Conselho Nacional de Justiça


 

Autos: 

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0000807-44.2023.2.00.0000 

Requerente: 

BRUNO DE SOUZA DE VIVEIROS e outros 

Requerido: 

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS - TJMG 

 

 

 

EMENTA: RECURSO ADMINISTRATIVO EM PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. CONCURSO PÚBLICO PARA MAGISTRATURA. EDITAL N. 01/2021. ANULAÇÃO DE QUESTÃO OBJETIVA. DECISÕES JUDICIAIS. CONSEQUENTE ANULAÇÃO DA SEGUNDA FASE. ISONOMIA. RESOLUÇÃO CNJ N. 476/2022. AUSÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. MANUTENÇÃO DA DECISÃO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 

1. O objeto deste procedimento cinge-se em verificar a juridicidade de dois atos praticados pelo TJMG no decorrer do Concurso Público de Provas e Títulos para Ingresso na Carreira da Magistratura do Estado de Minas Gerais – regido pelo Edital n. 01/2021.

2. Não se verifica ato ilegal do Tribunal requerido ao reconhecer, em sua autonomia, que – diante da declaração judicial de nulidade de uma questão constante na prova objetiva de todos os candidatos - deveria ocorrer a consequente recontagem de pontos, em observância ao princípio da isonomia.

3. Após recontagem de notas, houve modificação na classificação geral dos candidatos do certame. Anulada, portanto, a segunda etapa do concurso que não havia contemplado todos os candidatos aptos à realização desta fase. Igualdade de oportunidades e garantia do mesmo grau de dificuldade nas provas avaliativas.

4. Adequação do número de candidatos convocados, diante do cenário diverso daquele existente à época da abertura do concurso público. Posterior publicação da Resolução CNJ n. 476/2022. Análise das peculiaridades do caso concreto e motivações dos atos administrativos.

5. Ausência de ilegalidade a ensejar a intervenção deste Conselho, bem como ausência de fatos novos que possam conduzir a outro entendimento sobre a matéria analisada em decisão monocrática.

6. Recurso conhecido ao qual se nega provimento. 

 

 


 ACÓRDÃO

Após o voto do Conselheiro Vistor, o Conselho, por maioria, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Vencidos os Conselheiros Marcello Terto, Mário Goulart Maia, Mauro Pereira Martins e João Paulo Schoucair, que davam provimento ao recurso para julgar procedente o pedido. Votou a Presidente. Impedido o Conselheiro Vieira de Mello Filho. Ausente, justificadamente, o Conselheiro Marcio Luiz Freitas. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário, 5 de junho de 2023. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0000807-44.2023.2.00.0000
Requerente: BRUNO DE SOUZA DE VIVEIROS e outros
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS - TJMG


 

RELATÓRIO

         

Cuida-se de recurso administrativo interposto por Bruno de Souza de Viveiros e outros contra decisão monocrática (Id 5057073) que julgou improcedentes os pedidos formulados na petição inicial.

O relatório da decisão recorrida foi assim sistematizado (Id 5057073):


      Trata-se de PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO (PCA) proposto por BRUNO DE SOUZA DE VIVEIROS E OUTROS, em face do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS (TJMG), no qual pedem, liminarmente, a suspensão dos efeitos do Edital publicado em 03/02/2023, pela Comissão Examinadora do Concurso Público para ingresso na carreira da magistratura da Corte mineira – regido pelo Edital n. 01/2021 -, com o intuito de evitar a aplicação de novas provas escritas da 2ª fase do aludido certame.

        Os requerentes pontuam que o TJMG publicou o Edital n. 01/2021 (Id 5026068), pertinente ao Concurso Público de provas e títulos para o provimento de 82 (oitenta e duas) vagas e formação de cadastro de reserva para o cargo de Juiz de Direito Substituto, conduzido pela Comissão de Justiça do Tribunal e executado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), dividido em 5 etapas: 1ª - prova objetiva seletiva; 2ª - prova discursiva, prova de sentença cível e de sentença criminal; 3ª - inscrição definitiva; 4ª - prova oral eliminatória; e 5ª etapa - prova de títulos.

        Narram que a prova objetiva foi aplicada no dia 20/02/2022, e no dia 27/04/2022 a banca examinadora divulgou o resultado final dos aprovados na prova objetiva e a convocação para as provas da 2ª fase (Id 5026072), as quais foram aplicadas nos dias 14 a 16/05/2022, (prova discursiva, prova de sentença cível e de sentença criminal - Id 5026076).

        Informam que a FGV divulgou a lista preliminar de aprovados na prova discursiva em 18/07/2022 (Id 5026077), porém, no dia 03/02/2023, a Comissão do Concurso divulgou edital comunicando a anulação da 2ª fase do concurso, sob a justificativa de que foram proferidas decisões judiciais determinando a anulação de 01 questão da prova objetiva. Nesta ocasião, comunicaram que seria divulgado novo edital com as datas de reaplicação de todas as provas da 2ª fase (Id 5026081).

        Ressaltam que as decisões judiciais foram proferidas no bojo de 8 Mandados de Segurança (MS) impetrados perante o TJMG, os quais tiveram as ordens concedidas para anulação de 01 (uma) questão da prova objetiva e o acréscimo de 01 (um) ponto para os impetrantes. Consignam que não houve pedido, discussão ou decisão judicial relacionada à 2ª fase do certame.

        Nesta senda, os requerentes - todos aprovados na primeira prova discursiva da 2ª fase do concurso - pedem que o Conselho Nacional de Justiça realize o controle administrativo do ato que anulou as provas (Id 5026081), porquanto alegam a inexistência de motivo fático ou jurídico que justifique a decisão. Defendem que a manutenção das provas da 2ª etapa é questão que interessa a todos os candidatos participantes, havendo repercussão geral necessária para a análise do caso pelo CNJ.

        Alegam que o objeto dos MS era a anulação da questão 91 da Prova Objetiva Seletiva Tipo 2, e suas correspondentes (100 da prova tipo 1 / 97 da prova Tipo 3 / 94 da prova Tipo 4), com a atribuição de ponto aos respectivos impetrantes, e, além disso, argumentam que em todos os writs houve a concessão de liminar, permitindo que aqueles autores participassem da 2ª fase do concurso, na condição de sub judice, como se observa dos editais publicados pela FGV (Ids 5026082, 5026083, 5026084, 5026085, 5026086, 5026087, 5026088, 5026089).

        Nesse sentido, pedem a manutenção das provas realizadas na 2ª fase do concurso, sob o argumento de que: i) todas as decisões judiciais relacionadas à prova objetiva da 1ª fase foram cumpridas sem afetar a realização da 2ª fase; ii) inexiste discussão judicial relacionada à 2ª fase do concurso; iii) inexiste qualquer mácula na aplicação das provas escritas; e iv) a anulação das provas é medida que não encontra respaldo de ordem fática, jurídica ou legal, além de ferir a razoabilidade, pois prejudica todos os candidatos que participaram da 2ª etapa, e causa graves transtornos ao próprio TJMG.

        Arrazoam que o Estado de Minas Gerais interpôs Embargos de Declaração contra o Acórdão proferido nos autos do MS n° 1.0000.22.106508-9/000 (Id 5026095), para esclarecer sobre o alcance da decisão, ou seja, se a anulação da questão afetaria apenas o impetrante, ou se implicaria acréscimo de pontuação para todos os candidatos. Assim, informam que o Desembargador relator deu provimento aos Embargos de Declaração para excluir do acórdão embargado o trecho que determinava revisão da pontuação dos demais candidatos ao concurso, e que, portanto, a decisão judicial de nulidade da questão 91 valeria somente para o impetrante daquele MS.

        Argumentam que a decisão não poderia ser diferente, porquanto o MS individual é ação constitucional de caráter personalíssimo, e sob esse prisma, faz referência a julgado do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no qual foi reconhecida a nulidade de uma questão de prova discursiva de Concurso realizado pelo Ministério Público de Santa Catarina, e a ordem concedida foi para reaplicação da questão somente para o impetrante [1].

        Entendem pela impossibilidade de anulação da prova discursiva, por se tratar de ato administrativo praticado em observância à legalidade, e sem qualquer vício que justifique a anulação, como dispõe o art. 53 da Lei n. 9784/99 [2]. Invocam o princípio da segurança jurídica e da confiança.

        Nesse toar, alegam que a medida não é proporcional e nem equânime, pois: i) não é necessária para atender ao interesse dos candidatos que impetraram MS, pois estes candidatos realizaram as provas da 2ª fase; ii) ainda que fosse necessária a adoção de medidas para inclusão de outros candidatos na 2ª fase do concurso, tal medida poderia ser promovida de outra forma, como a realização de prova escrita suplementar para os novos candidatos aprovados.

        Outrossim, asseveram que a anulação da prova não beneficia ninguém, pois todos os candidatos, inclusive os que impetraram o MS, já realizaram a prova, e o TJMG ainda precisará arcar com os custos de realização de novas provas.

        Aduzem que os candidatos que realizaram a 2ª fase do certame dispenderam grandes investimentos financeiros viajando pra Belo Horizonte e comprando livros e cursos, além do prejuízo psicológico e moral, visto que a aprovação na 2ª fase de um concurso como o da Magistratura é resultado de anos de esforço, que exigem incontáveis sacrifícios pessoais para ser alcançado.

        Defendem, ainda, a existência de perigo na demora, pois, se o Edital de 03/02/2023 não for suspenso, a Comissão do Concurso poderá convocar todos os candidatos para realizarem novas provas escritas da 2ª fase, o que, segundo os requerentes, prejudicaria de modo irreversível os participantes do certame.

        Portanto, pedem, liminarmente, a suspensão dos efeitos do ato constante do Id 5026081, evitando a aplicação das novas provas escritas da 2ª fase, e, no mérito, que os pedidos sejam julgados procedentes, para determinar a manutenção das provas escritas da 2ª fase aplicadas nos dias 14 a 16/05/2022, e o prosseguimento do certame a partir de onde parou.

        Os autores peticionaram novamente, no dia 27/02/2023 (Id 5040920), e informaram que a Comissão Examinadora publicou novo edital no dia 13/02/2023 (Id 5040917), alterando o item 13.33 do Edital de lançamento do Concurso, para informar que seriam convocados 400 (quatrocentos) candidatos para realização das novas provas da 2ª fase, e não mais os 300 (trezentos) primeiros, como inicialmente previsto.

        Contudo, destacam que essa alteração realizada pela Comissão vai de encontro ao previsto no item 21.5 do Edital que rege o concurso, o que prevê que “não serão alteradas as regras relativas aos critérios de aprovação para etapas subsequentes, salvo nas hipóteses de indispensável adequação à legislação superveniente”.

        Sustentam, ainda, que o resultado com a nota definitiva de todos os candidatos que prestaram a primeira fase do concurso foi publicado em 05/04/2022, de modo que já se sabia, antes da alteração do edital realizada em 13/02/2023, os nomes de todos os candidatos convocados, razão pela qual entende que o aumento para 400 ofende o princípio da impessoalidade.

        Reiteram os pedidos formulados na petição inicial.

        Por sua vez, intimado a prestar informações, o TJMG (Id 5042002, p.390-397) alega que a questão da prova impugnada foi anulada judicialmente em decisão posterior à realização da segunda etapa do concurso. Aduz que, após manejo de Embargos de Declaração pelo Estado de Minas Gerais (Mandado de Segurança n. 1.0000.22.106508-9/000 e Embargos de Declaração n. 1.0000.22.106508- 9/001 e n. 1.0000.22.106508-9/002), a Comissão de Concurso, após reunião em 03/02/2023, comunicou a anulação da questão 91 da Prova Objetiva Seletiva Tipo 2 e suas correspondentes (100 da prova tipo 1, 97 da prova Tipo 3, 94 da prova Tipo 4), com a consequente contagem de acerto a todos os candidatos que fizeram a prova e não obtiveram pontuação nessa questão.

        Defende que a anulação de um ato administrativo possui efeito ex tunc, viciando-o desde a origem. Destarte, pontua que a questão anulada  deve ser eliminada do mundo jurídico, e afirma que o edital prevê tal situação no item 19.1.8 [3], em observância ao princípio da isonomia.

        Em suma, explica que, anulada a questão da prova objetiva, esta será contada como acerto para todos os candidatos que não obtiveram a pontuação, independentemente do ajuizamento de ação judicial. Afirma que considerar a questão nula apenas para alguns candidatos violaria os princípios da isonomia, da impessoalidade e da vinculação ao instrumento convocatório.

        Pondera que a anulação da questão da Prova Objetiva interferiu na esfera jurídica de todos os candidatos, alterando a lista dos mais bem classificados, o que ensejou a necessidade de cancelamento da 2ª etapa, como medida alinhada aos princípios da Administração Pública.

        Narra que a inclusão de novos habilitados trouxe questões para discussão da Comissão: manter a segunda etapa já realizada e fazer outra apenas para os novos habilitados, ou anular a segunda etapa e realizar outra com todos os habilitados? Esclareceu, quanto a este aspecto, o entendimento predominante da Comissão de que aplicar outra prova apenas para os novos classificados iria afrontar a isonomia, pois não seria possível garantir que as novas provas teriam o mesmo nível de dificuldade daquela já realizada.

        Informa que todos os requerentes deste PCA foram convocados para a realização da 2ª fase do certame em data ainda a ser divulgada, de modo que não se vislumbra a prática de atos que restrinjam ou impossibilitem a participação dos autores no certame.

        Em nova juntada de petição, os requerentes se manifestaram sobre as informações do Tribunal (Id 5045292), alegando que o item 19.1.8 dispõe sobre a anulação de questão da prova objetiva em sede de recurso administrativo [4], o que não contemplaria decisão judicial.

        Defendem que a anulação das provas discursivas é uma atitude precipitada, porquanto não há decisão transitada em julgado nos MS, apesar de já terem sido julgados embargos de declaração, de modo que a anulação da questão objetiva ainda não seria definitiva, e os impetrantes continuam no concurso na condição de sub judice. Ademais, arrazoam que os Embargos de Declaração foram julgados apenas no bojo do processo nº 1065089-47.2022.8.13.0000, e os efeitos da anulação da questão seriam aplicáveis apenas ao respectivo impetrante.

        Aduzem que o ato publicado no dia 13/02/2023, alterou o item 13.33 do Edital de lançamento do concurso (Id 5040917), informando que seriam convocados 400 (quatrocentos) candidatos para a realização das provas da 2ª fase, e não mais os 300 (trezentos) primeiros [5]. Entendem que essa alteração viola o previsto no item 21.5 do Edital n. 01/2021 [6] e o princípio da impessoalidade.

        Argumentam que a Resolução CNJ n. 476, publicada no dia 22/09/2022, alterou o artigo 44 da Resolução CNJ n. 75/2009, para permitir que, a critério do Tribunal, possam ser convocados até 1.500 candidatos que obtiveram as maiores notas.

        Contudo, alegam que o entendimento do CNJ é no sentido de que não se pode alterar disposições editalícias no decorrer do concurso, motivo pelo qual a alteração do item 13.33 do Edital nº 1 é ato ilegal, e deve ser considerado nulo.

        Nesta senda, reiteram os pleitos iniciais e pedem, ainda, que seja declarada a nulidade do ato administrativo que alterou o item 13.33 do Edital n. 01/2021, e a convocação dos candidatos para realizarem as novas provas da 2ª etapa.

