Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR EM FACE DE MAGISTRADO - 0003379-07.2022.2.00.0000
Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
Requerido: REGIANE TONET

 

 

 

 

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR CONTRA MAGISTRADA. TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO ESTADO DO PARANÁ (TRE-PR). PRORROGAÇÃO RETROATIVA DO PRAZO DE INSTRUÇÃO. POSSIBILIDADE. INTERROGATÓRIO. ÚLTIMO ATO DA INSTRUÇÃO. NOVA PRORROGAÇÃO DE PRAZO APÓS ENCERRAMENTO DA FASE INSTRUTÓRIA. DESNECESSIDADE. IMPUTAÇÕES. MANIFESTAÇÕES POLÍTICO-PARTIDÁRIAS EM REDES SOCIAIS. VEDAÇÃO. PROVIMENTO 71/2018. RESOLUÇÃO 305/2019. DATA DOS FATOS. PERÍODO DE TRANSIÇÃO NORMATIVA. FLEXIBILIZAÇÃO. VACATIO. INAPLICABILIDADE DOS PRECEDENTES. ELEMENTO DE DISTINÇÃO. FUNÇÃO ELEITORAL. MAIOR REPROVABILIDADE DA CONDUTA. PROCEDÊNCIA DAS IMPUTAÇÕES. APLICAÇÃO DA PENA DE CENSURA.

1. Processo Administrativo Disciplinar instaurado contra magistrada em decorrência de manifestações de cunho político-partidário em redes sociais. Afastamento unicamente das funções eleitorais, com manutenção das funções ordinárias na Justiça Estadual.

2. A Resolução CNJ n. 135/2011 autoriza a prorrogação do prazo de instrução do PAD para além dos 140 dias inicialmente previstos, quando imprescindível para o término da instrução e por motivo justificado (art. 14, § 9°). Realizado o interrogatório e, portanto, encerrada a fase instrutória, não há necessidade de nova prorrogação de prazo, devendo o processo ser submetido ao Plenário, após alegações finais, para julgamento do mérito.

3. Solicitada a inclusão em pauta, antes de completado um ciclo de 140 dias, para deliberação sobre a prorrogação do prazo e manutenção do afastamento das funções, não há que se falar em irregularidade caso o julgamento da questão de ordem não tenha sido concluído em virtude da dinâmica de funcionamento do colegiado.

4. Prorrogação retroativa do prazo de instrução, a contar do 141º dia da instauração, até o interrogatório, último ato da instrução. Submissão ao Plenário como preliminar.

5. O avanço da comunicação nas redes sociais, acompanhado da falta de clareza quanto ao liame entre a esfera pública e a privada, bem como entre a pessoal e a profissional, motivaram a regulamentação mais precisa quanto aos limites no uso de redes sociais por magistrados, para além do arcabouço normativo já existente.

6. O Plenário do CNJ flexibilizou o rigor disciplinar em relação às manifestações ocorridas em redes sociais no período de transição normativa, a fim de evitar a adoção de medidas mais enérgicas. Precedentes.

7. A análise individualizada de cada processo pode levar a outras conclusões, caso os fatos em apuração apresentem elemento distintivo em relação aos demais.

8. O exercício da função eleitoral pela magistrada impõe maior rigor na análise dos fatos, pois a manifestação, que, a princípio, poderia ser avaliada à luz da liberdade de expressão, desloca-se para a aferição da potencial quebra da imparcialidade.

9. Necessidade de aplicação de sanção com proporcionalidade. Histórico funcional exemplar, abandono das práticas imputadas e compromisso de observância estrita das normas sobre o tema.

10. Procedência das imputações com aplicação da pena de censura. Deliberação quanto ao retorno das funções eleitorais inserida no âmbito da autonomia do Tribunal Regional Eleitoral. 

