PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. REALIZAÇÃO DE CONSULTA PRÉVIA À ELEIÇÃO, NÃO VINCULATIVA, A TODOS OS MAGISTRADOS DE 1º E 2º GRAUS, EM RELAÇÃO AOS DESEMBARGADORES ELEGÍVEIS À DIREÇÃO DO TRIBUNAL. LEGALIDADE.

1. Impugnação à eleição arguida após realização de consulta prévia à magistratura de 1º e 2º grau, relativamente aos Desembargadores elegíveis à direção do Tribunal. Matéria contida na autonomia do Tribunal.

2. Inexistência de vício no procedimento de alteração do regimento interno do Tribunal, porquanto a Comissão de Regimento Interno, autora da emenda, possui legitimidade para elaborar a proposta.

3. A condição constitucional estipulada para permitir a eleição para cargos de direção dos tribunais brasileiros está expressamente prevista na Carta Magna, a saber:  ser membro efetivo do tribunal, tanto para votar, quanto para ser votado.

4. O STF já pacificou entendimento sobre a autonomia dos Tribunais para fixar regras de eleição de seus quadros dirigentes (ADI 3976).

5. Ainda que os juízes de primeiro grau sejam ouvidos no processo consultivo, o colégio eleitoral continua a ser formado exclusivamente por desembargadores que optam por escolher aqueles, dentre os também desembargadores elegíveis, que lhes parecem mais indicados para os cargos em disputas.

 

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO QUE SE JULGA IMPROCEDENTE

 

 ACÓRDÃO

Após o voto do Conselheiro Mario Goulart Maia (vistor), o Conselho, por unanimidade, julgou improcedente o pedido. Vencidos, parcialmente, os Conselheiros Sidney Madruga, Luiz Fernando Bandeira de Mello, Mauro Pereira Martins, Marcio Luiz Freitas e Mario Goulart Maia, que entendiam que o Tribunal não poderia promover consulta para escolha dos cargos de direção da Corte. Lavrará o acórdão o Conselheiro Vieira de Mello Filho. Votou o Presidente. Ausentes, em razão das vacâncias dos cargos, o representante da Justiça do Trabalho, o representante do Ministério Público Estadual e os representantes do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário, 19 de abril de 2022. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Sidney Madruga (Relator), Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0007069-78.2021.2.00.0000
Requerente: MARCELO JOSE FERLIN D AMBROSO
Requerido: TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 4ª REGIÃO - TRT 4


 

RELATÓRIO 

  

Trata-se de Procedimento de Controle Administrativo (PCA), com pedido liminar, proposto por Marcelo José Ferlin D’Ambroso, contra atos exarados nos Processos Administrativos Eletrônicos (PROADs) n.º 3171/2021 e 4545/2021, respectivamente, que resultaram na alteração das regras atinentes ao processo de eleição dos órgãos diretivos do Regimento Interno do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RITRT4). 

Em suas razões, sustenta que a mencionada alteração implicou modificação nas regras estabelecidas para o processo eleitoral para escolha dos cargos de direção da Corte, o que resultou em “candidatos únicos”, uma vez que “foram decisivas para inibir e excluir candidatos diversos daqueles que já haviam sido apresentados como preferência junto ao primeiro grau de jurisdição”. 

Entende, também, que o art. 16 da Constituição Federal[1]   não permite a alteração no ano de eleições. 

O requerente afirma que a “consulta” prevista no § 1º e § 2º do art. 16, do RITRT4 possui nítido caráter vinculativo, uma vez que: “quem participa do malsinado “processo consultivo”, em sua grande maioria, não tem coragem para votar em sentido contrário no momento de realização do Tribunal Pleno de eleições da Corte” (Id. 4481392, fl. 30). 

Enumera, ainda, outras supostas irregularidades: a) inexistência de requerimento inicial da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 4º Região (AMATRA IV) do PROAD n.º 3171/2021; b) suspeição do Desembargador que assinou o parecer favorável à alteração pretendida; c) falta de motivação para o ato; d) peso diferenciado na manifestação dos Desembargadores.

Pugna, em caráter liminar, a cassação das alterações promovidas pelo RITRT4 em relação à eleição para os seus órgãos diretivos ou a suspensão do processo eleitoral para a administração do Tribunal até o julgamento definitivo do presente PCA.

No mérito, pede a nulidade dos PROADs n.º 3171/2021 e 4545/2021, e para que seja vedada a realização nas eleições para os cargos de direção da Corte de processos consultivos que computem votos de magistrados de primeiro grau: 

 

[...] 11. Isto posto, ao final requer seja confirmada a liminar e determinado ao eg. TRT da 4ª Região:

I – a nulidade absoluta do PROAD 3171/2021 e PROAD 4545/2021 (vinculado ao 3171/2021) e das Sessões de 16/07/2021 e 06/08/2021;

II – o cumprimento estrito da disciplina prevista no art. 96, I, a, da Constituição da República, c/c arts. 21 e 102 da LOMAN, observando-se nas eleições para os cargos de direção da Corte, a eleição direta, secreta e exclusiva entre Desembargadores e Desembargadoras integrantes do Tribunal;

III – que seja vedada a realização futura de “processos consultivos” ou congêneres, formação de comissões eleitorais ou campanhas eleitorais que computem votos ou colham opiniões dos juízes do primeiro grau acerca de quem deve estar na direção do Tribunal. 

 

O requerente apresenta documentos que, em tese, fundamentam suas razões (Id. 4484662).

Os autos, pois, foram remetidos ao gabinete da eminente Conselheira Flávia Pessoa, para análise da medida liminar, em atenção ao artigo 24, I, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça[2] .

A então Conselheira Relatora, em substituição, determinou a intimação do Tribunal para manifestação, antes de apreciar a tutela de urgência (Id. 4482140).

Ao seu turno, os Desembargadores Ricardo Hofmeister de Almeida Martins Costa, João Paulo Lucena e Fabiano Holz Beserra requereram as suas inclusões no  feito como terceiros interessados (Ids: 4491981 e 4492429).