        Ato contínuo, solicitam o ingresso no feito como terceiros interessados (Id 5048545) os Srs. RHANDER LIMA TEIXEIRA, PAULO ROBERTO CIOLA CASTRO e a Sra. GIOVANA KOHATA DE TOLEDO POSTALI STACHETTI, por terem sido aprovados e convocados para a 2ª fase do concurso da magistratura do TJMG, possuindo interesse jurídico na causa.

        Aduzem que, o argumento dos autores de que a Comissão estaria violando as regras do concurso por anular a questão após a fase de recursos administrativo desconsidera o fato de que a administração tem a prerrogativa de autotutela, podendo anular ato eivado de ilegalidade independentemente de requerimento, a fim de preservar o princípio da legalidade. Afirmam que se trata de atividade vinculada, não discricionária. Defendem que a FGV atuou de forma regular, resguardando a isonomia.

        Argumentam que a manifestação tem como intuito apresentar a necessidade de dar andamento ao certame, conforme pretende a administração do TJMG.

        Defendem que nenhum dos autores será prejudicado no cenário atual, pois todos foram convocados para a reaplicação das provas discursivas, e que não há vício de legalidade a ser corrigido, nem espaço para adentrar na análise do mérito do ato administrativo que anulou a questão da prova objetiva.

        Sustentam que os candidatos, ao alegarem que o TJMG estaria ofendendo o edital por convocar 400 candidatos, esqueceram de distinguir os precedentes que trouxeram do STJ e a situação em análise, pois estariam tratando de situação fática distinta.

        Alegam que existem decisões no STF [7] e neste Conselho [8] que preveem a sobreposição de norma em face de disposição editalícia.

        Por fim, afirmam que é comum a ocorrência de retificação de editais no decorrer do concurso público, especialmente quando se trata de critério formal que não influencia na atribuição de notas, e citam o concurso para ingresso da magistratura do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ocasião em que o edital foi retificado 15 dias antes da aplicação da prova objetiva, para se adequar à Resolução n. 75/2009 do CNJ, inexistindo ilegalidade ou controle dessa alteração.

        Em suma, requerem a inclusão dos terceiros interessados, a denegação do pedido de tutela de emergência, a total improcedência do pedido inicial.

        Diante das novas alegações dos requerentes, foi oportunizada manifestação complementar do TJMG, em observância ao contraditório (Id 5049517), ocasião em que o requerido apresenta a completa motivação da convocação dos 400 candidatos com as melhores notas para a realização da 2ª fase, tendo em vista a nulidade da questão 91, bem como a edição da Resolução n. 476/2009 do CNJ, uma vez que o item 13.33 fora escrito antes desse ato normativo existir.

        Observa que a referida Resolução não previa período de vacância ou vedação de aplicabilidade em concursos em andamento, e que por isso, a Comissão entendeu ser regra autoaplicável. Nesse sentido, afirma que essa retificação não infringia o disposto no item 21.5 do edital, por se tratar de adequação à legislação superveniente, e haver necessidade diante do novo contexto descortinado com a anulação da questão e das decisões judiciais, no caso concreto.

        Afirma que, antes da anulação da questão objetiva, a nota de corte era de 7,9, porém, com a anulação, a nota de corte aumentou para 8 pontos, o que ocasionaria na eliminação daqueles que participaram da prova escrita e que posteriormente à anulação não atingiram a nota 8. Destarte, a FGV decidiu por convocar 400 candidatos para a 2ª etapa, mantendo-se a nota de corte em 7,9, de modo a preservar a segurança jurídica no certame.

        Ademais, informou que na ocasião de abertura do edital, havia 82 vagas de juiz substituto a serem preenchidas, e que, posteriormente, no decorrer do certame, houve um aumento para 116, ou seja, 41,47% a mais de vagas, de modo que o aumento na convocação de candidatos para a prova escrita (de 300 para 400) não impactaria negativamente na concorrência.

        Assevera que a decisão de convocar 400 candidatos preserva os direitos destes, de modo que nenhum dos inicialmente convocados fossem eliminados. Além disso, afirma que a manutenção da habilitação de apenas 300 candidatos de ampla concorrência, com aumento da nota de corte para 8, dificultaria o cumprimento dos MS, visto que 7 dos impetrantes seriam eliminados, mesmo com decisão na justiça permitindo a continuação no certame.

        O Tribunal explica o entendimento de que o cumprimento das decisões judiciais é medida que se impõe, visto que não impugnará a decisão de anulação da questão, uma vez que pretende concluir o concurso com celeridade, com o intuito de atender ao interesse público e prover o quadro de magistrados necessários no TJMG, respeitando o princípio da isonomia.

        Em síntese, pede que não seja atendido o pedido de suspensão liminar do certame, porquanto implicaria em atrasar a conclusão do concurso, prejudicando a atividade jurisdicional e a população devido à falta de magistrados no Estado mineiro.

        Em juntada de petição (Id 5049523), ANA FLÁVIA SALES MARTINS FERREIRA, candidata aprovada na 1ª fase do concurso, requer sua habilitação no processo como terceira interessada. Alega que a anulação da prova da 2ª etapa e consequente reaplicação, com todos os habilitados, é media necessária para atender o princípio da isonomia, e alinha-se ao entendimento adotado pelo TJMG.

        Por fim, os requerentes peticionam mais uma vez, no dia 06/03/2023 (Id 5050322), em contraposição aos terceiros interessados, alegando que estes pretendem obter nova chance de participarem do concurso, porquanto não seriam aprovados na hipótese de não ocorrer uma nova prova escrita. Reiteram os argumentos apresentados anteriormente, e pedem deferimento do pedido liminar.

        É o relatório. 

 

Nas razões recursais (Id 5059368), os postulantes reiteram os argumentos apresentados na exordial, e pedem a reconsideração da decisão monocrática para manter válidas as provas da 2ª etapa já realizadas, “garantindo-se o direito adquirido dos candidatos já aprovados na prova discursiva” e, assim, determinar-se a aplicação das provas da 2ª etapa apenas para os candidatos que passaram a ter este direito (alcançaram a nota de corte após a anulação da questão objetiva – e que não tinham realizado a prova discursiva anteriormente); ou anulação do Edital publicado em 03/02/2023.

Pedem, ainda, na hipótese de não ocorrência do juízo de retratação, que a questão seja levada ao Plenário deste Conselho, na próxima sessão, conforme art. 115, §2º, do RICNJ, evitando-se o risco de a FGV aplicar novas provas antes do julgamento do recurso.

Alegam os recorrentes que a decisão monocrática que julgou os pedidos improcedentes examinou a existência de motivação da Comissão Examinadora para anular as provas da 2ª etapa. Contudo, entendem que a medida adotada pelo recorrido não leva em conta as consequências suportadas pelos candidatos que já realizaram a prova discursiva, os quais possuem “direito adquirido”. Assim, creem que deveria ser mantida a 2ª etapa já realizada (diante da ausência de ilegalidade), havendo apenas nova aplicação para os candidatos que passaram a ter o direito de realizar esta etapa do certame, ainda que sejam provas diferentes das realizadas pelos candidatos postulantes.

Afirmam que a Comissão Examinadora poderia ter anulado a referida questão em oportunidades pretéritas (houve interposição de recurso administrativo pelos candidatos), e não o fez, mas somente após decisões judiciais e aplicação da 2ª fase do concurso. Assim, no entender dos recorrentes, a declaração de nulidade da 2ª etapa do certame viola a segurança jurídica dos candidatos “aprovados” na prova discursiva. 

Ressaltam que haveria solução diversa da escolhida pelo Estadual mineiro, qual seja a nova aplicação das provas discursivas apenas para os candidatos que passaram a ter o direito à realização da 2ª fase, mantendo a prova dos candidatos requerentes “que não foram culpados pelo ocorrido”, hipótese reconhecida como aceitável pelo STJ [9].

Em contrarrazões (Id 5081380), o TJMG alega que os recorrentes apenas repetem os argumentos trazidos na petição inicial, quais sejam: a ilegalidade da extensão da anulação de uma questão da Prova Objetiva Seletiva a todos os candidatos; a ilegalidade da retificação do Edital n. 1/2021 realizada em 13 de fevereiro de 2022; e a ilegalidade da anulação da segunda etapa do certame com o consequente refazimento por todos os habilitados em data ainda não definida.

Quanto ao argumento de que a Comissão do Concurso poderia ter anulado administrativamente a questão objetiva e não o fez, o recorrido pondera que, de fato, não entendeu haver vício naquela questão de prova. Todavia, após anulação em âmbito judicial, decidiu resguardar as esferas de direitos de todos os participantes, e não apenas de determinado grupo, tendo em vista o princípio da isonomia. Nesse contexto, destaca o julgamento do Mandado de Segurança n. 30.859/DF pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Ressalta o Estadual que, ao anular a 2ª etapa, todos os habilitados serão submetidos às mesmas provas, assegurando-se o idêntico nível de dificuldade. “Nova largada será realizada e todos os candidatos partirão do mesmo ponto, terão a mesma oportunidade: regra de ouro do princípio da isonomia, basilar na realização dos concursos públicos” (Id 5081380).

Reitera, ainda, as demais informações prestadas anteriormente, e reforça que a Comissão do Concurso e toda a direção do TJMG tem se pautado pela estrita legalidade, com a observância do arcabouço normativo e principiológico que rege a Administração Pública.

Requer, então, a manutenção da decisão monocrática.


É o relatório.





[1] RMS 67044 / SC - Rec. Ordinário em MS 2021/0242541-9:

ANTE O EXPOSTO, encaminho meu voto no sentido de dar provimento ao presente recurso ordinário para reformar o acórdão recorrido e conceder a ordem, em menor extensão que a inicialmente requerida pelo impetrante, para determinar à Autoridade impetrada que:

1 - Elabore e aplique ao candidato impetrante, Caio Rothsahl Botelho, nova questão de prova, em substituição à questão agora anulada (questão 3 do Grupo II) do concurso regulado pelo Edital n. 001/2019 PGJ;

 

[2] Lei nº 9784/99: Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos. 

[3] 19.1.8 - Qualquer questão da prova objetiva seletiva anulada será contada como acerto para todos os candidatos que fizeram a prova e não obtiveram pontuação na referida questão conforme o primeiro gabarito oficial, independentemente de interposição de recursos. (original sem grifo)

 

[4] 19 - DOS RECURSOS

19.1 - Caberá recurso à Comissão de Concurso contra:

 (...)

d) o gabarito e/ou conteúdo das questões da prova objetiva seletiva; (...)

19.1.1 - O prazo para interpor os recursos a que se refere as alíneas “a”, “b”, “c”, “d”, “e” e “j” do subitem 19.1 será de 2 (dois) dias úteis, contado do dia imediatamente seguinte ao da publicação no Caderno Administrativo do Diário do Judiciário eletrônico - DJe do objeto do recurso.

 (...)

 19.1.4 - Os recursos a que se referem o subitem 19.1 deverão ser apresentados exclusivamente por meio do link correspondente a cada fase recursal do Concurso Público de Provas e Títulos para Ingresso na Carreira da Magistratura do Estado de Minas Gerais - Edital nº 1/2021, constante do sítio eletrônico https://conhecimento.fgv.br/concursos/tjmg21.

(...)

 19.1.8 - Qualquer questão da prova objetiva seletiva anulada será contada como acerto para todos os candidatos que fizeram a prova e não obtiveram pontuação na referida questão conforme o primeiro gabarito oficial, independentemente de interposição de recursos.


[5] CONCURSO PÚBLICO DE PROVAS E TÍTULOS PARA INGRESSO NA CARREIRA DA MAGISTRATURA DO ESTADO DE MINAS GERAIS - EDITAL Nº 1/2021

 O Desembargador José Arthur de Carvalho Pereira Filho, Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, e o Desembargador Rogério Medeiros Garcia de Lima, Presidente da Comissão do Concurso em epígrafe, informam que, diante da alteração do art. 44 da Resolução do CNJ nº 75/2009, fica retificado o item 13.33 do Edital que rege o certame, conforme se segue:

Onde se lê:

13.33 - Classificar-se-ão para a segunda etapa os:

 a) 200 (duzentos) candidatos que obtiverem as maiores notas após o julgamento dos recursos, no caso de o concurso possuir até 1.500 (mil e quinhentos) inscritos;

b) 300 (trezentos) candidatos que obtiverem as maiores notas após o julgamento dos recursos, se o concurso contar com mais de 1.500 (mil e quinhentos) inscritos.

 Leia-se:

13.33 - Classificar-se-ão para a segunda etapa os:

a) 200 (duzentos) candidatos que obtiverem as maiores notas após o julgamento dos recursos, no caso de o concurso possuir até 1.500 (mil e quinhentos) inscritos;

b) 300 (trezentos) candidatos que obtiverem as maiores notas após o julgamento dos recursos, se o concurso contar com mais de 1.500 (mil e quinhentos) inscritos;

c) 400 (quatrocentos) candidatos que obtiverem as maiores notas após o julgamento dos recursos, no caso de o concurso possuir mais de 10.000 (dez mil) inscritos.

Belo Horizonte, 13 de fevereiro de 2023.

Desembargador JOSÉ ARTHUR DE CARVALHO PEREIRA FILHO, Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais

Desembargador ROGÉRIO MEDEIROS GARCIA DE LIMA, Presidente da Comissão de Concurso


[6] 21.5 - Salvo nas hipóteses de indispensável adequação à legislação superveniente, após o início do prazo das inscrições preliminares, não se alterarão as regras deste Edital relativas aos requisitos do cargo, aos conteúdos programáticos, aos critérios de aferição das provas e de aprovação para as etapas subsequentes.

 

[7] EMENTA AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CARGO PÚBLICO. VENCIMENTO SUPERIOR AO ESTABELECIDO NO EDITAL DO CONCURSO. CONFLITO ENTRE A DISPOSIÇÃO EDITALÍCIA E A LEI. PREVALÊNCIA DESSA ÚLTIMA. 1. Hipótese na qual o Tribunal de Justiça estadual assentou devido o pagamento a servidor público nos moldes em que definido no edital do concurso, embora o valor do vencimento do cargo fosse superior ao estabelecido na lei de regência. 2. É impertinente conferir relevância demasiada e desproporcional ao princípio da vinculação ao edital, de modo a acarretar indevida submissão da lei às regras editalícias, em desvirtuamento do regime de legalidade estrita ao qual se submete a Administração Pública. 3. A Constituição Federal, no inciso X do art. 37, expressamente restringe à lei específica a fixação e a alteração da remuneração dos servidores públicos e dos subsídios dos titulares de cargos previstos no § 4º do art. 39. 4. No descompasso entre o valor do vencimento expresso em lei formal e o estabelecido no edital, deve prevalecer o primeiro, em homenagem à prerrogativa da Administração de anular os próprios atos, quando eivados de vício que os torne ilegais. Incidência do enunciado n. 473 da Súmula do Supremo Tribunal Federal. 5. Agravo interno desprovido. (STF - RE: 1300254 PA 0000373- 55.2009.8.14.0000, Relator: NUNES MARQUES, Data de Julgamento: 21/03/2022, Segunda Turma, Data de Publicação: 19/04/2022)

 

[8] Agravo regimental no mandado de segurança. 2. Concurso público. 3. Edital. Previsão expressa de identificação do candidato para interposição do recurso contra o resultado preliminar da prova discursiva. 4. Violação aos princípios da impessoalidade e da isonomia. Alteração do edital do certame. CNMP. Adequação à norma de regência. Resolução 14/2006. Possibilidade. Precedente do STF. 4. Resolução editada com fundamento nos art. 130-A, § 2º, e 37 da CF. Generalidade, impessoalidade e abstração. Caráter impositivo. 5. Agravo regimental a que se nega provimento. (MS 28498 AgR, Relator (a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 27/10/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe229 DIVULG 13-11-2015 PUBLIC 16-11-2015) (STF - AgR MS: 28498 PE - PERNAMBUCO 0774624-75.2009.1.00.0000, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 27/10/2015, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-229 16-11-2015)

[9] RMS 67044 / SC - Rec. Ordinário em MS 2021/0242541-9

 

 

 

 

 

VOTO 

  

                     Admissibilidade 

Conheço do recurso administrativo interposto (Id 5059368), por tempestivo, nos termos do art. 115 do Regimento Interno do CNJ. 