 

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, julgou procedente o pedido para aplicar pena de censura, nos termos do voto da Relatora. Votou a Presidente. Ausente, circunstancialmente, o Conselheiro Marcio Luiz Freitas. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário, 29 de novembro de 2022. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene (Relatora), Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Sustentaram oralmente: pela interessada Associação dos Magistrados Brasileiros - AMB, a advogada Samara de Oliveira Santos Léda - OAB/DF 23867 e pela requerida, o advogado Francisco Augusto Zardo Guedes - OAB/PR 35303-A.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR EM FACE DE MAGISTRADO - 0003379-07.2022.2.00.0000
Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
Requerido: REGIANE TONET


RELATÓRIO


 

Trata-se de Processo Administrativo Disciplinar (PAD) instaurado pelo Conselho Nacional de Justiça contra REGIANE TONET DOS SANTOS, Juíza de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná e em exercício na função de Juíza Eleitoral na 112ª Zona Eleitoral de Guaraniaçu/PR, com afastamento da função eleitoral na aludida Zona Eleitoral.

 A instauração do PAD decorreu do julgamento da Reclamação Disciplinar n. 0000557-16.2020.2.00.0000, em sessão plenária do CNJ ocorrida em 10 de maio de 2022 (id. 4735342). Os fatos sob apuração, delimitados na Portaria PAD n. 5, de 26 de maio de 2022 (id. 4735338), consistem na avaliação do cometimento de falta funcional, em decorrência de 7 postagens veiculadas nas redes sociais da magistrada, no período compreendido entre 12/10/2017 e 2/10/2018.

As Presidências do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR) e do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR) foram comunicadas da instauração deste Processo Administrativo Disciplinar, nos termos do art. 2º da Portaria PAD n. 5/2022. No mesmo despacho, abriu-se prazo para manifestação do Ministério Público Federal (id. 4736948).

O Ministério Público Federal manifestou-se nos termos do art. 16 da Resolução CNJ n. 135/2011, oportunidade em que pugnou pelo prosseguimento do feito sem a necessidade de produção de novas provas, por tratar o PAD de matéria eminentemente de direito (id. 4749068).

A magistrada requerida foi pessoalmente citada para apresentar defesa e indicar provas que entendesse necessárias (id. 4765214).

Nas razões de defesa (id. 4771355), argumentou, em síntese: a) as publicações e compartilhamentos são anteriores à Resolução CNJ n. 305/2019 (p. 3/8); b) as publicações e compartilhamentos não representaram manifestações político-partidárias, mas opiniões adstritas à manifestação do pensamento e à liberdade de expressão (p. 8/16). Acrescentou, ainda, menção ao histórico profissional ilibado (p. 17/23).

Ao final, requereu a defesa (p. 26): a) a designação de audiência de conciliação, nos termos da Recomendação CNJ n. 21/2015; b) a designação de audiência de instrução, para a oitiva das testemunhas arroladas; e c) a improcedência dos pedidos e arquivamento do expediente.

Solicitei esclarecimentos a respeito da relação das testemunhas arroladas com os fatos em apuração no presente PAD (id. 4806771), o que foi respondido por meio da petição de id. 4830605.

A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) requereu a admissão no feito como interessada e o arquivamento do PAD (id. 4822448). O ingresso como interessada foi deferido (id. 4831451).

Foram indeferidos os pedidos de designação de audiência de conciliação (id. 4831451, p. 2/4), assim como a oitiva das testemunhas arroladas, dada a natureza abonatória dos depoimentos pretendidos (id. 4831451, p. 4 e 5). Quanto aos últimos, assinalei prazo para apresentação de declarações escritas, a serem consideradas com o mesmo valor probatório. As declarações sobrevieram aos autos nos ids. 4878774 a 4878781.

Em 26/9/2020, solicitei inclusão do feito em pauta para deliberação sobre a prorrogação de prazo de instrução do PAD, pois o primeiro período de 140 dias transcorreria em 27/9/2022 (id. 4879362).

Assinalou-se o interrogatório para 13 de outubro de 2022, por meio da plataforma Microsoft teams (id. 4886816).

Termo de audiência acostado no id. 4905270.

Registro audiovisual do interrogatório constante dos ids. 4905271 a 4905273.

