Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0007474-17.2021.2.00.0000
Requerente: LUIZ CARLOS BATISTA
Requerido: DOUGLAS DEMONER FIGUEIREDO e outros

 


 

RECURSO ADMINISTRATIVO. PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. PRETENSÃO DE REVISÃO DE ATOS JURISDICIONAIS. ART. 103-B, § 4º, DA CRFB/1988. NÃO CABIMENTO.

1. Recurso administrativo contra decisão que não conheceu do pedido em razão da natureza jurisdicional da matéria.

2. O CNJ, cuja competência está restrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não pode intervir em decisão judicial para corrigir eventual vício, porquanto a matéria não se insere em nenhuma das atribuições previstas no art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal. Precedentes.

3. A apreciação de conduta de magistrado no exercício da atividade jurisdicional é excepcionalíssima e depende da presença de indícios suficientes da prática de infração disciplinar, sob pena de esvaziamento de sua independência funcional (art. 41 da LOMAN).

4. A simples insatisfação com o resultado de decisões judiciais não enseja a atuação do CNJ, devendo o interessado valer-se dos meios processuais adequados para impugná-las.

5. Recurso conhecido e desprovido

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário Virtual, 12 de agosto de 2022. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene (Relatora), Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0007474-17.2021.2.00.0000
Requerente: LUIZ CARLOS BATISTA
Requerido: DOUGLAS DEMONER FIGUEIREDO e outros




 

RELATÓRIO

 

Trata-se de recurso administrativo, em sede de Procedimento de Controle Administrativo (PCA), interposto por LUIZ CARLOS BATISTA contra decisão monocrática que não conheceu do pedido e determinou o arquivamento do feito (Id. 4508998).

Em sua petição inicial o requerente alega, em resumo, ter ocorrido descumprimento de deveres funcionais por parte dos Juízes de Direito ADRIANA COSTA DE OLIVEIRA e DOUGLAS DEMONER FIGUEIREDO na condução da Ação Penal n. 0004912-09.2018.8.08.0035, em trâmite na 3ª Vara Criminal de Vila Velha/ES.

Peço vênia para transcrever o relatório da decisão recorrida, que bem resume a postulação (Id. 4508998):

 

“I – Trata-se de “Reclamação Disciplinar”, com pedido de concessão de medida urgente, autuada como Procedimento de Controle Administrativo pelo advogado Luiz Carlos Batista, em face dos(as) magistrados(as) Adriana Costa de Oliveira e Douglas Demoner Figueiredo, da 3ª Vara Criminal de Vila Velha/ES. 

Sustenta o peticionante, em breve síntese, ter ocorrido suposto descumprimento de deveres funcionais dos requeridos no processamento da ação penal nº 0004912-09.2018.8.08.0035, em trâmite naquela unidade. 

Insurge-se contra decisão proferida na citada Vara, em que não teriam sido conhecidos embargos de declaração opostos, nos quais foram apontadas alegadas omissão e contradição em decisum de indeferimento de pleito para que o mencionado processo penal fosse “chamado à ordem”. 

Afirma a prática de diversas faltas pelo magistrado e pela magistrada referidos(as), que revelariam ”corporativismo, abuso de poder e arbítrio” (Id. 4499030, fl. 7). Aduz ser necessária a regularização da marcha processual, para apreciação de (I) inconsistência do relatório do Delegado da Polícia Civil local; (II) plágio ocorrido na manifestação do Ministério Público; e (III) atipicidade da conduta atribuída ao ora requerente e da decadência do direito de queixa do ofendido (Id. 4499030, fl. 50).

 Aponta, ainda, descumprimento de deveres funcionais por parte do Promotor de Justiça Gustavo Padilha Rosa e da Promotora de Justiça Moema Giuberti, que, no seu entender, “deveria(m) ter feito uso da palavra para coibir a hipótese de abuso de poder e arbítrio da juíza de direito”. 