Em resposta, a Presidência da referida Corte informou que:

a) a mencionada alteração decorreu do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 3.976/SP e do Mandado de Segurança n.º 32.451/DF;

b) o PROAD n. 4545/2021 não tratou de alteração regimental, mas da Resolução Administrativa n.º 19/2017, que disciplinou o procedimento da consulta prévia e não vinculativa;

c) a modificação operada no RITRT4, objeto do PROAD n.º 3171/2021, apesar de ter sido apresentada petição pela AMATRA IV, decorreu de impulso da Presidência do Tribunal;

d) o rito previsto nos arts. 948 a 950 é aplicável à arguição de inconstitucionalidade, nos autos de processo judicial;

e) não se caracterizou a suspeição do Desembargador que assinou o parecer favorável à pretendida alteração, vez que decorreu de sua qualidade de Presidente da Comissão de Regimento Interno;

f) inexiste nulidade nas sessões que julgaram os mencionados PROAD’s, pois, conforme o RITRT4, nas deliberações do Tribunal Pleno apenas têm assento e direito à manifestação os Desembargadores e o representante do Ministério Público do Trabalho, bem como, de acordo com a Secretaria de Tecnologia da Informações e Comunicações, não se constatou qualquer inconsistência na transmissão;

g) as disposições do art. 16 da Constituição Federal apenas se aplicam aos processos eleitorais para os cargos dos Poderes Executivo e Legislativo;

h) a alteração regimental aprovada amplia o universo de elegíveis, na medida em que, para cada cargo diretivo do Tribunal, poderão concorrer até 10 Desembargadores;

i) a mencionada consulta não apresenta viés vinculativo, tendo em vista que o seu resultado não se impõe aos Desembargadores.

O Desembargador Francisco Rossal de Araújo; a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA) e a Associação dos Magistrados do Trabalho da 4ª Região (AMATRA 4) igualmente postularam o ingresso como terceiro(as) interessado(as) e, no ensejo, reiteraram as razões apresentadas pelo TRT4 (Id.: 4493525; 4495200 e 4496534).

A então Conselheira Relatora em substituição determinou a inclusão dos requerentes no feito como pretendida, porém, indeferiu a liminar vindicada, por considerar que o controle da legalidade do Conselho sobre atos internos dos Tribunais constitui medida excepcional (Id. 4498698).

A seu turno, a Presidente do TRT4, Desembargadora Carmen Izabel Centena Gonzalez, atravessou petição em que informa que, no dia da eleição, foi ressaltado publicamente que dita consulta não era vinculativa e que fora a primeira vez que houve candidaturas únicas para os cargos em questão. Salientou, ainda, que foi rejeitado pelo Pleno do Tribunal a tese de nulidade da Sessão (Id. 4500937).

Por fim, o Desembargador Ricardo Hofmeister de Almeida Martins Costa aduziu que a alteração do artigo 16 do RITRT4 não teve qualquer aplicação na definição dos eleitos e que o ora requerente sequer se candidatou, além do que teria ocorrido a perda do objeto do presente PCA, uma vez que a eleição findou por se realizar (Id. 4512201).

É o relatório. 

 

  

  

Autos:

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0007069-78.2021.2.00.0000

Requerente:

MARCELO JOSE FERLIN D AMBROSO

Requerido:

TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 4ª REGIÃO - TRT 4

 

VOTO DIVERGENTE

 

O EXMO. SR. CONSELHEIRO MINISTRO LUIZ PHILIPPE VIEIRA DE MELLO FILHO (VISTOR):

 

1.     Relatório

Trata-se de Procedimento de Controle Administrativo (PCA) proposto por MARCELO JOSÉ FERLIN D’AMBROSO contra atos do TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 4ª REGIÃO (TRT4) que alteraram o processo de escolha de desembargadores para os cargos de direção daquele Tribunal (PROAD 3171/2021 e 4545/2021).

Aduziu que no mês de outubro de 2021 seria realizada eleição para os cargos de direção do TRT4 com candidatos únicos. Alegou que o fato decorreu de alterações regimentais que, dentre outras questões, ampliaram o universo de desembargadores elegíveis e sacramentaram as candidaturas de determinados postulantes apoiados por associação de classe e excluíram ou inibiram a candidatura de outros interessados.

Afirmou que o TRT4 tornou passível de eleição os desembargadores ocupantes do quinto mais antigo e que tal mudança não respeitou o princípio da anterioridade eleitoral inserto no art. 16 da Constituição Federal, o qual, em sua compreensão, deve ser aplicado às eleições dos tribunais. Sustentou que a alteração na formatação das sessões virtuais, com impedimento de participação de advogados e assessores na plataforma Zoom, aliada à desativação da funcionalidade chat na transmissão pelo site YouTube configuram violação ao princípio da publicidade.

Apontou descumprimento de orientação do Conselho Nacional de Justiça ao possibilitar a participação de magistrados de primeiro grau no processo eleitoral e assinalou que a medida confere pesos diferentes a votos de desembargadores e juízes.

O requerente apontou ausência de respeito aos princípios democráticos e argumentou que as alterações regimentais não foram motivadas e que o desembargador que presidiu a comissão que deu parecer favorável às alterações regimentais foi beneficiado pelas mudanças no processo eleitoral. Destacou voto de membro do Tribunal que apontou vício de legalidade, publicidade, transparência, falta/desvio de motivação nas emendas regimentais.

Em caráter liminar, requereu a cassação das alterações no regimento interno do TRT4 promovidas pelo PROAD 3171/2021 e PROAD 4545/2021 ou a suspensão do processo de eleição para os cargos de direção do Tribunal.

No mérito, pugnou pela confirmação do provimento cautelar com declaração da nulidade absoluta do PROAD 3171/2021 e PROAD 4545/2021, bem como das sessões nas quais os procedimentos foram apreciados. Além disso, requereu que a eleição dos cargos diretivos fosse restrita aos desembargadores integrantes do Tribunal e que seja vedada a realização de processos consultivos prévios nos próximos pleitos.

No Id4491981, RICARDO HOFMEISTER DE ALMEIDA MARTINS COSTA requereu o ingresso no feito na condição de terceiro interessado. Igual pedido foi formulado por JOÃO PAULO LUCENA e FABIANO HOLZ BESERRA no Id4492429, por FRANCISCO ROSAL DE ARAÚJO no Id4493525, pela ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS MAGISTRADOS DA JUSTIÇA DO TRABALHO (ANAMATRA) no Id4495200 e pela ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS DO TRABALHO DA 4ª REGIÃO (AMATRA 4) no Id4496534.