  

                     Fundamentação 

Quanto ao mérito, com a interposição do apelo, pretende-se a reforma da decisão terminativa (Id 5057073) que julgou improcedentes os pedidos formulados na petição inicial, com esteio nos seguintes fundamentos:  

                  

DECISÃO 

O objeto deste procedimento cinge-se em verificar a juridicidade de dois atos praticados pelo TJMG no decorrer do Concurso Público de Provas e Títulos para Ingresso na Carreira da Magistratura do Estado de Minas Gerais – regido pelo Edital n. 01/2021 (Id 5026068). 

O primeiro ato do Tribunal requerido, ora impugnado (Id 5026081), comunicou aos candidatos do aludido Concurso, no dia 03/02/2023, a anulação da questão 91 da Prova Objetiva Seletiva Tipo 2 (e suas correspondentes: 100 da Prova Tipo 1/ 97 da Prova Tipo 3/ 94 da Prova Tipo 4), com a consequente contagem de acertos a todos os candidatos que fizeram a prova e não obtiveram a devida pontuação. Confira:

 

 

 Em que pese a irresignação dos requerentes, nota-se que a nulidade da questão em foco foi declarada judicialmente, no bojo de decisões proferidas em Mandados de Segurança impetrados por candidatos do concurso em foco, a exemplo do acórdão do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, no MS n. 1.0000.22.106508-9/000, entre outros sete [1], do qual destaco a parte dispositiva: 

 

Diante do exposto, concedo a segurança impetrada, para declarar a nulidade da questão n. 91 do concurso para ingresso na carreira da Magistratura deste Tribunal de Justiça de Minas Gerais, e, confirmando a medida liminar deferida, reconhecer o direito do impetrante à realização das provas da próxima etapa do certame.

 

A despeito de os autores deste PCA alegarem que as declarações judiciais de nulidade da questão deveriam alcançar apenas os oito impetrantes, convém ressaltar que (independentemente dos efeitos da decisão proferida nos Mandados de Segurança individuais) foi reconhecida a nulidade da questão 91 do Concurso Público, a qual constava na prova de todos os candidatos que realizaram o certame, e não apenas nas provas daqueles que impugnaram a questão judicialmente.

Desse modo, não se verifica ato ilegal do Tribunal requerido ao reconhecer, em sua autonomia, que – diante da nulidade de uma questão constante na prova de todos os candidatos - deveria ocorrer a consequente recontagem de pontos de cada um destes, em observância ao princípio da isonomia, pilar na realização de concursos públicos.

Assim, conforme exposto na motivação da Corte mineira (Ids 5049517 e 5042002), evitar-se-á que alguns candidatos sejam privilegiados com o ponto extra da questão nula, embora todos, igualmente, tenham se submetido a um questionamento tido como nulo.

 

Nesse sentido é o que estabelece o item 19.1.8 do Edital n. 01/2021, in verbis:

"19.1.8 - Qualquer questão da prova objetiva seletiva anulada será contada como acerto para todos os candidatos que fizeram a prova e não obtiveram pontuação na referida questão conforme o primeiro gabarito oficial, independentemente de interposição de recursos.

19.1.8.1 - O candidato que já tiver pontuado na questão anulada não receberá pontuação a mais na referida questão.

19.1.9 - Modificado o gabarito oficial, a prova será corrigida de acordo com a alteração.

19.1.10 - Na ocorrência do disposto nos subitens 19.1.8, 19.1.8.1 e 19.1.9, poderá haver alteração da classificação inicial obtida pelo candidato para uma classificação superior ou inferior, ou, ainda, a sua eliminação do concurso. (grifei).

 

Em seguimento, houve modificação na classificação geral dos candidatos do certame, que culminou em nova lista daqueles com aptidão para realização da etapa seguinte do concurso.

Ou seja, candidatos que não tinham realizado a Prova Discursiva, passaram a ter o direito de participação nesta fase, porquanto obtiveram nota condizente com a classificação para a etapa seguinte à da Prova Objetiva.

Esse entendimento é validado pela jurisprudência do STF e do STJ, a saber:

 

"ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. CONCURSO PÚBLICO. POLICIAL MILITAR DO ESTADO DA BAHIA. ANULAÇÃO DE QUESTÕES DA PROVA OBJETIVA PELA VIA JUDICIAL. EDITAL ESTENDE EFEITOS DE ANULAÇÃO DE QUESTÕES A TODOS OS CANDIDATOS. TERMO INICIAL DA DECADÊNCIA. CONHECIMENTO DO ATO VIOLADOR. RESPEITO AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA ENTRE OS CANDIDATOS.

I - Na origem, trata-se de mandado de segurança contra ato atribuído ao Secretário da Administração e ao Comandante da Polícia Militar, ambos do Estado da Bahia, consubstanciado na falta de revisão da pontuação e reclassificação do impetrante no concurso público destinado ao provimento de vagas para o Cargo de Soldado da Polícia Militar do Estado da Bahia, Edital SAEB/2012, em razão da anulação de questões de raciocínio lógico na prova objetiva do reportado certame.

II - Durante o prazo de validade do concurso, foi ajuizada Ação Ordinária n. 0569986-78.2014.8.05.001 por alguns candidatos, com o objetivo de anular questões da prova e, consequentemente, redistribuir os pontos das questões anuladas, a fim de obterem classificação dentro do número de vagas previsto no edital. A demanda foi julgada procedente, com a consequente reclassificação dos autores.

III - O Edital do certame prevê expressamente, em seu item 10.11, que os pontos das questões anuladas serão atribuídos a todos os candidatos presentes à prova, independentemente de formulação de recurso, bem como dispõe no item 10.12 que, em caso de provimento de recurso, poderá ocorrer a classificação ou a desclassificação do candidato que obtiver ou não a nota mínima exigida para a prova.

 IV - Na hipótese, não há que se falar na anulação de questão somente para beneficiar aos candidatos que recorreram ao Poder Judiciário, uma vez que tal limitação dos efeitos da anulação das questões se constituiria em uma vantagem inaceitável que fere de pronto o princípio da isonomia, além de configurar verdadeira afronta ao edital.

V - Conforme consta dos autos, a última reclassificação de candidatos decorrente do Processo de n. 0569986- 78.2014.8.05.0001 foi publicada no DOE n° 20.144, publicado em 25.3.2017, momento em que nasce o direito do impetrante em buscar sua reclassificação judicialmente.

VI - Assim, verifica-se que a impetração do presente mandamus em 19.6.2017 ocorreu dentro do prazo decadencial.

VII - Recurso ordinário parcialmente provido para determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem, afastada a decadência, para a devida análise do mandamus.

(RMS n. 58.674/BA, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 6/12/2018, DJe de 14/12/2018) (grifei).

 

 

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. ANULAÇÃO DE QUESTÕES DA PROVA OBJETIVA. DEMONSTRAÇÃO DA INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO À ORDEM DE CLASSIFICAÇÃO E AOS DEMAIS CANDIDATOS. PRINCÍPIO DA ISONOMIA OBSERVADO. LIQUIDEZ E CERTEZA DO DIREITO COMPROVADOS. PRETENSÃO DE ANULAÇÃO DAS QUESTÕES EM DECORRÊNCIA DE ERRO GROSSEIRO DE CONTEÚDO NO GABARITO OFICIAL. POSSIBILIDADE. CONCESSÃO PARCIAL DA SEGURANÇA.

1. A anulação, por via judicial, de questões de prova objetiva de concurso público, com vistas à habilitação para participação em fase posterior do certame, pressupõe a demonstração de que o Impetrante estaria habilitado à etapa seguinte caso essa anulação fosse estendida à totalidade dos candidatos, mercê dos princípios constitucionais da isonomia, da impessoalidade e da eficiência.

2. O Poder Judiciário é incompetente para, substituindo-se à banca examinadora de concurso público, reexaminar o conteúdo das questões formuladas e os critérios de correção das provas, consoante pacificado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Precedentes (v.g., MS 30433 AgR/DF, Rel. Min. GILMAR MENDES; AI 827001 AgR/RJ, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA; MS 27260/DF, Rel. Min. CARLOS BRITTO, Red. para o acórdão Min. CÁRMEN LÚCIA), ressalvadas as hipóteses em que restar configurado, tal como in casu, o erro grosseiro no gabarito apresentado, porquanto caracterizada a ilegalidade do ato praticado pela Administração Pública.

3. Sucede que o Impetrante comprovou que, na hipótese de anulação das questões impugnadas para todos os candidatos, alcançaria classificação, nos termos do edital, habilitando-o a prestar a fase seguinte do concurso, mediante a apresentação de prova documental obtida junto à Comissão Organizadora no exercício do direito de requerer certidões previsto no art. 5º, XXXIV, “b”, da Constituição Federal, prova que foi juntada em razão de certidão fornecida pela instituição realizadora do concurso público.

4. Segurança concedida, em parte, tornando-se definitivos os efeitos das liminares deferidas. [...] Se é assim – como, de fato, o é –, a anulação de uma ou mais questões exclusivamente em favor do Impetrante viola a isonomia, na medida em que, se é nula uma questão, deverá sê-lo para todos os candidatos, sob pena de alterar uma ordem de classificação baseada no mérito. E, no caso em apreço, a existência de um limite numérico máximo de candidatos aprovados na prova objetiva habilitados a participar da segunda etapa demonstra que a ordem de classificação é um elemento relevantíssimo para o processo seletivo em curso. [...] (MS 30859, Relator(a): LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 28/08/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-209 DIVULG 23-10-2012 PUBLIC 24-10-2012) (original sem grifo)

 

Assim, a despeito de os requerentes ventilarem a possibilidade de o TJMA realizar nova Prova Escrita apenas para os candidatos habilitados após a declaração de nulidade da questão (mantendo-se a prova anteriormente realizada pelos candidatos da lista de classificação prévia à anulação), este não foi o entendimento do Tribunal (Ids 5049517 e 5042002), porquanto não seria possível garantir idênticos graus de dificuldade em diferentes provas, o que violaria o princípio da isonomia.

Portanto, no caso concreto, não se verifica ilegalidade neste ato do Tribunal (Id 5026081) que se pautou na observância de princípio fundamental que rege a realização de concursos públicos: o da isonomia.

Nessa sequência de fatos decorrentes da anulação de questão da prova objetiva, o último ato do TJMG impugnado pelos requerentes consta do Id 5040917, qual seja, a retificação do item 13.33 do Edital n. 01/2021, para prever a convocação dos 400 candidatos que obtiveram as maiores notas – para realização da segunda etapa do Concurso (o qual contou com mais de 10.000 inscritos), onde constava anteriormente apenas 300 candidatos, nos seguintes termos:

Onde se lê:

13.33 - Classificar-se-ão para a segunda etapa os:

a) 200 (duzentos) candidatos que obtiverem as maiores notas após o julgamento dos recursos, no caso de o concurso possuir até 1.500 (mil e quinhentos) inscritos;

b) 300 (trezentos) candidatos que obtiverem as maiores notas após o julgamento dos recursos, se o concurso contar com mais de 1.500 (mil e quinhentos) inscritos.

 

Leia-se:

13.33 - Classificar-se-ão para a segunda etapa os:

a) 200 (duzentos) candidatos que obtiverem as maiores notas após o julgamento dos recursos, no caso de o concurso possuir até 1.500 (mil e quinhentos) inscritos;

b) 300 (trezentos) candidatos que obtiverem as maiores notas após o julgamento dos recursos, se o concurso contar com mais de 1.500 (mil e quinhentos) inscritos;

c) 400 (quatrocentos) candidatos que obtiverem as maiores notas após o julgamento dos recursos, no caso de o concurso possuir mais de 10.000 (dez mil) inscritos.

 

O TJMG esclareceu que havia definido inicialmente o número de 300 candidatos para realizarem a segunda etapa do certame, pelo fato de que este era o limite definido pelo CNJ no art. 44 da Resolução CNJ n. 75/2009. Todavia, no decorrer do certame, este Conselho Nacional passou a permitir que os tribunais convoquem até 1.500 candidatos para a realização da segunda etapa dos concursos com mais de 10.000 inscritos, nos termos da Resolução CNJ n. 476, de 22/09/2022. A saber:

 

Art. 44. Classificar-se-ão para a segunda etapa:

I - nos concursos de até 1.500 (mil e quinhentos) inscritos, os 200 (duzentos) candidatos que obtiverem as maiores notas após o julgamento dos recursos;

II - nos concursos que contarem com mais de 1.500 (mil e quinhentos) inscritos, os 300 (trezentos) candidatos que obtiverem as maiores notas após o julgamento dos recursos.

III – nos concursos nacionais ou naqueles em que haja mais de 10.000 (dez mil) inscritos, a critério do tribunal, até 1.500 (mil e quinhentos) candidatos que obtiverem as maiores notas após o julgamento dos recursos. (incluído pela Resolução n. 476, de 22.9.2022)

§ 1º Todos os candidatos empatados na última posição de classificação serão admitidos às provas escritas, mesmo que ultrapassem o limite previsto no "caput".

 

O Tribunal ponderou que, no caso concreto – em decorrência da anulação de questão da prova objetiva, por decisão judicial – seria oportuna a adequação permitida pela Resolução CNJ n. 476/2022, já que haveria nova convocação para as provas escritas, pretendendo-se resguardar os direitos de todos os candidatos, já que passou a existir um cenário diverso daquele existente à época da abertura do concurso. A Corte mineira apresentou as seguintes justificativas (Id 5049517):



“Pautado no dever de transparência que orienta esta Comissão, esclarece-se eu a decisão de retificação do Edital n. 01/2021 para classificar à segunda etapa do certame os 400 (quatrocentos) candidatos que obtiveram as melhores notas na Prova Objetiva Seletiva, deliberada em reunião conforme ata presente no evento 12847068, fundamentou-se no princípio da segurança jurídica e no amplo acesso ao cargo público de magistrado do Estado de Minas Gerais.

Esclarece-se:

1) Antes da anulação da questão 91 da Prova Objetiva Seletiva Tipo 2 e suas correspondentes, 7,9 (sete vírgula nove) pontos foi o mínimo necessário aos candidatos de ampla concorrência restarem classificados dentre os 300 candidatos aptos à segunda etapa. E assim a segunda etapa, posteriormente anulada, realizou-se.

