Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: REVISÃO DISCIPLINAR - 0007273-93.2019.2.00.0000
Requerente: DOUGLAS LUCENA MOURA DE MEDEIROS
Requerido: JAILSON SHIZUE SUASSUNA e outros

 

 

 

REVISÃO DISCIPLINAR. TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DA PARAÍBA. TRE/PB. RESOLUÇÃO CNJ N. 135/2011. MAGISTRADO. SENTENÇA. CASSAÇÃO DE MANDATO DE PREFEITO. FLUÊNCIA DO PRAZO RECURSAL. DIÁLOGO TELEFÔNICO COM A PARTE SOBRE A DECISÃO PROFERIDA. GRAVAÇÃO.  ORIENTAÇÃO SOBRE ESTRATÉGIAS RECURSAIS. PAD NÃO INSTAURADO NA ORIGEM. DECISÃO CONTRÁRIA À EVIDÊNCIA DOS AUTOS. ART. 83, I, RICNJ. PROCEDÊNCIA DA REVISÃO DISCIPLINAR. ABERTURA DE PAD.

 

1.    Revisão disciplinar proposta com o objetivo de impugnar decisão tomada pelo Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba que, ao avaliar diálogo realizado entre o magistrado sentenciante e a parte prejudicada, deliberou pela não abertura de PAD.

2.     Presentes os indícios do cometimento de falta funcional, a instauração de processo administrativo disciplinar para apuração dos fatos é medida que se impõe.

3.   A idoneidade da gravação realizada por um dos interlocutores deve ser discutida no curso do processo administrativo disciplinar, assim como eventual perícia nos áudios apresentados.

4.  A suposta orientação do magistrado à parte prejudicada a respeito de estratégias recursais e indicação de fragilidades da sentença proferida revela indícios de falta funcional.

5.    O positivo histórico funcional do juiz deve ser sopesado na dosimetria de eventual penalidade a ser aplicada, não podendo servir de óbice à apuração de fatos incontroversos.

6.     Abertura de PAD. Determinação ao Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba. Art. 88, RICNJ.

7.     Procedência da Revisão Disciplinar.

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, julgou procedente a revisão disciplinar para determinar ao Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba a abertura de processo administrativo disciplinar contra o magistrado, nos termos do voto da Relatora. Votou a Presidente. Ausente, circunstancialmente, o Conselheiro Marcello Terto. Ausente, justificadamente, o Conselheiro Mário Goulart Maia. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário, 4 de outubro de 2022. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Sustentaram oralmente: pelo Requerente, a Advogada Maryjanne Macedo Lucena de Medeiros - OAB/PB 17.508; pela Interessada Associação dos Magistrados Brasileiros - AMB, a Advogada Samara de Oliveira Santos Léda - OAB/DF 23.867; e, pelo Requerido Jailson Shizue Suassuna, o Advogado Eugênio Gonçalves da Nóbrega - OAB/PB 8.028.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: REVISÃO DISCIPLINAR - 0007273-93.2019.2.00.0000
Requerente: DOUGLAS LUCENA MOURA DE MEDEIROS
Requerido: JAILSON SHIZUE SUASSUNA e outros


RELATÓRIO

 

 

Trata-se de Revisão Disciplinar (RevDis) proposta por Douglas Lucena Moura de Medeiros, por meio da qual se insurge contra o arquivamento da Representação n. 9/2017 movida contra o Juiz Jailson Shizue Suassuna, pelo suposto cometimento de falta disciplinar no exercício da função de Juiz Eleitoral da 14ª Zona do Município de Bananeiras/PB.

A parte autora alega ter sofrido cassação do mandato de prefeito da aludida municipalidade por força de sentença proferida pelo magistrado requerido e publicada em 6/11/2017 na Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) n. 1-24.2017.6.15.0014, em trâmite no Tribunal Regional Eleitoral do Estado da Paraíba (TRE/PB).

Informa que realizou ligação telefônica para o aludido magistrado no dia seguinte à publicação da sentença e que, “numa conversa de longos 39 (trinta e nove) minutos, o magistrado introduziu o debate sobre a sentença publicada no dia anterior, indicando argumentos, fragilidades e até mesmo inovações jurídicas presentes na decisão por ele emanada na Ação Eleitoral, com o intuito de reformar a sentença no Tribunal Regional Eleitoral, além de admitir que baseou sua decisão em algo que não está no processo, orientando que os advogados do Impugnado destacassem essa singularidade” (id. 3761800, p. 3).