O TRT4 apresentou informações preliminares no Id4492432, nas quais registrou que as alterações regimentais foram realizadas no exercício da autonomia administrativa do Tribunal e que ampliaram o universo de elegíveis para os cargos diretivos, medida que estaria em conformidade com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal no julgamento do Mandado de Segurança 32.451/DF.

Assentou que a consulta prévia e não vinculativa é realizada entre desembargadores e juízes ocorre desde 2013 para apurar os candidatos aos cargos diretivos do Tribunal. Enfatizou que o resultado da consulta não vincula a eleição, uma vez que a votação é restrita aos desembargadores do TRT4.

Defendeu a legalidade do trâmite do PROAD 3171/2021 e do PROAD 4545/2021 e ressaltou que as alterações foram impulsionadas pela Presidência do Tribunal. Refutou as alegações de suspeição do desembargador que assinou o parecer da Comissão de Regimento Interno e de nulidade das sessões administrativas, uma vez que a ausência da funcionalidade chat não é causa de nulidade e as deliberações podem ser acompanhadas pelo site YouTube pelo público em geral.

Argumentou que o art. 16 da Constituição Federal é inaplicável às eleições para cargos diretivos de Tribunais e rejeitou a alegação de que as alterações regimentais foram direcionadas à escolha de candidatos respaldados por associação de classe. Contestou os fatos apresentados em abaixo-assinado online juntado aos autos pelo requerente.

A liminar foi indeferida no Id 4498698.

Após novos esclarecimentos e apresentação de memoriais, estão os autos prontos para decisão.

 

 

2.     Fundamentação

 

Preliminarmente afasto a alegação de perda de objeto sustentada no Id 4512201 pois, ainda que tenha havido a eleição a que o Requerente se opôs, se houver ofensa às normas constitucionais ou for ilegal, por evidente não pode ser convalidada apenas pelo argumento do fato consumado. Ademais, o Requerente se volta contra o próprio processo que alterou o Regimento Interno, o que, se procedente, poderá ensejar a nulidade de todos os atos praticados a partir da modificação e, portanto, ensejar novas eleições.

 

Vencida a preliminar, passo à análise do mérito.

 

1.     Da ausência de vício no processo de alteração do regimento interno 

O requerente afirma que houve irregularidade no procedimento de inclusão em pauta do PROAD 3171/2021, cujo julgamento na sessão plenária de 16/07/2021 resultou na aprovação da proposta de alteração do Regimento Interno do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. Cita que a petição da Amatra IV, em relação à qual a Comissão de Regimento Interno emitiu parecer, não constava no processo.

Entretanto, de acordo com o artigo 216 do Regimento Interno do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, o que é submetido ao Pleno e ao Órgão Especial é o parecer da Comissão de Regimento Interno, e não o pedido apresentado pela associação ou outro ator que tenha legitimidade para proposições de alterações regimentais. Logo, a alegada irregularidade no processado não se sustenta diante da adequada instrução do PROAD levado à sessão plenária com as proposições da Comissão. Ademais, conforme se infere das fls. 31/32 do arquivo PDF emitido a partir do PROAD 3171/2021, em 16/04/2021, a Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 4ª Região – AMATRA IV encaminhou, em mensagem eletrônica dirigida à Exma. Presidente do TRT4, proposta de alteração regimental motivada na decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 3976. Em 19/04/2021, o requerimento formulado pela Amatra IV foi enviado à Comissão de Regimento Interno, que emitiu o competente parecer, em 20/05/2021, e encaminhou as três propostas para votação em sessão plenária.

 

Vale aqui destacar trecho importante do parecer que foi acolhido:

 

O cotejo entre a regra considerada inconstitucional e aquela atualmente existente no Regimento Interno do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região indica que a restrição deste é ainda maior. No caso objeto da ADI n° 3.976, todos os desembargadores integrantes do órgão especial poderiam concorrer. No nosso caso, apenas os quatro mais antigos. Vê-se, portanto, que a disposição do Regimento Interno é inconstitucional.” (Id 4481396, fls. 12.) (grifos meus)

 

Recebido o parecer em 18/06/2021, a Presidente determinou o encaminhamento do processo à Secretaria do Tribunal Pleno do Órgão Especial e da Seção de Dissídios Coletivos para inclusão na pauta do dia 28/06/2021.

A votação ocorreu na sessão do dia 16/07/2021, após vários pedidos de vista de outros desembargadores.

Considerando o quanto acima exposto, entendo que a irregularidade alegada não se sustenta, porquanto na sessão em que aprovada a proposta de alteração do Regimento Interno, os documentos anteriormente referidos - a partir dos quais se observou a provocação realizada à Presidência do TRT e o regular trâmite do requerimento, com o cumprimento dos prazos regimentais até a inclusão em pauta - estavam devidamente juntados ao PROAD. Necessário consignar, mais uma vez, que também nesse caso o que se votou foi o parecer da Comissão de Regimento Interno, e não o pedido da Associação. Mais importante, a alteração não se fundou no pedido da referida Associação para uma mudança de regra menor, mas na conclusão da Comissão de Regimento Interno de que era imperiosa a imposição de observância à determinação do STF, à qual a redação do Regimento Interno do TRT-4 não atendia.

 

Quanto ao PROAD 4545/2021, igualmente, não há irregularidade no seu processamento. O procedimento foi instaurado pela Presidência do Tribunal em decisão motivada a partir da necessária alteração da Resolução Administrativa TRT4 nº 19/2017, que trata das nominatas da consulta para os cargos de Presidente e Vice-Presidente do Tribunal, a fim de lhe conferir compatibilidade com nova redação do artigo 16 do Regimento Interno do TRT4, aprovada em razão da instauração do PROAD 3171/2021. O processo foi devidamente instruído com, além de outros documentos relativos à proposta, a decisão da Presidente e a minuta da Resolução Administrativa, sendo levado à pauta do dia 27/07/2021 para apreciação.