2) Após a anulação da questão 91 da Prova Objetiva Seletiva Tipo 2 e suas correspondentes, 8 (oito) pontos seria o mínimo necessário aos candidatos de ampla concorrência restarem classificados dentre os 300 candidatos aptos à segunda etapa. Neste contexto, candidatos que realizaram a segunda etapa e que não participaram da relação jurídica processual que culminou na referida anulação, vez que os mandados de segurança eram individuais, deveriam ser eliminadas do certame.

Neste cenário fático, a Comissão do Concurso decidiu, no escorreito exercício do poder discricionário e diante do poder/dever de convocar até 1.500 candidatos para a segunda etapa, manter como o mínimo necessário para a habilitação à segunda etapa os 7,9 (sete vírgula nove) pontos, de modo a não excluir candidatos inicialmente habilitados, o que implicou a habilitação de 400 candidatos com as maiores notas na Prova Objetiva Seletiva.

Assim, com a convocação de 400 candidatos manteve-se a nota mínima 7,9 (sete vírgula nove) para realizarem a segunda etapa do concurso.

A decisão, portanto, foi lastreada em critério objetiva, visando a segurança jurídica e a boa-fé.

Reitera-se que a anulação da segunda etapa não era um desejo desta Comissão do Concurso, mas decorrência da anulação de questão da primeira etapa pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, por força do que dispõe o item 19.1.8 do Edital nº 01/2021, regente do certame.

A retificação do edital para classificar 400 candidatos de ampla concorrência foi medida necessária para que o cumprimento da decisão não ferisse a segurança jurídica de todos aqueles candidatos com nota 7,9 (sete virgula nove) que participam do concurso.

A decisão não visou garantir interesses de determinados candidatos, mas sim, garantir a segurança jurídica de todos os candidatos, razão pela qual o critério objetivo foi o de manter a nota de corte.

(...)

A decisão de classificar 400 candidatos à segunda etapa e não 300, 350, 421, dentre qualquer outro número até o limite de 1.5000, está fundada na esfera de direitos dos candidatos, pois não houve a eliminação de nenhum candidato inicialmente classificado, prestigiando-se o interesse público da ampla concorrência.

Registre-se, por oportuno, que a manutenção da previsão de habilitação de 300 (trezentos) candidatos de ampla concorrência, que implica a alteração da nota mínima para 8 (oito) pontos, também dificultaria o cumprimento das decisões individuais nos Mandados de Segurança. Vejamos:

(...)

  

É digno de nota o esclarecimento do requerido de que, na data de abertura do Edital, o Concurso se destinava “ao preenchimento de 82 (oitenta e dois) cargos vagos existentes de Juiz Substituto do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, bem como todas as que vierem a vagar durante a sua validade.” Contudo, no dia 01/03/2023, a Gerência da Magistratura da Secretaria do TJMG expediu certidão informando que naquela data estavam vagos “116 (cento e dezesseis) cargos de Juiz de Direito Substituto, de primeira entrância”, o que significa um aumento de 41,47% nas vagas oferecidas no momento de abertura do Edital.

Com efeito, esse aumento substancial do número de vagas a serem preenchidas (comparado ao número inicialmente previsto) evidencia que o aumento na quantidade de convocados para a segunda fase não impacta de modo restritivo na concorrência.

Nota-se, pois, que os atos praticados pelo TJMG foram todos motivados, não havendo ilegalidade a ensejar a intervenção do CNJ na autonomia do Tribunal. A anulação da questão de Prova Objetiva amparou-se em decisões judiciais que declararam a referida nulidade, o que motivou o Tribunal a adotar as providências subsequentes com o intuito de resguardar direitos e preservar a isonomia no certame, bem como a segurança jurídica.

Em relação à Resolução CNJ n. 476/2022, verifica-se que o normativo não prevê vedação expressa da utilização em concursos em andamento, o que permite a verificação do contexto de cada caso concreto, tendo em vista a regra geral de vinculação ao instrumento convocatório.

Na hipótese dos autos, conforme transcrito, o TJMG demonstrou os motivos que conduziram à expedição do ato (Id 5040917) que retificou o item 13.33 do Edital n. 01/2021, não tendo sido verificada a demonstração de prejuízo diretamente decorrente deste ato (subsequente à declaração de nulidade de questão, por decisão judicial) que torne necessária a intervenção do CNJ para declará-lo nulo e determinar a realização da nova prova discursiva apenas para 300 candidatos, tendo em vista as peculiaridades do caso concreto examinadas neste PCA, bem como o aumento do número de vagas para preenchimento (41,47% a mais) no decorrer no certame.

Por derradeiro, consigna-se que a presente decisão não interfere no regular andamento dos MS que ainda não transitaram em julgado, porquanto restringe-se à análise da atuação administrativa do TJMG, quanto aos atos até o momento praticados, nos quais não se verificou flagrante ilegalidade a ensejar a intervenção deste órgão administrativo. 

 

Dispositivo

Ante o exposto, julgo improcedentes os pedidos formulados na petição inicial, com fulcro no art. 25, VII, do Regimento Interno do CNJ. Prejudicado o pedido de medida liminar.

Defiro o pedido de admissão no processo como terceiros interessados de Ana Flávia Sales Martins Ferreira (Id 5049523), Rhander Lima Teixeira, Paulo Roberto Ciola Castro e Giovana Kohata de Toledo Postali Stachetti (Id 5048545), nos termos do art. 9º, II, da Lei 9.784/1999 e art. 119 do CPC.

 

Intimem-se. Após, arquive-se.

Brasília, 9 de março de 2023.

 

Conselheiro Marcos Vinícius Jardim

Relator 

 

 

Nas razões recursais (Id 5059368), os postulantes reiteram os argumentos apresentados na exordial, e requerem a reconsideração da decisão monocrática para manter válidas as provas da 2ª etapa já realizadas, “garantindo-se o direito adquirido dos candidatos já aprovados na prova discursiva”.

 Ocorre que, apesar de justificarem o pedido alegando que já foram aprovados na 2ª etapa do concurso, e que possuem “direito adquirido”, oportuno assentar que a 2ª fase do certame é composta por duas provas escritas, conforme item 14 do Edital (Id 5026068). Somente foi divulgado o resultado preliminar da primeira prova discursiva (não houve ainda resultado definitivo da segunda), sendo inadequado falar em “aprovação” na etapa do certame que envolve duas provas escritas, e não apenas uma.

Com efeito, conforme ressaltado na decisão guerreada, evidenciou-se – pela análise dos autos – a ausência de ilegalidade a ensejar a intervenção deste órgão administrativo na condução do concurso público.

Por fim, considerando que os recorrentes não trazem elementos novos que possam levar a outro entendimento sobre a matéria analisada neste procedimento, mantenho o posicionamento da decisão proferida outrora e supratranscrita por seus próprios fundamentos. 



 Dispositivo

 

 Ante o exposto, conheço do recurso e, no mérito, nego-lhe provimento.

 

 Após as intimações de praxe, arquivem-se os autos.

 



Conselheiro Marcos Vinícius Jardim

Relator

 


[1]   01- MS - NUMERAÇÃO ÚNICA: 1057037-62.2022.8.13.0000, Processo: 1.0000.22.105703-7/000, impetrante ARTHUR OLIVEIRA GUIMARÃES; 02 - MS - NUMERAÇÃO ÚNICA: 1051303-33.2022.8.13.0000, Processo: 1.0000.22.105130-3/000, impetrante PEDRO PAULO CASTELO TRISTÃO; 03 - MS - NUMERAÇÃO ÚNICA: 1067952-73.2022.8.13.0000, Processo: 1.0000.22.105130-3/000, impetrante MÁRCIA THAISE LIMA CRUZ; 04 - MS - NUMERAÇÃO ÚNICA: 1061518-68.2022.8.13.0000, Processo: 1.0000.22.106151-8/000, impetrante EMILIO GUIMARÃES MOURA NETO; 05 - MS - NUMERAÇÃO ÚNICA: 1064090-94.2022.8.13.0000, Processo: 1.0000.22.106409-0/000, impetrante CARLOS RICARDO GOES DE ALMEIDA; 06 - MS - NUMERAÇÃO ÚNICA: 1065089-47.2022.8.13.0000, Processo: 1.0000.22.106508-9/000, impetrante BRUNO ERIC RIBEIRO DE SOUZA; 07 - MS - NUMERAÇÃO ÚNICA: 1086275-29.2022.8.13.0000, Processo: 1.0000.22.108627-5/000, impetrante PRISCILA ROSÁRIO FRANCO; 08 - MS - NUMERAÇÃO ÚNICA: 0979603-94.2022.8.13.0000, Processo: 1.0000.22.097960-3/000, impetrante GUILHERME RAMOS BARLETTE.

 

 

 

 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO – 000807-44.2023.2.00.0000

Requerentes: BRUNO DE SOUZA DE VIVEIROS e outros

Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS – TJMG

Terceiros interessados: RHANDER LIMA TEIXEIRA e outros

 

 

 

 

VOTO DIVERGENTE

 

Adoto, na íntegra, o bem lançado relatório firmado pelo eminente Relator, Conselheiro Marcos Vinícius Jardim Rodrigues.

Peço, porém, respeitosas vênias a Sua Excelência, para apresentar divergência quanto ao encaminhamento do feito, pelas razões de fato e de direito a seguir expostas.

Trata-se de recurso administrativo interposto por BRUNO DE SOUZA DE VIVEIROS e outros contra decisão monocrática que julgou improcedentes os pedidos formulados na petição inicial, ao fundamento de que não haveria ilegalidade no ato da Comissão Examinadora do Concurso Público para ingresso na carreira da magistratura da Corte mineira, regido pelo Edital nº 1/2021, que anulara a 2ª fase do concurso em foco e comunicara a divulgação oportuna de novas datas para a reaplicação das provas da fase anulada.

Em suas razões de decidir, o e. Conselheiro Relator entendeu que, conquanto as declarações judiciais em comento possuam abrangência apenas para os impetrantes, o tribunal recorrido, com base na sua autonomia, reconheceu a nulidade da questão, de modo que não se afiguraria ilegal o ato de recontagem de acertos e atribuição da pontuação respectiva a todos os candidatos, já que esse proceder estaria autorizado pelo item 19.1.8 do Edital nº 01/2021.

Assentou que a nova convocação para a reaplicação da prova discursiva da 2ª fase abrangendo todos os candidatos do concurso considerados aprovados, e não apenas os que alcançaram a pontuação depois da atribuição do ponto extra da questão nula, estaria em consonância com o princípio da isonomia, porquanto, do contrário, não se poderia garantir idênticos graus de dificuldade em diferentes provas.

Não haveria ilegalidade, também, segundo o e. Conselheiro Relator, no ato seguinte que promoveu a alteração do item 13.33 do Edital nº 1/2021, ampliando o número de candidatos a serem convocados para a etapa seguinte do concurso de 300 para 400 candidatos que obtiveram as maiores notas, sob a justificativa de que a definição de 300 candidatos prevista no Edital inaugural teria obedecido o limite antes definido por este CNJ no artigo 44 da Resolução CNJ nº 75/2009, contudo, no decorrer do certame, passou-se a permitir que os tribunais convocassem até 1.500 candidatos para a realização da segunda etapa dos concursos com mais de 10.000 inscritos, como no caso em apreço, nos termos da Resolução CNJ nº 476/2022.

Anuiu, assim, com a justificativa trazida pelo tribunal recorrido de que a mudança editalícia seria uma adequação permitida pela nova Resolução CNJ nº 476/2022, uma vez que haveria nova convocação para as provas escritas com o escopo de resguardar os direitos de todos os candidatos, em cenário diverso daquele existente à época da abertura do concurso, tendo em vista que “não houve a eliminação de nenhum candidato inicialmente classificado, prestigiando-se o interesse público da ampla concorrência. Registre-se, por oportuno, que a manutenção da previsão de habilitação de 300 (trezentos) candidatos de ampla concorrência, que implica a alteração da nota mínima para 8 (oito) pontos, também dificultaria o cumprimento das decisões individuais nos Mandados de Segurança”.

Em reforço, registrou que esse aumento no número de convocados não impactaria restritivamente na concorrência, uma vez que, “na data de abertura do Edital, o concurso se destinava ‘ao preenchimento de 82 (oitenta e dois) cargos vagos existentes de Juiz Substituto do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, bem como todas as que vierem a vagar durante a sua validade.’ Contudo, no dia 01/03/2023, a Gerência da Magistratura da Secretaria do TJMG expediu certidão informando que naquela data estavam vagos ‘116 (cento e dezesseis) cargos de Juiz de Direito Substituto, de primeira entrância’, o que significa um aumento de 41,47% nas vagas oferecidas no momento de abertura do Edital”. 

Consignou, ainda, que não haveria vedação expressa quanto à utilização da Resolução CNJ nº 476/2022 em concursos públicos em andamento, permitindo a verificação do contexto de cada caso concreto.

Por fim, concluiu que os atos do recorrido teriam sido praticados dentro de seu campo de autonomia, em resguardo dos direitos dos candidatos e preservação da isonomia e segurança jurídica no certame, não havendo ilegalidade a ensejar a intervenção do CNJ.

Data máxima vênia, não há como concordar com as razões apresentadas no voto do e. Conselheiro Relator e, por isso, inauguro divergência com base nos fundamentos doravante alinhavados.

A celeuma reside na verificação de juridicidade de atos praticados pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG), na condução do Concurso Público para Ingresso na Carreira da Magistratura do Estado de Minas Gerais, deflagrado pelo Edital nº 1/2021 (Id 5026068).

Os atos questionados consistem (a) no comunicado publicado no sítio do recorrido, noticiando que, por força de decisões judiciais, a Comissão do Concurso resolvera anular a questão 91 da Prova Objetiva Seletiva Tipo 2 e suas correspondentes (100 da prova tipo 1 / 97 da prova Tipo 3 / 94 da prova Tipo 4), com a consequente contagem de acerto a todos os candidatos que fizeram a prova e não obtiveram pontuação nessa questão, alterando-se, de conseguinte, a lista de convocados para a segunda etapa do concurso e anulando-se a fase de Provas Escritas já realizadas; e (b) na alteração do Item 13.33 do Edital nº 1/2021 que passou a prever a convocação de 400 candidatos que obtiveram as maiores notas, para a realização da segunda etapa do concurso, onde constava anteriormente apenas 300 candidatos.

Para melhor compreensão do caso, inicialmente, faz-se necessária uma recapitulação dos fatos.

Em 22 de setembro de 2021, foi publicado o Edital nº 1/2021, para o Concurso Público de Provas e Títulos para Ingresso na Carreira da Magistratura do Estado de Minas Gerais, em que se subdividiu o certame em 5 etapas: 1ª etapa- prova objetiva seletiva, de caráter eliminatório e classificatório; 2ª etapa – duas provas escritas, de caráter eliminatório e classificatório (prova discursiva e prática de sentença, uma de natureza cível e uma de natureza penal); 3ª etapa – inscrição definitiva, de caráter eliminatório; 4ª etapa – uma prova oral, de caráter eliminatório e classificatório e a 5ª etapa- avaliação de títulos, de caráter classificatório (Id 5026068- Itens 3.4; 14.2 e 14.3).