O diálogo entabulado foi gravado (ids. 3761792 a 3761799).

Aduz o peticionante que formalizou reclamação contra o magistrado na Corregedoria do TRE/PB em 28/11/2017, contudo o Plenário da Corte Eleitoral deliberou pela não abertura de processo disciplinar.

Sustenta que “na sessão de julgamento que decidiu pela não abertura de procedimento administrativo, as teses que embasaram o arquivamento analisaram o caráter do Magistrado, se a prova era ou não lícita, se a atividade jurisdicional havia ou não sido prejudicada, em suma, anteciparam a análise do mérito” (id. 3761800, p. 4).

Afirma que o Ministério Público ingressou, em janeiro de 2018, com ação de improbidade administrativa contra o requerente e, a despeito do trâmite da Reclamação n. 9/2017, o magistrado requerido não se averbou suspeito para presidir o feito (id. 3761800, p. 7).

                Pugna pela abertura de Processo Administrativo Disciplinar com fundamento no art. 83, I, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça, por entender que a decisão do TRE/PB contraria a evidência dos autos (id. 3761800, p. 7).

             O Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba acostou cópia integral da Representação n. 9/2017 (ids. 3800654 a 3801027) e manifestou-se nos autos (id. 3800653), oportunidade em que mencionou: (i) os documentos recebidos na representação; (ii) as providências adotadas diante da referência a membros do Ministério Público e Desembargador; (iii) as alegações do magistrado representado (preliminar e mérito), do Ministério Público e o resultado do julgamento no TRE/PB; e (iv) o desaparecimento de um dos meios de prova e abertura de sindicância para apuração.

O Ministério Público Federal (MPF) aduziu que a conversa telefônica na qual o magistrado explica os motivos da decisão e os pontos de fragilidade passíveis de recurso, antes de ultimado o prazo recursal, “revela-se, no mínimo, incomum” (id. 3995453, p. 6).

Opinou o Parquet pela procedência da revisão disciplinar, ante a presença de indícios do cometimento de falta funcional, por violação, em tese, “dos deveres impostos no art. 35, I e VIII, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional e dos princípios éticos insculpidos nos arts. 1º, 2º, 4º, 5º, 6º, 8º, 15, 16, 24, 25 e 27 do Código de Ética da Magistratura Nacional” (id.  3995453, p. 9).

Em sede de alegações finais o magistrado requerido suscita como preliminar que “a base acusatória é absolutamente espúria (gravação realizada em celular de terceira pessoa, e que foi apagada), seguida do desaparecimento do próprio aparelho onde residia a gravação supostamente original” (id. 4156297, p.3), que não poderá ser periciado, em prejuízo à ampla defesa e ao contraditório.

Sustenta que a representação objetiva “ a criação de um fantasioso cenário e, assim, de forma oblíqua, conseguir a reforma da sentença lançada nos autos de uma AIME” (id. 4156297, p. 5/6). Conta que a sentença “foi desafiada por Embargos Declaratórios, que foram rejeitados, com aplicação de multa. Ainda, houve a interposição do recurso cabível para o Egrégio TRE-PB” (id. 4156297, p. 11).

Afirma que “atendeu a ligação e efetivamente conversou com o autor das declarações” (id. 4156297, p. 7), em virtude do “bom relacionamento institucional entre o Chefe do Poder Executivo e o Juízo Eleitoral” (id. 4156297, p. 6/7), o que não significa “a ratificação ou concordância com a íntegra do áudio ou das transcrições apresentadas” (id. 4156297, p. 7). Acrescenta que “as frases ditas pelo Defendente tinham o único desiderato de – na medida do possível – esclarecer os fundamentos da decisão proferida e já publicada, no sentido de evitar surgimento de inimizades” (id. 4156297, p. 13).

Defende que “a narrativa do pedido revisional não apresentou elementos que pudessem delimitar o elemento subjetivo do dolo” (id. 4156297, p.  23).  Pede a improcedência da pretensão revisional ao argumento de que “os fatos narrados são absolutamente atípicos” (id. 4156297, p.  25).

