Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0008857-30.2021.2.00.0000
Requerente: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE CÁCERES - MT
Requerido: RAPHAEL CASELLA DE ALMEIDA CARVALHO

 


EMENTA: 

RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. JUIZ FEDERAL. TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO. EXISTÊNCIA DE ELEMENTOS INDICIÁRIOS DE POSSÍVEL PRÁTICA DE INFRAÇÕES DISCIPLINARES E CRIMES. ART. 103-B, § 4º, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR NO CNJ.

 1. Presença de elementos indiciários de conduta repreensível na vida pública e particular do magistrado (Loman, art. 35, VIII), bem como de ausência de adoção de medidas necessárias para evitar dúvidas razoáveis sobre a legitimidade de suas receitas e de sua situação econômico-patrimonial (Código de Ética da Magistratura, art. 19).

 2. Existência de indícios dos crimes de falsidade ideológica (art. 299, caput, do CP) e de corrupção passiva (art. 317, caput, do CP).

 3. Elementos que indicam, ainda, a possível prática de crimes financeiros (art. 19, parágrafo único, e art. 20, caput, da Lei n. 7.492/86); de crimes contra à ordem tributária (art. 1º, incisos I, II e III, da Lei n. 8.137/90); de crimes de lavagem de bens, direitos e valores (art. 1º, § 4º, da Lei n. 9.613/98);

 4. Reclamação disciplinar acolhida para determinar a instauração de processo administrativo disciplinar – PAD, com afastamento cautelar do magistrado.

 

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, decidiu pela instauração de processo administrativo disciplinar em desfavor do magistrado, com afastamento cautelar de suas funções no TRF1, bem como no TRE-MT, aprovando desde logo a portaria de instauração do PAD, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário, 6 de dezembro de 2022. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão (Relator), Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Sustentou oralmente pelo requerido o advogado Gabriel Bartolomeu Felicio, OAB/DF 44.085.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0008857-30.2021.2.00.0000
Requerente: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE CÁCERES - MT
Requerido: RAPHAEL CASELLA DE ALMEIDA CARVALHO


RELATÓRIO

           

 

 

O EXCELENTÍSSIMO MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (RELATOR): 

O presente voto congrega cinco procedimentos (Reclamações Disciplinares), todos iniciados em razão de representações do Ministério Público Federal, em face de RAPHAEL CASELLA DE ALMEIDA CARVALHO, Juiz Federal Titular da 8ª Vara Federal da Seção Judiciária de Mato Grosso.

Apresento, a seguir, breve síntese do objeto de cada processo:

 

 1. RD n. 0008857-30.2021.2.00.0000: suposta conduta repreensível na vida pública e particular e ausência de adoção das medidas necessárias para se evitar dúvida razoável sobre a legitimidade de suas receitas e de sua situação econômico-patrimonial.

 2. RD n. 0008856-45.2021.2.00.0000: possível participação na sociedade comercial ACC Com. de Produtos de Segurança Eletrônica LTDA. na condição de sócio administrador – e não como acionista ou cotista.

 3. RD n. 0008858-15.2021.2.00.0000: suposta participação oculta na sociedade comercial HD Mineração LTDA, no mínimo entre 2/1/2019 e 30/9/2021, por intermédio de sua atual companheira, Gláucia Tonelle Brustolin.

 4. RD n. 0008881-58.2021.2.00.0000: provável participação na sociedade comercial Hotel ACC LTDA – ME, nome fantasia Hotel Monte Carlo, na condição de sócio-administrador – e não como acionista ou cotista.

 5. RD n. 0008859-97.2021.2.00.0000: possível participação oculta nas sociedades comerciais J4 Construtora Incorporadora e Adm de Imóveis LTDA e, Marques e Ribeiro Advogados Associados. 

  

O magistrado foi devidamente intimado para apresentação de defesa prévia nos cinco procedimentos. Na sequência, solicitou prorrogação do prazo para defesa, o que foi deferido. Em que pese a instauração de cinco processos distintos, foi apresentada uma única defesa prévia, reproduzida em cada um dos cinco procedimentos acima indicados. 

Alega a defesa, em síntese, o seguinte: 

1. O reclamado estaria sendo alvo de uma “desmesurada e absurda judicialização predatória por parte do Ministério Público”. Segundo a defesa, diante de vários procedimentos instaurados em face do reclamado, alguns deles com milhares de páginas e documentos, além de diversas acusações, Raphael Casella estaria sendo vítima de “assédio judicial”, de “abuso de acusação” e de “indevido excesso de acusação” por parte do MPF. 

2. O Conselho Nacional de Justiça seria órgão incompetente para processar e julgar, originariamente, as ações movidas contra o reclamado – ações estas que, em sua maioria, tramitam perante o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, conforme previsto no art. 108, da Constituição Federal. 

3. O reclamante teria sido absolvido das acusações de venda de decisão e de patrimônio a descoberto, com o arquivamento dos respectivos PADs no âmbito do TRF1. 

4. Quanto à acusação de suposta administração do HOTEL ACC (HOTEL MONTE CARLO), ainda estaria pendente a deliberação TRF-1 sobre a instauração ou não de processo administrativo disciplinar.

5. Os fatos que embasam a grande maioria das acusações constantes destas reclamações teriam se tornado conhecidos pelo MPF ainda em 2014 ou, no mais tardar, em 2015 ou 2016, de modo que, na pior das hipóteses, a pretensão da pretensão punitiva já estaria prescrita (desde o final de 2021).