As provas objetivas foram aplicadas em 20 de fevereiro de 2022 (Id 5026069) e, em 22 de fevereiro de 2022, foi publicado o gabarito oficial, iniciando-se a contagem do prazo para apresentação de recursos de 0h do dia 24 de fevereiro de 2022 às 23h59min do dia 25 de fevereiro de 2022 (Id 5026070).

Em 5 de abril de 2022, foram publicados os resultados dos recursos contra o gabarito e/ou conteúdo das questões da prova objetiva seletiva e a relação definitiva de candidatos habilitados na 1ª fase do concurso, em 20 de abril de 2022 (Id 5026071).

Em seguida, em 27 de abril de 2022 foram convocados os candidatos habilitados a se submeterem à segunda etapa (provas escritas) do concurso, nos termos seguintes: - ampla concorrência: os 300 (trezentos) candidatos que obtiveram as maiores notas na prova objetiva seletiva mais os empatados na última posição; - candidatos com deficiência: todos os habilitados na prova objetiva seletiva; - candidatos negros: todos os habilitados na prova objetiva seletiva (Id 5026072).

 As provas foram agendadas para as seguintes datas: primeira prova escrita (discursiva) 14/05/2022 (sábado) - segunda prova escrita (prática de sentença cível) 15/05/2022 (domingo) - segunda prova escrita (prática de sentença penal) 16/05/2022 (segunda-feira) (Id 5026076).

Nos dias 11, 12 e 13 de maio de 2022, foi noticiado o deferimento parcial de liminares em sede de mandados de segurança, de forma que foram autorizados a participar da etapa seguinte do concurso 08 (oito) novos candidatos candidatos: GUILHERME RAMOS BARLETTE, Mandado de Segurança nº 1.0000.22.097960-3/000; MARCIA THAISE LIMA CRUZ, Mandado de Segurança nº 1.0000.22.106795-2/000; BRUNO ERIC RIBEIRO DE SOUZA, Mandado de Segurança nº 1.0000.22.106508-9/000; ARTHUR OLIVEIRA GUIMARÃES, Mandado de Segurança nº 1.0000.22.105703-7/000; PEDRO PAULO CASTELO TRISTAO, Mandado de Segurança nº 1.0000.22.105130-3/000; CARLOS RICARDO GOES DE ALMEIDA, Mandado de Segurança nº 1.0000.22.106409-0/000; EMILIO GUIMARAES MOURA NETO, Mandado de Segurança nº 1.0000.22.106151-8/000; e PRISCILA ROSÁRIO FRANCO, Mandado de Segurança nº 1.0000.22.108627-5/000[1].

Na sequência, o resultado preliminar da primeira prova escrita discursiva foi divulgado no Dje de 18 de julho de 2022, ocasião em que se tornou pública a relação preliminar dos candidatos aprovados nessa etapa e oportunizou-se a apresentação de recursos contra o resultado da primeira prova escrita, de 0h do dia 22 de julho de 2022 às 23h59 do dia 25 de julho de 2022 (Id 5026077).

Em 20 de outubro de 2022, o recorrido publicou novo comunicado esclarecendo que “a Comissão do Concurso não foi intimada acerca de qualquer decisão judicial apta a interferir no andamento do certame[2].

Não obstante, em 3 de fevereiro de 2023, foi publicado o ato ora impugnado, nos seguintes termos:

Anulação da etapa de provas escritas - DJe 03/02/2023

CONCURSO PÚBLICO DE PROVAS E TÍTULOS PARA INGRESSO NA CARREIRA DA MAGISTRATURA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

Edital n° 1/2021

COMUNICADO

De ordem do Desembargador Rogério Medeiros Garcia de Lima, Presidente da Comissão do Concurso em epígrafe e, após reunião realizada na data de hoje, a Comissão do Concurso comunica, por força de decisões judiciais, a anulação da questão 91 da Prova Objetiva Seletiva Tipo 2 e suas correspondentes (100 da prova tipo 1 / 97 da prova Tipo 3 / 94 da prova Tipo 4), com a consequente contagem de acerto a todos os candidatos que fizeram a prova e não obtiveram pontuação nessa questão, nos termos do disposto no item 19.1.8 do Edital n° 01/2021.

Considerando que a aludida anulação implica a recontagem dos pontos obtidos na Prova Objetiva Seletiva, de modo a alterar a lista dos convocados para a segunda etapa do concurso (Provas Escritas), a EJEF informa a anulação da etapa de Provas Escritas.

 Comunica-se ainda que, em momento oportuno, serão divulgadas, no Diário do Judiciário eletrônico e dos sítios eletrônicos www.tjmg.jus.br e https://conhecimento.fgv.br/concursos/tjmg21 , a lista de convocados e a nova data para a realização da segunda etapa do concurso.

Belo Horizonte, 3 de fevereiro de 2023 (grifei).

Depreende-se do indigitado ato e das informações prestadas pelo recorrido no Id 5042002, que a sua motivação se deu “em razão do decidido no Mandado de Segurança n. 1.0000.22.106508-9/000 (12719580) e nos Embargos de Declaração n. 1.0000.22.106508- 9/001 (12719754) e n. 1.0000.22.106508-9/002 ( 12719779)” e, por isso, “a Comissão de Concurso, após reunião em 03 de fevereiro de 2023, comunicou a anulação da questão (...), com a consequente contagem de acerto a todos os candidatos que fizeram a prova e não obtiveram pontuação nessa questão.”

Eis a ementa de um dos acórdãos prolatados nos mandados de segurança mencionados pelo recorrido para dar sustentação à anulação da questão:

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA - CONCURSO PÚBLICO PARA INGRESSO NA CARREIRA DA MAGISTRATURA DO ESTADO DE MINAS GERAIS - RECURSO ADMINISTRATIVO - PRETENSÃO DE ANULAÇÃO DE QUESTÃO - AÇÃO POPULAR MULTITUDINÁRIA - ILEGITMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO - POSSIBILIDADE DE INGRESSO EM CASO DE DESISTÊNCIA DO CIDADÃO - SEGURANÇA CONCEDIDA.

- O mandado de segurança é a via apropriada à proteção de direito líquido e certo que tenha sido infringido por ato praticado por autoridade coatora, nos termos do artigo 5º, LXIX, da CF c/c artigo 1º da Lei 12.016/2009.

- O Ministério Público é parte ilegítima para o ajuizamento da ação popular, nos termos do art. 5º, LXXIII, da Constituição Federal/1988 e da Lei n. 4717/1965, que atribui apenas ao cidadão a legitimidade para o ajuizamento da referida demanda. Ao Ministério Público, é conferida a possibilidade de ingressar na ação em caso de desistência do cidadão, circunstância que difere da legitimidade ativa para o ajuizamento da demanda.

- Diante do evidente risco de ofensa a direito líquido e certo, deve ser confirmado o direito do impetrante à realização das provas da próxima etapa do certame, sem prejuízo de ser reconhecida a sua reprovação na etapa anterior, em virtude do processo de reclassificação dos melhores candidatos, ainda que declarada a nulidade da questão em referência. - O reconhecimento de nulidade da questão resulta na obtenção de nova pontuação também pelos demais candidatos, que devem se submeter a nova classificação geral, o que impede, neste momento, o reconhecimento da classificação do impetrante com a pontuação necessária para a realização das provas da próxima etapa. [...]

Diante do exposto, concedo a segurança impetrada, para declarar a nulidade da questão n. 91 do concurso para ingresso na carreira da Magistratura deste Tribunal de Justiça de Minas Gerais, e, confirmando a medida liminar deferida, reconhecer o direito do impetrante à realização das provas da próxima etapa do certame. (TJMG - Mandado de Segurança 1.0000.22.106508-9/000, Relator(a): Des.(a) Valdez Leite Machado , ÓRGÃO ESPECIAL, julgamento em 04/10/2022, publicação da súmula em 10/10/2022)

Opostos embargos de declaração pelo Estado de Minas Gerais, o TJMG determinou a exclusão de trechos do acórdão embagado que conferiam efeitos erga omines ao julgado nas demandas individuais que tiveram como objeto a validade da questão n. 91 e correspondentes (Id 5026095):

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - ERRO MATERIAL CONFIGURADO - ACOLHIMENTO - REDISCUSSÃO DE MATÉRIA JÁ JULGADA - IMPOSSIBILIDADE. - O erro material evidenciado antes do trânsito em julgado da decisão autoriza o manuseio dos embargos de declaração para que a irregularidade seja sanada. [...] Diante do exposto, acolho os embargos de declaração, para determinar a exclusão do acórdão dos trechos acima especificados . (TJMG - Embargos de Declaração-Cv 1.0000.22.106508-9/002, Relator(a): Des.(a) Valdez Leite Machado , ÓRGÃO ESPECIAL, julgamento em 26/01/2023, publicação da súmula em 26/01/2023)

Estes foram os trechos excluídos da decisão embargada:

(...)

No caso em julgamento, a meu ver, razão assiste ao embargante, pois realmente, embora a recontagem de pontos de todos os candidatos não tenha constado na parte dispositiva do acórdão, constou de forma equivocada na subementa e na fundamentação do voto deste Relator, devendo ser excluídos os seguintes trechos:

“O reconhecimento de nulidade da questão resulta na obtenção de nova pontuação também pelos demais candidatos, que devem se submeter a nova classificação geral, o que impede, neste momento, o reconhecimento da classificação do impetrante com a pontuação necessária para a realização das provas da próxima etapa. (última parte da subementa).

E ainda:

“Ressalto que o reconhecimento de nulidade da questão resulta na obtenção de nova pontuação também pelos demais candidatos, que devem se submeter a nova classificação geral, o que impede, neste momento, o reconhecimento da classificação do impetrante com a pontuação necessária para a realização das provas da próxima etapa.

Por certo, diante da possibilidade de revisão da questão mediante a declaração da sua nulidade, a contagem de pontos do impetrante será elevada. Não obstante, caberá à Banca Examinadora a reclassificação dos 300 melhores candidatos, na ampla concorrência, incluindo o impetrante, o que poderá resultar no êxito, ou não, do candidato, desde que preservado o princípio da legalidade”. (f. 07-08, do acórdão grifei)

Apesar da divergência lançada no julgamento dos embargos de declaração pela e. Desembargadora Beatriz Pinheiro Caires, prevaleceu, no TJMG, o entendimento sintetizado no voto do Desembargador Edilson Olímpio Fernandes, que, na linha do voto do e. Desembargador Valdez Leite Machado, Relator, decidiu ser inadmissível estender os efeitos da anulação da questão da prova objetiva aos demais candidatos em atenção ao princípio da adstrição, também conhecido como princípio da congruência, que estabelece que o julgado deve se ater aos limites da demanda apresentada pelas partes:

Trata-se de mandado de segurança impetrado individualmente, sendo inadmissível estender os efeitos do acórdão embargado aos demais candidatos que não integram a relação jurídico-processual, inclusive em atenção ao princípio da adstrição” (Id  5026095).

Manoel Cavalcante de Lima Neto não esconde o desejo de parte da doutrina de admitir a extensividade, ainda que de forma reflexa e indireta, das decisões judiciais que determinam a anulação de questão objetiva, sem necessidade de formação de litisconsórcio passivo com os demais candidatos do concurso.[3]

Existiu proposta legislativa, de lege ferenda, que, estabelecendo normas gerais para a realização de concursos públicos na Administração Pública direta e indireta dos Poderes da União, incorporava essa expectativa, ao prever que a sentença ou acórdão que declarar a nulidade de questão do concurso acarretaria a atribuição dos respectivos pontos a todos os candidatos, independentemente de terem recorrido administrativamente ou de serem parte da ação judicial em que isso se discutiu.

Essa proposta, porém, foi declarada prejudicada em face da aprovação do Substitutivo ao Projeto de Lei nº 252, de 2003, adotado pelo relator da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (Sessão Deliberativa Extraordinária de 4/8/2022 - 9h - 122ª Sessão da Câmara dos Deputados).

Não se diga que o cumprimento de ordem judicial em benefício de apenas alguns candidatos possa em regra implicar na quebra da isonomia entre os concorrentes, porque o Superior Tribunal de Justiça (STJ) pacificou o entendimento quanto à impossibilidade de estender um direito conquistado por um grupo integrante de uma determinada relação processual a outros candidatos:

CONCURSO PÚBLICO. PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. LIMITES DA COISA JULGADA. APROVEITAMENTO A TERCEIRO ESTRANHO AO PROCESSO. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. DESCABIMENTO.

I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015.

II - Os limites subjetivos da coisa julgada não podem ser estendidos a pessoas que não fizeram parte do processo. Precedentes.

III - No caso, o RMS n. 49.896/RS fora impetrado em caráter individualizado, revelando-se incabível estender os seus efeitos ao ora Recorrente ao argumento de ofensa aos princípios da isonomia e da segurança jurídica.

IV - Em regra, descabe a imposição da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do Código de Processo Civil de 2015 em razão do mero desprovimento do Agravo Interno em votação unânime, sendo necessária a configuração da manifesta inadmissibilidade ou improcedência do recurso a autorizar sua aplicação, o que não ocorreu no caso.

V - Agravo Interno improvido.

(AgInt no RMS n. 66.087/RS, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 21/3/2022, DJe de 25/3/2022)

 

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. PRETENSÃO DE EXTENSÃO DOS EFEITOS DA COISA JULGADA EM OUTROS MANDAMUS. SEGURANÇA DENEGADA, PELO TRIBUNAL DE ORIGEM, EM FACE DAS PARTICULARIDADES DAS DEMANDAS. ART. 472 DO CPC/73. APLICAÇÃO AO CASO. PEDIDO SUBSIDIÁRIO. ANULAÇÃO DE ITEM DO EDITAL. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO AO FUNDAMENTO DO ACÓRDÃO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 283/STF, POR ANALOGIA. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.

...

II. Na origem, trata-se de Mandado de Segurança, com pedido de medida liminar, impetrado contra ato do Procurador-Geral de Justiça do Ministério Público do Estado do Espírito Santo, objetivando "a aprovação definitiva do Impetrante no certame em razão da sua condição isonômica ao impetrante do mandado de segurança nº 100.100.025.749 (com decisão transitada em julgado) e à apelante nos autos do processo nº 024.10.032939-0, em cumprimento aos princípios da isonomia, impessoalidade e segurança jurídica".

...

IV. Malgrado seja bem articulada a pretensão do recorrente, inviável a extensão da força vinculante das decisões com as quais pretende ser beneficiado, diante da própria vedação legal (art. 472 do CPC/73), que prevê que a imutabilidade e a indiscutibilidade da sentença serão impostas somente às partes que figurarem na lide, ou seja, a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros. A propósito, assim já decidiu esta Corte (AgRg no REsp 951.588/GO, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe de 13/02/2009; REsp 732.825/DF, Rel. p/ acórdão Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, DJe de 17/05/2010).

...

VII. Agravo interno improvido.

(AgInt nos EDcl no RMS n. 47.945/ES, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 28/3/2017, DJe de 10/4/2017.)

Não se pode, pois, negar a regra de que a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não prejudicando terceiros (CPC, art. 506), sem prejuízo de que o órgão jurisdicional competente possa, numa determinada ocasião, admitir os efeitos reflexos da sentença sobre terceiros de acordo com as particularidades do caso concreto, das normas cumpridas e da interpretação realizada pelo Poder Judiciário.

Não foi o que aconteceu, de modo que deve prevalecer a regra da limitação dos efeitos da sentença às partes da relação processual.