Assim, inexistente qualquer mácula invencível ao procedimento de ajuste do Regimento Interno atacado.

 

2.     Da eleição para os cargos de direção do Poder Judiciário

  Em relação à aplicação do artigo 16 da Constituição, melhor sorte não assiste ao Requerente.

Não há como se sustentar a aplicação do artigo 16 da Constituição Federal ao caso em análise, pois o dispositivo está inserido no Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais, no Capítulo IV – Dos Direitos Políticos da Carta Magna, ou seja, refere-se à disciplina constitucional dos direitos políticos assegurados a todos os cidadãos brasileiros, que abrange, como é notório, tanto ao direito de votar quanto o de ser votado para mandatos eletivos do Poder Executivo e do Poder Legislativo, em todas as esferas federativas.

Prescreve o artigo 14 da Carta Magna que o exercício da soberania popular é feito pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, pelo plebiscito, referendo ou iniciativa popular. A Constituição Federal estabelece que, nesses casos, o processo eleitoral será disciplinado por lei complementar e o mandato eletivo poderá ser impugnado perante a Justiça Eleitoral. Traz, também, norma de vigência da lei complementar eleitoral, esclarecendo ser esta lei que deverá entrar em vigor na data da sua publicação e não se aplica à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência. Nesse sentido, os artigos 14 e 16 da CF.

Resta evidente, portanto, que o processo eleitoral a que se refere o artigo 16 da Constituição Federal guarda pertinência diretamente com a escolha dos ocupantes de mandatos eletivos, nominalmente relacionados nesses dispositivos como sendo membros do Executivo e do Legislativo, tanto da União, quanto do Estados e de Munícipios, o que é feito por meio do sufrágio eleitoral, por todos e quaisquer brasileiros que se enquadrem nos requisitos constantes dos artigos 14 a 16 da Constituição Federal.

Ocorre, todavia, que por expressa previsão constitucional, a escolha dos membros dos cargos de direção dos tribunais não foi atribuída à competência do sufrágio eleitoral mas, sim – e esse é o texto da própria Constituição Federal -, privativamente aos próprios tribunais, conforme previsto em seu Regimento.

Logo, como consequência da previsão constitucional, enquanto qualquer brasileiro pode votar e ser votado para qualquer um dos cargos eletivos do Poder Legislativo e do Poder Executivo, desde que observadas as condições impostas nos artigos 14 a 16 da Constituição – em regra critérios essencialmente etário e de nacionalidade -, o mesmo não se observa para os cargos de direção do Poder Judiciário.

A condição constitucional estipulada para permitir a eleição para cargos de direção dos tribunais brasileiros está expressamente prevista na Carta Magna, a saber:  ser membro efetivo do tribunal, tanto para votar, quanto para ser votado.

Não se trata de lapso do constituinte. Ao contrário, ciente de que os membros do Poder Judiciário devem atuar de forma imparcial e técnica, o constituinte expressamente restringiu os seus cargos de direção a membros da própria Casa, como medida necessária para assegurar essa característica.

O artigo 96, I, a da Constituição Federal dispõe que compete privativamente aos Tribunais a eleição de seus órgãos de direção e elaborar seus regimentos internos, “com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos.”

Logo, enquanto para a escolha de ocupantes de mandatos eletivos do Executivo e do  Legislativo a Constituição Federal previu que o respectivo processo eleitoral seria disciplinado por lei complementar, trazendo, inclusive, regra explícita sobre o  início de sua vigência (artigo 16), o mesmo texto, ao dispor sobre o processo eleitoral de cargos de direção dos tribunais, evidenciou claramente que se tratava de matéria reservada privativamente aos seus regimentos internos, observadas regras que porventura vierem a ser trazidas  em lei  complementar de iniciativa do STF, referente ao Estatuto da Magistratura.

 Inequívoco, portanto, que são situações absolutamente distintas, com matrizes constitucionais diversas, de modo que não se pode pretender aplicar uma à outra por analogia. A analogia, no caso, não é cabível, em razão da disparidade das situações disciplinadas pelo constituinte. 

Constata-se, portanto, que a disciplina do processo eleitoral dos cargos de direção dos tribunais é matéria reservada pela Constituição à lei de iniciativa do STF, quanto às regras gerais, e privativamente aos tribunais, no que concerne ao procedimento específico. Incabível, assim, a analogia pretendida, visto serem situações absolutamente distintas.

Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal[1] [2], através do seu Pleno, já pacificou entendimento sobre a autonomia dos Tribunais para as regras de eleição de seus quadros dirigentes, in verbis:

 

“DIREITO CONSTITUCIONAL. INDEPENDÊNCIA E AUTONOMIA DO PODER JUDICIÁRIO. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 96, I, ‘A’ E 99 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CONSAGRAÇÃO DO AUTOGOVERNO DOS TRIBUNAIS. IMPOSSIBILIDADE DE RESTRIÇÃO DA CAPACIDADE ELEITORAL PASSIVA (ELEGIBILIDADE). NÃO RECEPÇÃO DO ARTIGO 102 DA LOMAN. PROCEDÊNCIA. 1. A Constituição Federal, em seus artigos 96, I, “a”, e 99, caput, consagrou a autonomia administrativa dos Tribunais e seu autogoverno, garantindo a escolha de seus órgãos de direção, como verdadeiro corolário da independência do Poder Judiciário, estabelecendo o mesmo universo de magistrados, tanto para a titularidade da capacidade eleitoral ativa (ELEITORES), quanto para o exercício da capacidade eleitoral passiva (CANDIDATOS), qual seja, todos os componentes do Colégio de Desembargadores do respectivo Tribunal. 2. A CORTE firmou o entendimento de que o artigo 102 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, cabendo aos próprios tribunais, no exercício de seu autogoverno, regularem a eleição de seus membros para os respectivos cargos diretivos (ADI 3976, relator Ministro EDSON FACHIN, j. em 25/6/2020)

(...)”