6. As acusações de supostas irregularidades fiscais apontadas pelo reclamante já teriam sido julgadas em esfera correcional perante o TRF-1 nos autos do PAD n. 0018400-26.2018.4.01.8000/TRF1. Nesse ponto, aduz a defesa que o laudo pericial contábil-financeiro teria concluído que a suposta existência de um patrimônio a descoberto, em todo o período, foi de apenas R$ 95.025,32 (R$ 15.632,94 em 2009 e R$ 79.392,38 em 2011), o que corresponderia a cerca de R$ 1.583,00 por mês. Ademais, essa suposta variação patrimonial a descoberto se deveria tão somente à desorganização contábil-financeira do reclamado e aos erros crassos cometidos pelo contador que elaborou suas declarações de imposto de renda.

7. A Receita Federal do Brasil não teria conseguido comprovar nenhuma acusação de acréscimo patrimonial a descoberto. Segundo a defesa, “todas as acusações relacionadas a essa infração restaram afastadas nos julgamentos administrativo e representações fiscais citados pelo Órgão Ministerial em suas exordiais”.

Ao final, requer:

 a) A extinção, sem julgamento de mérito, das reclamações disciplinares, eis que seriam alicerçadas em provas e elementos nulos desde sua origem, bem como insuficientes para corroborar os fatos imputados.

b) O reconhecimento da incompetência deste Conselho Nacional de Justiça para processar e julgar as reclamações.

c) A nulidade das reclamações, dado que o MPF incorreu em práticas de assédio processual/judicialização predatória, fishing expedition e document dump, valendo-se do processo “para conseguir objetivo ilegal”.

d) Na eventualidade de restarem ultrapassadas as preliminares acima, pugna pela extinção da punibilidade quanto às acusações decorrentes dos fatos que se tornaram conhecidos antes de 2016, ante à consumação da prescrição da pretensão punitiva em abstrato.

e) Superadas tais questões preliminares e a prejudicial de mérito, a improcedência das reclamações.

f) Seja oficiado o Conselho Nacional do Ministério Público, com a cópia integral destas reclamações, bem como da Petição Cível n. 1003851-91.2021.4.01.3601/TRF1, para que sejam apurados os eventuais desvios funcionais e abusos cometidos pelos procuradores.

g) Na remota hipótese de se entender cabível a instauração Procedimento Administrativo Disciplinar no âmbito deste c. CNJ, pugna o Reclamado pela produção de todas as provas admitidas em direito, notadamente testemunhal, pericial e documental suplementar.

É o relatório.

 

J3/F31

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0008857-30.2021.2.00.0000
Requerente: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE CÁCERES - MT
Requerido: RAPHAEL CASELLA DE ALMEIDA CARVALHO

 


VOTO

          

  

O EXCELENTÍSSIMO MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (RELATOR):  

 

 A presente Reclamação Disciplinar apresentada pelo Ministério Público Federal imputa ao requerido, RAPHAEL CASELLA DE ALMEIDA CARVALHO, Juiz Federal Titular da 8ª Vara Federal da Seção Judiciária de Mato Grosso, condutas ilícitas relacionadas a diversas transações com imóveis, envolvendo interpostas pessoas, em especial no caso da posse da Sesmaria Anhuma e das Fazendas ACC, Ariana, Piquizinho, Carvalho, Nevada, Zaruana I e II, Crystal e Serra Verde, falsidades e fraudes em financiamentos rurais.

       As imputações decorrem da Petição Cível n. 1003851-91.2021.4.01.3601 (ids. 4557495 e 4557496), protocolada perante a 1ª Vara da Subseção Judiciária de Cáceres/MT, na qual o MPF descreve uma série de irregularidades supostamente cometidas pelo magistrado, sobretudo no período em que esteve à frente da Vara Federal da Subseção Judiciária de Cáceres/MT.

Relata o MPF que RAPHAEL CASELLA teria enriquecido após seu ingresso na magistratura, praticando diversos crimes e atos de improbidade, além de administrar ocultamente diferentes sociedades comerciais.

Por meio das condutas ilícitas, CASELLA teria obtido vultoso patrimônio, incompatível com os rendimentos da magistratura, destacando-se várias propriedades rurais e até mesmo um hotel, registrando os bens e direitos, em regra, em nome de “laranjas”.

Teria, assim, praticado inúmeros atos indicativos de condutas repreensíveis na vida pública e particular. No mínimo, não teria adotado as medidas necessárias para evitar dúvidas razoáveis sobre a legitimidade de suas receitas e de sua situação econômico-patrimonial.

O detalhamento dos fatos imputados ao magistrado, bastante graves caso comprovados, encontra-se, especialmente, na Petição Cível n. 1003851-91.2021.4.01.3601 (Id. 4557495 e Id. 4557496). 

Antes de examinar os elementos que sustentam, em juízo de cognição preliminar, a prática de infrações disciplinares pelo magistrado, aprecio as alegações preliminares arguidas pela defesa de mesmo teor apresentada nas Reclamações Disciplinares mencionadas. 

  

QUESTÕES PRELIMINARES 

  

I. ALEGAÇÃO DE SUPOSTA “DESMESURADA JUDICIALIZAÇÃO PREDATÓRIA” POR PARTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO CONTRA O RECLAMADO 

Inicialmente, diante dos inúmeros procedimentos instaurados em face do Reclamante, alguns destes com milhares de páginas e documentos, bem como diversas acusações, sustenta a defesa que RAPHAEL CASELLA estaria sendo vítima de “assédio judicial”, de “abuso de acusação” e de “indevido excesso de acusação” por parte do MPF. 

Ainda segundo a defesa, desde 2014, o Ministério Público Federal viria “atacando o Reclamado das mais variadas formas, ajuizando demandas com base em acusações repetitivas e manifestamente infundadas, acusações estas que vêm sendo sistematicamente repisadas mesmo após a absolvição do Reclamado quanto a algumas delas”.

