Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0006503-66.2020.2.00.0000
Requerente: FUNDAÇÃO HOSPITAL DA AGROINDÚSTRIA DO AÇÚCAR E DO ÁLCOOL DE ALAGOAS
Requerido: ALCIDES GUSMÃO DA SILVA

 


EMENTA

RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. DESEMBARGADOR. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE ALAGOAS. RECURSO ADMINISTRATIVO. ARQUIVAMENTO DO PROCEDIMENTO PRÉVIO DE APURAÇÃO. ATO DE NATUREZA JURISDICIONAL. RECURSO NÃO PROVIDO.

 

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário Virtual, 8 de abril de 2022. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Sidney Madruga, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Não votaram, em razão das vacâncias dos cargos, os Conselheiros representante da Justiça do Trabalho, representante do Ministério Público Estadual e os representantes do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0006503-66.2020.2.00.0000
Requerente: FUNDAÇÃO HOSPITAL DA AGROINDÚSTRIA DO AÇÚCAR E DO ÁLCOOL DE ALAGOAS
Requerido: ALCIDES GUSMÃO DA SILVA


RELATÓRIO

            

Trata-se de recurso administrativo interposto pela FUNDAÇÃO HOSPITAL DA AGROINDÚSTRIA DO AÇÚCAR E DO ÁLCOOL DE ALAGOAS contra decisão monocrática de relatoria desta Corregedora, que determinou o arquivamento destes autos, sob o entendimento de que a insurgência em exame evidenciaria insatisfação com o conteúdo de decisão judicial proferida pelo Reclamado (Id. 4409723). 

A fundação Reclamante, na peça inicial, alegou, em síntese, que Edgar Antunes Neto, seu diretor, e o senhor Elpídio Estanislau da Silva, pai do Desembargador Alcides Gusmão, possuem “longa relação de débito e crédito”, que inclusive culminou em diversas disputas judiciais. Sustenta que, após a morte do senhor Elpídio Estanislau, o Desembargador Alcides Gusmão é quem efetivamente passou a cobrar judicialmente os créditos de Edgar Antunes (Diretor Presidente da Fundação), na condição de gestor do espólio do pai. 

Aduziu que, em razão dos fatos acima narrados e da relação pessoal existente com o gestor da Fundação, o Desembargador Alcides Gusmão da Silva atuaria com parcialidade na condução do agravo de instrumento n. 0804771-93.2019.8.02.0000, da sua relatoria, e que possui como agravada a Fundação Hospital da Agroindústria do Açúcar e do Álcool de Alagoas. 

Requereu, assim, a apuração dos fatos, instaurando-se o competente processo legal administrativo disciplinar para aplicação da penalidade cabível e prevista em lei para a espécie.

Em decisão acostada na Id. 4111982, determinou-se a apuração dos fatos pelo Tribunal de Justiça de Alagoas.

Em cumprimento à determinação desta Corregedoria, a Presidência do TJAL instaurou comissão específica para apuração dos fatos narrados na presente Reclamação (Id. 4196953 – fls. 14/15). Referida comissão, ao sopesar todas as alegações constantes das petições e o escorço probatório, opinou pelo arquivamento do procedimento apuratório.

Nesse contexto, considerei que, pelo que se depreenderia dos elementos colacionados aos autos, a insurgência em exame evidenciaria insatisfação com o conteúdo de decisão judicial proferida pelo Reclamado. Na oportunidade asseverei, inclusive, que tramitaria exceção de suspeição proposta pela Reclamada em face do Desembargador Alcides Gusmão.

Sob essa perspectiva, considerando não existir elementos que justificassem qualquer revisão da atuação do Tribunal local, sem prejuízo de ulterior avaliação diante do surgimento de elementos novos, capazes de demonstrar a quebra do dever de imparcialidade por parte do desembargador Reclamado, com fundamento no artigo 19, caput, do Regulamento Geral desta Corregedoria Nacional de Justiça, determinei o arquivamento dos autos.

Inconformado, a Reclamante interpôs recurso administrativo contra a decisão de arquivamento (Id. 4441024). Nas razões recursais, defende que não se busca evidenciar insatisfação com conteúdo de decisão judicial proferida pelo Reclamado, mas sim com atos por ele praticados, os quais violariam dispositivos do Código de Ética da Magistratura Nacional, da Lei Orgânica da Magistratura e do Código de Processo Civil.

Aduz, em síntese:

a)     que o Desembargador Alcides Gusmão, teria se utilizado de ferramentas e instrumentos institucionais do TJAL para cobrança de dívida pessoal, cujo credor seria seu pai – atualmente falecido e, portanto, de quem o magistrado figuraria como herdeiro e atuaria como procurador;

b)     que a dívida foi contraída entre Edgar Antunes Neto, Diretor-Presidente da Fundação ora Recorrente, que figurou como devedor, e o pai do Desembargador, senhor Elpídio Estanislau da Silva, credor, de quem o Magistrado seria procurador. Houve assinatura de termo de confissão de dívida cujas testemunhas seriam, o filho e procurador do credor, Desembargador Alcides, e sua Chefe de Gabinete, Sandra Moreira de Menezes;

c)      que, com fundamento no poder de representação de seu genitor, o magistrado passou a constranger o senhor Edgar ao pagamento de uma dívida de R$ 40.000,00;

d)     que ao atuar em descompasso com as regras e princípios que norteiam a atividade judicante, de forma a coagir o devedor ao pagamento de dívida pessoal, o Desembargador Alcides Gusmão teria se tornado parte notoriamente parcial para julgar qualquer demanda que envolva Edgar Antunes e a Fundação que ele representa, especialmente porque restaria demonstrada (i) a ciência do magistrado quanto à posição profissional ocupada por Edgar e (ii) a tomada de decisões judiciais que afrontariam entendimento transitado em julgado do STF, de forma a prejudicar a Fundação Hospitalar.

