Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0005439-50.2022.2.00.0000
Requerente: RODRIGO CAPEZ
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO - TJSP

 


EMENTA: 

RATIFICAÇÃO DE DECISÃO LIMINAR EM PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. MAGISTRATURA ESTADUAL. FÉRIAS. CUMULAÇÃO DE PERÍODO AQUISITIVO. CIRCUNSTÂNCIAS ESPECIAIS QUE JUSTIFICAM A CONCESSÃO DE FÉRIAS PELO PRAZO DE 90 DIAS CONSECUTIVOS. ATENDIMENTO AO INTERESSE PÚBLICO.

1. É indiscutível a autonomia administrativa assegurada aos tribunais para disporem sobre sua organização interna e funcionamento, o que inclui a concessão de férias aos juízes que lhes sejam vinculados.

2. Possibilidade de intervenção do CNJ no controle de ato administrativo inválido. Vinculação à teoria dos motivos determinantes.

3. Determinação para que o Tribunal, excepcionalmente, conceda 90 dias consecutivos de férias a Juiz de Direito a ele vinculado, considerando as circunstâncias do caso concreto, como medida de preservação do interesse público.  

4. Pedido liminar acolhido diante da presença dos pressupostos do artigo 25, inciso XI, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça.

5. Liminar ratificada.

 

 ACÓRDÃO

O Conselho decidiu, por unanimidade: I - incluir em pauta o presente procedimento, nos termos do § 1º do artigo 120 do Regimento Interno; II - ratificar a liminar, nos termos do voto do Relator. Declarou suspeição o Conselheiro Richard Pae Kim. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário Virtual, 9 de setembro de 2022. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fux, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Não votou o Conselheiro Richard Pae Kim, em razão de suspeição declarada.

 

RELATÓRIO

 

Trata-se de Procedimento de Controle Administrativo, com pedido liminar, formulado por RODRIGO CAPEZ em face do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO - TJSP.

O Requerente, que é Juiz Auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça – CNJ e Juiz de Direito titular da 5ª Vara Especial da Infância e da Juventude da Comarca de São Paulo, aduz que o TJSP, por sua Presidência, indeferiu o seu pedido de gozo de férias pelo período excepcional de 90 dias, justificado pelos graves problemas familiares que vivencia, nos seguintes termos:

 

Trata-se de requerimento formulado pelo magistrado Rodrigo Capez, Juiz de Direito da 5a Vara Especial da Infância e Juventude da Capital, solicitando a concessão de 90 dias de férias, ou, subsidiariamente, de 75 dias de férias, por graves problemas pessoais.

É o sucinto relato.

Analisando-se o relatório de saldos, constata-se que o d. magistrado dispõe de 150 dias de férias, com saldo de indenização requerido de 28,63 dias.

É concedido aos magistrados o direito de usufruir 30 dias de férias em cada semestre.

O afastamento por período superior não atende ao interesse público, tendo em vista a impossibilidade de cobertura da unidade, acarretando prejuízos no andamento dos feitos e ao jurisdicionado.

O número de juízes auxiliares móveis na capital é reduzido e, tão logo cessada a convocação do requerente para auxiliar a Presidência do Conselho Nacional de Justiça (13 de setembro de 2022), a magistrada que o substitui terá novas designações, sendo impossível a cobertura de todos os afastamentos pelos juízes disponíveis.

Por outro lado, deve ser considerada a situação excepcional e grave retratada pelo magistrado, que autoriza a concessão de férias em período superior ao usual.

Assim, por ordem do Exmo. Sr. Presidente, fica indeferido o pedido, autorizada, contudo, a concessão de férias de 45 dias pelo requerente, pedido que deverá ser formalizado via Portal SEMA.

 

O Requerente relata que o deferimento parcial do seu pedido (quarenta e cinco dos noventa dias de férias requeridos) deve ser revisto por este Conselho, por afrontar importantes princípios constitucionais aplicáveis ao seu caso, tais como razoabilidade e proporcionalidade.