Noticia a defesa que, no decurso da atuação dos órgãos persecutórios, houve, em face do reclamado, a instauração de dois inquéritos judiciais, uma ação cautelar de busca e apreensão, uma quebra de sigilo fiscal e bancário e de interceptação telefônica, uma ação controlada, uma ação de improbidade administrativa, uma ação cautelar cível patrimonial, dois procedimentos administrativos disciplinares, um procedimento investigatório criminal, dois pedidos de providências, quatro procedimentos avulsos e um pedido de compartilhamento de provas. 

Nesse contexto, alega a defesa que, diante da infinidade de documentos juntados aos autos e das inúmeras acusações que se acumulam contra o magistrado, estar-se-ia diante de um caso claro de abuso do poder de acusar, havendo uma “flagrante e incontroversa prática de document dump e fishing expedition”. 

Julgo que os argumentos da defesa não merecem prosperar. 

O que se constata é que o Ministério Público Federal, no exercício legítimo de suas atribuições constitucionais, diante dos diversos indícios de variadas condutas supostamente irregulares cometidas por RAPHAEL CASELLA, apresentou elenco substancial e organizado das suas possíveis infrações éticas e legais. 

A peça inaugural da Petição Cível n. 1003851-91.2021.4.01.3601 de id. 4557495, protocolada perante a 1ª Vara da Subseção Judiciária de Cáceres/MT, é didática e bem instruída. Há um índice referenciando cada fato imputado ao magistrado, bem como referências específicas sobre os elementos que serviram de embasamento à apuração. 

A peça é, de fato, bastante extensa – e não poderia ser diferente, uma vez que são elencadas dezenas de irregularidades e/ou crimes supostamente praticados por CASELLA, dentre eles atos de improbidade administrativa, crimes contra a ordem tributária, sonegação fiscal, fraudes em financiamentos rurais e lavagem de capitais.

O Requerido optou por apresentar Defesa Prévia comum às Reclamações Disciplinares 0008856-45.2021.2.00.0000, 0008857-30.2021.2.00.0000, 0008858-15.2021.2.00.0000; 0008859-97.2021.2.00.0000 e 0008881-58.2021.2.00.0000, procedendo à juntada da mesma peça de defesa em cada uma das Reclamações Disciplinares que tem contra si nesta Corregedoria Nacional, e serão apreciadas de forma individualizada, analisando-se, separadamente, os fatos imputados em cada procedimento. 

Conforme exposto adiante, o órgão ministerial conseguiu estabelecer, de forma razoável e convincente, ao menos para a instauração da investigação disciplinar, um forte nexo entre os fatos alegados e os elementos de prova que juntou aos autos. 

  

II. INCOMPETÊNCIA DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA PARA PROCESSAR E JULGAR, ORIGINARIAMENTE, AS AÇÕES MOVIDAS CONTRA O RECLAMADO  

Segundo a defesa, de acordo com a Constituição Federal, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região seria o órgão competente, originariamente, para processar e julgar o magistrado reclamado, nos termos do art. 108, I, da Constituição Federal.

 Sem dúvida, o Tribunal Regional Federal ao qual o magistrado se encontra vinculado é o órgão que detém a competência originária para processamento e julgamento de crimes comuns e/ou de responsabilidade. Trata-se, entretanto, de competência judicial, adstrita à esfera criminal. 

Já a competência administrativo-disciplinar é concorrente entre o Tribunal Regional Federal, o Conselho Nacional de Justiça e, ainda, o Conselho da Justiça Federal.

O exaurimento da jurisdição administrativa originária, portanto, não é pressuposto processual para a atuação do CNJ, uma vez que se está diante de competência originária e autônoma, e não subsidiária. Eis a jurisprudência consolidada do STF sobre o tema:

 

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CNJ. COMPETÊNCIA AUTÔNOMA. REGULARIDADE NA DESIGNAÇÃO DE MAGISTRADO AUXILIAR PARA INSTRUÇÃO DE SINDICÂNCIA. ORDEM DENEGADA. 1. O Conselho Nacional de Justiça tem competência constitucional autônoma, e não subsidiária, da competência dos demais tribunais. 2. É regular a designação de juiz auxiliar, seja ele originário do Judiciário estadual ou federal, para a condução de sindicância, por delegação do Corregedor-Nacional de Justiça, ainda que o investigado seja magistrado federal. 3. Segurança denegada. (MS n. 28.513/2015. 2ª Turma. Rel. Min. Teori Zavascki).

 

AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ. COMPETÊNCIA. ATRIBUIÇÃO CORREICIONAL ORIGINÁRIA E AUTÔNOMA DO CONSELHO. AUSÊNCIA DE INJURIDICIDADE OU MANIFESTA IRRAZOABILIDADE DO ATO IMPUGNADO. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I – O STF assentou que o CNJ possui atribuição correcional originária e autônoma, não se tratando de atuação subsidiária frente aos órgãos de correição local, mas sim de competência concorrente, de modo que seu exercício não se submete a condicionantes relativas ao desempenho da competência disciplinar pelos tribunais locais. II – O controle dos atos do CNJ pelo STF somente se justifica nas hipóteses de (i) inobservância do devido processo legal; (ii) exorbitância das competências do Conselho; e (iii) injuridicidade ou manifesta irrazoabilidade do ato impugnado (MS 35.100 / DF, Relator Min. Roberto Barroso). Tais hipóteses não estão caracterizadas no caso sub judice. III – Agravo regimental a que se nega provimento. (MS 36.055/2019 AgR. 2ª Turma. Rel. Min. Ricardo Lewandowski).

 

Não há que se falar, portanto, em incompetência deste CNJ para análise da conduta do Juiz Federal RAPHAEL CASELLA, no que concerne à questão administrativo-disciplinar.

 

III. ALEGAÇÃO DE QUE O RECLAMADO JÁ TERIA SIDO ABSOLVIDO DAS ACUSAÇÕES DE NEGOCIAÇÃO DE DECISÃO JUDICIAL E DE EVOLUÇÃO PATRIMONIAL INJUSTIFICADA, COM O ARQUIVAMENTO DOS RESPECTIVOS PADs NO ÂMBITO DO TRF1.