Devidamente habilitada nos autos (id. 4595259), a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) requereu o indeferimento do pedido de revisão disciplinar. Aduziu, em síntese, o não atendimento dos requisitos do art. 83 do RICNJ nas alegações genéricas da parte autora e do MPF (id. 4181195, p. 6), bem como a ilicitude das provas apresentadas, consistentes em “mensagens e áudios advindos de cópia, uma reprodução, sem qualquer perícia sobre a fonte original” (id. 4181195, p. 8). 

É o relatório.         

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: REVISÃO DISCIPLINAR - 0007273-93.2019.2.00.0000
Requerente: DOUGLAS LUCENA MOURA DE MEDEIROS
Requerido: JAILSON SHIZUE SUASSUNA e outros

 


VOTO

 

A Revisão Disciplinar (RevDis) em comento foi proposta em 25/6/2019 com o objetivo de impugnar a decisão de arquivamento tomada pelo Plenário do Tribunal Regional Eleitoral do Estado da Paraíba (TRE/PB), nos autos da Representação n. 9/2017. O acórdão transitou em julgado em 2/8/2018 (Id. 3801027, p. 20).

A apresentação do pedido de revisão de processo definitivamente julgado há menos de um ano observa o prazo decadencial estabelecido no art. 103-B, § 4°, V, da Constituição Federal c/c art. 82 do Regimento Interno do CNJ. Ademais, suscitou a parte autora a hipótese prevista no art. 83, I, da norma regimental.

Cabe salientar que o peticionamento equivocado no bojo do Pedido de Providências n. 0009493-35.2017.2.00.0000, instaurado para dar cumprimento ao disposto no art. 28 da Resolução CNJ n. 135/2011, não afeta a tempestividade do pedido deduzido, conforme salientado pelo Ministro Humberto Martins, Corregedor Nacional à época:

 

Assim, entendo que o pedido de Revisão Disciplinar proposto pelo reclamante Douglas Lucena Moura de Medeiros, que visa desconstituir o julgamento do Pleno do TRE-PB, deve seguir o trâmite tradicional e regular do RICNJ, tramitando na classe “Revisão Disciplinar”, sendo distribuída a um dos Conselheiros do CNJ.

Ante o exposto, determino que a Secretaria Processual do CNJ i) instaure novo procedimento na classe “Revisão Disciplinar”; ii) traslade para o novo procedimento os documentos contidos no Id. 3674616 e todos os outros contidos na mesma árvore; iii) certifique a data em que foi protocolado o pedido de revisão disciplinar no CNJ; iv) distribua a Revisão Disciplinar a um dos Conselheiros; e, por fim, v) retornem-se os presentes autos ao arquivo.

 

                   (id. 3761782)

 

Portanto, a Revisão Disciplinar deve ser conhecida.

 

Em 4/6/2018 ocorreu o julgamento da Representação n. 9/2017 no TRE/PB. O acórdão prolatado pela Corte Eleitoral restou assim ementado:

 

REPRESENTAÇÃO. JUIZ ELEITORAL. FATOS QUE, EM TESE, CONFIGURAM INFRAÇAO DISCIPLINAR (ART. 35. INCISOS "I" E "VII", DA LEI ORGÂNICA DA MAGISTRATURA NACIONAL). PROPOSTA DE ABERTURA DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR- PAD. NÃO ACOLHIMENTO.

1. Não havendo indícios suficientes da existência de autoria e de materialidade de fatos que, em tese, configuram infrações administrativas, não há que ser instaurado o Processo Administrativo Disciplinar em face de magistrado eleitoral, a teor da Resolução CNJ nº 135/2011.

Não deflagração do procedimento administrativo disciplinar.

(Id. 3801027, p. 7 – grifos originais) 

 

Os principais documentos da Representação em apreço constam dos seguintes localizadores: 

Representação n. 9/2017

(protocolo n. 35.582/2017)

RevDis 0007273-93.2019.2.00.0000 

Termo de declarações – Douglas Lucena Moura de Medeiros (28/11/2017)

Id. 3800655, p. 3/4

Degravação – ligação telefônica

Id. 3800828, p. 14/32

Informações Preliminares - Juiz Jailson Shizue Suassuna

Id. 3800830, p. 1/17

Manifestação – Procuradoria Regional Eleitoral da Paraíba

Id. 3800832, p. 20/32

Acórdão n. 92/2018

j. em: 4/6/2018

Id. 3801027, p. 7/16

Certidão de trânsito em julgado (2/8/2018)

Id. 3801027, p. 20

 

De acordo com o art. 83 do Regimento Interno do CNJ, a Revisão Disciplinar tem pertinência nos seguintes casos: I - quando a decisão for contrária a texto expresso da lei, à evidência dos autos ou a ato normativo do CNJ; II - quando a decisão se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos; III - quando, após a decisão, surgirem fatos novos ou novas provas ou circunstâncias que determinem ou autorizem modificação da decisão proferida pelo órgão de origem.