No caso, conquanto a decisão dos embargos de declaração não tenha deixado margem para dúvidas quanto aos limites subjetivos à abrangência restrita às partes da relação processual, o recorrido insiste que o dispositivo da decisão embargada teria permanecido inalterado, motivo pelo qual deveria prevalecer a anulação da questão da prova objetiva, com efeito ex tunc, em benefício de todos os candidatos que realizaram a prova, e não apenas dos autores dos mandados de segurança cujo julgamento resultou na anulação da questão, amparada no Item 19.1.8 do Edital nº 1/2021 e nos princípios da isonomia, da impessoalidade, da eficiência e da vinculação ao instrumento convocatório. 

Não se pode confundir, entretanto, as funções do tribunal jurisdição com as do tribunal administração. De um lado, tem-se o tribunal jurisdição que proferiu os pronunciamentos jurisdicionais reconhecendo, em sede de mandados de segurança individuais, a nulidade de uma questão da prova objetiva seletiva, sem eficácia erga omnes, em benefício exclusivo dos impetrantes. De outro, tem-se o tribunal administração que, no exercício de atividade administrativa, sujeita-se aos prazos rigorosos dos concursos públicos, fundados especialmente na vinculação ao edital, que, como expressão da legalidade estrita, no caso, faz valer outros aspectos normativos também conectados com os princípios da moralidade, impessoalidade, isonomia e segurança jurídica.

O concurso público é um procedimento administrativo e como tal se caracteriza como uma série de atos concatenados tendentes a selecionar, de forma impessoal, os mais aptos a ocuparem cargos ou empregos públicos. Cada etapa se reveste de requisitos e prazos de conclusão, para conferir segurança jurídica, em proteção da boa-fé e da legítima expectativa dos candidatos.

No concurso público, o rigor formal e a objetividade da Administração Pública excluem condutas usuais que possam abrir brechas para o favorecimento ou vindita contra os candidatos que disputam cargos públicos, impondo, nessa perspectiva, soluções equilibradas que permitam a convivência de todos os valores envolvidos no processo de seleção de candidatos interessados na investidura em cargos públicos. Por esse motivo, Fábio Lins de Lessa Carvalho, na sua obra reveladora e inovadora sobre a matéria, orienta como melhor compreender o caráter democrático, meritocrático, isonômico e inspirador das leis e das interpretações em matéria de concursos públicos:

Considerada como uma das responsáveis pelo êxito ou pelo fracasso das Administrações Públicas, a seleção dos servidores públicos é um tema que envolve ideias que constituem pilares do Estado Democrático de Direito, como a necessidade de igualdade entre os cidadãos no trato com a Administração, a objetividade da atuação administrativa e a exigência de eficiência dos órgãos públicos. Todos estes valores (igualdade, objetividade e eficiência, entre outros) estão previstos na Constituição brasileira de 1988, e influem decisivamente nas regras de acesso à função pública. Como princípios constitucionais, servem de inspiração para a definição das leis, assim como para sua adequada interpretação e aplicação. No entanto, tais princípios não atuam de forma isolada, mas através de uma conexão muito estreita. Garantir o respeito à igualdade entre os cidadãos sem selecionar os mais capazes é ignorar a necessidade de eficiência administrativa. Não obstante, selecionar candidatos que sejam aptos ao desempenho das funções públicas sem se preocupar com a uma participação universal na seleção significa desprezar os direitos dos cidadãos terem acesso ás funções públicas em condições equivalentes. O que o ordenamento jurídico exige é uma Administração Pública que atue de forma profissional (o que requer que a seleção dos servidores públicos utilize o critério do mérito) e ao mesmo tempo democrática (o que impõe que todos os cidadãos tenham o direito de competir em condições de igualdade pelas vagas, e por sua vez, tenham a oportunidade de participar da vida pública em sua dimensão estatal).[4] 

Essa compreensão multifacetada da regra constitucional do concurso público expressa no artigo 37, II e III, da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) não permite perder de vista a circunstância de que todos os seus atos, sucessivos e encadeados, formam um processo administrativo antes de tudo impessoal, justamente para o prestígio da igualdade e a seleção de candidatos pelo critério do mérito.

Essa é a razão de o formalismo ser mais rígido nos concursos públicos que nos processos administrativos em que não há disputa entre os particulares, forçando, inclusive, a obediência a prazos peremptórios que permitam não apenas o trato igualitário, mas também ofereçam ambiente seguro à concorrência entre os candidatos a cargos públicos.

Ao largo da polêmica a respeito da possibilidade de ocorrência da preclusão administrativa quando não há insurgência contra o edital inaugural ou contra atos de execução da fase externa do concurso público, é salutar lembrar que, de modo geral, prevalece o entendimento de que o silêncio do candidato deve ser traduzido como concordância, o que impede posterior discussão sobre vício tardiamente denunciado em etapas anteriores do concurso.

Nesse sentido, Agapito Machado Júnior esclarece que a segurança jurídica torna indispensável o caráter preclusivo dos prazos editalícios, de modo que o andamento do processo também é fator importante a ser observado como fundamento de estabilidade das complexas relações jurídicas formadas desde a etapa inicial do concurso:

Superado o prazo de impugnação, dar-se-á a preclusão administrativa, ou seja, não mais se poderá alegar a ilegalidade das normas do edital perante a Administração Pública, presumindo-se que os administrados as acataram. Ademais, a impugnação tardia seria bastante prejudicial ao andamento do certame, que jamais teria um mínimo de segurança jurídica em seguir adiante. Note-se que a preclusão administrativa, porém, não obsta a possibilidade de discussão judicial, dada a inafastabilidade do controle jurisdicional.[5] 

Em outra perspectiva, se as formas certamente preservam o objetivo de gerar segurança, previsibilidade e confiança nos atos praticados pela Administração Pública nas seleções de servidores públicos efetivos, não se nega que há autores, como Márcio Barbosa Maia e Ronaldo Pinheiro de Queiroz, que defendem a existência de espaço para a convalidação dos atos administrativos fundada no princípio da instrumentalidade das formas:

A aplicação do princípio da instrumentalidade das formas no concurso público constitui um dos métodos que devem ser aplicados pela Administração e pelo Poder Judiciário no afã de evitar a decretação de nulidade de certames findos ou em estágio avançado de realização, cujo vício de ilegalidade verificado não é suscetível de comprometer o seu caráter competitivo os princípios da moralidade e da impessoalidade, evitando-se, destarte, uma grave injustiça social e um manifesto inconveniente para o interesse público.[6]

Em arremate, Fábio Lins, por considerar “se tratar de procedimento administrativo em cujo cerne se encontra  densa competitividade entre os aspirantes a cargos e empregos públicos”, alerta ser “imprescindível que a Administração Pública e os órgãos de controle sopesem todas as circunstâncias que envolvem cada concurso e os atos nele praticados, evitando a prática de atos desnecessários que frustrem legítimas expectativas, sem que isso represente qualquer tolerância com a manutenção de situações ofensivas aos princípios que regem os processos seletivos de acesso à função pública”.[7]

Nesse contexto, ganha relevo o princípio da vinculação ao edital, que, na lição do professor Fabrício Motta, nada mais é que uma faceta dos princípios da legalidade e da moralidade que obriga tanto a Administração quanto os candidatos concorrentes:

Esse princípio nada mais é que faceta dos princípios da legalidade e da moralidade, antes referidos. Mas que merece tratamento separado em razão de sua importância. Com efeito, o edital é ato normativo editado pela administração pública para disciplinar o processamento do concurso público. Sendo ato normativo editado no exercício de competência legalmente atribuída, o edital encontra-se subordinado à lei e vincula, em observância recíproca, Administração e candidatos, que dele não podem se afastar a não ser nas previsões que conflitem com regras e princípios superiores e que são ilegais ou inconstitucionais.

Logicamente, o poder público encontra-se tão ou mais sujeito à observância do edital que os candidatos, pelo simples fato de que presidiu sua elaboração. Por isso, a Administração simplesmente não pode evadir-se das regras que ela mesmo determinou. O princípio da moralidade, neste momento encarado sob o aspecto da confiança recíproca e da boa-fé, exige da Administração postura de respeito aos parâmetros previamente definidos no instrumento, que é o vínculo entre poder público e candidatos.[8]

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) trilha nesse mesmo caminho quando conclui que tanto a Administração quanto os candidatos ficam vinculados às regras estipuladas no instrumento convocatório do certame, pois “o edital é a lei do concurso, fixando normas garantidoras da isonomia de tratamento e igualdade de condições no ingresso no serviço público” (RMS n. 21.467/RS, relator Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 16/5/2006, DJ de 12/6/2006, p. 505).

De igual modo é a jurisprudência do CNJ no sentido de que não se pode alterar os critérios de classificação e aprovação dos candidatos durante a realização do certame “justamente para preservar a legalidade, a moralidade e a impessoalidade” (CNJ - PCA - 0005018-60.2022.2.00.0000 - Rel. MARCELLO TERTO - 359ª Sessão Ordinária - julgado em 08/11/2022), “sob pena de ofensa aos princípios da boa-fé, da segurança jurídica e da vinculação do instrumento convocatório” (CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA – Procedimento de Controle Administrativo - 0003291-76.2016.2.00.0000 - Rel. CARLOS AUGUSTO DE BARROS LEVENHAGEN - 257ª Sessão Ordinária - julgado em 29/08/2017).

Nessa esteira, se a publicação do edital torna explícitas as regras norteadoras do vínculo entre Administração e os candidatos aos cargos públicos, a aceitação das premissas do certame, no instante da inscrição dos candidatos, não permite que essa mesma Administração, iniciado o processo seletivo, modifique os critérios previamente estabelecidos para a correção das provas nem se aproveite de qualquer expediente de interpretação para fugir das regras editalícias.

Em geral, devido ao caráter competitivo do concurso público, é o candidato que costuma apontar uma determinada irregularidade, exigindo da entidade administrativa uma providência, através dos meios de impugnação e recurso previstos na legislação e no próprio edital e essenciais para resguardar o tratamento igualitário entre candidatos.

As distintas possibilidades de controle administrativo exercidas por iniciativa da própria Administração Pública, por seu turno, devem ser vistas cum granu salis, quando se trata de concurso público. Isso porque, salienta mais uma vez Fábio Lins, “o controle administrativo no curso da seleção, para que seja eficaz, muitas vezes necessita uma decisão administrativa que determine a suspensão do concurso público, já que, no caso de que essa não ocorra, poderão surgir situações irreversíveis ou de difícil reversibilidade”.[9]

Retornando à análise do caso concreto, o TJMG, na 2ª etapa do concurso, depois de publicado o resultado da primeira prova discursiva, considerou a referida decisão judicial como fato externo superveniente capaz de justificar o exercício do dever-poder de autotutela administrativa.

Muito embora pareça tentador o argumento de que não estender os efeitos das decisões judiciais proferidas em sede de mandados de segurança individuais causaria mal maior - a perda do parâmetro isonômico de comparação, ou seja, uma questão não valeu para um candidato, mas valeu para todos os outros -, não se pode ignorar, em primeiro lugar, elementos de segurança jurídica que não permitem conferir efeito retroativo a nova interpretação sobre a integridade de questão da prova objetiva, realizada na 1ª etapa, em outra fase já avançada do certame.

Com efeito, o Item 19 do Edital nº 1/2021 cuidou de regulamentar pormenorizadamente os procedimentos e os prazos para a apresentação de recursos, bem assim como para a decisão sobre o seu deferimento ou indeferimento.

O edital franqueou ao recorrido o poder-dever de reconhecer administrativamente, observado o procedimento previamente estabelecido, os equívocos laborados no gabarito e no conteúdo das questões da prova objetiva, inclusive, mas não exclusivamente, mediante o acolhimento dos recursos apresentados pelos candidatos.

A despeito das oportunidades de reconhecer a nulidade da questão em foco por mais de uma ocasião, seja no momento do julgamento dos recursos administrativos apresentados, no prazo editalício, ou até mesmo quando tomou ciência das liminares proferidas nos citados mandamus, previamente à aplicação das provas da 2ª etapa, o recorrido se manteve forte na interpretação quanto à validade da questão impugnada e deu efetivo prosseguimento ao certame, convocando os aprovados da 1ª etapa, inclusive aqueles beneficiados com as liminares, para realizarem as provas da fase seguinte.

O firme posicionamento quanto à higidez da questão pode ser observado no comunicado divulgado no sítio oficial do tribunal de que, até 20 de outubro de 2022, “a EJEF esclarece que a Comissão do Concurso não foi intimada acerca de qualquer decisão judicial apta a interferir no andamento do certame”.

Somente depois de aplicadas todas as provas da 2ª etapa (discursivas e sentenças civil e penal) e passados mais de 6 (seis) meses da divulgação do resultado preliminar com os aprovados na prova discursiva, em 03 de fevereiro de 2023, o recorrido resolveu refluir administrativamente da sua decisão a respeito da validade da questão 91 e correspondentes da prova objetiva cujo resultado fora publicado definitivamente em 05 de abril de 2022.

Desse modo, o TJMG revestiu de efeito retroativo o ato de anulação da questão da prova objetiva, anulou todas fases da 2ª etapa e retornou o concurso ao estágio da prova objetiva superado há quase um ano, a pretexto de que tal decisão teria sido tomada “por força de decisão judicial” cujos efeitos se restringiam a apenas 8 (oito) candidatos.

Não pode o tribunal administração, quando bem entender, retornar a fase devidamente concluída e superada, sem que essa medida seja adequada, necessária e completamente indispensável para o atingimento do objetivo constitucionalmente traçado de levar a cabo um processo seletivo realmente isonômico e impessoal, sob pena de se escapar do filtro da razoabilidade e da proporcionalidade e, em especial, da segurança jurídica.

Não se nega o poder dever da Administração de rever os próprios atos quando eivados de ilegalidade, mediante o exercício da autotutela. Nada obstante, o presente caso não comporta essa justificativa, uma vez que a alegada nulidade está relacionada ao conteúdo de questão declarada válida em mais de uma ocasião pelo próprio recorrido, não se tratando, à primeira vista, de ilegalidade flagrante e incontestável com o condão de contaminar o certame de maneira tal a fundamentar a anulação de etapas no estágio avançado em que o concurso se encontrava.

Enquanto objeto do controle das causas que levaram à prática do ato administrativo, o motivo determinante do ato impugnado também não pode ser tido como real ou verdadeiro, porque não houve qualquer determinação judicial que impusesse a anulação da questão em caráter geral.

Muito embora não se suponha que haja ocorrido no caso concreto, nessa circunstância, nada impede que a autoridade, ciente da lista de aprovados e reprovados no certame, possa atribuir nova intepretação para tardiamente justificar a anulação de fases do concurso e dessa maneira beneficiar ou prejudicar algum candidato eliminado ou mal classificado nas provas anteriores.

Ademais, é carente de base dissuasiva a alegação de que haveria necessidade de resgate do princípio da isonomia, uma vez que inexiste preterição de candidatos quando convocações ou nomeações decorrerem de simples cumprimento ordem judicial, como se colhe da jurisprudência do STJ:

MANDADO DE SEGURANÇA ORIGINÁRIO. CONCURSO PÚBLICO. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. PROVIMENTO DO CANDIDATO APROVADO. OPORTUNIDADE E CONVENIÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. SERVIDORES TEMPORÁRIOS. ART. 37, IX, DA CF/88. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. AUSÊNCIA DE DEMOSTRAÇÃO DE CARGOS VAGOS. PRETENSÃO DE REEXAME DAS PROVAS. AGRAVO INTERNO. ALEGAÇÕES DE VÍCIOS NO ACÓRDÃO. INEXISTENTES.