Discorre a respeito do princípio constitucional da imparcialidade da magistratura, bem como sobre os deveres insertos na LOMAN. De acordo com o requerente, teria a magistrada requerida decidido de forma não fundamentada “a impugnação do fracionamento da audiência de instrução e julgamento”, descumprindo, assim, seus deveres funcionais (Id. 4499030, fl. 64). Nesse contexto, requer a procedência dos pedidos para (Id. 4499030, fl. 68):

DEFERIR o pedido de “LIMINAR” para “SUSPENDER” até o trânsito em julgado da Reclamação Disciplinar: os “EFEITOS” do recebimento da denúncia (fls. 2 e 3), e a rerratificação (fls. 423 e 423-verso), subscrita e assinada pelo promotor de justiça doutor MARCELLO SOUZA QUEIROZ; e promoção (fls.520 a 536); parecer (fls. 811 a 812); e contrarrazões (fls.849 e 849-verso), subscritos e assinados pela promotora de justiça doutora MOEMA GIUBERTI; e da audiência (fls. 622 e 623) da “INÉRCIA” de intervir no fracionamento do promotor de justiça doutor GUSTAVO PADILHA ROSA; e da r. decisão dos declaratórios do juiz de direito doutor DOUGLAS DEMONER FIGUEIREDO; atos da juíza de direito doutora ADRIANA COSTA DE OLIVEIRA; a tramitação da ação penal pública, processo nº 0004912- 09.2018.8.08.0035, tramitando na 3ª Vara Criminal do Juízo de Vila Velha-ES; e o IMPEDIMENTO dos promotores e juízes de manifestar nos autos respectivos; a rigor do art. 43, VIII, da Resolução nº 92, de 13 de março de 2013; e Resolução nº 135, CNJ.

Quanto ao mérito, pede seja esta “Reclamação Disciplinar” julgada procedente, para corrigir o que entende como faltas funcionais e “ANULAR todos os atos praticados na ação penal pública, processo nº 0004912- 09.2018.8.08.0035, tramitando na 3ª Vara Criminal do Juízo de Vila Velha-ES”. É o relatório.”

 

Ao analisar o pedido, a então Conselheira Relatora Ivana Farina Navarrete Pena entendeu que a irresignação do requerente se relacionava à matéria de natureza jurisdicional, o que impede a atuação deste Conselho, nos termos do art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal.

 Em suas razões recursais, o requerente se limita, quanto à questão de fundo, a reproduzir os argumentos anteriormente expostos na petição inicial.

Por fim, sustenta a necessidade de reforma da decisão recorrida ao argumenta de que o entendimento “colide com a própria jurisprudência recentíssima do plenário do CNJ-DF, nos autos da reclamação disciplinar, processo n. 0007737-83.2020.2.00.0000, da relatoria do conselheiro ministro presidente do CNJ-DF, doutor Luiz Fux; que deferiu liminar para suspender os efeitos de r. decisão, fundamentada na ‘segunda parte’ do artigo 103-B, §§ 4º e 5º, I, CF 1988”.

O feito foi redistribuído à minha relatoria em razão da vacância da cadeira ocupada pela então Conselheira Relatora Ivana Farina Navarrete Pena, nos termos do art. 45-A, § 2º, do Regimento Interno.

O prazo concedido aos recorridos para contrarrazões transcorreu in albis.

No despacho de Id. 4620609, determinei o encaminhamento do feito à Corregedoria Nacional de Justiça para avaliação da pertinência da reautuação do feito como Reclamação Disciplinar.

A eminente Ministra Corregedora Maria Thereza de Assis Moura manifestou-se sob o Id 4624025.

É o relatório.

 

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0007474-17.2021.2.00.0000
Requerente: LUIZ CARLOS BATISTA
Requerido: DOUGLAS DEMONER FIGUEIREDO e outros

 


VOTO

 

Conforme relatado, os autos foram encaminhados à Corregedoria Nacional de Justiça para avaliação da pertinência da reautuação do feito como Reclamação Disciplinar.

Na ocasião, entendi prudente consultar a Corregedoria porque, embora tenha sido autuada como Procedimento de Controle Administrativo (PCA), a petição inicial possui, em grande medida, conteúdo de Reclamação Disciplinar (RD).