O exame acurado dos documentos encartados nesta RevDis demonstra que a decisão de arquivamento deve ser modificada, porquanto em descompasso com a evidência dos autos (art. 83, I, RICNJ), como adiante se verá.

Os fatos ocorridos em 7/11/2017 e levados ao conhecimento da Corregedoria do Tribunal Regional Eleitoral em 28/11/2017 consistem em indevido diálogo estabelecido entre o magistrado Jailson Shizue Suassuna, Juiz Eleitoral da 14ª Zona do Município de Bananeiras/PB, com o prefeito do aludido município, Douglas Lucena Moura de Medeiros, a respeito da sentença proferida na Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) n. 1-24.2017.6.15.0014.

Após proferir sentença desfavorável ao réu e ainda no curso do prazo recursal, o magistrado requerido debateu, em prolongada conversa telefônica (aproximadamente 39 minutos), os termos do quanto decidido, além de aconselhar processualmente a parte a respeito de estratégias recursais (g.n):

 

(...)


Id. 3761796

[DR. JAILSON] ...e se... tô pensando, aqui... e se ele for...  rebater empenho por empenho... pra dizer que cada pessoa daquela não foi beneficiada em troca de... bem, isso ai é uma tese. Eu só acho que não é a tese correta pra o recurso. Mas se... mas se você tá assistido por advogado pra rebater empenho por empenho daquele...


(...)


[DR. JAILSON] Não, tudo bem. Se fosse caber, caberia numa ação de improbidade, pra discutir de onde vem a verba, pra discutir se o... se o... como é? Se os empenhos estavam corretos, se tinha assinatura de parecer de... de social, se não tinha... A questão eleitoral não é essa, é isso que eu tô querendo dizer pra vocês. E por isso que eu pedi pra ligar no WhatsApp, porque... dizem aí que os telefones da gente são... são... como é?


[DOUGLAS] Tudo grampeado, né.


[DR. JAILSON] Grampeado... 


[DOUGLAS] O meu com certeza é, o meu com certeza é... Quem tá como gestor do Executivo com certeza vai ter.


[DR. JAILSON] É... então. E principalmente no meu caso, onde tem o Desembargador lá. Quem grampeia são eles, mesmo... entendeu? Mas o que eu queria dizer pra você é justamente isso: que a tese principal... vocês... eu sei que você já tá com advogado, mas eu... eu vejo... a única forma que você tem, ali, de discutir, no TRE, aquela sentença... tem lá... no final da sentença, tem um topicozinho... parece que é "Conclusão".

(...)


[DR. JAILSON] Depois vo... depois você olha... em cima de onde tem, lá, "julgo procedente pra determinar a cassação", antes daquilo, e depois da... da análise quantitativa... tem um topicozinho: “conclusão”. Se você... se você entregar... der uma lida naquele tópico, “conclusão”, aquela parte específica, a meu ver, é onde você tem chance de ganhar o recurso lá no TRE.

(...)


[DR. JAILSON] Já existe há 16 anos. Aí se você for bem ali, a frase mais importante que tem, ali, no... no...  nessa sentença toda, que você pode discutir, que é o que você pode ter alguma chance de derrubá-la, tá lá: “o Programa Social é permitido desde que haja continuidade e pode haver aumento”. Aí, pode haver aumento do programa social, sem problema, só que eu continuo na frase dizendo: "o aumento não pode ser exorbitante". E aí continua, lá, nos negócios, eu justificando a exorbitância do aumento. Não quantitativamente. Lá na conclusão.


[DOUGLAS] Sei... mas é, assim...


[DR. JAILSON] É... é onde eu falo especificamente do ponto eleitoral, porque que eu tô achando que aquilo... houve abuso de poder econômico.


[DOUGLAS] Sei...mas aí o Sr...


[DR. JAILSON] A saída pra você ali é discutir que não houve abuso.  