O reclamado alega que já teria sido absolvido das acusações de negociação de decisão judicial e de patrimônio a descoberto, com o arquivamento dos respectivos PADs no âmbito do TRF1.

Com relação à suposta negociação de decisão judicial, em 11 de março de 2021 foi concluído o julgamento do processo administrativo disciplinar pela Corte Especial Administrativa do Tribunal local, nos autos do PAD n. 0014865-26.2017.4.01.8000. Na ocasião, decidiu-se, por maioria, pelo seu arquivamento, nos termos do voto da Relatora, Desembargadora Ângela Catão, que reputou não haver elementos suficientes para demonstrar a prática de corrupção por parte do reclamado.

Não obstante, as questões lá discutidas ainda são objeto de apuração neste CNJ, tendo havido diversas manifestações deste órgão correicional contrárias ao arquivamento do PAD na forma como julgado pelo TRF1 nos diversos procedimentos em curso neste CNJ, a título de exemplo as decisões proferidas no PP n. 0008472-87.2018.2.00.0000, e especificamente, decisão prolatada nestes autos em 22/02/2022, pela então Corregedora Nacional, Ministra MARIA THEREZA ROCHA DE ASSIS MOURA (id. 4621185).

       

Digno de nota que no âmbito do TRF1, a apuração passou por conturbado arquivamento (PAD n. 0018400-26.2018.4.01.8000), no qual entre outros fatos, apurava-se a suposta prática de atos de improbidade administrativa, caracterizada pela desproporcionalidade na evolução patrimonial do magistrado reclamado.

No   julgamento   do   processo   administrativo   disciplinar, o desembargador César Jatahy, após vista dos autos, proferiu voto, em 19/10/2021, acompanhando o relator na aplicação da penalidade, mas divergindo quanto ao reconhecimento da prescrição.

Na continuidade do julgamento, não se logrou a maioria absoluta para a imposição da sanção de censura, por falta de um voto favorável, tendo o desembargador César Jatahy, então, alterado a reprimenda para a aplicação da pena de advertência, novamente não se alcançando a maioria absoluta, verbis:


ADMINISTRATIVO. TRF1. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. MAGISTRADO. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. IMPOSIÇÃO DA PENA. MAIORIA ABSOLUTA DOS MEMBROS DO TRIBUNAL OU DO ÓRGÃO ESPECIAL. INCIDÊNCIA, NO CASO, DO ART. 21 DA   RESOLUÇÃO N. 135/2011 DO CNJ. IMPOSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO.   PENA DE CENSURA E/OU ADVERTÊNCIA NÃO APLICADA.

1. Estabelece o art. 24 da Resolução n° 135/2011 do CNJ que: “o prazo de prescrição de falta funcional praticada pelo magistrado ê de cinco anos, contado a partir da data em que o tribunal tomou conhecimento do fato, salvo quando configurar tipo penal, hipótese em que o prazo prescricional será o do Código Penal”. Prescrição não ocorrente na hipótese.

2. A punição do magistrado, submetido a julgamento em   processo administrativo disciplinar, somente será imposta, nos termos do art. 21, caput, da Resolução n° 135/2011 do CNJ, pelo voto da maioria absoluta dos membros do Tribunal ou do Órgão Especial.

3. Impossibilidade de condenação do magistrado à pena de censura e/ou advertência proposta, à vista do que dispõe o art. 21, caput, da Resolução n° 135/2011 do CNJ, por não se ter alcançado a votação da maioria absoluta para a aplicação de penalidade.

 

Em outros termos, vários dos votos reconheceram a prática de atos irregulares por parte do reclamado, havendo controvérsia acerca da ocorrência da prescrição e/ou da pena a ser aplicada, o que acabou resultando na ausência de quórum para a aplicação de sanção. Não obstante, boa parte dos desembargadores reconheceram comprovada a prática de ilícitos por parte do Reclamado.

Ressalte-se que compete ao Conselho Nacional de Justiça “rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano” (art. 103-B, § 4º, V, da CF).

No presente caso, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região finalizou o julgamento do processo administrativo disciplinar em 26/10/2021.

E, ao considerar a existência de possível contrariedade ao direito e à prova dos autos (art. 83, I, RICNJ) foi determinada a intimação do Juiz Federal RAPHAEL CASELLA para apresentação de defesa (Id. 4621185), efetivada em 07/03/2022. Portanto, não decorreu o prazo decadencial de um ano para a revisão do julgado.

Portanto, não há que se falar em arquivamento definitivo sobre a matéria na esfera disciplinar.

 

IV. A ACUSAÇÃO DE ADMINISTRAÇÃO DO HOTEL MONTE CARLO AINDA ESTARIA PENDENTE DE DELIBERAÇÃO PELO TRF-1.

Conforme mencionado pelo próprio reclamado, os fatos relacionados à suposta administração, como sócio-gerente, do Hotel Monte Carlo ainda seriam objeto de apuração no âmbito do TRF-1 e, atualmente, o procedimento aguardaria deliberação do Pleno, sobre a instauração ou não de processo administrativo disciplinar.

Nada impede, entretanto, que a Corregedoria Nacional de Justiça, valendo-se da sua competência concorrente, também apure estes fatos, o que são objeto da RD n.º 000881-58.2021.2.00.000. E, conforme exposto procedimento respectivo, são bastante robustos os indícios de que RAPHAEL CASELLA, de fato, seria sócio-administrador do Hotel Monte Carlo, conduta vedada pela Lei Orgânica da Magistratura.

