REVISÃO DISCIPLINAR. APLICAÇÃO DE PENA DE CENSURA PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. CONTRARIEDADE À EVIDÊNCIA DOS AUTOS NÃO DEMONSTRADA.  REVISÃO DISCIPLINAR COMO SUCEDÂNEO DE RECURSO ADMINISTRATIVO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 

1. Pretensão de reexame da decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, nos autos do Procedimento Administrativo Disciplinar nº 135.275/2019, aplicou ao Juiz a sanção de censura.

2. Imputação de infringência às disposições previstas no art. 35, incisos I, VI e VII, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, em razão (i) da inobservância do dever de assiduidade; (ii) da omissão quanto à suposta prática de advocacia irregular pelo assistente judiciário; e (iii) da falta de comunicação ao Tribunal de Justiça sobre o exercício da atividade de docência.

3. Contrariedade à lei ou às evidências dos autos não caracterizada.

4. Dosimetria adequada. O acórdão prolatado no julgamento do PAD encontra-se em perfeita harmonia com a evidência dos autos, não configurando hipótese de aplicação do art. 83 do RICNJ.

5. Utilização da excepcional como sucedâneo de recurso administrativo, o que é incabível de acordo com a jurisprudência pacífica deste Conselho.

6. O Conselho Nacional de Justiça não é instância recursal ordinária dos julgamentos de natureza disciplinar realizados pelos tribunais.

7. Revisão disciplinar julgada improcedente.

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, julgou improcedente o pedido, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário Virtual, 16 de dezembro de 2022. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho (Relator), Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: REVISÃO DISCIPLINAR - 0001145-52.2022.2.00.0000
Requerente: JOAO MARIO ESTEVAM DA SILVA
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO - TJSP


RELATÓRIO


Trata-se de pedido de revisão disciplinar requerido ao Conselho Nacional de Justiça pelo Juiz João Mário Estevam da Silva, titular da 2ª Vara Cível de Caraguatatuba/SP à época dos fatos, para reexame da decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, nos autos do Procedimento Administrativo Disciplinar nº 135.275/2019, aplicou-lhe a sanção de censura.

 Para tanto, na sessão realizada em 15/12/2021, o Órgão Especial da Corte Estadual afastou algumas condutas inicialmente imputadas ao magistrado na portaria de instauração do feito disciplinar. Considerou, porém, ter sido comprovada a infringência às disposições previstas no art. 35, incisos I, VI e VII, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, em razão (i) da inobservância do dever de assiduidade; (ii) da omissão quanto à suposta prática de advocacia irregular pelo assistente judiciário; e (iii) da falta de comunicação ao Tribunal de Justiça sobre o exercício da atividade de docência. 

Eis a ementa do acórdão que se pretende rever:

JUIZ DE DIREITO - PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR - PORTARIA INAUGURAL Nº 110/2021 - IMPUTAÇÕES QUE ENVOLVEM O DESCUMPRIMENTO DOS DEVERES PREVISTOS NO ART. 35, INCISOS I, IV, VI, VII E VIII DA LEI ORGÂNICA DA MAGISTRATURA, ASSIM COMO NOS ARTIGOS 1º, 3º, 4º, 22, 24 E 39 DO CÓDIGO DE ÉTICA ESTABELECIDO PELA RESOLUÇÃO 60/2008 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - ANÁLISE DA PROVA QUE REVELA CONDUTA DEFICITÁRIA DO MAGISTRADO - MUDANÇA DE COMPORTAMENTO, APÓS REMOÇÃO PARA OUTRA VARA, QUE NÃO SE MOSTRA HÁBIL PARA ELIDIR SANÇÃO DISCIPLINAR POR FALTA ANTERIOR, TUDO A RECOMENDAR A IMPOSIÇÃO DA PENALIDADE DE CENSURA, REPRIMENDA QUE TRADUZ RESPOSTA SUFICIENTE AO PROCEDIMENTO INCORRETO POR PARTE DO MAGISTRADO - VIOLAÇÃO AO ARTIGO 35, INCISOS I, VI e VII, DA LEI ORGÂNICA DA MAGISTRATURA NACIONAL (LEI COMPLEMENTAR Nº 35/79) - PROCEDÊNCIA PARCIAL DA PORTARIA INAUGURAL. Os fatos que deram azo à instauração deste procedimento disciplinar se subsumem às hipóteses de descumprimento de deveres inerentes ao cargo, justificando-se a imposição da pena de censura, reprimenda que traduz resposta suficiente ao procedimento incorreto por parte do magistrado (artigo 44 da LOMAN). Sob as luzes do princípio da proporcionalidade, considerada a carga retributiva da sanção, aliada à finalidade preventiva de novos desvios e o grau de reprovação das ações combatidas, tem-se por adequada, na hipótese, a penalidade imposta.