O feito foi incluído na pauta da 114ª sessão virtual. Iniciado o julgamento, no qual propus a prorrogação do prazo de instrução por mais 140 dias, a contar de 28/9/2022, e determinação ao TRE-PR para avaliar a pertinência do retorno da magistrada às funções eleitorais, o processo foi retirado da pauta da aludida sessão, a pedido do Conselheiro Ministro Luis Felipe Salomão (id. 4921797).

Nas razões finais, o MPF opinou pela procedência do PAD, com aplicação da sanção de censura (id. 4916588).

A magistrada requerida reforçou as mesmas alegações apresentadas nas razões de defesa, com o acréscimo de: a) menção detalhada a 12 precedentes do CNJ para casos similares, nos quais se arquivou o procedimento disciplinar; b) excertos das declarações abonatórias acostadas aos autos.

É o relatório.

 

 

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR EM FACE DE MAGISTRADO - 0003379-07.2022.2.00.0000
Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
Requerido: REGIANE TONET

 

VOTO

 

De início, pontuo que o primeiro período de 140 dias para o término da instrução decorreu em 27/9/2022. À época, solicitei inclusão do feito em pauta (despacho – id. 4879362), para deliberação do Plenário acerca da prorrogação do prazo de instrução deste PAD e da verificação da necessidade de manutenção do afastamento da magistrada das funções eleitorais.

Iniciado o julgamento da Questão de Ordem na 114ª Sessão Virtual (20 a 27/10/2022), retirou-se o feito da pauta, a pedido do Conselheiro Ministro Luis Felipe Salomão (id. 4921797). Conquanto pendente a deliberação em comento, pedi data, em seguida, para julgamento do mérito (id. 4937960).

Desse modo, não vislumbro irregularidade procedimental, tendo em vista a observância do prazo de 140 dias para a instrução do feito quando da assinatura do despacho, com pedido de inclusão em pauta. Ademais, o interrogatório, último ato da instrução, ocorreu em 13/10/2022, saindo as partes intimadas de todas as deliberações havidas na assentada, bem como da determinação de abertura de prazo sucessivo ao MPF e à defesa para alegações finais, por 10 dias (id. 4905270).

A partir de então, parece-me desnecessária a submissão do feito ao Plenário para nova prorrogação de prazo, pois a prorrogação a que alude o § 9° do art. 14 da Resolução CNJ n. 135/2011 versa sobre ampliação de prazo para a prática de atos instrutórios, e, a rigor, inaugurou-se outra fase no processo, com trâmite regular após o encerramento da instrução.

De todo modo, submeto, como preliminar, a prorrogação do prazo de instrução deste PAD, a contar de 28/9/2022, correspondente ao 141° dia de sua instauração, até 13/10/2022, data do interrogatório, e, portanto, fim da instrução.

Avanço para o mérito.

Os fatos em apuração dizem respeito a postagens da magistrada Regiane Tonet dos Santos na rede social Facebook. Discute-se, unicamente, se incorreu em falta funcional nas manifestações externadas em sua conta particular na aludida plataforma, notadamente pela feição político-partidária das publicações.

A partir da representação formulada pelo Partido dos Trabalhadores (PT) neste Conselho (id. 4735447), foram instaurados dois procedimentos apuratórios, nas Corregedorias do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná e do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Ambos concluíram pela desnecessidade de abertura de PAD (id. 4735437, p. 1/12 e id. 4735442, respectivamente), porém o arquivamento não foi mantido pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça no julgamento da RD 0000557-16.2020.2.00.0000, em 11 de maio de 2022. Instaurou-se, assim, o PAD em tela (id. 4735342).