Informa, inicialmente, que há quatro anos não goza do seu direito a férias, as quais vêm sendo acumuladas e parcialmente indenizadas. Segundo diz, remanescem nesta data 178,63 dias a usufruir, abatido o período já indenizado pelo tribunal, o que corresponde a quase seis meses.

Salienta que “de maneira excepcionalíssima e justificada, solicitou, em razão de um quadro extremamente grave de saúde (...) o exercício de um direito subjetivo (o gozo de sessenta dias de férias anuais que lhe são asseguradas), acrescido de um pequeno período extraordinário (30 dias), ambos referentes a férias acumuladas”.

O pedido foi fundamentado em grave problema de saúde por que passa membro de sua família, a demandar especial dedicação de sua parte. Relata que “a filha (Geórgia Parente Coutinho Costa) de sua esposa (Luciana Coutinho Parente Capez), que tem apenas 20 anos de idade e mora na Espanha, em Madri, há 9 anos, foi diagnosticada em março de 2022 com um tumor de ovário extremamente agressivo, em adiantado estado, de grandes dimensões (18cm x 20cm), com metástase” (grifos originais).

Assevera que o quadro é “gravíssimo”, tendo ela realizado dois procedimentos cirúrgicos, além de atualmente estar se submetendo a tratamento quimioterápico, encontrando-se “extremamente debilitada”.

Diante dessa circunstância, o Requerente esclarece que sua esposa “viajou em março deste ano para Madri, permaneceu 2 meses com a filha, retornou brevemente ao Brasil e desde junho está na Espanha, com previsão de retorno ao Brasil em novembro” (grifos originais).

Acrescenta ainda que a sua “...convocação (...) para auxiliar a Presidência do Conselho Nacional de Justiça deverá se findar em 13 de setembro de 2022, a partir de quando deverá assumir a 5ª Vara Especial da Infância e da Juventude da Capital, da qual é titular, e na qual semanalmente se realizam dezenas de audiências”.

Não obstante, afirma não ser possível o seu retorno às atividades nesse momento, pois tem um filho de 5 anos que está inteiramente sob seus cuidados, sua mãe tem quase 90 anos e saúde frágil e a sua sogra reside em local distante, tendo sob seus cuidados outra menor.

Além do intenso desgaste psicológico gerado pela grave situação, o requerente informa que não conta com suporte familiar para cuidar do filho de apenas 5 anos, cuja situação tem provocado impactado psicológico pela prolongada ausência da mãe, sendo necessário tratamento psicológico para a criança.

Ainda de acordo com o requerente, “(...) em 2022, sua esposa terá passado longos 6 (seis) meses na Espanha cuidando da filha, período em que o requerente não poderá contar com seu auxílio nos cuidados do filho pequeno” (grifos originais), argumentando, no ensejo, que o contexto familiar descrito acarreta grande sobrecarga física e psíquica, com inegável repercussão na sua condição de trabalho.  

Por outro lado, aduz que “já existe juíza auxiliar designada para assumir a Vara, de modo que não será necessário remanejar nenhum outro juiz para a função, e não seria essa permanência, com o máximo respeito e acatamento, que geraria algum tipo de risco à prestação jurisdicional na comarca da Capital” (grifos originais). 

Acrescenta que o seu filho de cinco anos “se encontra muito fragilizado pela longa ausência da mãe e pelo quadro dramático vivido pela irmã. (...) Como não há rede de apoio, precisa de um acompanhamento muito mais próximo e intenso por parte do pai, que toma conta de toda a sua rotina e o leva para todas as suas atividades”. 

Pediu, ao final, o seguinte:

 

“a) o deferimento da tutela cautelar de urgência, presentes o fumus boni juris e o periculum in mora, para assegurar ao requerente de forma ininterrupta, após o exaurimento dos 45 (quarenta e cinco) dias de férias já autorizados pela Presidência do TJSP, o gozo adicional de outros 45 (quarenta e cinco) dias de férias acumuladas; e

b) no mérito, seja julgado procedente o pedido deduzido no presente Procedimento de Controle Administrativo, a fim de, reformando-se a decisão ora impugnada da Presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo, tornar-se definitiva a tutela de urgência para se deferir ao requerente o gozo de mais 45 (quarenta e cinco) dias de férias em adição ao período já autorizado pelo TJSP, totalizando-se 90 (noventa) dias de férias”.