 

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ELEIÇÕES PARA OS ÓRGÃOS DIRETIVOS DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. NORMAS REGIMENTAIS REVOGADAS. PERDA DE OBJETO. ART. 62 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO. CANDIDATOS RESTRITOS AOS INTEGRANTES DO ÓRGÃO ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE. OFENSA AO ART. 96, I, A, E AO ART. 99, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ADI JULGADA PROCEDENTE. ART. 102, DA LOMAN NÃO RECEPCIONADO. I – A revogação expressa do artigo 27, § 2º, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e do artigo 1º. § 1º, da Resolução n.º 395/2007, daquela Corte, prejudica a análise da arguição de inconstitucionalidade quanto a estes dispositivos, por perda superveniente de objeto. Ação direta parcialmente conhecida. II - A escolha dos órgãos diretivos compete privativamente ao próprio tribunal, nos termos do artigo 96, I, ‘a’, e artigo 99, da Carta Magna, em homenagem à autonomia administrativa III – Matéria sujeita à disciplina por normas regimentais, não recepcionado o artigo 102, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LCp 35/1979), na parte em que restringe aos Juízes mais antigos o universo daqueles aptos a concorrer aos cargos de direção. IV - Ação direta parcialmente conhecida e, na parte conhecida, julgada procedente. V – Segurança concedida no MS 32.451/DF, confirmando-se a medida cautelar e cassando a decisão proferida pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça, nos autos do Pedido de Providências 005039- 51.2013.2.00.0000, restabelecendo a eficácia da Resolução 606/2013 do Órgão Especial do TJSP e julgando prejudicados os agravos regimentais interpostos no feito.”

 

 

Os tribunais não são órgãos meramente administrativos sem autonomia. Pelo contrário, exercem poder de Estado retirado diretamente da Constituição da República e são, dentro do pacto federativo que orienta a nossa Carta Magna, autônomos como o são as assembleias legislativas, as câmaras de vereadores, prefeitos, governadores e presidente da República. O princípio do autogoverno dos Tribunais deve ser interpretado em concordância prática com os princípios republicano e democrático, inclusive em vista da alteração promovida pela Emenda Constitucional 45/2004, que instituiu eleições para a composição de metade do Órgão Especial dos Tribunais, resultando em que metade das vagas do referido órgão devem ser providas por antiguidade e a outra metade por eleição direta do tribunal pleno, favorecendo, assim, a participação efetiva de todos os membros na condução dos assuntos.

Necessário, ainda, destacar a natureza administrativa do processo eletivo dos cargos diretivos nos tribunais , e não jurisdicional. Não se trata de distinção meramente formal.

A escolha de dirigentes, por se tratar de questão administrativa dos tribunais, disciplinada por regras próprias, não guarda qualquer pertinência com as normas processuais existentes para disciplinar o exercício da jurisdição por magistrados. Enquanto no primeiro caso há, apenas, um processo administrativo para escolha de um administrador da Corte; no segundo, há efetivo exercício da juris dictio e, consequentemente, a necessidade de se assegurar o exercício dos direitos fundamentais da ampla defesa e do contraditório. São situações completamente distintas.

Logo, não se mostra adequado cogitar que o advogado, que indubitavelmente é indispensável à administração da justiça, da juris dictio, precisaria também participar do processo eleitoral dos tribunais. Considerando que no processo eleitoral dos cargos de direção dos tribunais não há, por parte de nenhum dos envolvidos, nem o exercício do contraditório nem da ampla defesa, não se pode postular a participação do advogado, ou de qualquer um que não seja membro efetivo do tribunal, como condição de sua validade, ao contrário do que ocorre no processo judicial.

Não há no processo de eleição para os cargos de direção dos tribunais, é preciso frisar, o exercício de juris dictio. Aliás, mais uma vez, deve-se ter em mente os ditames constitucionais que conferiram capacidade eleitoral ativa exclusivamente a Desembargadores ou a Ministros (a depender do Tribunal), independente do tempo de Casa. Qualquer disposição diversa é inconstitucional e não pode ser admitida.

 

3.     Da autonomia do colégio eleitoral

Conforme já apontado, o processo eleitoral dos cargos de direção dos tribunais não decorre do exercício do sufrágio eleitoral.

Necessário destacar que, muito embora o requerente afirme que o processo consultivo vincule posterior exercício do direito de voto em plenário, não observo qualquer norma do Regimento que traga previsão semelhante. Pelo contrário, percebe-se claramente inexistir qualquer vinculação entre o resultado da consulta e as eleições, que continuam a ser determinadas pelo voto exclusivo dos desembargadores de maneira secreta e individual.

É isso que se conclui da leitura direta do art. 16 e seus parágrafos:

 

art. 16.

"§1º A eleição será precedida de consulta não vinculativa a todos os desembargadores e juízes de 1º grau em atividade, a fim de apurar os nomes daqueles, dentre os elegíveis que a maioria indica para o exercício dos cargos de Presidente e Vice-Presidente.

§2º Na consulta a ser realizada, a manifestação dos desembargadores terá peso correspondente à razão obtida pela divisão do número de juízes de primeiro grau pelo número de desembargadores em atividade até 30 dias antes da consulta." (grifos meus)

 

O fato de o resultado obtido no processo consultivo poder influenciar o ânimo dos eleitores, não permite afirmar que o primeiro é vinculativo, nem tampouco haver qualquer infração ao artigo 96, I , a, da CF. Isso porque, ainda que os juízes de primeiro grau sejam ouvidos no processo consultivo, o colégio eleitoral continua a ser formado exclusivamente por desembargadores que optam por escolher aqueles, dentre os também desembargadores elegíveis, que lhes parecem mais indicados para os cargos em disputas. E não parece crível que desembargadores, que possuem larga experiência de vida e, portanto, são resistentes às pressões que o cargo enseja diariamente, acabariam sucumbindo e votando contra suas vontades, em processo de eleição secreto, apenas porque se sentiriam influenciados pelos juízes de primeiro grau.

Devo destacar ainda que esta previsão existe em essência desde 2013, tendo sido utilizada em todos os processos de eleição a partir daquele momento, sem que qualquer mácula tenha sido observada.

Não há nenhuma incompatibilidade entre o referido procedimento consultivo e a exigência de que apenas os membros de segundo grau dos tribunais possam votar. Não há qualquer norma que vincule o resultado do processo consultivo com o exercício do voto no processo eleitoral do tribunal.