Tratando a matéria unicamente de direito, o acervo probatório restringiu-se aos textos publicados na rede social e ao interrogatório da requerida, complementado pelos depoimentos abonatórios, apresentados por escrito. Abaixo, os principais documentos que instruem este PAD:

 



Conforme consta na Portaria PAD n. 5/2022, os fatos sob apuração, por ordem cronológica, consistem em:

PUBLICAÇÃO 1: em 12 de outubro de 2017, compartilhou matéria veiculada pelo site Correio do Poder, intitulada “Incapaz de dirigir uma reunião de condomínio, gagá e confusa, Cármen Lúcia não devia ter assumido o grave ônus de presidir STF nesta crise”. Na legenda da matéria compartilhada, a magistrada tece o seguinte comentário: “A ministra politizou sua atuação neste caso e renunciou ao que se poderia considerar um nobre e legítimo poder! O STF se acovardou, a justiça sucumbiu!!”;

 


PUBLICAÇÃO 2: em 17 de novembro de 2017, ao compartilhar notícia veiculada pela Revista Veja intitulada “Valeu, Excelência: Tudo pronto para mais um “desjulgamento”. Graças à ministra Cármen Lúcia, família Picciani nada tem a temer”, a reclamada se manifestou da seguinte maneira: “Que suprema é a corte que se rebaixa a uma decisão meramente política, desprovida de fundamentação e sem qualquer amparo legal ou constitucional???!!!”;


                         


PUBLICAÇÃO 3: No dia 24 de janeiro de 2018, quando o ex-Presidente Lula foi condenado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região pelo “Caso Triplex”, a reclamada publicou em seu perfil o seguinte texto, acompanhado de uma imagem da Bandeira do Brasil: “Hoje é um dia histórico para o país, por representar um marco na busca pela honestidade, retidão e moralidade da vida pública brasileira. Com a confirmação unânime da sentença, agora é inquestionável: Lula cometeu crimes. Muito mais do que a punição de um mero corrupto, essa condenação materializa os conhecidos jargões de que ninguém está acima da lei e que a justiça atinge a todos. Em muitos momentos do julgamento, ao ouvir os votos proferidos, foi difícil não se emocionar e ao mesmo tempo vibrar por perceber que tem muita gente de boa índole que luta incessantemente e com muita convicção em prol de um bem inestimável: a integridade moral e financeira da nossa nação. Parabéns!!! Sejamos todos Moro, Gebran Neto, Paulsen e Laus. Com certeza, o tempo e a história dirão: O VENCEDOR DESSE PLACAR FOI O BRASIL!!!”;

                         

PUBLICAÇÃO 4: no dia 8 de fevereiro de 2018, publicou notícia jornalística relacionada à então senadora Gleisi Hoffman, Presidente Nacional do Partido dos Trabalhadores, cujo título da matéria era o seguinte: “Gleisi é muito mais cara do que qualquer juiz. Em 2017, a senadora, que acha uma vergonha o auxílio-moradia de Sergio Moro, torrou mais de 376 mil reais extorquidos dos pagadores de impostos”;

 

 


 

 PUBLICAÇÃO 5: em 27 de março de 2018, compartilhou matéria jornalística publicada pela Revista Veja, cujo título era “Moro cresce enquanto Supremo se apequena”;


                    

 

PUBLICAÇÃO 6: em 1º de outubro de 2018, dias antes do primeiro turno das Eleições de 2018, a juíza eleitoral se manifestou ao compartilhar imagem do movimento AVANÇA NORDESTE, que estampa a seguinte mensagem em letras garrafais: “impressionante o silêncio da imprensa com a declaração de José Dirceu ao afirmar que o PT vai tomar o poder por vias que passam longe da democracia”. Na legenda da imagem compartilhada, a magistrada se posicionou da seguinte maneira: “Eles novamente, não... Chega de cinismo, essa imprensa tendenciosa e oportunista, aproveitando-se da ignorância ou apenas da simplicidade das pessoas, está demonizando a figura errada!! Explora-se e cultiva-se a desinformação do povo, como forma de buscar o poder!!!”;

                         

 

PUBLICAÇÃO 7: em 2 de outubro de 2018, compartilhou matéria veiculada pelo Portal de Notícias Uol, intitulada “Das mil MPs editadas pelo PT, pelo menos 900 tiveram propina, diz Palocci”. Na legenda da matéria compartilhada, a magistrada tece o seguinte comentário: “Será que um dia teremos a exata compreensão sobre o grau da corrupção impregnada nos governos brasileiros, principalmente junto às nossas improfícuas estatais??”;

 

                         

Os fatos são incontroversos, e em nenhum momento refutados pela magistrada, que confirmou a autoria dos compartilhamentos e dos comentários inseridos em algumas das publicações. Aduziu, porém, o contexto político vivido no País, o direito constitucional à liberdade de expressão, a não caracterização de atividade político-partidária, a inexistência de regulamentação por parte do CNJ à época e a baixa expressão de seu perfil na rede social, restrita a poucas pessoas de seu relacionamento.

