Mulheres Presas e Medidas Não Privativas de Liberdade para Mulheres Infratoras­ -, no que tange aos princípios de não discriminação e de reconhecimento das especificidades do encarceramento feminino;

CONSIDERANDO os Princípios de Yogyakarta para aplicação da legislação internacional de direitos humanos em relação à orientação sexual e identidade de gênero, que estabelecem o direito ao trabalho (Princípio 12), ao tratamento humano durante a detenção (Princípio 9) e a não sofrer tortura e tratamento ou castigo cruel, desumano e degradante (Princípio 10);

CONSIDERANDO o compromisso do Estado Brasileiro com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, que inclui o objetivo de assegurar a educação inclusiva, equitativa e de qualidade, além de promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos (ODS 4); 

CONSIDERANDO a Recomendação CNJ nº 44, de 26 de novembro de 2013, que dispõe sobre atividades educacionais complementares para fins de remição da pena pelo estudo e estabelece critérios para a admissão pela leitura;

CONSIDERANDO a Resolução nº 2, de 19 de maio de 2010, do Conselho Nacional de Educação, que dispõe sobre as diretrizes nacionais para a oferta de educação às pessoas privadas de liberdade em estabelecimentos penais;

CONSIDERANDO a Resolução nº 3, de 6 de março de 2009, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, que dispõe sobre as diretrizes nacionais para a oferta de educação nos estabelecimentos penais;

 

RESOLVE


Art. 1º Estabelecer procedimentos e diretrizes a serem observados pelo Poder Judiciário para o reconhecimento do direito à remição de pena por meio de práticas sociais educativas em unidades de privação de liberdade.

 

Art. 2º O reconhecimento do direito à remição de pena por meio de práticas sociais educativas considerará as atividades escolares, as práticas sociais educativas não-escolares e a leitura de obras literárias.

 

Parágrafo único. Para fins desta resolução, considera-se:

 

I – atividades escolares: aquelas de caráter escolar organizadas formalmente pelos sistemas oficiais de ensino, de competência dos Estados, do Distrito Federal e, no caso do sistema penitenciário federal, da União, que cumprem os requisitos legais de carga horária, matrícula, corpo docente, avaliação e certificação de elevação de escolaridade;

 

II – práticas sociais educativas não-escolares: atividades de socialização e de educação não-escolar, de autoaprendizagem ou de aprendizagem coletiva, assim entendidas aquelas que ampliam as possibilidades de educação para além das disciplinas escolares, tais como as de natureza cultural, esportiva, de capacitação profissional, de saúde, dentre outras, de participação voluntária, integradas ao projeto político-pedagógico (PPP) da unidade ou do sistema prisional e executadas por iniciativas autônomas, instituições de ensino públicas ou privadas e pessoas e instituições autorizadas ou conveniadas com o poder público para esse fim.

 

Art. 3º O reconhecimento do direito à remição de pena pela participação em atividades de educação escolar considerará o número de horas correspondente à efetiva participação da pessoa privada de liberdade nas atividades educacionais, independentemente de aproveitamento, exceto, quanto ao último aspecto, quando a pessoa tiver sido autorizada a estudar fora da unidade de privação de liberdade, hipótese em que terá de comprovar, mensalmente, por meio da autoridade educacional competente, a frequência e o aproveitamento escolar.

 

Parágrafo único. Em caso de a pessoa privada de liberdade não estar vinculada a atividades regulares de ensino no interior da unidade e realizar estudos por conta própria, ou com acompanhamento pedagógico não-escolar, logrando, com isso, obter aprovação nos exames que certificam a conclusão do ensino fundamental ou médio (ENCCEJA ou outros) e aprovação no Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM, será considerada como base de cálculo para fins de cômputo das horas visando à remição da pena 50% (cinquenta por cento) da carga horária definida legalmente para cada nível de ensino, fundamental ou médio, no montante de 1.600 (mil e seiscentas) horas para os anos finais do ensino fundamental e 1.200 (mil e duzentas) horas para o ensino médio ou educação profissional técnica de nível médio, conforme o art. 4º da Resolução nº 03/2010 do Conselho Nacional de Educação, acrescida de um terço por conclusão de nível de educação, a fim de se dar plena aplicação ao disposto no art. 126, § 5º, da LEP.

 

Art. 4º O reconhecimento do direito à remição de pena pela participação em práticas sociais educativas não-escolares, excetuada a leitura, considerará a existência de projeto com os seguintes requisitos:

 

I - especificação da modalidade de oferta, se presencial ou à distância;

 

II - indicação de pessoa ou instituição responsável por sua execução e dos educadores ou tutores que acompanharão as atividades desenvolvidas;

 

III - objetivos propostos;

 

IV - referenciais teóricos e metodológicos a serem observados;

 

V - carga horária a ser ministrada e conteúdo programático;

 

VI - forma de realização dos registros de frequência;

 

VII - registro de participação da pessoa privada de liberdade nas atividades realizadas.