Ao manifestar-se sobre a questão, a eminente Ministra Corregedora consignou o que se segue:

 

(...) Analisando os autos, nota-se que o expediente foi processado como PCA, tendo sido proferida decisão de arquivamento em 13/10/2021, no Id 4508998, estando atualmente em fase recursal, com Recurso Administrativo interposto no Id 4514580.

Desse modo, considerando que não há hipótese de substituição de relatoria nesta etapa, estando o feito já decidido, entendo que o processo deve se manter sob a relatoria da eminente Conselheira.

Todavia, se eventualmente, a atual relatora concluir que a matéria era de atribuição da Corregedoria Nacional, poderá, se for o caso, invalidar a decisão impugnada e só então, determinar a redistribuição do expediente.

 

De fato, a par de não haver hipótese de substituição de relatoria nesta etapa, a invalidação da decisão monocrática de Id. 4508998 apenas retardaria o deslinde da demanda, em manifesto prejuízo à duração razoável do processo.

Além disso, observo que a processamento do feito como PCA não resultou qualquer prejuízo para as partes, que foram devidamente cientificadas dos atos processuais e tiveram assegurada ampla possibilidade de manifestação.

Dito isso, passo a analisar o pleito recursal.

O recurso interposto atende aos requisitos do art. 115 do Regimento Interno do CNJ, razão pela qual dele conheço.

A decisão monocrática contra a qual se insurge o recorrente não conheceu do pedido, nos seguintes termos (Id. 4508998):

 

II – Nos termos do art. 25, X do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça (RICNJ), os(as) Relatores(as) podem “determinar o arquivamento liminar do processo quando a matéria for flagrantemente estranha às finalidades do CNJ, bem como a pretensão for manifestamente improcedente, despida de elementos mínimos para sua compreensão ou quando ausente interesse geral“.

A análise dos argumentos e dos pedidos constantes da inicial revelam, de plano, que a pretensão deduzida é no sentido de manifesto reexame de decisões proferidas no âmbito jurisdicional, sem nenhum indício de falta disciplinar.

Com efeito, sob a alegação de parcialidade e também de ocorrência de supostos descumprimentos de deveres funcionais por parte de magistrado e magistrada da 3ª Vara Criminal de Vila Velha/ES, o requerente evidencia sua insatisfação com o resultado de decisões judiciais que lhe foram desfavoráveis, para, na sequência, pleitear a nulidade de todos os atos processuais praticados em causa que tramita naquele Juízo.

Convém ressaltar que a Constituição Federal, ao dispor sobre o Conselho Nacional de Justiça, atribuiu ao órgão “o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura“ (art. 103-B, § 4º da CF/88).

Não consta da referida regra constitucional competência para o CNJ rever ou corrigir atos praticados no âmbito jurisdicional. Nesse contexto, a pretensão deduzida é de improcedência manifesta, conforme inúmeros e reiterados julgados do Plenário deste Conselho, que cito exemplificativamente:

 

RECURSO ADMINISTRATIVO. RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. PRETENSÃO DE REVISÃO DE ATO JURISDICIONAL. ART. 103-B, § 4º, DA CF. NÃO CABIMENTO.

1. Os fatos narrados neste expediente referem-se a exame de matéria eminentemente jurisdicional, relacionada ao suposto impedimento/suspeição do desembargador reclamado para julgamento de agravo de instrumento.

2. O Conselho Nacional de Justiça possui competência adstrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não podendo intervir em decisão judicial com o intuito de reformá-la ou invalidá-la. A revisão de ato judicial não se enquadra no âmbito das atribuições do CNJ, nos termos do art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal.

3. Ausência de indícios de que o magistrado reclamado tenha praticado infração disciplinar. 4. Recurso administrativo não provido. (Recurso Administrativo em RD - Reclamação Disciplinar - 0001493- 07.2021.2.00.0000 - Rel. Maria Thereza de Assis Moura - 87ª Sessão Virtual – j. 28/05/2021).