Entendo, contudo, que tais alegações não merecem prosperar.

A Lei Orgânica da Magistratura Nacional - LOMAN, que remonta a 1979, já impedia o exercício da atividade político-partidária por parte dos magistrados (art. 26, I, c), assim como vedava manifestação, “por qualquer meio de comunicação, [de] opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério” (art. 36, III).

Nos Princípios de Bangalore de Conduta Judicial, tem-se que a “imparcialidade é essencial para o apropriado cumprimento dos deveres do cargo de juiz. Aplica-se não somente à decisão, mas também ao processo de tomada de decisão”. O aludido princípio é assim explicado[1] (g.n):

Se um juiz parece ser parcial, a confiança do público no Judiciário é erodida. Desse modo, um juiz deve evitar toda atividade que insinue que sua decisão pode ser influenciada por fatores externos, tais como relações pessoais do juiz com uma parte ou interesse no resultado do processo.

 

No ano de 2008, o Conselho Nacional de Justiça editou o Código de Ética da Magistratura Nacional[2], que também explicita princípios de observância obrigatória a todos os magistrados, notadamente a imparcialidade.

Para além de tais regramentos, orientadores de condutas funcionais, o ordenamento jurídico pátrio é farto quanto às regras de impedimento e suspeição, exatamente porque não se pode conceber que, a despeito da subjetividade humana, o magistrado jurisdicione imerso em elementos que afetem sua imparcialidade.

Todavia, esses exemplos, que não esgotam todo o arcabouço normativo e doutrinário sobre o tema, não foram suficientes para aclarar os limites das manifestações públicas de magistrados, especialmente com o avanço das redes sociais como forma de conexão interpessoal. Assim, o Conselho Nacional de Justiça estabeleceu parâmetros orientadores de condutas, a fim de dirimir dúvidas sobre o limite da manifestação de magistrados nesses canais de comunicação.

A regulamentação específica do tema pelo Conselho Nacional de Justiça ocorreu, inicialmente, por meio do Provimento CNJ n. 71, publicado em 14 de junho de 2018. A norma dispôs sobre o uso do e-mail institucional pelos membros e servidores do Poder Judiciário e sobre a manifestação nas redes sociais.

A motivação do ato assentou, entre outros, “a significativa quantidade de casos concretos relativos a mau uso das redes sociais por magistrados e a comportamento inadequado em manifestações públicas político-partidárias analisados pela Corregedoria Nacional de Justiça”, bem como que: “a) diversamente da conversação direta, as comunicações nas redes sociais, na falta de sinais vocais e visuais, podem ser mal interpretadas e divulgadas incorretamente; b) não é claro o liame entre a esfera pública e a privada, bem como entre a pessoal e a profissional, de modo que, mesmo que o usuário não se identifique como magistrado no perfil pessoal, seus comentários podem ser facilmente vinculados à instituição a que pertence por ser ele autoridade pública”.

Diferentemente do que fora à época propalado, evidencia-se que o CNJ não pretendeu censurar a liberdade de expressão dos magistrados, mas, tão somente, orientar e estabelecer parâmetros, para, a partir de então, passar a exigir, com maior rigor, um padrão de conduta específico no uso da internet.

Não por acaso, o CNJ tolerou algumas publicações existentes à época, e, considerando a recente edição da norma, recomendou sua observância, a fim de evitar a adoção de medidas mais gravosas. É o que se pode concluir do resgate a inúmeros processos submetidos ao Plenário do CNJ na 283ª Sessão Ordinária, realizada em 11/12/2018 (g.n):

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. INSTAURAÇÃO DE OFÍCIO CONTRA MAGISTRADO. PROVIMENTO N. 71 DA CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA. ARQUIVAMENTO.