 

Nas razões revisionais, o magistrado fundamentou seu pedido no inciso I do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça pois, segundo seu entendimento, a decisão condenatória foi de encontro às evidências dos autos e à legislação de regência, de modo a autorizar a modificação das conclusões exaradas pelo órgão censor local.

Sobre a imputação de inassiduidade, sustentou a inexistência de processos em atraso em suas planilhas de movimento judiciário e de reclamações formuladas por partes, advogados ou servidores acerca da suposta ausência nas rotinas diárias de trabalho.

Aduziu que dedicava alguns poucos dias da semana para exclusivamente examinar processos físicos mais complexos e antigos, oportunidade em que permanecia em seu gabinete para melhor manuseio dos autos e utilizava o próprio notebook, fazendo-o sem acesso ao Sistema E-SAJ, o que não implica em ausência às dependências do Fórum durante o expediente.

Sobre os acessos externos constatados pela equipe do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, afirmou que, apesar de estar presente no gabinete, acessava o sistema por conexão de internet via modem, disponibilizada pela Corte Estadual, e que apenas uma testemunha, na contramão das declarações de tantas outras, imputou-lhe inassiduidade.

Para corroborar a alegação defensiva, elencou uma série de processos cujas sentenças foram prolatadas nas datas em que o Relatório GTJud apontou falta de acesso ou acesso externo do magistrado ao sistema.

Asseverou que suas ausências sempre foram comunicadas à Presidência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e aos colaboradores que com ele trabalhavam, sempre indicando o nome do juiz que o substituiria.

Obtemperou sobre sua produtividade, destacando que até mesmo a testemunha arrolada pela acusação reconheceu a excelência do trabalho desenvolvido na unidade judiciária.

Sobre a suposta omissão quanto à prática de advocacia pelo assistente judiciário, defendeu que somente em 16/12/2020 teve ciência dos depoimentos nos quais se imputava tal conduta ao servidor e, diante disso, em 26/2/2021 - apenas 18 dias após, se considerado o recesso forense -, editou a portaria inaugural para apuração dos fatos.

Registrou, ainda, que no âmbito da investigação disciplinar, a Corregedoria-Geral da Justiça absolveu o servidor Luís Guilherme Sandoval, “por não reconhecer qualquer infração funcional praticada.”

No tocante à imputação de exercício de atividade docente sem comunicação à Corte Estadual, narrou ter se afastado das aulas na instituição universitária em outubro de 2019, em virtude de problemas de saúde, e formalizado o pedido de rescisão contratual em dezembro daquele ano, sendo o desligamento concluído em 17/3/2020.

Quanto às palestras ministradas, as quais foram organizadas pela Prefeitura de Caraguatatuba, asseverou que todas foram amplamente divulgadas; contaram com a participação da população e da comunidade jurídica; não foram remuneradas; e tinham por objeto questões jurídicas e multidisciplinares de altíssima relevância.

Destacou que a participação como palestrante não trouxe qualquer prejuízo à eficiência de sua prestação jurisdicional, sem que se possa caracterizar violação ao disposto na Resolução nº 34/2007, com as alterações promovidas pela Resolução nº 226/2016, ambas do Conselho Nacional de Justiça. Acrescentou não ter sido considerada pelo órgão censor local a superveniência da Resolução CNJ nº 373/2021, que alterou o art. 4º-A da Resolução CNJ nº 34/2007, passando a não ser exigível a comunicação ao Tribunal da participação de magistrados na condição de palestrante. Nessa perspectiva, considera necessário o reconhecimento do instituto da abolitio criminis, a atrair em seu favor a reformatio in mellius.

Por fim, sustentou a inadequação e a desproporcionalidade da pena que lhe fora aplicada, pois imposta em descompasso com o cenário fático-probatório trazido aos autos.

Requereu, assim, sua absolvição por inexistência de fato ou, subsidiariamente, por ausência de provas. Pugnou, ainda, em caso de entendimento diverso, “na hipótese de manutenção da penalidade de censura ou sua substituição pela penalidade de advertência, sejam tais penalidades afastadas em decorrência do período de cumprimento do indevido e desproporcional afastamento cautelar que acarretou ao magistrado grave prejuízo à sua atuação funcional, histórico e imagem institucionais, bem como prejuízo em seu estado de saúde já que determinado enquanto vigente regular licença saúde.”