 

V. OS FATOS QUE EMBASAM A GRANDE MAIORIA DAS ACUSAÇÕES JÁ ESTARIAM PRESCRITOS.

Segundo a defesa, a maioria dos fatos que embasam esse procedimento teriam se tornado conhecidos pelo MPF ainda em 2014, quiçá em 2015 ou 2016. Assim, alega a defesa que, na pior das hipóteses, a pretensão punitiva já estaria prescrita desde o final de 2021.

O art. 24, caput, da Resolução CNJ n. 135/2011 dispõe sobre a prescrição quinquenal relacionada às infrações disciplinares. Porém, esse mesmo dispositivo traz uma ressalva:

“Art. 24. O prazo de prescrição de falta funcional praticada pelo magistrado é de cinco anos, contado a partir da data em que o tribunal tomou conhecimento do fato, salvo quando configurar tipo penal, hipótese em que o prazo prescricional será o do Código Penal.” (grifo nosso)

 

Inúmeras condutas imputadas pelo Ministério Público Federal ao magistrado RAPHAEL CASELLA, caso confirmadas, constituiriam crimes, dentre os quais delitos contra a ordem tributária, falsidade, sonegação fiscal, fraudes em financiamentos rurais, corrupção passiva, e lavagem de capitais.

De acordo com a orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, basta a possível capitulação da infração administrativa como crime para que, na esfera administrativa, seja considerado o prazo prescricional previsto na lei penal (MS 34605 MC, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 17.08.2017).

Assim, não há que se falar em prescrição, uma vez que, na hipótese, o prazo prescricional será balizado por aquele estipulado no Código Penal para os crimes na espécie. Como nenhum desses crimes prescreve em menos de 12 anos (CP, art. 109), não há que se falar em prescrição da pretensão punitiva na esfera disciplinar.

 

VI. ALEGAÇÃO DE QUE AS SUPOSTAS IRREGULARIDADES FISCAIS JÁ TERIAM SIDO JULGADAS EM ESFERA CORRECIONAL PERANTE O TRF-1 NOS AUTOS DO PAD N. 0018400-26.2018.4.01.8000/TRF1.

Conforme já mencionado, o julgamento do referido PAD no âmbito do TRF-1 foi bastante conturbado. O arquivamento se deu, em verdade, pelo fato de o Pleno não alcançar o quórum necessário para aplicação de nenhuma das penalidades.

De todo modo, o contexto fático aqui apreciado é mais amplo. O MPF, na Petição Civil n. 1003851-91.2021.4.01.3601, trouxe uma gama muito mais robusta de documentos – com ênfase para inúmeros procedimentos instaurados perante a Receita Federal do Brasil.

A Receita Federal concluiu, conforme exposto adiante, que o reclamado possui um enorme patrimônio a descoberto, que não pode ser justificado por seus rendimentos lícitos, bem como a possível prática de lavagem de capitais por meio de empreendimentos formalmente registrados em nome de laranjas.  

 

VII. ALEGAÇÃO DE QUE A RECEITA FEDERAL DO BRASIL NÃO TERIA COMPROVADO NENHUMA ACUSAÇÃO DE ACRÉSCIMO PATRIMONIAL A DESCOBERTO EM DESFAVOR DO RECLAMADO.

Nesse último ponto, alega a defesa que “todas as acusações relacionadas a essa infração restaram afastadas nos julgamentos administrativo e representações fiscais citados pelo Órgão Ministerial em suas exordiais”.

Não obstante a alegação de arquivamento, nenhuma comprovação nesse sentido foi juntada pela defesa do magistrado. Diferentemente de todas as outras alegações, que vieram embasadas de farta documentação comprobatória (Id. 4700186 a Id. 4644635), a alegação de que todas as ações em curso na Receita Federal contra RAPHAEL CASELLA teriam sido arquivadas e de que o Fisco não teria conseguido comprovar a acusação de acréscimo patrimonial a descoberto em desfavor do magistrado não foi comprovada por intermédio da juntada de documentação.

Aliás, a página eletrônica do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais apresenta informação contrária à alegada pela defesa (http://carf.fazenda.gov.br/sincon/public/pages/ConsultarInformacoesProcessuais/consultarInformacoesProcessuais.jsf).

Com efeito, embora não seja possível consultar o respectivo teor, o andamento dos processos administrativos fiscais contra o reclamado está disponível na rede mundial de computadores, e em consulta realizada em 02/12/2022, constata-se as seguintes situações dos recursos interpostos pelo ora Requerido, senão vejamos:  Processo  nº 10183.742765/2020-25: aguarda distribuição de recurso para relator desde; Processo  nº 10183.742769/2020-11: está no setor de distribuição desde 21/07/2022; Processo nº 10183.744493/2019-64 (IRPF): aguarda distribuição de recurso voluntário para relator.

Como se verá adiante, as acusações formuladas pela Receita Federal são graves e embasadas em ampla investigação. Assim, é intuitivo que, tivesse a RFB, de fato, arquivado todos estes procedimentos em desfavor de CASELLA, a defesa teria juntado essa comprovação aos autos, o que aliás, poderá ser feito no curso do procedimento a ser instaurado.

Pelas razões adiante expostas, e a despeito dos argumentos apresentados em sua defesa prévia, proponho a instauração de processo administrativo disciplinar em face do reclamado, pois entendo suficientemente demonstrada a prática de possíveis infrações disciplinares. 

Passo a expor, sinteticamente, as condutas imputadas, correlacionando-as com os principais elementos de prova que as corroboram, bem como as respectivas normas aparentemente violadas. 