1. Pedido de providências instaurado de ofício para esclarecer fatos noticiados na imprensa que, em tese, caracterizariam conduta vedada a magistrados.

2. A atividade político-partidária é vedada a magistrados (art. 95, § 1º, III, da CF/88).

3. O Provimento n. 71 desta Corregedoria está em vigor (STF - MS 35793) e consentâneo com os reflexos eleitorais produzidos pela evolução tecnológica ao impor aos magistrados a vedação de manifestação de opção por candidato ou partido político.

4. Diante das novas tecnologias de comunicação e informação, é possível que no pleito eleitoral do ano em curso alguns juízes não tenham compreendido o alcance das suas limitações quanto a manifestações em redes sociais.

5. O Provimento n. 71/2018 é muito recente, razão pela qual se recomenda a sua devida observância, a fim de evitar a instauração de futuros pedidos de providências que resultem na adoção de medidas mais enérgicas por parte desta Corregedoria Nacional de Justiça.

Pedido de providências arquivado.

(CNJ - PP - Pedido de Providências - Corregedoria - 0009287-84.2018.2.00.0000 - Rel. HUMBERTO MARTINS - 283ª Sessão Ordinária - julgado em 11/12/2018).

 

No final do ano de 2019, a Resolução CNJ n. 305, publicada em 18 de dezembro, trouxe, de forma mais pormenorizada, os parâmetros para o uso das redes sociais pelos membros do Poder Judiciário. Mais de um ano após a edição do Provimento n. 71, o CNJ novamente concedeu um período de adaptação, agora em decorrência do art. 10 da aludida Resolução, nos seguintes termos (g.n):

Art. 10. Os juízes que já possuírem páginas ou perfis abertos nas redes sociais deverão adequá-las às exigências desta Resolução, no prazo de até seis meses contados da data de sua publicação.

 

A despeito de os normativos do CNJ serem posteriores a 5 dos 7 fatos sob apuração, essa retomada contextual é importante para demonstrar a evolução do assunto neste Conselho, assim como a flexibilização que vem sendo feita desde então, mediante a análise de cada situação concreta, com a devida proporcionalidade.

E é exatamente em decorrência da análise individualizada de cada caso que os fatos em apuração não merecem o mesmo tratamento dos demais, pois se trata de magistrada que exercia a função eleitoral desde o ano de 2009, e, em Guaraniaçu, desde 2013 (id. 4905271 – interrogatório, aos 6’40”).

 Tomei o cuidado de verificar todos os 12 precedentes invocados pela defesa, que diziam respeito a variadas manifestações em redes sociais. Em nenhum deles consta informações sobre exercício cumulativo da função eleitoral por parte dos magistrados:

 

 

O quadro acima demonstra o tratamento isonômico conferido por este Conselho a todas as linhas de pensamento político (indevidamente) expressadas, e o marco temporal a partir de quando se criou expectativa de um novo padrão de conduta dos magistrados nas redes sociais.

Não por acaso, na última sessão Plenária, novamente determinou-se o arquivamento de procedimento preliminar contra magistrado que publicou mensagem de cunho político-partidário em sua rede social. Arquivou-se o expediente, por unanimidade, pelo fato de a publicação ter ocorrido no período de transição normativa (CNJ – RD – Reclamação Disciplinar – 0006108-11.2019.2.00.0000 – Rel. LUIS FELIPE SALOMÃO – 360ª Sessão Ordinária – julgado em 22/11/2022).

             No caso vertente, o elemento de distinção consiste exatamente na circunstância de a requerida exercer função eleitoral em comarca de vara única do interior do Estado, o que torna a figura do magistrado ainda mais representativa do Poder Judiciário, que não se dilui entre outras autoridades da Justiça na mesma localidade.  O cerne da questão não está, portanto, na discussão quanto à liberdade de expressão, e sim na potencialidade de quebra da imparcialidade.