[DOUGLAS] É...mas... mas na verdade não houve.


 (...)


Id. 3761797

(...)


[DR. JAILSON] Esqueça a inicial. Aquilo não tem nada a ver com a inicial, não. Pelo menos, eu tô dizendo, eu tô entendendo, o que eu quero dizer é o seguinte... você tem advogado, eu só tô querendo... não sei... é uma forma de lhe esclarecer, se é que serve pra você, pra você ver aí com sua banca de advogados... O que eles falaram na inicial, esqueça. Aquilo lá já passou. Não existe, não.


[DOUGLAS] Claro. Agora, eu tenho que combater.


[DR. JAILSON] Se referir à sentença...


[DOUGLAS] A sentença. É claro, é claro.


[DR. JAILSON] E, na sentença, aquele tópico que tá lá, esse que você falou, aí, de "Outras despesas pra Pessoa Física", eu não sei nem se aquilo tá no processo, aqueles dados eu tirei diretamente do site seguindo inclusive orientação da Contestação.


[DOUGLAS] Isso. Agora, por exemplo, quando o Sr. faz uma análise do ano inteiro, o Sr...


[DR. JAILSON] Quem me indicou aquele caminho ali foi você, eu nem sabia que aquilo existia. Quando eu fui pesquisar, eu ainda fiquei com uma dúvida que você, como a gente tá conversando aqui, no privado, eu posso até dizer pra você, a minha dúvida é saber se eu podia colocar aquilo na sentença. Eu coloquei como uma forma de justificativa, porque aquilo não está no processo.


[DOUGLAS] Pois é, é uma inovação, né? Aquilo é uma inovação.


[DR. JAILSON] Então, mas, mas, mas... por que que eu joguei? Porque o site é público e você se referiu na contestação. Eu até pensei que seria o caso de imprimir aquela tela do Sagres e fazer inclusão na sentença, mas eu acho que eu não podia fazer aquilo, porque eu estaria juntando prova. Mas como você se referiu na contestação àquele ponto lá , "Outras doações a Pessoas Físicas", que eu não sabia nem que existia aquele ponto. Quando eu fui analisar aquilo foi que eu extraí aqueles dados lá. Você pode questionar também no recurso é saber se aquilo...


(...)


[DR. JAILSON] Quando você for questionar no recurso, aquilo é um ponto a ser questionado, se aquilo que eu coloquei na sentença poderia tá fazendo fundamentação de sentença.


[DOUGLAS] - É.


[DR. JAILSON] Eu sei que seus advogados... diga pra seus advogados pra ver, porque aquilo não está no processo.


[DOUGLAS] Isso, isso. É... é... como eu lhe disse aquilo é uma inovação... porque não tá no processo, não tá nas alegações finais, não tá na inicial, não tá no parecer.


[DR. JAILSON] Aquilo tá no site do sagres, não é isso?


[DOUGLAS] Isso, isso.


[DR. JAILSON] Então, mas “tava” no site do Sagres e eu só trouxe pra sentença porque você se referiu na contestação.


[DOUGLAS] “Hum-rum”.


[DR. JAILSON] Mas eu não... mas se aquilo poderia estar na fundamentação da sentença ou não, é uma questão a ser discutida e que você deve levar para o TRE.


[DOUGLAS] Claro, claro.


[DR. JAILSON] Entendeu? Então, esse é outro tópico que você pode se referir lá no recurso. Agora, eu ainda entendo que posso, porque o site do Sagres é público. Eu não podia era imprimir os documentos e juntar, porque estaria fazendo prova. Mas eu acho que eu posso me fundamentar naquilo porque o site é público e porque você se referiu na contestação. Mas você pode muito bem dizer que aquilo não está no processo.


[DOUGLAS] É. Verdade. Não, essa era uma das teses que a gente estava levantando aqui, já. É justamente...


[DR. JAILSON] Pronto. Eu acho que as duas coisas discutíveis na sentença, a meu ponto de ver, é isso: se aquilo pode fazer fundamentação de sentença e se houve o abuso exorbitante; porque houve o abuso, houve o aumento da despesa, aumento do percentual de empenhos e tal.


(...)

Id. 3761798

(...)


[DR. JAILSON] Você vai discutir empenho por empenho lá no... no.. no...


[DOUGLAS] Não, não...