Assim, não vejo consistência no argumento de que a participação de magistrados de primeiro grau em processo meramente consultivo teria aptidão de macular ou de tornar irregular o procedimento de eleição dos membros do tribunal.

Igualmente, não deve prosperar proposta para alteração do dispositivo regimento interno daquele tribunal que suprime qualquer processo de votação, fazendo substituir por critério estrito de antiguidade, como se observa a fls. 38 do Id 448193. A proposta formulada pelo requerente teve pouca acolhida e acabou rejeitada, até porque contrária à decisão do STF que impulsionou o processo de ampliação dos desembargadores aptos a concorrer à eleição daquele Tribunal Regional do Trabalho. 

 

4.     Da publicidade das sessões administrativas

Igualmente não deve prosperar a tese do requerente de que houve violação ao princípio da publicidade nas sessões que decidiram sobre a alteração regimental questionada, por terem sido feitas de maneira virtual e sem a possibilidade de voz (via chat ou microfone) para quem não fosse desembargador. Os meios citados permitiram o acompanhamento das referidas sessões, possibilitando que quaisquer interessados tomassem conhecimento de seu conteúdo. Não se pode confundir a formalidade da publicidade das sessões de julgamento no âmbito jurisdicional com a possibilidade de não eleitores assistirem ao processo de eleição nos tribunais, conforme já mencionado. Neste último, não há exigência de garantia de participação de não eleitores.

Eventual irregularidade em ato de eleição dos órgãos de direção dos tribunais deveria ser apurada à luz das formalidades previstas na LOMAN e no Regimento Interno do tribunal específico. Qualquer outra situação – como por exemplo a vedação de chat no youtube – é questão estranha que não guarda qualquer pertinência com a prática do ato administrativo analisado.   

 

5.     Ausência de suspeição dos desembargadores da comissão

No tocante à regra que ampliou o universo de candidatos à administração da Corte, não há que se falar em suspeição de desembargador para votar, após haver integrado a comissão que alterou o regimento. A regra é, potencialmente, do interesse de todos os Desembargadores, pois poderia ter alterado o universo de candidatos.  

Ademais, o parecer da comissão é meramente propositivo, sem qualquer força vinculante e apto, inclusive, a modificações. Aliás, tanto a deliberação sobre a alteração não se vinculava às conclusões da Comissão, que o próprio requerente ofertou uma quarta sugestão de alteração estranha às propostas da Comissão, a já mencionada que suprimia a eleição e a substituía por critério estrito de antiguidade para a direção do Tribunal.

Antes de concluir, uma breve palavra sobre o procedimento adotado pelo TRT-4, contido no art. 16 de seu Regimento Interno que, a meu ver, configura exemplo para os demais tribunais do país. Ao fazer a consulta a todos os magistrados – ainda que não vinculante – o Tribunal permite que ocorra um salutar debate sobre as propostas de cada um dos candidatos, evita a supervalorização de demandas que são caras apenas a um grupo pequeno e, ao mesmo tempo, exige que os candidatos se preparem previamente para os enormes desafios a que se lançam. A eleição propriamente dita é, sem sombra de dúvida, o menor deles. 

Ante o exposto, pelos motivos acima elencados, voto pela IMPROCEDÊNCIA integral do presente Procedimento de Controle Administrativo.

É como voto.

 

Ministro LUIZ PHILIPPE VIEIRA DE MELLO FILHO

Conselheiro

 

 



[1] ADI 3504 Rel: Min. MARCO AURÉLIO, Julgamento: 08/09/2020 Publicação: 13/10/2020; Tribunal Pleno

 

[2] ADI 3976 Rel: Min EDSON FACHIN, Julgamento em 25/06/2020, Publicação 21/09/2020, Tribunal Pleno

 

   

 

 

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. ELEIÇÃO DOS CARGOS DIRETIVOS DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 4ª REGIÃO. FORMULAÇÃO DE CONSULTA AOS DESEMBARGADORES E JUÍZES DE PRIMEIRO GRAU. VIOLAÇÃO DAS REGRAS CONSTITUCIONAIS E DA LEI ORGÂNICA DA MAGISTRATURA NACIONAL. PEDIDO JULGADO PARCIALMENTE PROCEDENTE. VOTO VISTA CONVERGENTE. 

 

 

VOTO VISTA CONVERGENTE

 

O EXMO. SR. CONSELHEIRO MÁRIO GOULART MAIA: Trata-se de Procedimento de Controle Administrativo (PCA), proposto por Marcelo José Ferlin D’Ambroso, contra atos exarados nos Processos Administrativos Eletrônicos (PROADs) n. º 3171/2021 e 4545/2021, respectivamente, que resultaram na alteração das regras do Regimento Interno (RI) atinentes ao processo de eleição dos órgãos diretivos do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4). 

Convirjo com a conclusão apresentada pelo ilustre Conselheiro Relator, no entanto, ouso fazer breve complementação a título de argumentação para fundamento do meu entendimento.

Entendo que a questão, além de analisar o critério da legalidade (art. 37, CF/88) sobre a realização da denominada “consulta”, também deve ser examinada do ponto de vista do ato administrativo, da necessidade de observância ao princípio da anterioridade, no tocante às alterações normativas, bem como dos possíveis desdobramentos da aludida “consulta”. Vejamos:

 

I – DO ATO ADMINISTRATIVO

Como sabemos, os princípios que regem os atos administrativos possuem requisitos de validade inerentes a sua natureza, como elencados no caput do art. 37 da Constituição Federal, sendo eles: legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência. São estruturados em nosso ordenamento maior devido à sua força normativa constitucional, expressão essa cunhada pelo professor Konrad Hesse.  

Como se percebe, essas normas-princípio são de observância obrigatória, exigindo também para sua complementação e eficácia que: interesse público, finalidade, razoabilidade, proporcionalidade e motivação, sendo como bem sabido na doutrina pátria ato vinculado de natureza complexa.

Os atos vinculados ou regrados são aqueles em que a Administração age nos estritos limites da lei, simplesmente porque a lei não lhe deixou opções. Ela estabelece os requisitos para a prática do ato, sem dar ao administrador liberdade de optar por outra forma de agir. Por isso, diante do poder vinculado, surge para o administrado o direito subjetivo de exigir da autoridade a edição do ato, ou seja, preenchidos os requisitos legais, o administrador é obrigado a conceder o que foi requerido.