 

 

 

INFRAÇÕES DISCIPLINARES

 

Afastadas as questões preliminares levantadas pela defesa, passo a expor, de modo individualizado, as condutas infracionais possivelmente praticadas pelo reclamado, cujos elementos probatórios constam da presente Reclamação Disciplinar n. 0008857-30.2021.2.00.0000:

 

 

 

A) FALSIDADE IDEOLÓGICA

Nos autos da Reclamação Disciplinar n. 0008857-30.2021.2.00.0000, sobretudo na cópia da Informação Fiscal n. 02/2020-FRAU-EFI-DEFIS01-VR e do seu Anexo II - 2020 (Id. 4557500 e Id. 4557503, respectivamente), foram colhidos indícios de que RAPHAEL CASELLA teria apresentado informações falsas em diversas transações com imóveis, envolvendo interpostas pessoas (notadamente, Alécio Florentino Furlaneto), em especial no caso da posse da Sesmaria Anhuma e das Fazendas ACC, Ariana, Piquizinho, Carvalho, Nevada, Zaruana I e II, Crystal e Serra Verde.

Após examinar as declarações fiscais apresentadas pelo reclamado, e confrontá-las com os respectivos documentos de sustentação, a Receita Federal concluiu que houve “simulação do exercício da atividade rural na qualidade de pessoa física, consubstanciada na criação de bovinos em suas fazendas, de forma intermitente entre uma e outras, – mas nenhuma delas aptas a fornecer tais serviços –; simulação de negócio jurídico, com a permuta ‘ilegal’ ente bens imóveis com bens móveis; simulação ideológica na constituição de empresa e respectivo exercício de prestação de serviços de hotelaria, somente para possibilitar a formalidade de capitais sem origem declarada; simulação de negócio jurídico, ou mesmo operação real praticada de forma fraudulenta, por simulação parcial do sujeito e/ou dos objetos, na compra e venda, ‘exótica’ de veículos automotores de luxo, com o mesmo propósito de clarear haveres; simulação de parceria rural com terceiros, somente para tentar justificar negócios inconfessáveis, cobrados pela autoridade fiscal” (Id 4557500, fl. 144).

Tais condutas, em tese, caracterizam violação ao artigo 299, caput, do Código Penal Brasileiro. 

 

Art. 299. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.

 

 

 

B) CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL

 

I. Fraude de financiamentos rurais

Segundo o MPF, RAPHAEL CASELLA teria obtido diversos financiamentos rurais de forma fraudulenta, dando em garantia gado de que não dispunha, em terras que não lhe pertenciam formalmente ou que não dispunham de condições adequadas de apascentamento, sem os devidos registros da atividade rural e, em alguns casos, sem emissão de nota fiscal, além de ter apresentado informações inconsistentes em DIRPF. O Fisco também apurou desvio de parte dos recursos a partir de análise do destino dos créditos em conta-corrente, evidenciando que em alguns casos houve o simples rolamento da dívida – novos financiamentos para quitar antigos (Id. 4557495 – fls. 16/17). Essas acusações estão amparadas em apuração realizada pela Receita Federal (Id 4557500, fls. 41 e seguintes; Id 4557567, fls. 1 e seguintes).

 

II. Fraude de financiamentos rurais em concurso com Erico Scaff

Segundo o MPF, a Fazenda Thais (NIRF n. 46973761, Cód. INCRA 9011051205531) foi registrada fraudulentamente em nome de Érico Miguel Scaff (CPF n. 103.471.431-72), pai de Thais Scaff (portanto, sogro de RAPHAEL CASELLA). Vinculada à Fazenda Thais foram feitos diversos financiamentos rurais, para suposta cria de gado, parte em nome de RAPHAEL CASELLA, com lastro em um suposto contrato de comodato, vigente entre 2006 e 2010 (Id. 4557495 – fls. 17/18). Essas acusações estão amparadas em apuração realizada pela Receita Federal (Id 4557500, fls. 50 e seguintes; Id 4557567, fls. 70 e seguintes).

 

III. Fraude de financiamentos para o desenvolvimento do turismo regional

RAPHAEL CASELLA teria obtido financiamentos vinculados ao turismo (FCO – Programa de Desenvolvimento do Turismo Regional), para aplicação suposta no Hotel ACC, de sua titularidade (inicialmente ostensiva, e posteriormente oculta). Entretanto, teria desviado os recursos para uso próprio, conforme consta de movimentação bancária entre a pessoa jurídica e a pessoa física (Id. 4557495 – fl. 18).

Essas acusações estão amparadas em apuração realizada pela Receita Federal (Id 4557500, fls. 13 e seguintes).

As condutas acima descritas caracterizam, em tese, violação aos artigos 19 e 20, da Lei n. 7.492/86. 

LEI N. 7.492/86 (CRIMES FINANCEIROS)

Art. 19. Obter, mediante fraude, financiamento em instituição financeira:

(...)

Parágrafo único. A pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é cometido em detrimento de instituição financeira oficial ou por ela credenciada para o repasse de financiamento.

Art. 20. Aplicar, em finalidade diversa da prevista em lei ou contrato, recursos provenientes de financiamento concedido por instituição financeira oficial ou por instituição credenciada para repassá-lo.

 

C) CRIMES CONTRA À ORDEM TRIBUTÁRIA:

I. Sonegação de imposto de renda de pessoa física (Id. 4557494 – fls. 8/12).

Neste ponto, foram lavrados três autos de infração pela Receita Federal: 1º) Auto de Infração n. 14041.720205/2018-71. Ano-calendário 2012. Crédito tributário de R$ 318.137,45; 2º) Auto de Infração n. 10183.744493.2019-64. Anos-calendário 2013 e 2014. Crédito tributário de R$ 1.122.424,59; 3º) Auto de Infração n. 10183.742765.2020-25. Anos-calendário 2015 a 2018. Crédito tributário de R$ 7.051.018,44.

 

II. Sonegação de imposto sobre transmissão de bens imóveis (Id. 4557495 – fls. 13/14).

A Receita Federal do Brasil reportou possível ocorrência de sonegação de ITBI, nas seguintes transações: 1º) sobre a Fazenda Nevada; 2º) Sobre a Fazenda Carvalho; 3º) Sobre a Fazenda Ariana.