 

Na inicial análise dos autos (Id nº 4846116), em 30 de agosto de 2022, foi deferido o pleito liminar, ad referendum do Plenário do CNJ, para determinar ao Tribunal requerido que proceda a revisão do ato impugnado, de forma a assegurar o gozo de férias pelo período consecutivo de 90 (noventa) dias pelo magistrado requerente, em razão das circunstâncias excepcionais do caso concreto.

 

É o Relatório.


 

 

VOTO

 

Em cumprimento ao disposto no art. 25, XI, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), submeto à apreciação do Plenário a decisão liminar proferida nos presentes autos (Id nº 4846116), cujas razões foram assim apresentadas:

  

DECISÃO 

(...)

Analisando as circunstâncias trazidas pelo Requerente, bem como a farta documentação acostada, tenho por cumpridos os requisitos autorizadores da concessão da medida de urgência.

Com efeito, nos termos do artigo 25, XI, do Conselho Nacional de Justiça, o deferimento de medidas urgentes está condicionado à presença de dois requisitos, a saber: plausibilidade do direito invocado (fumus boni juris) e demonstração da necessidade de provimento acautelatório imediato ante o risco de perecimento do direito invocado (periculum in mora). 

De início, impende frisar que é incontroverso nestes autos o acúmulo, pelo Requerente, de 178,63 dias não gozados de férias, dos quais 150 dias deverão ser gozados oportunamente e 28,63 deverão ser indenizados, conforme extrato acostado (Id 4843928) e expressamente reconhecido pela douta Presidência do TJSP na decisão ora questionada.

Dito isso, tem-se que a vexata quaestio é tão somente a forma de exercício de parte deste direito, vale dizer, se poderiam ser gozados, do total indicado acima, consecutivamente, 90 dias.

Saliente-se também que é indiscutível a autonomia administrativa assegurada aos tribunais pela Constituição Federal para disporem sobre sua organização interna e funcionamento, o que inclui a concessão de férias aos Juízes que lhes sejam vinculados[1].

Em regra, portanto, cada Corte de Justiça deve decidir autonomamente sobre a matéria, considerando o interesse público e os critérios de conveniência administrativa, a fim de que não reste prejudicada a qualidade da prestação jurisdicional. Tem-se, é verdade, clara hipótese de exercício do Poder Discricionário, concedido pela lei ao administrador público para identificar, diante do caso concreto, a solução mais adequada, dentro de critérios de conveniência e oportunidade, sempre na busca do interesse público.

Note-se, contudo, que tal poder deve ser exercitado dentro dos limites da lei e à luz das circunstâncias do caso concreto.

No caso destes autos, a decisão adotada pela douta Presidência do TJSP, ao indeferir o pleito de férias nos moldes em que formulado pelo Requerente, à primeira vista, parece estar dissociada de razoabilidade, afastando-se, dessa forma, da busca do interesse público.

Sobreleve-se, por relevante, que o Requerente exerce a magistratura há 29 anos, com trajetória respeitada e reconhecida em todos os âmbitos em que atuou, tendo ocupado, especialmente a partir do ano de 2010, posições sabidamente reservadas a magistrados dotados de qualificação, responsabilidade e dedicação ao Poder Judiciário bem superiores à média, a exemplo das funções de Juiz assessor da Vice-Presidência do TJSP (2010 a 2013), Juiz Auxiliar e Instrutor do gabinete do Ministro Dias Toffoli no Supremo Tribunal Federal (2014 a 2018) e Juiz Auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça nas gestões dos Ministros Dias Toffoli (2018 a 2020) e Luiz Fux (2020 a 2022). 

Tais funções, como cediço, não raro exigem dos seus titulares nível de sacrifício pessoal bastante considerável, o que justifica ter o Requerente acumulado tantos períodos de férias sem o devido gozo.