           Conforme bem pontuou o MPF em alegações finais, o cargo exercido tem aptidão para chancelar a credibilidade de seus comentários perante os eleitores (id. 4916588, p. 17). Veja-se que, até mesmo quando o Supremo Tribunal Federal foi instado a se manifestar sobre o Provimento n. 71, por provocação de servidores do Judiciário de Minas Gerais, assentou-se a distinção de atuação quando estes exercem funções na Justiça Eleitoral:

DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DO CNJ. PROVIMENTO Nº 71/2018. MANIFESTAÇÃO POLÍTICOPARTIDÁRIA DE SERVIDORES EM REDES SOCIAIS.

1. Mandado de segurança impetrado pelo Sindicato dos Servidores da Justiça de Minas Gerais contra o Provimento nº 71/2018 da Corregedoria Nacional de Justiça, que dispõe sobre a manifestação nas redes sociais por membros e servidores do Poder Judiciário.

 2. A Constituição Federal não veda aos servidores públicos civis a dedicação à atividade político-partidária, tal como impõe aos magistrados (CF/1988, art. 95, parágrafo único, III), nem proíbe a sua filiação partidária, tal como faz em relação aos militares (CF/1988, art. 142, § 3º, V).

3. O Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União assegura, ao contrário, o direito à licença para candidatura (art. 86, da Lei nº 8.112/1990).

4. Diante disso, a restrição à manifestação político-partidária em redes sociais imposta pelo Provimento nº 71/2018 (i) contraria o regime legal e constitucional que assegura aos servidores civis o direito de filiação partidária e o exercício pleno de atividade política; e (ii) afronta a autonomia dos Estados para disciplinar o estatuto de seus servidores.

5. Segurança parcialmente concedida para afastar as limitações à manifestação político-partidária previstas no Provimento nº 71/2018 em relação aos servidores substituídos pelo Sindicato impetrante, salvo em relação àqueles em exercício na Justiça Eleitoral.


(STF - MS: 35779 DF 0073243-58.2018.1.00.0000, Relator: ROBERTO BARROSO, Data de Julgamento: 24/11/2021, Data de Publicação: 26/11/2021)

 

Embora recentemente a Turma tenha dado provimento ao agravo interno para não conhecer do mandado de segurança e cassar a liminar anteriormente deferida, tenho que permanece pertinente o traço distintivo exposto pelo e. Ministro Roberto Barroso quando do deferimento da liminar, em 6/12/2018.

Neste Conselho, a mesma preocupação com a Justiça Eleitoral não passou despercebida quando o colegiado flexibilizou a observância do Provimento n. 71 nos julgados do ano de 2018. É o que se colhe do voto convergente proferido pelo Conselheiro Luciano Frota, que de maneira oportuna consignou (g.n): 

Não se revela, por certo, recomendável que Juízes Eleitorais manifestem as suas opções político-partidárias publicamente, pois lidam no seu ofício com o litígio de partidos políticos, e essa conduta pública traria desconforto e suscitaria dúvidas quanto à isenção do ato de julgar, ou seja, poderia haver, nesse caso específico, o comprometimento da imparcialidade que é elemento essencial para o exercício da jurisdição. 

 

Nessa perspectiva, entendo caracterizado o cometimento de falta funcional. 

Passo à dosimetria da sanção disciplinar.

A pena de advertência, mais branda dentre as aplicáveis aos magistrados, deve ser imposta no caso de negligência no cumprimento dos deveres do cargo (art. 43, I, LOMAN).

Os fatos apurados, avaliados à luz do histórico funcional da magistrada e da flexibilidade com que o CNJ vem julgando o tema recomendariam, a princípio, a aplicação da pena de advertência.

Os assentamentos funcionais da magistrada denotam atuação exemplar, inclusive com anotações de elogios pelo bom trabalho desempenhado e “em função de se tratar de Magistrada vocacionada, comprometida com a célere e qualificada prestação jurisdicional” (id. 4735422, p. 36). Ademais, narra envolvimento com a comunidade, com a realização de palestras, entrevistas, entre outros (id. 4771355, p. 22).