 

RECURSO EM PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. MATÉRIA DE NATUREZA EMINENTEMENTE JURISDICIONAL. AUSÊNCIA DE FATOS NOVOS. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. Na qualidade de órgão superior para controle da atividade administrativa do Poder Judiciário, não cabe a este Conselho se imiscuir em matéria jurisdicional, uma vez que ao CNJ foi atribuída a tarefa de realizar o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário.

2. Eventual pretensão de natureza disciplinar em face de membros do Poder Judiciário deve ser direcionada aos órgãos correcionais competentes, inclusive no próprio tribunal de origem.

3. Recurso que se conhece e nega provimento. (Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo 0008496-81.2019.2.00.0000 - Rel. André Luiz Godinho - 83ª Sessão Virtual – j. em 30/03/2021).

 

Assim, eventuais erros no processamento do feito na origem ou na formulação de juízo sobre as provas e questões jurídicas da causa devem ser impugnados na via recursal adequada, sendo manifestamente incabível a revisão das mencionadas decisões no âmbito administrativo deste Conselho, que não possui competência jurisdicional (ADI 3.367/DF, Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ de 22/09/2006).

Quanto às alegações concernentes a condutas de integrantes do Ministério Público, é assente no entendimento jurisprudencial deste Conselho sua incompetência para atuação, como revela o seguinte julgado do Plenário:

 

RECURSO EM SEDE DE PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA. ABUSO DE AUTORIDADE. MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO. INCOMPETÊNCIA. ART. 130-A DA CONSTITUIÇÃO. NÃO PROVIMENTO.

1. Recurso contra decisão monocrática que não conheceu do pedido constante do expediente, por se tratar de tema não afeto à competência deste Conselho.

2. Eventual descumprimento dos deveres funcionais por parte dos membros do Ministério Público deve ser apurado administrativamente pelo Conselho Nacional do Ministério Público, conforme o artigo 130-A, § 2º, da CF, e na hipótese de prática de crime praticado por promotores de justiça, pela Procuradoria-Geral de Justiça competente.

3. Recurso conhecido, a que se nega o provimento. (Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0007552-50.2017.2.00.0000 - Rel. Iracema do Vale - 267ª Sessão Ordinária – j. em 06/03/2018).

 

Em conclusão, afigura-se manifestamente inviável o conhecimento dos pedidos formulados pela parte em sua peça inaugural, porquanto estranhos às atribuições constitucionais conferidas ao Conselho Nacional de Justiça.

III – Ante o exposto, não conheço do pedido e determino o arquivamento dos autos (art. 25, X do RICNJ), prejudicada a análise da medida liminar. 

 

Devidamente fundamentada a decisão combatida, não vislumbro no recurso fundamento capaz de modificar o entendimento no sentido de que os fatos narrados neste expediente se referem a exame de matéria eminentemente jurisdicional. 

Embora a conduta do magistrado na condução de processos judiciais possa ser excepcionalmente objeto de exame pela via correcional (como no caso da RD n. 0007737-83.2020.2.00.0000, mencionada pelo recorrente), é necessário, para tanto, que se façam presentes indícios suficientes da autoria e da materialidade de infração disciplinar (justa causa), sob pena de esvaziamento da prerrogativa de independência funcional dos juízes.

No presente caso, todavia, o que se verifica é tão-somente a insatisfação do requerente com o resultado de decisões judiciais que lhe foram desfavoráveis. Questões tais como as suscitadas nestes autos, a exemplo da inconsistência do relatório do Delegado da Polícia Civil e da atipicidade da conduta, devem ser impugnadas na via jurisdicional apropriada, não havendo espaço para a intervenção deste Conselho.

Ante o exposto, nego provimento do recurso administrativo e mantenho, por seus próprios fundamentos, a decisão monocrática que não conheceu do pedido.

É como voto.

Intimem-se as partes.

Em seguida, arquivem-se os autos, independentemente de nova conclusão.

 

Brasília, 16 de março de 2022.

 

 

 

Conselheira Salise Monteiro Sanchotene

Relatora