Por outro lado, há nos autos farta documentação comprobatória do problema familiar por ele vivenciado, com destaque para o laudo médico em que se constata o grave problema de saúde de sua enteada (Id 4843923) e para o documento no qual as autoridades espanholas concedem à sua esposa a prorrogação do visto de permanência na Espanha em razão dos problemas de saúde de sua filha (Id 4943925).

O ato questionado no presente procedimento é a negativa, pela Presidência do TJSP, de deferimento do gozo de férias pelo período de 90 dias em favor do Requerente, tendo a Corte deferido o período de 45 dias, com base no fundamento seguir transcrito:

 

O afastamento por período superior não atende ao interesse público, tendo em vista a impossibilidade de cobertura da unidade, acarretando prejuízos no andamento dos feitos e ao jurisdicionado.

 

Ocorre que, como dito acima, o Requerente está convocado para atuar como Juiz Auxiliar da Presidência deste Conselho desde o ano de 2018, de forma ininterrupta, tendo o TJSP deferido seu afastamento das funções até o dia 31 de dezembro de 2022, conforme ofício enviado pelo seu Presidente ao Presidente do CNJ (Id 4843927). Ora, ao deferir o pedido formulado, imperiosa a conclusão de que, até esta data, a Corte está presumivelmente preparada e já adotou providências administrativas conducentes à sua substituição na Vara da qual é titular, repise-se, até 31 de dezembro de 2022.

Tal situação, ressalte-se, já perdura por mais de oito anos, período em que o Requerente vem atuando nas diversas funções de auxiliar de Gabinete do STF e da Presidência do CNJ, como já assentado, e sendo devidamente substituído na sua Vara de origem. Não parece crível, portanto, o argumento da suposta impossibilidade de prolongar, apenas por mais 45 dias, substituição que já perdura por tanto tempo.

Note-se ainda que, como o período de férias requerido terá início em 13 de setembro do corrente ano, o mesmo expirará, se atendido na sua integralidade (por 90 dias), em 13 de dezembro de 2022, ou seja, ainda dentro do período previsto - e já antes deferido pela própria administração do Tribunal -  para o seu afastamento.

Dessa forma, aparentemente, não se sustenta o fundamento apresentado pelo TJSP para o indeferimento do pedido de férias tal como formulado pelo Requerente, vale dizer, a “impossibilidade de cobertura da unidade”. Tal constatação constitui fator de atração da conhecida Teoria dos Motivos Determinantes, amplamente consagrada na melhor doutrina administrativista pátria, e que muito provavelmente conduzirá à inevitável invalidade da decisão questionada.

Com efeito, pela teoria referida, expostos os motivos de fato que justificaram a prática de determinado ato administrativo, a Administração Pública estará a eles vinculados, de tal sorte que, acaso se mostrem falsos, será inválido o ato.

A propósito, indispensável é a exortação das lições de Celso Antônio Bandeira de Melo, senão vejamos:

 

De acordo com esta teoria, os motivos que determinaram a vontade do agente, isto é, os fatos que serviram de suporte à sua decisão, integram a validade do ato. Sendo assim, a invocação de ‘motivos de fato’ falsos, inexistentes ou incorretamente qualificados vicia o ato mesmo quando, conforme já se disse, a lei não haja estabelecido, antecipadamente, os motivos que ensejariam a prática do ato. Uma vez enunciados pelo agente os motivos em que se calçou, ainda quando a lei não haja expressamente imposto a obrigação de enunciá-los, o ato só será válido se estes realmente ocorrerem e o justificavam.[2] 

 

Nesse passo, é apropriado asseverar que a teoria que ora se invoca tem aplicação irrestrita mesmo diante da discricionariedade administrativa, como vaticina, com pena de mestre José do Santos Carvalho Filho:

 

Desenvolvida no Direito francês, a teoria dos motivos determinantes baseia-se no princípio de que o motivo do ato administrativo deve sempre guardar compatibilidade com a situação de fato que gerou a manifestação da vontade. (...)