Para Celso Antônio Bandeira de Mello[1], atos vinculados são “os que a Administração pratica sem margem alguma de liberdade para decidir-se, pois a lei previamente tipificou o único possível comportamento diante de hipótese prefigurada em termos objetivos”. Logo, nesse caso, o administrador não interfere com nenhuma apreciação subjetiva.

[...]

Ato complexo é aquele que, para se aperfeiçoar, depende de mais de uma manifestação de vontade, porém essas manifestações de vontade devem ser produzidas por mais de um órgão, sejam elas singulares ou colegiadas, e estão em patamar de igualdade, tendo, ambas, a mesma força. Também não se confunde com procedimento, que são vários atos, e não várias manifestações de vontade, como no ato complexo. (Manual de Direito Administrativo / Fernanda Marinela. – 16 ed. ver., atual. e ampl. – São Paulo: Editora JusPodivm, 2022).

O ato administrativo possui requisitos de validade: competência, finalidade, forma, motivo e objeto.

Qualquer deturpação destes elementos gera vício, bem como desvio de competência, poder e finalidade, gerando a sua nulidade ou anulação.

Portanto, esses referidos atos emanados da Administração dos Tribunais devem estar revestidos, além dos princípios constitucionais já mencionados, de uma couraça ética que os proteja de quaisquer influências externas, por mais bem-intencionadas que sejam, pois o que se está protegendo é o núcleo de independência e de autonomia dos Tribunais.

Logo na introdução à sua Doutrina do Direito, de 1797, IMMANUEL KANT (1724-1804) estabelece uma importante diferenciação entre direitos (Rechte, no plural) e o Direito (Recht, no singular) à luz da própria definição e delimitação conceitual da sua teoria:

O conceito do Direito é um conceito puro, embora baseado na práxis (aplicação a casos dados na experiência), devendo, pois, um sistema metafísico do mesmo levar em consideração em sua divisão também a multiplicidade empírica daqueles casos, para tornar completa a divisão (o que é uma exigência indispensável para o estabelecimento de um sistema da razão), mas completude da divisão do empírico é impossível, e. onde ensaiada (ao menos para dela se aproximar), tais conceitos não podem entrar no sistema como parte integrante, mas apenas aparecer na observações como exemplos; assim, a única expressão apropriada para a primeira parte da metafísica dos costumes será princípios metafísicos da doutrina do Direito, porque em vista daqueles casos da aplicação só se pode esperar aproximação ao sistema, e não o próprio sistema.

Não há dúvidas de que os atos praticados pelos Tribunais relativos à sua organização e estrutura, incluindo a escolha dos seus membros diretivos e de seus dirigentes, não são atos de natureza jurisdicional, mas atos eminentemente administrativos.

E justamente por se tratarem de atos administrativos, como já mencionados anteriormente (atos de natureza complexa), não só compete, como é dever do Conselho Nacional de Justiça a defesa do art. 37, da Constituição Federal de 1988, por força do art. 103-B do texto constitucional.

§ 4º [...] o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes [...]: 

II - zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei [...]. (Grifou-se)

De acordo com a ADI 4638, julgada pelo Supremo Tribunal Federal, cabe ao CNJ o controle dos atos administrativos. A Loman é silente sobre a questão e o 103-B, criado pela EC 45/2004, é mais atual e específico ao caráter eminentemente administrativo.

Em relação a esse tema, Fernanda Marinela[2] registra em sua mais recente obra, Manual de Direito Administrativo (p. 333):

No que tange ao controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário, este é possível em qualquer tipo de ato, porém no tocante à sua legalidade. Vale lembrar que tal análise deve ser feita em sentido amplo, abrangendo o exame das regras legais de normas constitucionais, incluindo todos os seus princípios.

Quanto à complexidade dos atos administrativos, a ilustre professora Fernanda Marinela[3] (p. 305), também ensina que:

No que tange ao conceito de ato administrativo, há muita divergência doutrinária decorrente da ausência de conceituação legal, o que dá margem aos juristas a apresentarem classificações diferentes com base em sistematizações.

Na tentativa de melhor definir esses atos, é possível a fixação de alguns pontos fundamentais, tais como: a vontade, que deve necessariamente emanar de um agente público no exercício de sua função administrativa, o que o distingue do particular; seu conteúdo, que deve propiciar efeitos jurídicos sempre com um fim público; e, por fim, o regime, que deve ser de direito público.

Muitos critérios são utilizados pela doutrina para conceituar atos administrativos. Entretanto, dois critérios são mais comuns, conforme ensina Maria Sylvia Zanella Di Pietro: os critérios subjetivos e objetivos, levando em consideração o órgão que o pratica ou a atividade por ele exercida.

[...]

Para José dos Santos Carvalho Filho, ato administrativo “é a exteriorização da vontade de agentes da Administração Pública ou de seus delegatários, nessa condição, que sob regime de direito público, vise à produção de efeitos jurídicos com o fim de atender ao interesse público”.

Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, para conceituar ato administrativo, devem-se utilizar dois sentidos: o ato em sentido amplo e o ato em sentido estrito.

Assim define Bandeira que o ato administrativo, em sentido amplo, é a “declaração do Estado (ou de quem lhe faça às vezes – como, por exemplo, um concessionário de serviço público), no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgão jurisdicional.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é sólida no sentido de que compete ao Conselho Nacional de Justiça o controle da atuação administrativa do Poder Judiciário, zelando pela observância do art. 37, e a apreciação, de ofício ou mediante provocação, da legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário (inciso II, § 4º, art. 103-B):