 

III. Sonegação de imposto sobre a propriedade territorial rural (Id. 4557495 – fl. 15).

A Receita Federal apurou que RAPHAEL CASELLA, dolosamente, não teria recolhido o ITR sobre as Fazenda Zaruana I e II, localizadas no município de Juara/MT. O dolo teria restado demonstrado, pois RAPHAEL CASELLA justificou a falta de pagamento alegando tratar-se de “terra de posse” (Resposta ao Termo Fiscal 003/2019), quando em decisão judicial proferida por ele mesmo consignou o entendimento de que a posse também constitui fato gerador do tributo (2672-23.2013.4.01.3601).

Essas condutas, em tese, caracterizam violação ao art. 1º, incisos I, II e III, da Lei n. 8.137/90. 

LEI N. 8.137/90 (CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA, ECONÔMICA E CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO)

Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:

I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;

II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;

III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;

 

D) CORRUPÇÃO PASSIVA 

Segundo o MPF, CASELLA teria várias operações suspeitas com advogados que atuaram em processos sob sua responsabilidade ou com grande proximidade, de forma a ser factível que os valores transacionados se tratem, na verdade, de pagamento escamoteado de propinas. Neste sentido:

i) Recebimento em conta de R$ 191.800,13, em 5 depósitos em 02/2013, 04/2013 e 10/2013, que RAPHAEL CASELLA alegou tratar-se da venda de uma BMW 318-I placa OBI 8571/MT ao advogado Marcos da Silva Borges (CPF 261.731.148-10), o que não foi comprovado perante o Fisco;

ii) Recebimento de R$ 87.600,00 da J4 Construtora, que, além de ser aparentemente administrada com a participação do próprio reclamado, tem entre seus sócios os advogados Jair Roberto Marques e Juliano Marques Ribeiro, que já atuaram em causas julgadas pelo reclamado;

iii) Recebimento de R$ 35.000,00 em 25/04/2017 da advogada Fayrouz Mahala Arfox (CPF 012.982.471-28) e de R$ 5.864,88 de sua empresa Arfox e Sodre Advogados Associados (CNPJ 24.602.550/0001-49), informado no histórico do extrato bancário como “pagamento de dividendos”, e sem a apresentação de explicações verossímeis;

iv) Recebimento de R$ 6.000,00 em 28/04/2015 e de R$ 60.000,00 em 08/01/2016 do advogado Mohamed Tarabayne (CPF 018.893.159- 74), que tem domicílio e detém diversas empresas em Foz do Iguaçu/PR, região de fronteira com potencial para evasão de divisas. RAPHAEL CASELLA alegou tratar-se de empréstimo sem dar maiores detalhes, o que foi aceito pelo fisco, haja vista ter havido devolução do dinheiro por conta bancária;

v) Operação não esclarecida envolvendo a aquisição do Hotel ACC do advogado Luiz do Amaral (CPF 044.480.817-53), que defendeu o próprio sobrinho Manoel Benedito do Amaral, preso por tráfico de drogas na Operação Campos do Norte, e cujo processo foi apreciado pelo reclamado;

vi) Suposto empréstimo de R$ 200.000,00 tomado com o advogado Kelcio Junio Garcia (CPF 872.232.521-20) em 2011, cujo saldo devedor de R$ 140.000,00 em desfavor de RAPHAEL CASELLA perdurou até ao menos 2019 (RD 0008857-30.2021.2.00.0000, Id 4557499 – planilha anexa). Kelcio é criminalista e atuou em processo penal de tráfico na Vara presidida por RAPHAEL CASELLA (0000550-08.2011.4.01.3601/MT).

Essas condutas são indícios de violação ao art. 317, caput, do Código Penal Brasileiro. 

CORRUPÇÃO PASSIVA

Art. 317. Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem.

 

E) OCULTAÇÃO DE BENS, DIREITOS E VALORES

Segundo o MPF, RAPHAEL CASELLA, entre 2002 e 2019, declarou em DIRPF ter contraído R$ 4.601.621,38 e baixado R$ 3.632.958,80 em empréstimos e financiamentos pessoais (Id. 4557499), muitos deles fictícios.

Ainda segundo o Parquet, outro empréstimo nitidamente fictício foi declarado em 2016, por R$ 350.000,00, supostamente tomados da sua tia Ilze Ribeiro Casella, CPF 546.530.298-49. O valor declarado permanece inalterado até o ano-calendário 2019, pelo menos (RD 0008857-30.2021.2.00.0000, Id 4557499 – planilha anexa). Neste caso, restou evidente que além de auxiliar no aumento da margem para evolução patrimonial declarada, essa operação acoberta a real origem de valores efetivamente movimentados em conta corrente (Id. 4557495 – fls. 25/26).

Essas condutas, em tese, caracterizam violação ao art. 1º, § 4º, da Lei n. 9.613/98. 

LEI 9.613/98 (CRIMES DE OCULTAÇÃO DE BENS, DIREITOS E VALORES)

Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.

(...)

§ 4º A pena será aumentada de um a dois terços, se os crimes definidos nesta Lei forem cometidos de forma reiterada ou por intermédio de organização criminosa.

 

 

 

CONCLUSÃO QUANTO À RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR Nº 0008857-30.2021.2.00.0000

 

No que tange às condutas praticadas pelo Juiz Federal RAPHAEL CASELLA DE ALMEIDA CARVALHO, verifica-se a possível existência de elementos indiciários que apontam a suposta prática de infrações disciplinares, as quais caracterizam afronta, em tese, ao art. 35, inciso I e VIII, da Lei Complementar n. 35/1979 – LOMAN; e aos artigos 4º, 5º, 15, 16, 17, 19, 37 e 38, do Código de Ética da Magistratura. 