[DR. JAILSON] ...porque, obviamente, se eu fosse relator daquilo, é obvio que você vai discutir tão somente os empenhos que lhe interessam, já que você não vai discutir... não sei quantos mil empenhos...


[DOUGLAS] Não, não. Eu vou lhe dizer, se fosse possível, se fosse, assim, juridicamente interessante, eu discutiria empenho por empenho, porque estão corretos, entendeu? (...)


[DR. JAILSON] Hum.


[DOUGLAS] E... e... assim... são... são todos... são todos... na verdade, infelizmente, são todos... eu... eu lhe confesso, ontem eu peguei no processo... é... mais demoradamente e no processo inteiro, e eu peguei pra ficar mais tranquilo, porque eu tava com receio se eu tivesse cometido algum erro, porque aí eu não tinha o direito, como advogado, nasci meus dentes em cartório, tô na vida pública há 13 anos, eu não tinha o direito, agora sem estar errado... aí é que é fogo. Mas tudo bem, vamos ter aí o recurso pra poder mostrar, né.


[DR. JAILSON] Aí é que tá, você... é... é isso que eu quero chegar pra você... que não é... você já entendeu.


[DOUGLAS] Não, eu entendi. Eu entendi, Não é... individualmente, é... o grande foco é se houve abuso, se houve aumento expressivo ou não.


[DR. JAILSON] É... se houve irregularidade em algum desses empenhos ou se não houve, que a promotora jogou como dizendo que houve, que o juiz colocou na sentença como sendo que houve, mas o que é importante é só a... a... o global, entendeu?


[DOUGLAS] Entendi.


[DR. JAILSON] No meu ponto de vista, seria aonde você poderia discutir isso aí num recurso no eleitoral, porque lá a questão é muito técnica, não vai se referir a empenho por empenho.


[DOUGLAS] Não, é... é... eu sei. E eu tenho que focar nisso, porque depois vai pro TSE, aí ninguém vai discutir empenho por empenho, realmente vai discutir a questão... global.


[DR. JAILSON] É... é o normal. Se... se houve... se considerar que o aumento foi exorbitante ou não foi. Que pode ter aumento, pode. É somente. Eu considerei que o aumento exorbitante, lá, pela quantidade de empenhos, mas se você justifica dizendo que aquela quantidade de empenhos tá justificada, dizendo que ali não são beneficiados e tal e tal, então você tem grande chance de discutir aquilo ali.


[DOUGLAS] “Homi”, ou então... ou então modifique a sua sentença no embargo, “homi”! Modifique no embargo. Se eu consegui lhe provar isso, modifique a sentença no embargo!


[DR. JAILSON] (Risadas)


[DOUGLAS] Eu lhe mostro que não são...


[DR. JAILSON] Agora não cabe mais prova não...


[DOUGLAS] É... é... eu lhe mostro que os empenhos não são pessoas, né, que a gente...


[DR. JAILSON] É. Eu não posso reanalisar prova. Quem vai reanalisar prova... isso aí pode ser o TRE... mas eu não posso reanalisar prova de novo, você não pode juntar nova prova agora em embargos...


[DOUGLAS] É...

 

[DR. JAILSON] Entendeu? Não tem...


[DOUGLAS] Mas o Sr. pode entender... no embargo o Sr. pode...


[DR. JAILSON] Mas, inclusive, se eu fosse você eu nem embargava isso.


[DOUGLAS] Não, não. Eu não vou mesmo, não, porque... porque... é... não... não é interessante, se... os... os equívocos da sentença discutir no embargo e aí não vai estar no recurso. Tem que estar no recurso.


[DR. JAILSON] Isso. Não tem, é... é... então era isso...


[DOUGLAS] Tá ok.


[DR. JAILSON] Eu queria só falar, esclarecer pra você, era isso mesmo.


[DOUGLAS] Tá ok. Não, eu agradeço a oportunidade, porque aí, mesmo o Sr. tendo tomado a decisão, eu já... já lhe esclareci que não houve esse equívoco, né. Porque até minha imagem como gestor público, mesmo, que fica em xeque, né, e até... agradeço a oportunidade, porque aí... eu... eu lhe mostrei que não houve.


[DR. JAILSON] A questão foi só essa, que vocês também foram... foram... foram... emitiram na nota aí, que Maryjanne falou, que eu tinha criminalizado os empenhos.