Instado a se manifestar, o Ministério Público Federal requereu a juntada de cópia integral do Procedimento Administrativo Disciplinar nº 135.275/20198, sendo tal diligência cumprida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Encerrada a instrução, o Parquet apresenta manifestação no sentido de que a pena merece revisão.

O requerente, apesar de intimado, não apresentou alegações finais. 

É o relatório.

 

 

 


 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: REVISÃO DISCIPLINAR - 0001145-52.2022.2.00.0000
Requerente: JOAO MARIO ESTEVAM DA SILVA
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO - TJSP

 


2.     FUNDAMENTAÇÃO

O EXMO. SR. CONSELHEIRO LUIZ PHILIPPE VIEIRA DE MELLO FILHO (RELATOR):


O artigo 83 do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça, ao regulamentar o artigo 103-B, § 4º, V, da Constituição Federal, prescreve as hipóteses taxativas de cabimento da revisão de processos disciplinares em desfavor de magistrados: (i) decisão contrária a texto expresso da lei, à evidência dos autos ou a ato normativo do CNJ; (ii) decisão que se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos; ou (iii) quando, após a decisão, surgirem fatos novos ou novas provas ou circunstâncias que determinem ou autorizem modificação da decisão proferida pelo órgão de origem. 

Admito a presente revisão sob a hipótese do inciso I do mencionado dispositivo, mas não verifico sua ocorrência de fato

Na situação sob análise, o Órgão Especial do Tribunal de São Paulo julgou procedente o Procedimento Administrativo Disciplinar nº 135.275/2019 em 15/12/2021, com a imposição da pena de censura ao Juiz João Mário Estevam da Silva, em razão da prática das seguintes condutas: (i) inobservância do dever de assiduidade; (ii) omissão quanto à suposta prática de advocacia irregular pelo assistente judiciário; e (iii) falta de comunicação ao Tribunal de Justiça sobre o exercício da atividade de docência.

O voto do relator concluiu pela imposição da pena de censura, nos seguintes termos (ID 4631527):

Na hipótese, tenho para mim que os atos praticados pelo Juiz representado não o tornam incompatível para o desempenho do cargo; em outras palavras, não obstante o cometimento de infrações com certo grau de reprovabilidade sua postura não se mostra inconciliável com a continuidade da atividade jurisdicional, mesmo porque encontra-se atualmente exercendo a judicatura na Comarca da Capital, ou seja, afastado do ambiente problemático e conflituoso da Comarca de Caraguatatuba, inexistindo notícias de que não venha atuando de forma condizente com a carreira que abraçou. As condutas praticadas - dever de assiduidade, omissão quanto à suposta prática de advocacia irregular pelo assistente judiciário e falta de comunicação de docência - não ensejam a pena branda da advertência, pois não traduziram mera omissão ou negligência. 

A esse propósito, vale lembrar que o Conselho Nacional de Justiça já deixou pontificado que a pena de advertência reserva-se a atos meramente omissivos, caracterizadores de conduta negligente (Revisão Disciplinar nº 0005987-22.2015.2.00.0000, Relator Conselheiro Valdetário Andrade Monteiro, julgado em 25/04/2018; Revisão Disciplinar nº 0004605-91.2015.2.00.0000, Relator Conselheiro Carlos Levenhagen, julgado em 13/12/2016).

Os atos praticados se subsumem às hipóteses de descumprimento dos deveres do cargo e procedimento incorreto, justificando-se, a meu ver, a imposição da pena de censura, reprimenda que traduz resposta suficiente ao procedimento incorreto por parte do magistrado (artigo 44 da LOMAN e art. 3º, § 2º, da Resolução nº 135/2011 do CNJ). Melhor explicitando. Sob as luzes do princípio da proporcionalidade, considerada a carga retributiva da sanção, aliada à finalidade preventiva de novos desvios e o grau de reprovação das ações combatidas, tenho por adequada, na hipótese, a penalidade alvitrada.

 

Passo a avaliar as conclusões do voto impugnado em cada uma das condutas imputadas ao magistrado autor.

 1. Falta de assiduidade.

No tocante à assiduidade, um relatório do sistema processual acusou apenas 4 acessos do magistrado em mais de 1 ano, entre abril de 2018 e agosto de 2019.

A defesa alega, diante desse dado, que o magistrado estava trabalhando em autos físicos, e por isso não precisaria acessar o sistema como outros juízes. 