I - Na origem, trata-se de mandado de segurança contra ato, tido como coator, praticado pela Governadora do Estado do Paraná e o Reitor da Universidade Estadual de Londrina - UEL objetivando nomeação da requerente ao cargo pretendido em concurso público.

Denegada a segurança no Tribunal a quo.

...

V - No presente caso, cumpre apenas ressaltar que a aludida convocação de candidato em posição superior na lista de classificação não pode configurar preterição do impetrante, como anotado no acórdão recorrido, quando decorreu do cumprimento de ordem judicial em processo diverso. Nesse sentido: RMS 44.672/ES, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 17/3/2014.

VI - Embargos de declaração rejeitados.

(EDcl nos EDcl no AgInt no RMS n. 62.577/PR, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 19/4/2021, DJe de 23/4/2021.)

 

DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. ORDEM DE CLASSIFICAÇÃO. CONVOCAÇÃO. CANDIDATO. CLASSIFICAÇÃO INFERIOR. PRETERIÇÃO. MAIS BEM COLOCADO. NÃO CONFIGURAÇÃO. ORIGEM. DECISÃO JUDICIAL. JURISPRUDÊNCIA. AUSÊNCIA. PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. NOMEAÇÃO. CANDIDATOS SEM ORDEM JUDICIAL.

1. Em concurso público, a convocação para as etapas subsequentes de candidato em posição inferior na lista de classificação não configura a preterição de outro candidato mais bem classificado quando for decorrente do cumprimento de ordem judicial.

Precedentes.

2. Pretendendo o impetrante configurar a preterição também pela nomeação de pessoas sem o aludido substrato da ordem judicial, deve apresentar documentação que sirva de prova pré-constituída dessa alegação, pena de denegação da ordem.

3. Recurso ordinário em mandado de segurança não provido.

(RMS n. 44.672/ES, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 11/3/2014, DJe de 17/3/2014)

 

MANDADO DE SEGURANÇA - CONCURSO PUBLICO - AUDITOR FISCAL DO TESOURO NACIONAL - CUMPRIMENTO DE DECISÃO JUDICIAL.

- A PORTARIA MINISTERIAL NUM. 268/96, QUE DETERMINA O CUMPRIMENTO DE DECISÃO JUDICIAL, ORDENANDO A PARTICIPAÇÃO DE CANDIDATOS AO CONCURSO DE AUDITOR FISCAL DO TESOURO NACIONAL, NÃO CONSTITUI VIOLAÇÃO A DIREITO INDIVIDUAL DE OUTROS CANDIDATOS NÃO BENEFICIADOS PELA CONCESSÃO.

- SEGURANÇA DENEGADA.

(MS n. 4.978/DF, relator Ministro Cid Flaquer Scartezzini, Terceira Seção, julgado em 11/3/1998, DJ de 13/4/1998, p. 77)

Não se pode esquecer, ainda, do quanto disposto no artigo 20 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, de que “nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão”, sendo que “a motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas”.

No caso em discussão, a conduta contraditória adotada pelo recorrido, em sentido oposto, compromete a segurança jurídica, prejudica terceiros de boa-fé e beneficia outros que não haviam sequer sido convocados para as provas discursivas e práticas no momento oportuno do concurso. Traz, em acréscimo, potencial de ampliar o ambiente de litígio, dado que provocará a insurgência tanto daqueles já aprovados na prova discursiva da 2ª etapa, que foi anulada pelo ato impugnado, quanto daqueles 32 candidatos cujas reclassificações farão com que sejam excluídos da nova primeira convocação; dos 23 novos candidatos que pretensamente serão convocados em razão da reclassificação caso se mantenha a habilitação dos 300 candidatos previstos originariamente no edital do concurso; dos outros 68 candidatos cujas expectativas florescerão do aumento do número de convocados para 400 candidatos; e até mesmo dos 8 candidatos beneficiados pelos mandados de segurança individuais, caso, na recontagem, fiquem fora da convocação para as novas provas da 2ª etapa do certame. Um verdadeiro caos!

Não fosse isso motivo suficiente para colocar em dúvida a validade do ato questionado neste PCA, depois de tornados públicos os nomes dos aprovados e uma ordem de classificação, ainda que provisória, o recorrido ampliou o número de convocados para as provas escritas de 300 (trezentos), como inicialmente previsto na versão original do edital, para 400 (quatrocentos) candidatos, mediante a alteração do Item 13.33 do Edital nº 1/2021, publicado no Diário do Judiciário Eletrônico de 13 de fevereiro de 2023, o qual passou a dispor o seguinte:

O Desembargador José Arthur de Carvalho Pereira Filho, Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, e o Desembargador Rogério Medeiros Garcia de Lima, Presidente da Comissão do Concurso em epígrafe, informam que, diante da alteração do art. 44 da Resolução do CNJ nº 75/2009, fica retificado o item 13.33 do Edital que rege o certame, conforme se segue:

Onde se lê:

13.33 - Classificar-se-ão para a segunda etapa os:

a) 200 (duzentos) candidatos que obtiverem as maiores notas após o julgamento dos recursos, no caso de o concurso possuir até 1.500 (mil e quinhentos) inscritos;

b) 300 (trezentos) candidatos que obtiverem as maiores notas após o julgamento dos recursos, se o concurso contar com mais de 1.500 (mil e quinhentos) inscritos.

Leia-se:

13.33 - Classificar-se-ão para a segunda etapa os:

a) 200 (duzentos) candidatos que obtiverem as maiores notas após o julgamento dos recursos, no caso de o concurso possuir até 1.500 (mil e quinhentos) inscritos;

b) 300 (trezentos) candidatos que obtiverem as maiores notas após o julgamento dos recursos, se o concurso contar com mais de 1.500 (mil e quinhentos) inscritos;

c) 400 (quatrocentos) candidatos que obtiverem as maiores notas após o julgamento dos recursos, no caso de o concurso possuir mais de 10.000 (dez mil) inscritos.

O recorrido evidentemente ampliou o ambiente de disputa através do aumento do número de candidatos convocados para a segunda etapa, com o concurso já em andamento e a ciência de quem havia ou não sido aprovado na sua 2ª etapa.

O Item 21.5 do próprio Edital prevê que, “salvo nas hipóteses de indispensável adequação à legislação superveniente, após o início do prazo das inscrições preliminares, não se alterarão as regras deste Edital relativas aos requisitos do cargo, aos conteúdos programáticos, aos critérios de aferição das provas e de aprovação para as etapas subsequentes”.

Desse modo, para além da clara violação à cláusula editalícia, com a mudança tardia dos critérios de aprovação, o recorrido infringiu diretamente o princípio da impessoalidade ao ampliar o número de convocados para a segunda fase quando já conhecia exatamente os beneficiados pela medida.

A alegação de que se tratou de simples adequação do edital à Resolução CNJ nº 476/2022, que alterou o artigo 44, III, da Resolução CNJ nº 75/2009, também não se sustenta diante do princípio da segurança jurídica.

À evidência, apesar de a Resolução CNJ 476/2022 não vedar expressamente a sua aplicação imediata a concurso em andamento, fato é que não se pode admitir sua incidência retroativa, como ocorrido no presente caso, em que a Administração Pública já conhecia os nomes de todos os aprovados, reprovados e, melhor dizendo, dos beneficiados com o novo ato administrativo.

Ademais, o artigo 89 da Resolução CNJ nº 75/2009 supre perfeitamente essa omissão, quando dispõe que “esta Resolução entra em vigor na data da sua publicação, não alcançando os concursos em andamento”.

Como anotado anteriormente, o edital é o instrumento por excelência que rege a relação entre a administração e os candidatos, sendo vedada a alteração das regras do certame depois da sua divulgação.

Em casos excepcionais, a administração até pode alterar as regras do certame, desde que sejam observados alguns critérios, tais como: a existência de motivação idônea e suficiente; a preservação do interesse público e dos direitos dos candidatos; e a divulgação tempestiva das informações necessárias aos candidatos.

Contudo, é assente na jurisprudência administrativa do CNJ que os critérios de classificação e aprovação dos candidatos, fixados no edital de abertura do concurso público, não podem ser alterados pela Administração a qualquer momento durante a realização do certame, sob pena de ofensa aos princípios da boa-fé, da segurança jurídica e da vinculação do instrumento convocatório:

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PROVA DISCURSIVA. CRITÉRIO DE CORREÇÃO ESTABELECIDO NO EDITAL DO CERTAME. VINCULAÇÃO AO INSTRUMENTO CONVOCATÓRIO. INTERPRETAÇÃO POSTERIOR E EM DESACORDO COM EXPRESSA PREVISÃO EDITALÍCIA. ILEGALIDADE. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO.

1. A ordem constitucional vigente prevê a imperatividade da investidura em cargos públicos por meio de prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos (CRFB, art. 37, II). Essa regra constitucional consiste na emanação dos princípios democrático e da isonomia, intercalados pela legalidade, moralidade e vinculação ao instrumento editalício.

2. O princípio da vinculação ao edital determina que todos os atos do concurso se pautam pela estrita obediência às cláusulas editalícias. A correlação sistêmica dos princípios do concurso público são muito bem explicados na lição do professor goiano Fabrício Motta, segundo o qual a publicação do edital torna explícitas as regras norteadoras do vínculo entre Administração Pública e os candidatos aos cargos públicos em disputa, de modo que a aceitação das premissas do certame, no instante da inscrição dos candidatos, não permite que, iniciado o processo seletivo, modifiquem-se os critérios previamente estabelecidos para a correção das provas nem se aproveite qualquer expediente de interpretação para fugir das regras editalícias.

3. O edital é a lei do concurso, vinculando a Administração Pública e os candidatos interessados, não podendo ocorrer posteriores modificações, justamente para preservar a legalidade, a moralidade e a impessoalidade.

4. Uma vez publicado edital fixando os parâmetros e critérios de correção das provas, a Administração do Tribunal de Justiça ou a Comissão do Concurso não pode, ao argumento de interpretação conjunta com uma das versões do projeto básico do certame, alterar a clara sistemática editalícia, sob pena de resvalar em inconstitucionalidade e ilegalidade.

5. Ao definir expressamente que o parâmetro para se considerar o candidato apto para a correção da prova discursiva seria de 197 cargos vagos e, depois disso, realinhar a interpretação, para considerar apenas os 58 cargos ofertados no edital, sob a justificativa de que assim previu uma das versões do projeto básico do certame, o requerido acabou por infringir disposição editalícia clara, viciando o processo seletivo.

6. O Supremo Tribunal Federal e o Conselho Nacional de Justiça reconhecem a possibilidade do controle de legalidade do concurso público quando verificada violação ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório Precedentes.

 7. Pedido conhecido e julgado procedente. Liminar prejudicada.(CNJ - PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0005018-60.2022.2.00.0000 - Rel. MARCELLO TERTO - 359ª Sessão Ordinária - julgado em 08/11/2022).

 

 RECURSO ADMINISTRATIVO EM PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. SERVENTIAS NÃO DISPONIBILZIADAS EM CONCURSO PÚBLICO DE OUTORGA DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS. DISPOSTIVOS DE LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL. DESMOBILIZAÇÃO DOS CARTÓRIOS.  FATO SUPERVENINETE À DECISÃO RECORRIDA. EXTINÇÃO DO MOTIVO DETERMINANTE. REVOGAÇÃO DE DISPOSTIVO DE LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL. OBRIGATORIEDADE DE DISPONIBILZAR AS SERVENTIAS. VINCULAÇÃO DO ADMINISTRADOR PÚBLICO. INEXISTÊNCIA.  SERVENTIAS CONDUZIDAS POR INTERNINOS. INCONSTITUCIONALIDADE PROGRESSIVA. OBRIGATORIEDADE DA REALIZAÇÃO CONCURSO PÚBLICO PARA NOTÁRIOS E REGISTRADORES.   INCLUSÃO DE SERVENTIA POSTERIORMENTE A PUBLICAÇÃO DO EDITAL. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES.

1. Procedimento de Controle administrativo que visa à disponibilização de serventias em concurso em andamento.

2. Decisão recorrida arquivada como base em artigo de Lei Complementar Estadual que previa a extinção das serventias, motivo determinante do seu não oferecimento no certame.

3.  A Superveniência de fato novo influiu no motivo determinante da decisão de arquivamento. O dispositivo da Lei Complementar foi revogado expressamente, interrompendo a desmobilização dos cartórios, que continuam sob a condução de interinos.

4. Inconstitucionalidade progressiva da circunstância de serviços notariais e registrais sob a administração de interinos, devido à obrigatoriedade de realização de concurso público;

5. A mutação do fundamento da decisão recorrida não alterou a prevalência, no caso concreto, dos princípios da segurança jurídica e vinculação ao instrumento convocatório.

6. Desde o edital de abertura, as serventias não foram ofertadas. Disponibilizá-las, na atual fase, tumultuaria sobremaneira o certame, com judicialização e instauração de procedimentos administrativos.

7. É pacífica a jurisprudência do CNJ de que é definitiva a relação de serventias publicadas por ocasião da abertura do concurso, não podendo o Tribunal acrescentar qualquer nova serventia sem oportunizar novo prazo para inscrição.

8. Recurso administrativo que se conhece, mas se nega provimento.

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0002713-45.2018.2.00.0000 - Rel. ARNALDO HOSSEPIAN - 52ª Sessão Virtual - julgado em 20/09/2019).

 

RECURSO ADMINISTRATIVO - PROVA DE TÍTULOS - NATUREZA CLASSIFICATÓRIA - LIMITAÇÃO DA PONTUAÇÃO A 10 (DEZ) PONTOS - IMPOSSIBILIDADE - MERITOCRACIA - EQUIPARAÇÃO DE PONTUAÇÕES DÍSPARES - VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ, DA SEGURANÇA JURÍDICA, DA VINCULAÇÃO AO EDITAL E DA IMPESSOALIDADE - PROVIMENTO.

1. O Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do MS n.º 31.176/DF, de relatoria do Min. LUIZ FUX, apenas afirmou e garantiu que o Exame de Títulos terá efeito apenas classificatório, afastando o caráter eliminatório impregnado na fórmula contida no anexo da Resolução n. 81/2009/CNJ  (concurso do TJSP).

2. Em nenhum momento, contudo, o Supremo impôs a alteração das regras originárias do certame, nem ordenou a modificação da fórmula de cálculo da pontuação final dos candidatos, notadamente para implementação em concurso já iniciado.

3. Porém, no caso em exame, mesmo após a publicação e conhecimento de todas as notas, o TJBA publicou o Edital n.º 78 em 30.06.2016, para informar aos candidatos que o cálculo da nota final classificatória passaria a observar nova fórmula,  ordenando, equivocadamente, que ficaria “desprezado o montante de pontos que exceda a 10 (dez) a média final. Nessa hipótese, em caso da aplicação do redutor, eventual igualdade de notas finais ensejará a aplicação dos critérios de desempate”, constantes do Edital n.º 05/2013.

4. Essa limitação acabou por igualar candidatos com notas díspares, violando os princípios da prevalência do edital e da impessoalidade.