A aplicação mais importante desse princípio incide sobre os discricionários, exatamente aqueles em que se permite ao agente maior liberdade de aferição da conduta. Mesmo que um ato administrativo seja discricionário, não exigindo, portanto, expressa motivação, esta, se existir, passa a vincular o agente aos termos em que foi mencionada. Se o interessado comprovar que inexiste a realidade fática mencionada no ato como determinante da vontade, estará ele irremediavelmente inquinado de vício de legalidade.[3]

 

Na jurisprudência deste Conselho Nacional de Justiça, são inúmeros os precedentes onde foi aplicada a teoria dos motivos determinantes, envolvendo variados temas:

 

CNJ – PCA Nº 1078-73.2011.2.00.0000 – RELATOR CONSELHEIRO WALTER NUNES:

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS. CONCURSO DE INGRESSO E REMOÇÃO. APRESENTAÇÃO DE DIPLOMA DE CONCLUSÃO DO CURSO DE DIREITO COM A PROVA DE TÍTULOS. POSSIBILIDADE. RECURSO ADMINISTRATIVO QUE ANALISOU SITUAÇÃO ANÁLOGA. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES. EXIGÊNCIA ANTERIOR AO EXAURIMENTO DAS FASES ELIMINATÓRIAS. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. SÚMULA 266/STJ. 

 

CNJ – PP Nº 3917 – 71.2011.2.00.0000 – RELATOR CONSELHEIRO SÍLVIO ROCHA:

TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES. APLICABILIDADE. PEDIDO PARCIALMENTE PROCEDENTE. 

 

CNJ – PCA Nº 83 – RELATOR CONSELHEIRO ALEXANDRE DE MORAES:

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. COMPETÊNCIAS CONSTITUCIONAIS. 
I - Competência constitucional do Conselho Nacional de Justiça para controlar e supervisionar financeira, administrativa e disciplinarmente todos os órgãos do Poder Judiciário, com exceção do Supremo Tribunal Federal. Inteligência dos arts. 102, I, 'r' e 103-B, §4º, da Constituição Federal. 
II - Não conhecimento do Pedido de Controle Administrativo em relação ao Supremo Tribunal Federal. Conhecimento em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário. 
III- Possibilidade de controle da constitucionalidade, legalidade do ato administrativo discricionário e fiel observância aos princípios e preceitos do art. 37 do texto constitucional. 
IV - Possibilidade de controle do ato administrativo discricionário nas hipóteses de desvio de poder ou de finalidade e pela teoria dos motivos determinantes. 
V - ATOS NORMATIVOS DE TRIBUNAIS E DO CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL QUE ALTERARAM HORÁRIO DE EXPEDIENTE DOS SERVIDORES PÚBLICOS OCUPANTES DE CARGOS DE PROVIMENTO EFETIVO. Regulamentação por atos administrativos discricionários dentro dos parâmetros fixados pela Lei nº 8.112/90. 
VI - INEXISTÊNCIA DE INCONSTITUCIONALIDADE OU ILEGALIDADE. 
VII - NÃO COMPROVAÇÃO DE FERIMENTO AO INTERESSE PÚBLICO OU A PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. O Ministério Público Federal não apresentou provas ou meros indícios de ferimento ao princípio da eficiência pelas alterações 
administrativas realizadas. 
VIII -PEDIDOS CONHECIDOS EM PARTE (PCA 77, 80,81,82,83) E INDEFERIDOS NA PARTE CONHECIDA. 

 

No presente caso, vê-se que é bastante plausível a conclusão de serem desconformes os motivos determinantes do ato administrativo objurgado (indeferimento do período de férias de 90 dias em razão de suposta impossibilidade cobertura da unidade) e a realidade (TJSP já havia deferido o afastamento do Requerente até o dia 31 de dezembro de 2022). 

Em outro vértice, é mister pontuar que a temática relacionada às férias dos Magistrados, bem como os respectivos atos de concessão pelos diversos tribunais, já foi objeto de análise e deliberação por este CNJ inúmeras vezes. Confira-se:

 

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. IMPUGNAÇÃO DE ATO QUE ESTABELECE REGRAMENTO PARA A FRUIÇÃO DE FÉRIAS DOS MAGISTRADOS. IMPOSSIBILIDADE DE FRACIONAMENTO DAS FÉRIAS EM PERÍODO INFERIOR A TRINTA DIAS. SUJEIÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. NULIDADE PARCIAL DO ATO.