 

Ao final, requereu o acolhimento do presente recurso para que seja analisado o mérito da peça vestibular da reclamação disciplinar, apurados os fatos narrados e, sucessivamente, instaurado o competente processo administrativo disciplinar.

É o relatório.

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0006503-66.2020.2.00.0000
Requerente: FUNDAÇÃO HOSPITAL DA AGROINDÚSTRIA DO AÇÚCAR E DO ÁLCOOL DE ALAGOAS
Requerido: ALCIDES GUSMÃO DA SILVA

 


VOTO


                     A EXMA. SRA. MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA: 

O recurso administrativo não merece provimento. 

A Reclamante se insurge contra decisão de arquivamento e, por meio do presente recurso administrativo, reforça as alegações contidas em sua peça inicial. 

Em que pesem as reiteradas alegações da Recorrente no sentido de que o Desembargador Alcides Gusmão teria se utilizado de ferramentas e instrumentos institucionais do TJAL para cobrança de dívida pessoal, cujo credor seria seu pai, não merecem prosperar. 

A meu ver, os fatos foram esclarecidos pelo Tribunal de Justiça do Estado do Alagoas. A comissão de sindicância instaurada no âmbito local, específica para apuração dos fatos narrados na presente Reclamação, executou um amplo trabalho de apuração, o qual, ao final, concluiu pelo arquivamento do feito. 

Passo a colacionar as principais conclusões da Comissão Processante instalada no âmbito do TJAL (Id. 4308607): 

1) inexiste a alegada suspeição, tanto que o Desembargador Alcides atuou em inúmeros processos tendo a Fundação como parte sem que jamais tenha sido arguida qualquer objeção à sua atuação, inclusive no feito questionado, restando claro que a irresignação foi veiculada somente após a prolação de voto técnico e fundamentado, mas que não satisfez o interesse da reclamante; 

2) o próprio representante da Fundação Reclamante confessou que desconhecia a existência de suspeição em algum outro processo, afirmando ter tomado as providências neste feito por se tratar de um "processo grande", deixando claro que tudo não passou de um estratagema processual para afastar o Desembargador Alcides da Relatoria, apenas por um suposto e infundado receio de parcialidade; 

3) o Plenário do Tribunal de Justiça, por consagradora unanimidade, rejeitou a exceção de suspeição lançada pela Fundação reclamante, por concluir que não há suspeição ou impedimento do Desembargador Alcides; 

4) inexistiu qualquer tipo de atuação inadequada pelo envio, a pedido do próprio Edgar Antunes, de uma correspondência digital há nove anos, sem qualquer relação com o feito que lhe foi distribuído quase uma década depois, muito menos houve qualquer laivo de intimidação, ao revés, cuidou-se de mensagem meramente protocolar e encaminhada a pedido do próprio Edgar Antunes, repita-se, e o foi daquele correio eletrônico por ser o único que possui, pois sequer tem o manejo adequado de tais ferramentas;

5) é absolutamente inverídica a alegação de que o pai do requerido emprestaria dinheiro à juros usurários, e muito menos que o Desembargador Alcides seria a fictícia base da inexistente suspeição, foi encaminhado no longínquo ano de 2012, a pedido do próprio Edgar Antunes, representante da Fundação Reclamante, que solicitara saber quanto seria a dívida que possuía com o pai do requerido, que então, com pouquíssimo trato e só possuindo aquele e-mail, encaminhou a missiva, numa tentativa de que seu pai e Edgar Antunes chegassem logo a um acordo, pois se tratava de um octogenário;

6) tanto nada de errado houve com o envio de e-mail em 2012, que o próprio representante da Fundação não adotou nenhuma providência e tampouco revelou insatisfação, e igualmente não arguiu suspeição alguma do Desembargador Alcides em qualquer outro processo dos tantos que passou por ele, como relator ou integrante da Câmara --, só o fazendo neste processo em específico, após a prolação de um voto contrário e por se tratar de um "processo grande", nas palavras do próprio Edgar Antunes;

7) o representante da Fundação Reclamante, em seu depoimento, foi a todo tempo evasivo, buscando não responder as perguntas, sempre alegando uma insubsistente condição de leigo, quando é certo que é familiarizado com processos, já que envolvido em inúmeras demandas pessoais e como representante da Fundação.

 

Assim, depreende-se que não há elementos que justifiquem qualquer revisão da atuação do tribunal, sem prejuízo de ulterior avaliação diante do surgimento de elementos novos e não conhecidos que invalidem as conclusões iniciais e sejam capazes de demonstrar quebra do dever de imparcialidade por parte do desembargador requerido.

 

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso.

 

É como voto.

 

 

Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA

Corregedora Nacional de Justiça