Verifica-se, ainda, a existência de elementos indiciários que apontam a possível prática de diversos ilícitos penais por parte do reclamado, quais sejam, os crimes de falsidade ideológica (art. 299, caput, do CP), corrupção passiva (art. 317, caput, do CP), contra o sistema financeiro nacional (art. 19, parágrafo único, e art. 20, caput, da Lei n. 7.492/86); contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo (art. 1º, incisos I, II e III, da Lei n. 8.137/90); e, por fim, lavagem de dinheiro (art. 1º, § 4º, da Lei n. 9.613/98).

Destarte, impõe-se a abertura de processo administrativo disciplinar, para apuração aprofundada desses fatos, medida que ora proponho.

Ademais, tendo em vista a gravidade dos fatos em tese cometidos, a quantidade de procedimentos em face do magistrado e aliada à existência de indícios de recorrência de tais práticas, fatores que fundamentam, ainda, a necessidade de afastamento cautelar do requerido, nos termos do artigo 15, caput e §1º, da Resolução n. 135/2011, até a conclusão da apuração objeto do processo administrativo disciplinar.

Ante o exposto, proponho a instauração de processo administrativo disciplinar em desfavor do Juiz Federal RAPHAEL CASELLA DE ALMEIDA CARVALHO, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, pela prática de atos em descumprimento aos deveres do cargo, com ofensa ao disposto no artigo 35, incisos I e VIII; nos artigos 4º, 5º, 15, 16, 17, 19, 37 e 38 do Código de Ética da Magistratura Nacional, bem como seu afastamento cautelar, inclusive da jurisdição eleitoral, a ser distribuído a um Conselheiro relator, a quem competirá ordenar e dirigir a instrução respectiva.

É como voto.




Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO

Corregedor Nacional de Justiça

 

 

J3/F31 

 

 

 

PORTARIA N. XXXXX, DE XXX DE XXXXXXXXXXXX DE 2022. 

 

Instaura processo administrativo disciplinar em desfavor de juiz federal com afastamento cautelar.

 

A PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, usando das atribuições previstas nos artigos 103-B, § 4º, III, da Constituição Federal e 6º, XIV, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça;

CONSIDERANDO a competência originária e concorrente do Conselho Nacional de Justiça para processar investigações contra magistrados independentemente da atuação das corregedorias e tribunais locais, expressamente reconhecida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal na apreciação da liminar na ADI nº 4.638/DF;

CONSIDERANDO o disposto no § 5º do art. 14 da Resolução CNJ n. 135/2011, e as disposições pertinentes da Lei Complementar n.  35/79 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional), da Lei n. 8.112/90 (Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União), da Lei n. 9.784/99, e do Regimento Interno do CNJ;

CONSIDERANDO a decisão proferida pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça no julgamento da Reclamação Disciplinar n. 0008857-30.2021.2.00.0000, durante a XXª Sessão, realizada no dia XXX de XXXXXXXXX de 2022,

 

RESOLVE: 




Art. 1º Instaurar, com afastamento do cargo, processo administrativo disciplinar em desfavor  do Juiz Federal RAPHAEL CASELLA DE ALMEIDA CARVALHO, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, tendo em vista: 



I – a suposta prática de infrações disciplinares, as quais caracterizam afronta, em tese, ao art. 35, incisos I e VIII, da Lei Complementar n. 35/1979 – LOMAN; e aos artigos 4º, 5º, 15, 16, 17, 19, 37 e 38 do Código de Ética da Magistratura;

 

II – a existência de elementos indiciários que apontam a possível prática de ilícito penal por parte do Reclamado, que incorre, em tese, nos crimes de:

a) falsidade ideológica (art. 299, caput, do CP), ao apresentar informações falsas em diversas transações com imóveis, envolvendo interpostas pessoas (notadamente Alécio Florentino Furlaneto, CPF n. 111.852.951-00), em especial no caso da Posse Sesmaria Anhuma, Fazendas ACC, Ariana, Piquizinho, Carvalho, Nevada, Zaruana I e II, Crystal e Serra Verde;

b) corrupção passiva (art. 317, caput, do CP), ao realizar inúmeras operações suspeitas com advogados que atuaram em processos sob sua responsabilidade ou com grande proximidade, de forma a ser factível que os valores transacionados se tratem, na verdade, de pagamento escamoteado de vantagens indevidas em troca da função pública.

 

 

III – a suposta prática de crimes financeiros (art. 19, parágrafo único, e art. 20, caput, da Lei n. 7.492/86), ao fraudar financiamentos e desviar os respectivos valores para finalidades diversas.

 

IV – Indícios de prática de crimes contra à ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo (art. 1º, incisos I, II e III, da Lei n. 8.137/90), ao:

a) sonegar imposto de renda de pessoa física;

b) sonegar imposto sobre transmissão de bens imóveis;

c) sonegar imposto sobre a propriedade territorial rural.

 

V – suposto crime de ocultação de bens, direitos e valores (art. 1º, § 4º, da Lei n. 9.613/98), ao declarar em DIRPF que, entre 2002 e 2019, teria contraído R$ 4.601.621,38 e baixado R$ 3.632.958,80 em empréstimos e financiamentos pessoais, muitos deles fictícios.

  

Art. 2º Determinar que a Secretaria do CNJ dê ciência ao Presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região e do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso (TRE-MT) da decisão tomada pelo Conselho Nacional de Justiça e da abertura de processo administrativo disciplinar objeto desta Portaria, com o afastamento do magistrado de suas funções jurisdicionais e administrativas até a conclusão da apuração.

 

Art. 3º Oficie-se a OAB-MT para apurar a possível infração disciplinar da conduta dos advogados mencionados.


 

Art. 4º Determinar a livre distribuição do processo administrativo disciplinar entre os Conselheiros, nos termos do art. 74 do RICNJ.

 




 

MINISTRA ROSA WEBER

Presidente do Conselho Nacional de Justiça