Contudo, consoante destacado pelo então Corregedor-Geral da Justiça por ocasião da instauração do procedimento administrativo disciplinar, “não é crível que em todas aquelas datas o MM. Juiz trabalhou integralmente fora do sistema. Diariamente, numa Vara cumulativa e de expressivo movimento como aquela em que judicava o Magistrado, inúmeros processos digitais são levados à fila do Juízo para diversos fins, como despachos de andamento, pedidos de tutela de urgência a exigir pronto exame, assinatura de ofícios e precatórias, sendo de rigor, portanto, o acesso ao sistema”. 

É preciso considerar o conjunto probatório a respeito da assiduidade do magistrado. A falta de acesso ao sistema se alia ao depoimento da escrevente técnico judiciária Renata Freitas Pesci, que trabalhou na sala com o representado, e também confirmou a imputação em seu depoimento. Transcrevo parte de seu depoimento, extraído do acórdão impugnado:

“JUIZ: Lá, naquela fase preliminar, você disse o seguinte: ‘Alguns dias, ele comunicava estar trabalhando em home office, quando a gente precisava entrar em comunicação com ele, ele nos atendia ou quando ele precisava de alguma coisa, ele entrava em comunicação com a gente, era assim, não sei te dizer quanto à frequência, aconteceu algumas vezes, não diria comum, diariamente, semanalmente, mas aconteceram bastantes vezes de ele comunicar que ia trabalhar de home office e falar que, qualquer coisa, para a gente entrar em contato com ele, quando era preciso, ele atendia, era assim’; você ratifica isso daqui?

DEPOENTE: Sim.

JUIZ: Era, basicamente, assim que funcionava?

DEPOENTE: É” (cf. fl. 1.421).

Além disso, os representantes indicaram diversas ausências do magistrado, em dias de expediente normais, sem que fosse publicada concessão de faltas abonadas ou compensadas: 23/4/18, 27/4/18, 4/5/18, 15/6/18, 21/6/18 ,12/7/18, 13/7/18, 26/7/18, 27/7/18, 11/01/19, 14/01/19, 16/01/19, 18//2/19, 26/3/19 e 5/8/19. Essas ausências não foram justificadas pelo requerente.

Acrescente-se que alguns magistrados afirmaram terem sido procurados por advogados precisando despachar, pois não teriam conseguido encontrar o requerente desta REVDIS. Vejamos um trecho do depoimento de um juiz da mesma localidade (ID4694648, p. 61):

DEPOENTE: O que eu posso dizer da questão de presença no fórum é, como eu sou juiz criminal, eu acabo indo todos os dias no fórum para fazer as audiências e, por vezes, realmente eu não via o carro dele. Por vezes vinha advogados querendo falar com a gente e falavam que ele não estava lá, para querer despachar e algo do tipo. Isso daí realmente, mas eu não sei se era toda semana, se era uma vez por semana, isso daí eu não fico controlando o que cada colega faz. 

Todas essas evidências já justificam largamente e isoladamente a penalidade aplicada. Mas as irregularidades ultrapassaram a falta de assiduidade, como veremos.


2. Omissão quanto à suposta prática de advocacia irregular pelo assistente judiciário

Os representantes do PAD originário informaram que o assistente do magistrado, Luís Guilherme Sandoval, comparecia à serventia do Juizado Especial Cível para acompanhar o andamento processual de ações movidas contra a Fazenda Pública por outros servidores, cujas petições iniciais teriam sido por ele elaboradas, cobrando o valor de correspondente a 10% pelo serviço prestado.  

É disso que cuida o item ii das condutas examinadas: omissão quanto à advocacia irregular do servidor subordinado ao magistrado.

Aqui, importa destacar que a representação contra o servidor foi protocolada em 21/10/2019 e, em 27/2/2020, ao ser intimado para apresentar informações, o magistrado tomou conhecimento dos fatos. Ou seja, o juiz deixou de tomar providências por um ano, pois a portaria para a investigação dos fatos só foi instaurada em 26/2/2021. Restou provado, portanto, que o magistrado negligenciou o dever de exercer assídua fiscalização sobre seu subordinado (Lei Orgânica da Magistratura no artigo 35, inciso VII).

Como afirmado pelo parecer do MPF nestes autos, o fato de não ter sido aplicada qualquer penalidade ao servidor não tem relevância neste caso, pois o que se evidenciou foi a omissão do juiz em dar encaminhamento às notícias que chegaram ao seu conhecimento imediatamente.