[DOUGLAS] Porque o Sr. Citou... o Sr. citou... não... não... eu não tô levando isso...


[DR. JAILSON] ...isso aí pra o recurso. E o que eu tô querendo faz... lhe dizer é justamente o contrário. Eu tô querendo lhe ajudar no seu recurso. Eu não queria dizer isso diretamente, mas o que eu tô dizendo pra você, o que eu tô fazendo é justamente isso... que o que você vai discutir no seu recurso não é isso, não, não é se empenho foi criminalizado não.


(...)

 

Id. 3761799

(...)


[DR. JAILSON] É, mas... mas... eu disse a ele, como eu tô dizendo a você, espero que você não leve nada pro lado pessoal...


(...)


[DR. JAILSON] O que eu tô lhe dizendo aqui é ponto de vista sobre o recurso.


[DOUGLAS] Não, não. Eu lhe digo com toda sinceridade. A única coisa é que o Sr. equivocou-se, mas... é um direito também seu, né, de... de...


[DR. JAILSON] É! Você tem que dizer isso mesmo! Se você for dizer que eu tô certo...


[DOUGLAS] Aí eu nem recorro...          


[DR. JAILSON] (Risadas) Tá certo.

(...)

(destaquei)

 

 

A realização da chamada telefônica não foi refutada nos autos. O magistrado confirma que “atendeu a ligação e efetivamente conversou com o autor das declarações” (id. 4156297, p. 7), muito embora suscite a ilicitude da gravação e impossibilidade de realização de perícia no aparelho celular realizado para a captação, pois extraviado.

Inicialmente, cabe pontuar que demanda manifestação técnica a aventada impossibilidade de realização de perícia no áudio em virtude do extravio do aparelho celular utilizado para a gravação da conversa, de modo que não se pode afastar a validade da prova pela mera alegação hipotética da defesa.

No que se refere à suposta inidoneidade da gravação para a caracterização do indício do cometimento de falta funcional, este Conselho já teve a oportunidade de assentar entendimento em sentido oposto ao defendido pelo magistrado. Vale dizer, o CNJ admite o registro para a caracterização da justa causa apta a ensejar a abertura de procedimento disciplinar para a elucidação dos fatos:

 

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. ART. 28 DA RESOLUÇÃO CNJ N.135/2011. APURAÇÃO PRELIMINAR NA ORIGEM. ARQUIVAMENTO DO EXPEDIENTE. SUBMISSÃO DA DECISÃO À ANÁLISE DO CNJ. ELEMENTOS SUFICIENTES PARA A ABERTURA DE PAD. INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR NO CNJ.

1. Prova ilícita. Gravação de conversa entre Juíza de Direito e Promotora, em sala de audiência, durante o intervalo da solenidade, sem aviso. Possível ilicitude da prova. Admissão do conteúdo da gravação. Possibilidade de corroboração testemunhal. Suficiência da prova, para a atual fase do procedimento.

2. Conversa entre Juíza de Direito e representante do Ministério Público. O juiz pode conversar com outros atores do processo. Ainda que, dentro do processo, o magistrado tenha que atuar com equidistância e independência em relação a advogados e membros do Ministério Público, em momento informal, as interações sociais não são ofensivas à ética profissional.

2.1. Conversa sobre o processo. O juiz deve evitar exprimir comentários relevantes sobre a causa e preconceituosos sobre seus atores. Indicativos de manifestação inapropriada por parte da magistrada.

3. Conclusão pela instauração de procedimento administrativo disciplinar, no âmbito do Conselho Nacional de Justiça, sem afastamento das funções jurisdicionais, por potencial violação dos deveres de manter conduta irrepreensível e digna (art. 35, VIII, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional e art. 39 do Código de Ética da Magistratura Nacional), e de atuar com imparcialidade, evitando distância equivalente das partes e dispensando igualdade de tratamento (arts. 8º e 9º do Código de Ética da Magistratura Nacional), com transparência, documentando os seus atos (art. 10º do Código de Ética da Magistratura Nacional) e com prudência, decidindo após meditar e valorar os argumentos e contra-argumentos disponíveis (art. 24 do Código de Ética da Magistratura Nacional).

(CNJ - PP - Pedido de Providências - Corregedoria - 0009712-43.2020.2.00.0000 - Rel. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA - 340ª Sessão Ordinária - julgado em 19/10/2021- grifo nosso).