Em conformidade com a jurisprudência firmada por este Conselho, ainda que trate de matéria afeta à competência do próprio Tribunal, o ato administrativo é passível de revisão quando verificado vício que comprometa sua legalidade.

Havendo expressa vedação legal para o fracionamento das férias dos magistrados em períodos inferiores a trinta dias (§ 1º do artigo 67 da Lei Complementar n° 35), é de se declarar a nulidade do dispositivo contido em ato normativo, expedido por tribunal, que contempla a possibilidade de fruição das férias pelos juízes em período de quinze dias, por afronta ao princípio da legalidade.

Procedimento de Controle Administrativo parcialmente procedente.

(CNJ - PCA - Procedimento de Controle Administrativo -  0005600-17.2009.2.00.0000 - Rel. NELSON TOMAZ BRAGA - 100ª Sessão Ordinária - julgado em 10/03/2010).

 

 

RECURSO ADMINISTRATIVO EM PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 6ª REGIÃO. GARANTIA AO DIREITO ÀS FÉRIAS. INTERRUPÇÃO E SUSPENSÃO DO GOZO DE FÉRIAS DE MAGISTRADO. MEDIDA EXCEPCIONAL. IMPERIOSA NECESSIDADE DE SERVIÇO. CONVOCAÇÃO DE MAGISTRADOS DE 1º GRAU PARA SUBSTITUIÇÃO EM 2º GRAU. PRAZO SUPERIOR A 30 DIAS. ESTRITA OBSERVÂNCIA À LOMAN E À RESOLUÇÃO CNJ 72/2009. ADOÇÃO DE MECANISMOS DE COMPENSAÇÃO QUE ENSEJAM A SUBSTITUIÇÃO NO 2º GRAU.  IMPOSSIBILIDADE. ABUSO DE DIREITO. PREJUÍZO À PRESTAÇÃO JURISDICIONAL DO 1º GRAU. POLÍTICA NACIONAL DE ATENÇÃO PRIORITÁRIA AO PRIMEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. DETERMINAÇÃO, DE OFÍCIO, PARA QUE O TRIBUNAL ALTERE DISPOSITIVOS DE SEU REGIMENTO INTERNO.

1. Pedido de Providências em que se pleiteia sejam cessadas as convocações de juízes de 1º grau do TRT 6 para substituição de desembargadores em seus afastamentos, quando estes suplantam 30 dias, em razão de compensações decorrentes de interrupções de férias e outras licenças.

2. Dada a relevância do direito às férias, a interrupção ou suspensão de férias de magistrados deve ocorrer em caráter excepcional, limitando-se à imperiosa necessidade de serviço, com vistas à efetiva prestação jurisdicional. Precedente STF. (HC 92676, Rel. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma).

3. Consoante art. 118, caput, da LOMAN e art. 4º, caput, da Resolução CNJ 72/2009, a convocação de juízes de primeiro grau para substituição nos Tribunais poderá ocorrer nos casos de vaga ou afastamento por prazo superior a 30 dias.

4. Conquanto seja preservado o direito dos desembargadores de fazer uso das compensações decorrentes de interrupção de férias ou licenças em período subsequente aos 30 dias de férias, referidas compensações não podem ser contabilizadas com o intuito de dar ensejo à convocação de juízes de 1º grau para substituição no tribunal, sob pena de se configurar o abuso de direito.

5. Considerando a realidade da 1ª instância do TRT 6, a prática adotada pelo tribunal de convocação de magistrados do 1º grau para substituição no 2º, em virtude de afastamentos somados a mecanismos de compensação, afigura-se contrária à Política Nacional de Priorização do 1º grau e, sobretudo, prejudicial à efetiva prestação jurisdicional daquela Região.

6. Recurso Administrativo conhecido e provido. Determinação, de ofício, para que o TRT 6 altere dispositivos de seu Regimento Interno, de forma a garantir o bom funcionamento dos serviços na 1ª instância e assegurar o direito dos magistrados à fruição de férias.