3. Exercício de atividade docente sem comunicação ao Tribunal de Justiça

O acórdão impugnado reconheceu que o magistrado, tardiamente, comunicou a docência relativa ao segundo semestre de 2019. Mas, não o fez com relação ao ano de 2020. Extraiu-se do ofício do Módulo Centro Universitário que o juiz requerente, em tese, ministrou aulas naquela Instituição até 17 de março de 2020. 

Assim, com relação ao item iii - falta de comunicação ao Tribunal de Justiça sobre o exercício da atividade de docência - importa reconhecer que o magistrado não tomou as providências exigidas no art. 4º-A, § 1º da Resolução CNJ nº 226/2016, vigente à época dos fatos, nos seguintes termos:

Art. 4º-A

A participação de magistrados na condição de palestrante, conferencista, presidente de mesa, moderador, debatedor ou membro de comissão organizadora, inclusive nos termos do art. 4º da Resolução CNJ 170/2013, é considerada atividade docente, para os fins desta Resolução. § 1º A participação nos eventos mencionados no caput deste artigo deverá ser informada ao órgão competente do Tribunal respectivo em até 30 (trinta) dias após sua realização, mediante a inserção em sistema eletrônico próprio, no qual deverão ser indicados a data, o tema, o local e a entidade promotora do evento. 

A superação normativa pela edição da Resolução CNJ 373/2021, que excluiu a atividade de palestrante do rol daquelas que obrigatoriamente devem ser comunicadas ao Tribunal de Justiça, tampouco impressiona, já que à época dos fatos o magistrado tinha a obrigação acima transcrita, mas não a observou

Portanto, não se observa, no caso em análise, a aplicação de uma pena desarrazoada, desvinculada do que foi provado nos autos

O juiz foi apenado com censura, nos termos da Resolução CNJ nº135/2011, que assim prevê:

Art. 4º. O Magistrado negligente, no cumprimento dos deveres do cargo, está sujeito à pena de advertência. Na reiteração e nos casos de procedimento incorreto, a pena será de censura, caso a infração não justificar punição mais grave.

Considerou-se tanto a negligência do magistrado como o procedimento incorreto acima descritos, reputando-se a pena de advertência insuficiente para a reprovação das condutas conjuntamente consideradas. Nada se pode dizer sobre a dosimetria promovida originariamente, razão pela qual a intervenção do CNJ se revela inoportuna e indevida, conforme orientam vários julgados do CNJ. 

O MPF manifestou-se pela redução da pena para advertência, com o reconhecimento da sua prescrição, nos seguintes termos: 

45. Ocorre que, sem mitigar a prática de infração funcional pelo magistrado, é necessário reconhecer que os atos faltosos corresponderam a uma negligência pontual no cumprimento dos deveres do cargo e que, consoante reconhecido pelo órgão censor local, não foram trazidas aos autos notícias de reiteração do comportamento inadequado na atual unidade em que se encontra lotado.

46. À luz desta perspectiva, e tendo por norte os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, mostra-se adequada a imposição da penalidade de advertência, com fulcro no art. 42, inciso I, da Lei Orgânica da Magistratura, e no art. 4º, primeira parte, da Resolução CNJ nº 135/2011.

(...)

54. Conclui-se, assim, considerando tão somente os fatos sobre os quais a Corte Estadual reconheceu a culpabilidade do magistrado, que a aplicação da pena de censura mostrou-se desproporcional ao agir penalizado, pois tratou-se de negligência pontual no cumprimento dos deveres do cargo, a desafiar a imposição da sanção de advertência, nos termos do disposto no art. 4º, da Resolução nº 135/2011 do CNJ e no art. 42, inciso I, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional. 55. Contudo, a aplicação da aludida sanção encontra-se prejudicada, em virtude do decurso do prazo prescricional. 

(...)

58. Na situação sob exame, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo determinou a instauração do procedimento administrativo disciplinar na sessão de julgamento ocorrida em 17/3/202123, interrompendo-se nessa data a contagem do prazo prescricional.

59. Em 5/8/2021 - 141º dia seguido à instauração do procedimento administrativo disciplinar – o fluxo prescricional foi retomado. Logo, acrescentando-se 180 dias à data em que a contagem do prazo foi reiniciada, consumou-se a prescrição pela pena em concreto em 1º/2/2022.

60. Assim, apesar de comprovada a prática de infração funcional pelo Juiz João Mário Estevam da Silva, a consumação da prescrição no âmbito administrativo apresenta óbice intransponível à aplicação da sanção adequada e proporcional.