5. Os critérios de classificação e aprovação dos candidatos, fixados no edital de abertura do concurso público, não podem ser alterados pela administração durante a realização do certame, sob pena de ofensa aos princípios da boa-fé, da segurança jurídica e da vinculação do instrumento convocatório.

6. O precedente citado (PCA n.º 000379-14.2013.2.00.0000) possui evidente particularidade que o diferencia do presente caso: a alteração na fórmula de cálculo da classificação final, ali inaugurada, não atingiu a ordem de classificação final dos candidatos aprovados, e portanto não causou qualquer prejuízo.

7. Com a mudança do divisor comum de “10” para “08”, e com a limitação da nota máxima a 10 (dez) pontos - e conhecedor da pontuação obtida por cada competidor - o Tribunal requerido alterou substancialmente a própria ordem de classificação dos aprovados, que foi visivelmente atingida pela nova decisão. Realidade que demonstra a indevida ingerência no curso do procedimento e em seu resultado final, após a divulgação das notas, em afronta direta ao princípio da impessoalidade.

8. Modulando a decisão, deve a audiência ser restrita aos candidatos prejudicados com a regra prevista no Edital nº 78/2016 (e que fizeram opção na audiência de escolha), que terá natureza de reescolha, na forma definida pelo Edital nº 100/2016 c/c o EDITAL CONJUNTO CGJ/CCI Nº 01 , DE 14 DE JUNHO DE 2017, particularmente para os seguintes candidatos, que compareceram à audiência de escolha e fizeram opção por serventias: Fernanda Machado de Assis, Mauricio da Silva Lopes Filho, Cristina Mundim Moraes Oliveira, Andrea Walmsley Soares Carneiro, Greg Valadares Guimaraes Barreto, Walsir Edson Rodrigues Junior e Pedro Pontes de Azevedo.

9. Até a efetivação desta decisão, os atuais delegatários responderão pelas serventias que atualmente ocupam, de modo que nenhum interino seja convocado para eventual substituição.

10. Recurso provido.

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0003291-76.2016.2.00.0000 - Rel. CARLOS AUGUSTO DE BARROS LEVENHAGEN - 257ª Sessão Ordinária - julgado em 29/08/2017).

 

CONCURSO PARA OUTORGA DE DELEGAÇÃO. SERVIÇO NOTARIAL E DE REGISTROS PÚBLICOS. TJMG. CÁLCULO DA PONTUAÇÃO NA PROVA DE TÍTULOS. CUMULATIVIDADE. SEGURANÇA JURÍDICA. PROTEÇÃO DA CONFIANÇA. VINCULAÇÃO AO INSTRUMENTO CONVOCATÓRIO. IMPESSOALIDADE. IMPROCEDÊNCIA. 1. A alteração da regra constante do edital do concurso acerca da cumulatividade de pontos na prova de títulos no curso do certame em razão da mudança na interpretação da norma constante do § 1º do item 7.1 da Minuta de Edital anexa à Resolução nº 81, de 2009, do CNJ, ofende aos princípios da segurança jurídica, proteção da confiança, vinculação ao instrumento convocatório e impessoalidade, sendo aplicável ao caso o disposto no inciso XIII do art. 2º da Lei nº 9.784, de 1999. 2. As decisões proferidas pelo Conselho Nacional de Justiça nos autos de Pedidos de Providências e Procedimentos de Controle Administrativo não possuem eficácia erga omnes e tampouco efeito vinculante aos demais órgãos do Poder Judiciário se não houver aprovação expressa de recomendação ou Enunciado Administrativo. 3. Pedido julgado improcedente. (CNJ - PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0004678-34.2013.2.00.0000 - Rel. Gisela Gondin Ramos - 179ª Sessão - j. 12/11/2013).

Em resumo, a posição do CNJ é que a alteração do edital público não é terminantemente vedada na fase inicial do concurso, desde que, excepcionalmente, sejam observados os critérios antes descritos. No entanto, é importante ressaltar que a alteração do edital deve sempre respeitar os princípios da impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência e isonomia, que regem a Administração Pública, não existindo como compreender obedecidos esses normativos se a alteração editalícia se dá casuisticamente em fase já avançada do concurso público.

Ora, qual o critério objetivo para a escolha de 400 candidatos, e não de 500, ou até mesmo para 1.500 como permitido pela Resolução CNJ nº 476/2022? Ainda que o recorrido argumente que os 400 candidatos foram escolhidos para se manter a nota de corte em 7,9 e garantir a continuidade dos candidatos no certame, não há como agasalhar juridicamente essa justificativa, haja vista que por maior que seja o esforço de se garantir a isonomia, acaba por interferir nos critérios de competitividade, porquanto uma coisa é disputar vagas com 300, outra bem distinta é fazê-lo com 400 candidatos.

O edital é a lei do concurso e vincula a Administração Pública e os candidatos interessados, não podendo ocorrer posteriores modificações, justamente para preservar a segurança jurídica, a confiança legítima, a moralidade e a impessoalidade. Logo, uma vez publicado edital fixando os parâmetros e critérios de correção das provas, não poderia o recorrido alterar a sistemática da competição entre os candidatos.

Nesse sentido, é firme a jurisprudência do e. Supremo Tribunal Federal (STF) quanto à competência deste Conselho e à inconstitucionalidade da variação das cláusulas editalícias no curso do processo de seleção de novos magistrados e servidores:

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. CONCURSO PARA A MAGISTRATURA DO ESTADO DO PIAUÍ. CRITÉRIOS DE CONVOCAÇÃO PARA AS PROVAS ORAIS. ALTERAÇÃO DO EDITAL NO CURSO DO PROCESSO DE SELEÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA. 1. O Conselho Nacional de Justiça tem legitimidade para fiscalizar, inclusive de ofício, os atos administrativos praticados por órgãos do Poder Judiciário (MS 26.163, rel. min. Carmem Lúcia, DJe 04.09.2008). 2. Após a publicação do edital e no curso do certame, só se admite a alteração das regras do concurso se houver modificação na legislação que disciplina a respectiva carreira. Precedentes. (RE 318.106, rel. min. Ellen Gracie, DJ 18.11.2005). 3. No caso, a alteração das regras do concurso teria sido motivada por suposta ambigüidade de norma do edital acerca de critérios de classificação para a prova oral. Ficou evidenciado, contudo, que o critério de escolha dos candidatos que deveriam ser convocados para as provas orais do concurso para a magistratura do Estado do Piauí já estava claramente delimitado quando da publicação do Edital nº 1/2007. 4. A pretensão de alteração das regras do edital é medida que afronta o princípio da moralidade e da impessoalidade, pois não se pode permitir que haja, no curso de determinado processo de seleção, ainda que de forma velada, escolha direcionada dos candidatos habilitados às provas orais, especialmente quando já concluída a fase das provas escritas subjetivas e divulgadas as notas provisórias de todos os candidatos. 5. Ordem denegada.

(MS 27160, Relator(a): JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 18/12/2008, DJe-043  DIVULG 05-03-2009  PUBLIC 06-03-2009 EMENT VOL-02351-02  PP-00285 RSJADV maio, 2009, p. 41-46)

 

CONCURSO - EDITAL - PARAMETROS. Os parâmetros alusivos ao concurso hão de estar previstos no edital. Descabe agasalhar ato da Administração Pública que, após o esgotamento das fases inicialmente estabelecidas, com aprovação nas provas, implica criação de novas exigências. A segurança jurídica, especialmente a ligada a relação cidadao-Estado rechaca a modificação pretendida.

(RE 118927 AgR, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Segunda Turma, julgado em 07/02/1995, DJ 10-08-1995 PP-23556  EMENT VOL-01795-01 PP-00191)

Reitere-se, tanto o CNJ quanto o STF admitem o controle de legalidade do concurso público quando verificada violação ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório (RE 434.708/RS e RE526.600-AgR/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma; RE 440.335- AgR/RS, Rel. Min. Eros Grau, 2ª Turma; RE 636.169-AgR/PI, Rel. Min. Cármen Lúcia, 1ª Turma; RE 597.366-AgR/DF, Rel. Min. Ayres Britto, 2ª Turma; e AI 766.710-AgR/PI, Rel. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma).

Desse modo, diante das ilegalidades identificadas, os atos impugnados neste PCA devem ser declarados nulos, com a determinação de que o concurso público para ingresso na carreira da magistratura mineira tenha prosseguimento, com a correção das provas práticas de sentença civil e criminal, assim como  regido pela versão original do Edital nº 1/2021, do TJMG.

DISPOSITIVO

Por essa razão, ao tempo em que louvo a qualidade do voto de Sua Excelência, renovo as vênias ao e. Conselheiro Relator, para dele DIVERGIR, DAR PROVIMENTO AO RECURSO ADMINISTRATIVO E JULGAR PROCEDENTE O PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO, para anular o ato publicado em 3 de fevereiro de 2023 que anulou a questão 91 da Prova Objetiva Seletiva Tipo 2 e suas correspondentes (100 da prova tipo 1 / 97 da prova Tipo 3 / 94 da prova Tipo 4), bem assim como anular o Edital publicado em 14 de fevereiro de 2023 que alterou o Item 13.33 do Edital nº 01/2021, devendo ser mantido o resultado já publicado da prova discursiva e corrigidas as provas práticas de sentença civil e criminal, da 2ª etapa já realizada, e dado prosseguimento ao certame a partir dali.

É como voto.                                                      

 

Conselheiro Marcello Terto

Conselheiro Vistor

 



[1] Disponível em <https://www.tjmg.jus.br/portal-tjmg/transparencia/concursos/lista-de-links-8A80BCE67EDB109F017EDE2DB4CD4EF0.htm> Acesso em 11 de maio de 2023.

[2] Disponível em < https://www.tjmg.jus.br/portal-tjmg/transparencia/concursos/comunicado-dje-20-010-2022-8ACC812583D2CB780183FA6D14B604C6.htm> Acesso em 11 de maio de 2023.

[3] In Controle judicial em provas de concursos públicos. Revista Interesse Público. Belo Horizonte, a. 13, n. 66, p. 75-76, mar./abr, 2001.

[4] In Igualdade, discriminação e concurso público. Análise dos requisitos de acesso aos cargos públicos no Brasil. Maceió: Viva, 2014, p. 15. 

[5] In Concursos Públicos. São Paulo: Atlas, 2008, p. 177.

[6] In O regime jurídico do concurso público e o seu controle jurisdicional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 30.

[7] In Concursos Públicos no Direito Brasileiro, Curitiba: Juruá, 2015, e-book.

[8] In Princípios Constitucionais Aplicáveis aos Concursos Públicos, Revista Interesse Público, Belo Horizonte, ano 5, nº 27, Set. 2004. Disponível em <chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5339419/mod_resource/content/1/Texto%2006%20princ%C3%ADpios%20concurso%20p%C3%BAblico%20Fabr%C3%ADcio%20Motta.pdf>. Acesso em: 17 out 2022.

[9] Fábio Lins de Lessa Carvalho, op. cit., e-book.

 

 

VOTO CONVERGENTE

 

Trata-se de Procedimento de Controle Administrativo com pedido liminar proposto por Bruno de Souza de Viveiros e outros(as) contra atos da Comissão Examinadora do Concurso Público de Provas e Títulos para Ingresso na Carreira da Magistratura do Estado de Minas Gerais (Edital nº 1/2021), que determinou a reaplicação da prova escrita referente à segunda fase do certame e a retificação do item 13.33 do mencionado Edital para prever a convocação de 400 candidatos para essa etapa.

O relator do feito julgou improcedentes os pedidos formulados (Id. 5057073). Inconformados(as) com a decisão, os(as) requerentes interpuseram recurso administrativo.

Considerando a importância da matéria discutida, apresento voto a seguir, com o objetivo de convergir com o judicioso voto do nobre Relator.

Após detida análise da controvérsia jurídica posta neste PCA, em homenagem aos princípios da segurança jurídica, da isonomia e da imparcialidade, entendo não haver dúvidas acerca da necessidade de reaplicação da mencionada prova escrita para todos os candidatos que atingiram a note de corte após a anulação da questão objetiva.

Nesse sentido, registro que o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria é no mesmo sentido da decisão monocrática proferida pelo eminente Relator (MS nº 30.859/DF, Relator Ministro Luz Fux).  

Também o Plenário do Conselho Nacional de Justiça já se manifestou sobre o tema:

 

RECURSO ADMINISTRATIVO. PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. CONCURSO DA MAGISTRATURA ESTADUAL. ANULAÇÃO DE QUESTÃO DE PROVA SUBJETIVA. DE OFÍCIO. INTERPOSIÇÃO DE RECURSO NÃO PREVISTO. ATRIBUIÇÃO DE PONTOS A TODOS OS CANDIDATOS. CRITÉRIOS DE CORREÇÃO DE PROVA.

1. É regular o ato de banca examinadora de concurso que, de ofício, decide pela anulação de questão subjetiva e confere pontuação a todos os candidatos, em observância ao princípio da isonomia.

2. A interposição de recurso em formato diverso ao previsto no edital, não ocasiona, obrigatoriamente, a nulidade do concurso, mormente se a petição não chega a ser conhecida pela banca. Inexiste nulidade sem comprovação de prejuízo.

3. Incabível ao Conselho Nacional de Justiça avaliar os critérios de correção das provas de concursos públicos.

4. Recurso administrativo não provido.

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 0004646-29.2013.2.00.0000 - Rel. ANA MARIA DUARTE AMARANTE BRITO - 186ª Sessão Ordinária - julgado em 08/04/2014) (grifos nossos).

 

 

A par disso, não vislumbro qualquer irregularidade na alteração do item “13.33” do mencionado edital, a fim de prever a convocação de 400 (quatrocentos) candidatos para essa etapa. A adequação do número de candidatos classificados deu-se em conformidade com a Resolução CNJ nº 476/2022.

Ainda que se alegue que a aplicação da referida resolução a concurso em andamento implicou em alteração das regras do edital, é de se considerar que da medida não exsurgiu efetivo prejuízo aos candidatos, visto não ter dado ensejo à eliminação de nenhum inscrito inicialmente classificado para a segunda fase. Em verdade, prestigiou-se a ampla concorrência no processo de seleção pública, o que, indubitavelmente, atende o interesse público.

O princípio da vinculação ao instrumento convocatório, em que pese basilar e relevante, não é absoluto, devendo ser analisado à luz do caso concreto e, na hipótese, sopesado com princípios constitucionais tão importantes quanto.

Note-se que a aplicação de provas de segunda fase distintas pode dar azo a novos questionamentos quanto à lisura e isonomia do certame futuramente – sobretudo por ocasião da divulgação dos seus resultados, os quais certamente desagradarão alguns -, ocasionando potencialmente mais desgaste, gastos e atrasos no cumprimento do cronograma.

A reaplicação das provas discursivas, de maneira equânime e uniforme para todos os aprovados é, sem sombra de dúvidas, a solução mais adequada, não só juridicamente, como também para os interesses da Administração e da totalidade dos candidatos, permitindo que a, partir da sua realização, o concurso prossiga sem mais intercorrências e questionamentos.

Diante do exposto, renovando as minhas mais respeitosas vênias aos que pensam em sentido contrário, acompanho integralmente o voto do eminente Relator

 

Conselheiro RICHARD PAE KIM