Por ora, o cotejo entre os áudios e a degravação acostada aos autos revela aparente fidedignidade ao diálogo entabulado. Todavia, não se averiguou no procedimento preliminar eventuais edições realizadas, tampouco a correção das palavras atribuídas aos interlocutores.

Ainda que o positivo histórico funcional do magistrado seja uma realidade, deveria ser sopesado na dosimetria de eventual penalidade a ser aplicada, jamais servir de óbice à apuração de fatos incontroversos, que devem ser obrigatoriamente apurados pelo Tribunal.

Ademais, a alegação de realização do diálogo para a manutenção da boa convivência não elide a presença de indícios de cometimento de falta funcional, consubstanciada na suposta orientação do magistrado à parte prejudicada a respeito de estratégias recursais e indicação de fragilidades da sentença proferida.

Por essas razões, conclui-se que o Regional laborou em equívoco ao arquivar prematuramente a Representação n. 9/2017, diante dos elementos indiciários sobejamente demonstrados.

No caso em apreço, nota-se violação, em tese, dos seguintes dispositivos:

LOMAN

 Art. 35 - São deveres do magistrado: 

(...)    

 

I - Cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício;

(...)

VIII - manter conduta irrepreensível na vida pública e particular.

 

CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA NACIONAL

Art. 1º O exercício da magistratura exige conduta compatível com os preceitos deste Código e do Estatuto da Magistratura, norteando-se pelos princípios da independência, da imparcialidade, do conhecimento e capacitação, da cortesia, da transparência, do segredo profissional, da prudência, da diligência, da integridade profissional e pessoal, da dignidade, da honra e do decoro.

Art. 2º Ao magistrado impõe-se primar pelo respeito à Constituição da República e às leis do País, buscando o fortalecimento das instituições e a plena realização dos valores democráticos. 

Art. 4º Exige-se do magistrado que seja eticamente independente e que não interfira, de qualquer modo, na atuação jurisdicional de outro colega, exceto em respeito às normas legais.

Art. 5º Impõe-se ao magistrado pautar-se no desempenho de suas atividades sem receber indevidas influências externas e estranhas à justa convicção que deve formar para a solução dos casos que lhe sejam submetidos.

Art. 6º É dever do magistrado denunciar qualquer interferência que vise a limitar sua independência. 

Art. 8º O magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito.

Art. 15. A integridade de conduta do magistrado fora do âmbito estrito da atividade jurisdicional contribui para uma fundada confiança dos cidadãos na judicatura.

Art. 16. O magistrado deve comportar-se na vida privada de modo a dignificar a função, cônscio de que o exercício da atividade jurisdicional impõe restrições e exigências pessoais distintas das acometidas aos cidadãos em geral. 

Art. 24. O magistrado prudente é o que busca adotar comportamentos e decisões que sejam o resultado de juízo justificado racionalmente, após haver meditado e valorado os argumentos e contra-argumentos disponíveis, à luz do Direito aplicável.

Art. 25. Especialmente ao proferir decisões, incumbe ao magistrado atuar de forma cautelosa, atento às conseqüências que pode provocar. 

Art. 27. O magistrado tem o dever de guardar absoluta reserva, na vida pública e privada, sobre dados ou fatos pessoais de que haja tomado conhecimento no exercício de sua atividade. 

 

Presentes os indícios do cometimento de falta funcional, a abertura do competente processo disciplinar para a apuração dos fatos é medida que se impõe, conforme orienta a sedimentada jurisprudência do CNJ.

Ante o exposto, com fundamento nos arts. 83, I, e 88 do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça, JULGO PROCEDENTE a revisão disciplinar para determinar ao Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba a abertura de processo administrativo disciplinar contra o magistrado Jailson Shizue Suassuna, por violação, em tese, dos deveres impostos no art. 35, I e VIII, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional c/c arts. 1º, 2º, 4º, 5º, 6º, 8º, 15, 16, 24, 25 e 27 do Código de Ética da Magistratura Nacional.

Comunique o TRE/PB à Corregedoria Nacional de Justiça da abertura e do julgamento do PAD, nos termos do art. 28 da Resolução CNJ n. 135/2011.

É como voto.

Intimem-se e, após, arquive-se. 

Brasília, 30 de junho de 2022.

 

Conselheira Salise Sanchotene

 Relatora