 

Com a máxima vênia, essa proposta do Parquet não merece acolhida, já que a avaliação do Tribunal requerido não se mostra desvinculada das provas coletadas na instrução do feito originário. Diante disso, importa reconhecer a improcedência desta REVDIS, em vista dos precedentes que indicam não ser o CNJ instância recursal das decisões disciplinares proferidas nos Tribunais, como se extrai das seguintes ementas: 

 

REVISÃO DISCIPLINAR. APLICAÇÃO DE PENA DE CENSURA PELO TRIBUNAL. CONTRARIEDADE COM A EVIDÊNCIA DOS AUTOS. NÃO COMPROVAÇÃO. NULIDADES. NÃO COMPROVAÇÃO. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. APRESENTAÇÃO DE REVISÃO DISCIPLINAR COMO SUCEDÂNEO DE RECURSO ADMINISTRATIVO. IMPOSSIBILIDADE. ENTENDIMENTO PACÍFICO DO CNJ. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.

1. O magistrado foi punido com a pena de censura pelo TRT da 2ª Região por ter enviado uma mensagem, endereçada a todos os juízes participantes de um grupo de discussão da AMATRA-SP, referindo-se ao Corregedor-Geral da Justiça do Trabalho com frases ofensivas, jocosas e de baixo calão.

2. Os elementos contidos nos autos do PAD são robustos em demonstrar a autoria e a materialidade da infração disciplinar cometida pelo magistrado.

3. Conforme demonstrado no acórdão prolatado, não há falar em violação ao princípio constitucional do sigilo de correspondência e das comunicações (art. 5º, XII da CF/88). 

4. O acórdão prolatado no julgamento do PAD encontra-se em perfeita harmonia com a evidência dos autos, não configurando hipótese de aplicação do art. 83 do RICNJ.

5. Não foi constatada a ocorrência de irregularidade processual e/ou nulidade no julgamento do PAD, tampouco a comprovação de qualquer prejuízo.

6. O reconhecimento da nulidade exige a comprovação do prejuízo, de acordo com o princípio do pas de nullité sans grief, o que não ocorreu na espécie.

7. O requerente utilizou a excepcional via da revisão disciplinar como sucedâneo de recurso administrativo, o que é incabível de acordo com a jurisprudência pacífica deste Conselho.

8. O Conselho Nacional de Justiça não é instância recursal ordinária dos julgamentos de natureza disciplinar realizados pelos tribunais.

9. Revisão disciplinar julgada improcedente.(CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0003262-89.2017.2.00.0000 - Rel. LUIZ FERNANDO BANDEIRA DE MELLO - 100ª Sessão Virtual - julgado em 25/02/2022 ).

 

REVISÃO DISCIPLINAR. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. HIPÓTESE DE CABIMENTO. ARTIGO 83 DO REGIMENTO INTERNO DO CNJ. ALEGAÇÃO DE CONTRARIEDADE ÀS EVIDÊNCIAS DOS AUTOS. INOCORRÊNCIA. ALEGAÇÃO DE SUSPEIÇÃO DE MAGISTRADA. QUESTÃO JUDICIALIZADA. IMPROCEDÊNCIA.

1. O entendimento recente do Plenário deste Conselho sobre do conhecimento da Revisão Disciplinar é no sentido da necessidade de analisar apenas o prazo constitucional de um ano e a indicação, em tese, feita pela parte, de umas das hipóteses previstas no artigo 83 do Regimento Interno do CNJ.

2. Verifica-se que as mesmas alegações de suspeição e de impedimento da magistrada submetidas à Corregedoria local e ao Órgão Pleno do Tribunal foram analisadas e indeferidas por decisão de cunho jurisdicional.
3. A pretensão deduzida é meramente recursal, com o intuito de o CNJ reavaliar o julgamento realizado pelo e. TJRS. No entanto, a jurisprudência deste Conselho é no sentido de não admitir RevDis como sucedâneo recursal.

4. Pedidos julgados improcedentes. (CNJ. Revdis 0002909-44.2020.2.00.0000. Rel. Cons. MARCOS VINÍCIUS JARDIM RODRIGUES. j. em 19 mar. 2021) (g. n.)

 

Pelo exposto, voto pelo conhecimento e improcedência da presente revisão disciplinar. 

Brasília, data registrada no sistema. 

 

Ministro LUIZ PHILIPPE VIEIRA DE MELLO FILHO

Conselheiro Relator 

 

 

GMLPVMF/2