Todavia, a sanção disciplinar imposta deve ser proporcional à gravidade dos fatos, com suporte também no entendimento jurisprudencial construído a respeito do tema neste Conselho. Em matéria eleitoral, recentemente reputou-se adequada a sanção de advertência imposta a magistrada que compareceu tardiamente no cartório eleitoral no dia das eleições[3].

Reputo o caso em apreço de maior gravidade.

Além de não terem sido fatos isolados, e sim uma sequência de 7 postagens indevidas, as publicações ocorreram, como já se disse anteriormente, em sua maioria em ano eleitoral, sendo a última delas em data muito próxima das eleições:

 

Ademais, não prospera a alegação da magistrada de que sua conta na rede social era restrita a poucas pessoas, pois, ainda que assim fosse, as postagens se deram com a funcionalidade de publicidade, acessível por qualquer usuário, mesmo não integrante de sua lista de contatos, conforme destacado nas imagens.

Não apenas a publicidade, como a manutenção dos conteúdos por considerável tempo em sua conta, são dados também confirmados por meio da ata notarial lavrada em 21/11/2019, juntada aos autos na Reclamação Disciplinar (id. 4735437, p. 47/52), na qual podem ser visualizadas as postagens, acompanhas de nome completo, foto e identificação do cargo de Juíza de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.

É de se considerar que, nas decisões de arquivamento proferidas pelas Corregedorias do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná e do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, foram consignadas recomendações de “imprescindibilidade no respeito aos deveres inerentes ao cargo, ainda quando afastada da judicatura, de modo a dignificar a carreira e a Instituição que representa” (id. 4735442, p. 10), e  necessidade de observância “de maneira escorreita [d]os deveres inerentes à magistratura e sobretudo ao exercício da jurisdição eleitoral, manifestando-se com reserva, cautela e discrição ao publicar seus pontos de vista, de modo a evitar a exposição negativa do Poder Judiciário, e mais especificamente, da Justiça Eleitoral” (id. 4735437, p. 12).

Tais orientações, exaradas em 20/5/2020 e 16/6/2020, vêm sendo observadas pela magistrada, de modo que é adequada a imposição da sanção de censura:

 

LOMAN. Art. 4º O magistrado negligente, no cumprimento dos deveres do cargo, está sujeito à pena de advertência. Na reiteração e nos casos de procedimento incorreto, a pena será de censura, caso a infração não justificar punição mais grave.

 

 Quanto ao retorno da magistrada às funções eleitorais, entendo que tal deliberação compete ao Tribunal Regional Eleitoral, no uso de sua autonomia administrativa.

Ante o exposto:


1) Prorrogo, retroativamente, o prazo de instrução do presente PAD, a contar de 28/9/2022, até 13/10/2022;

2) Com fundamento nos arts. 42, II, e 44 da LOMAN, e nos arts. 3º, II, e 4º, in fine, da Resolução CNJ n. 135/2011, JULGO PROCEDENTES as imputações atribuídas à juíza REGIANE TONET DOS SANTOS na Portaria PAD n. 5, de 26 de maio de 2022, para a aplicar-lhe a pena de censura.

 

É como voto.

Intimem-se as partes.

Após, arquive-se.

 

Conselheira Salise Sanchotene

Relatora

 



[1] BRASIL. Conselho da Justiça Federal. Comentários aos princípios de Bangalore de Conduta Judicial. 2008, p. 67. Disponível em: https://www.cjf.jus.br/cjf/corregedoria-da-justica-federal/centro-de-estudos-judiciarios-1/publicacoes-1/outras-publicacoes/comentarios_bangalore.pdf 

[2] Disponível em: https://www.cnj.jus.br/codigo-de-etica-da-magistratura

[3] (CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0000202-35.2022.2.00.0000 - Rel. SALISE SANCHOTENE - 63ª Sessão Extraordinária - julgado em 06/09/2022).