 

Parágrafo único. A participação nessas práticas sociais educativas ensejará remição de pena na mesma medida das atividades escolares (artigo 3º), considerando-se para o cálculo da carga horária a frequência efetiva da pessoa privada de liberdade nas atividades realizadas. 

 

Art. 5º Terão direito à remição de pena pela leitura as pessoas privadas de liberdade que comprovarem a leitura de qualquer obra literária, independentemente de participação em projetos ou de lista prévia de títulos autorizados, considerando-se que:

 

I - a atividade de leitura terá caráter voluntário e será realizada com as obras literárias constantes no acervo bibliográfico da biblioteca da unidade de privação de liberdade;

 

II - o acervo bibliográfico poderá ser renovado por meio de doações de visitantes ou organizações da sociedade civil, sendo vedada toda e qualquer censura a obras literárias, religiosas, filosóficas ou científicas, nos termos dos art. 5º, IX, e 220, §2º, da Constituição Federal;

 

III - o acesso ao acervo da biblioteca da unidade de privação de liberdade será assegurado a todas as pessoas presas ou internadas cautelarmente e àquelas em cumprimento de pena ou de medida de segurança, independentemente do regime de privação de liberdade ou regime disciplinar em que se encontrem;

 

IV - para fins de remição de pena pela leitura, a pessoa em privação de liberdade registrará o empréstimo de obra literária do acervo da biblioteca da unidade, momento a partir do qual terá o prazo de 21 (vinte e um) a 30 (trinta) dias para realizar a leitura, devendo apresentar, em até 10 (dez) dias após esse período, um relatório de leitura a respeito da obra, conforme roteiro a ser fornecido pelo Juízo competente ou Comissão de Validação;

 

V - para cada obra lida corresponderá a remição de 4 (quatro) dias de pena, limitando-se, no prazo de 12 (doze) meses, a até 12 (doze) obras efetivamente lidas e avaliadas e assegurando-se a possibilidade de remir até 48 (quarenta e oito) dias a cada período de 12 meses.

 

§ 1º O Juízo competente instituirá Comissão de Validação, com atribuição de analisar o relatório de leitura, considerando-se, conforme o grau de letramento, alfabetização e escolarização da pessoa privada de liberdade, a estética textual (legibilidade e organização do relatório), a fidedignidade (autoria) e a clareza do texto (tema e assunto do livro lido), observadas as seguintes características:

 

I - a Comissão de Validação será composta por membros do Poder Executivo, especialmente aqueles ligados aos órgãos gestores da educação nos Estados e Distrito Federal e responsáveis pelas políticas de educação no sistema prisional da unidade federativa ou União, incluindo docentes e bibliotecários que atuam na unidade, bem como representantes de organizações da sociedade civil, de iniciativas autônomas e de instituições de ensino públicas ou privadas, além de pessoas privadas de liberdade e familiares;

 

II - a participação na Comissão de Validação terá caráter voluntário e não gerará qualquer tipo de vínculo empregatício ou laboral com a Administração Pública ou com o Poder Judiciário;

 

III - a validação do relatório de leitura não assumirá caráter de avaliação pedagógica ou de prova, devendo limitar-se à verificação da leitura e ser realizada no prazo de 30 (trinta) dias, contados da entrega do documento pela pessoa privada de liberdade.

 

§ 2º Deverão ser previstas formas de auxílio para fins de validação do relatório de leitura de pessoas em fase de alfabetização, podendo-se adotar estratégias específicas de leitura entre pares, leitura de audiobooks, relatório de leitura oral de pessoas não-alfabetizadas ou, ainda, registro do conteúdo lido por meio de outras formas de expressão, como o desenho.

 

§ 3º O Poder Público zelará pela disponibilização de livros em braile ou audiobooks para pessoas com deficiências visual, intelectual e analfabetas, prevendo-se formas específicas para a validação dos relatórios de leitura;

 

§ 4º Na composição do acervo da biblioteca da unidade de privação de liberdade deverá ser assegurada a diversidade de autores e gêneros textuais, incluindo acervo para acesso à leitura por estrangeiros, sendo vedada toda e qualquer forma de censura.