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 0001206-54.2015.2.00.0000 - Rel. MÁRCIO SCHIEFLER FONTES - 32ª Sessão Virtual - julgado em 07/03/2018).

 

À vista do contexto descrito, é possível afirmar que a concessão das férias ao Requerente pelo período de 90 dias, dadas as circunstâncias específicas do caso presente, vem ao encontro do melhor interesse público. A uma, por preservar a saúde mental e física do magistrado, prevenindo indesejável situação de stress psicológico que decerto comprometeria a qualidade da prestação jurisdicional. A duas, pelo fato de representar economia aos cofres públicos, já que, se o mesmo período fosse indenizado, isso importaria no pagamento de aproximadamente R$ 114.639,00 ao Requerente (valor correspondente a três subsídios).

Por derradeiro, relevante registrar que o direito pretendido encontra substrato no dever de proteção da família, reconhecido pela Suprema Corte brasileira como elemento fundamental da sociedade[4]. De acordo com o texto constitucional (art. 226), impõe-se ao Estado o dever de “assegurar assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”.

O referido preceito constitucional reverbera, por evidente, nas atuações administrativas do Poder Judiciário frente aos seus servidores e magistrados, o qual deve ser atento e sensível para essas demandas, equalizando a necessidade da manutenção da prestação jurisdicional com o exercício do direito de férias que deve ser assegurado a todo trabalhador.

Por todo o exposto, penso que há forte plausibilidade jurídica quanto à alegação de invalidade do ato de indeferimento do pedido de férias pelo período de 90 dias (ou deferimento parcial por 45 dias), tal como formulado pelo Requerente. Considero, pois, presente o fumus boni juris, necessário à concessão da medida de urgência.

Em outra quadra, as circunstâncias do caso igualmente permitem identificar a presença do periculum in mora, segundo requisito para a concessão da liminar pleiteada, vez que a situação familiar vivenciada pelo Requerente – e amplamente comprovada pela documentação acostada – demonstra a necessidade de previsibilidade quanto à rotina sua e de seu filho, sendo certo que cada dia a mais de incerteza quanto à fruição dos 45 dias adicionais de férias (além dos já deferidos pelo TJSP) poderia agravar ainda mais os graves problemas familiares suportados.

Ante o exposto, em exame de cognição sumária, restando evidenciado, neste momento processual, a presença dos requisitos autorizadores da medida de urgência pleiteada, com fulcro no artigo 25, XI, do Regimento Interno do CNJ, DEFIRO o pedido de liminar, inaudita altera pars, para DETERMINAR ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo a revisão do ato de indeferimento do gozo de férias formulado pelo Juiz de Direito Rodrigo Capez (ou deferimento parcial pelo período de 45 dias), devendo a Corte, ante as circunstâncias excepcionais do caso, conceder ao mesmo o gozo de 90 dias consecutivos de férias, contados a partir do dia 13 de setembro e 2022.

Intime-se o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – TJSP para que tome ciência e dê cumprimento imediato à presente decisão, bem como para que apresente informações sobre o caso no prazo regimental de 15 (quinze) dias.

Inclua-se o feito em pauta, na primeira oportunidade, para submissão da presente decisão ao referendo do Plenário do Conselho Nacional de Justiça, na forma regimental.

À Secretaria Processual para as providências cabíveis, com a urgência que o caso requer.

Brasília, data registrada no sistema.

 

Conselheiro João Paulo Schoucair

Relator 

  

Por todo exposto, reitero os fundamentos acima transcritos para propor a ratificação da liminar apresentada.

É como voto.

Brasília, data registrada no sistema.

 

Conselheiro João Paulo Schoucair

Relator 



[1] Artigo 96, I, f, da Constituição Federal.

 

[2] MELO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 32. Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2015, p. 412.

[3] CARVALHO FILHO, José do Santos. Manual de Direito Administrativo, 31. Ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 108.

[4] STF, Tribunal Pleno, RE 878693, Relator Min. ROBERTO BARROSO, julgado em 10/05/2017, DJe de 06/02/2018.