 

Art.Além do previsto no artigo anterior, o Juízo competente zelará para que as unidades de privação de liberdade promovam a realização de projetos de fomento e qualificação da leitura em parceria com iniciativas autônomas das pessoas presas, internadas e seus familiares, organizações da sociedade civil, instituições de ensino e órgãos públicos de educação, cultura, direitos humanos, dentre outros, observando:

 

I - a ampla divulgação da realização dos projetos para as pessoas privadas de liberdade, a fim de possibilitar a adesão voluntária e o interesse universal pela participação;

 

II - a pactuação com a equipe organizadora do projeto acerca dos critérios de seleção das pessoas interessadas;

 

III - a oferta de projetos para os diferentes níveis de letramento, alfabetização e escolarização;

 

IV - a garantia de participação dos responsáveis pelos projetos de leitura e dos alunos presos na escolha das obras que serão tratadas nos projetos de leitura, valorizando-se a diversidade de autores e gêneros textuais, sendo vedada a censura;

 

V - a garantia da remição de pena pela leitura dos livros abordados no projeto, cumpridos os requisitos previstos neste artigo.

 

Art. 7º A participação da pessoa privada de liberdade em atividades de leitura e em práticas sociais educativas não-escolares para fins de remição de pena não afastará as hipóteses de remição pelo trabalho ou educação escolar, sendo possível a cumulação das diferentes modalidades, cabendo ao Juízo competente zelar para que:

 

I - as pessoas privadas de liberdade possam frequentar as atividades descritas na presente resolução de forma cumulativa ou independente, sendo vedada a vinculação de participação em uma das modalidades de estudo como pré-requisito para a participação em quaisquer das outras atividades;

 

II - seja assegurado o registro de presença da pessoa inscrita na prática social educativa, com o respectivo cômputo de carga horária, em caso de ausência motivada por questões de saúde, caso fortuito, força maior e quando a não realização da atividade decorrer de ato injustificado da administração da unidade de privação de liberdade;

III - a direção da unidade de privação de liberdade encaminhe semestralmente, para homologação, a relação das pessoas que adquiriram o direito, naquele período, à remição de pena pelo estudo, reduzindo-se o prazo, individualmente, para os casos de pessoas que se encontrem em lapso menor para a progressão de regime; 

IV - a pessoa privada de liberdade tenha acesso à relação dos dias remidos por meio do estudo, incluídas as atividades escolares, a leitura e a participação em outras práticas sociais educativas.

 

Art. 8º Compete ao Poder Judiciário, especialmente aos Grupos de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário, em articulação com os demais órgãos da execução penal e com a sociedade civil, a garantia do direito às práticas sociais educativas a todas as pessoas presas ou internadas cautelarmente e àquelas em cumprimento de pena ou de medida de segurança, independentemente do regime de privação de liberdade ou regime disciplinar em que se encontrem, objetivando:

I - assegurar o acesso universal aos livros para fins de remição, seja por meio de permissão para frequência às bibliotecas, seja mediante estratégia de circulação do acervo ou catálogos de livros para requisição;

II - fomentar a diversificação de estratégias de renovação do acervo em seus múltiplos formatos e de acesso às bibliotecas das unidades de privação de liberdade, bem como às iniciativas locais de estímulo à leitura e às práticas sociais educativas, inclusive com relação à integração entre projetos de educação não-escolar e o projeto político-pedagógico (PPP) de escolarização;

III - assegurar que todas as pessoas privadas de liberdade tenham acesso às informações acerca das práticas sociais educativas realizadas na unidade, bem como às informações sobre os procedimentos para o exercício do direito à remição de pena;

IV - fomentar e monitorar a execução das práticas sociais educativas e sua articulação com as políticas de educação escolar, especialmente com os Planos Estaduais de Educação;

V – garantir a efetividade das formas de registro e de comunicação entre unidades de privação de liberdade e a Vara de Execução, para fins de remição.

 

Art. 9º Fica revogada a Recomendação CNJ nº 44, de 26 de novembro de 2013.

 

Art. 10. Esta resolução entra em vigor 30 dias após sua publicação.

 

Ministro LUIZ FUX




[1] Dispõe sobre atividades educacionais complementares para fins de remição da pena pelo estudo e estabelece critérios para a admissão pela leitura.

[2] Segundo dados do Infopen – junho de 2020, sistematizados pela coordenação nacional do Eixo 3 do Programa Fazendo Justiça 

[3] UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Marco de Ação de Belém. VI CONFINTEA – Conferência Internacional de Educação de Adultos. UNESCO: Brasília, abril de 2010.

[4] BRASIL. Ministério da Educação. Resolução Nº 2, de 19 de maio de 2010. Dispõe sobre as Diretrizes Nacionais para a oferta de educação para jovens e adultos em situação de privação de liberdade nos estabelecimentos penais. Brasília: MEC; Conselho Nacional de Educação; Câmara de Educação Básica, 2010.

[5] Segundo dados do Infopen – junho de 2020, sistematizados pela coordenação nacional do Eixo 3 do Programa Fazendo Justiça.