EMENTA Mandado de segurança. Ato do Conselho Nacional de Justiça. Anulação da fixação de férias em 60 dias para servidores de segunda instância da Justiça estadual mineira. Competência constitucional do Conselho para controle de legalidade dos atos administrativos de tribunal local. Ato de caráter geral. Desnecessidade de notificação pessoal. Inexistência de violação do contraditório e da ampla defesa. Férias de sessenta dias. Ausência de previsão legal. 1. Compete ao Conselho Nacional de Justiça “o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário” (§ 4º), “zelando pela observância do art. 37 e apreciando, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário” (inciso II, § 4º, art. 103-B). 2. No caso, a deliberação do CNJ se pautou essencialmente na ilegalidade do ato do Tribunal local (por dissonância entre os 60 dias de férias e o Estatuto dos Servidores do Estado de Minas Gerais). Quanto à fundamentação adicional de inconstitucionalidade, o Supremo tem admitido sua utilização pelo Conselho quando a matéria já se encontra pacificada na Corte, como é o caso das férias coletivas. 3. Sendo o ato administrativo controlado de caráter normativo geral, resta afastada a necessidade de notificação, pelo CNJ, dos servidores interessados no processo. 4. A conclusão do Supremo Tribunal pela inconstitucionalidade, a partir da Emenda Constitucional nº 45/04, das férias coletivas nos tribunais, se aplica aos servidores do TJMG, cujo direito às férias de 60 dias se estabeleceu em normativos fundamentados nas férias forenses coletivas. 5. Ordem denegada.

(MS 26739, Relator (a): DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 01/03/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-122 DIVULG 13-06-2016 PUBLIC 14-06-2016)

Nessa perspectiva, a autonomia dos Tribunais, apesar de amplamente resguardada pelo art. 99 da Constituição Federal, deve estar alinhada aos limites da legalidade e dos demais princípios insculpidos no art. 37. Esse, inclusive, é o entendimento sufragado pelo CNJ:

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS FORMULADO PELA AMAAP. ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO SISTEMA DE DESIGNAÇÃO DE JUÍZES SUBSTITUTOS UTILIZADO PELO TJAP. AUSÊNCIA DE CRITÉRIO OBJETIVO A SER SEGUIDO PELO CORREGEDOR-GERAL DA JUSTIÇA AO DETERMINAR AS DESIGNAÇÕES. PRETENSÃO DE ATUAÇÃO DO CNJ PARA DETERMINAR QUE O TRIBUNAL ELABORE ATO NORMATIVO QUE ABARQUE AS SUGESTÕES DAS ASSOCIAÇÕES DE MAGISTRADOS. AFRONTA. À AUTONOMIA DO TRIBUNAL ASSEGURADA PELO ART. 99 DA CF. IMPOSSIBILIDADE DE DEFERIMENTO.

1. A pretensão recursal reside na reforma da decisão singular da Corregedoria Nacional, que arquivou o feito deixando de acatar o pedido de determinação ao TJAP de elaboração de ato normativo que disponha sobre as designações de juízes substitutos com regras abstratas e objetivas sugeridas pela AMAAP em minuta de ato outrora sugerido àquele tribunal.

2. Não obstante o fundamento do pedido seja a inconstitucionalidade do atual modelo de designações de juízes substitutos decorrente de afronta aos princípios do juiz natural, da inamovibilidade, da proporcionalidade e da razoabilidade, a interferência do CNJ quanto ao disposto no Regimento Interno do TJAP somente se justifica com a demonstração inequívoca e concreta da ilegalidade e do prejuízo para o exercício dessa atribuição de controle não vislumbrada na hipótese.

3. Não cabe ao CNJ imiscuir-se em matéria de cunho discricionário e ínsita aos órgãos do Poder Judiciário quando ausente manifestação de ilegalidade, devendo-se preservar a autonomia do Tribunal assegurada pelo art. 99 da Constituição Federal, porque é ele quem conhece as dificuldades, necessidades e limites, tanto jurisdicional como administrativo e orçamentário, conforme já afirmado em iterativos precedentes oriundos do Plenário deste Conselho.

4. Recurso improvido.

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PP - Pedido de Providências - Corregedoria - 0010348-77.2018.2.00.0000 - Rel. HUMBERTO MARTINS - 67ª Sessão Virtual - julgado em 19/06/2020). (Grifou-se)

Logo, existindo afronta ao princípio da legalidade, a competência do CNJ deve ser inaugurada com vistas ao exercício do controle do ato violador.

Dito isto, verifico algumas peculiaridades que nos exigem um exame mais aprofundado referentes aos atos ora questionados neste feito.

O primeiro, diz respeito à forma como iniciou o PROAD 3171/2021, de ofício, pela então Presidente do TRT da 4ª Região. Pergunta-se:

1-    Poderia de ofício ser inaugurado o referido PROAD?

2-     Qual a finalidade da instauração de ofício do PROAD?

3-    A AMATRA IV tem competência legal para ingressar ou provocar a comissão de alteração do Regimento Interno do TRT4?

Mais uma vez, Fernanda Marinela[4] nos traz a lição que, ao meu ver, estaria de acordo com a moderna interpretação do que vem a ser poder vinculado e poder discricionário da administração:

Maria Sylvia Zanella Di Pietro ensina que: “Poderes Vinculado e Discricionário não existem como poderes autônomos; a discricionariedade e a vinculação são, quando muito, atributos de outros poderes ou competências da administração”.

Até onde a norma vigente nos orienta, as associações e entidades de classe, entre as quais se inclui a AMATRA IV, não fazem parte da Administração Pública. Nas palavras da professora Marinela[5] (p. 267/268):

No Poder Discricionário, o administrador também está subordinado à lei, diferenciando-se do Vinculado, porque o agente tem o poder de atuar de acordo com um juízo de conveniência e oportunidade, de tal forma que, havendo duas alternativas, o administrador poderá optar por uma delas, escolhendo a que, em seu entendimento, preserve o melhor interesse público.

[...]

É relevante ressaltar que a discricionariedade é diferente da arbitrariedade. Discricionariedade é a liberdade para atuar, para agir dentro dos limites da lei, enquanto a arbitrariedade é a atuação do administrador além (fora), dos limites da lei. Ato arbitrário e ilegal, ilegítimo e inválido, devendo ser retirado do ordenamento jurídico.

Há, pois, um cristalino desvio de competência e de finalidade tanto do procedimento como do ato administrativo (Resolução Administrativa) que alterou o RI daquela Corte Trabalhista, por ter se originado, esse ato resolutivo, de um procedimento que possui vício em sua deflagração e tramitação.

 Ora, é evidente que a Presidência do TRT4 não possuía competência para instaurar de ofício um procedimento para alteração regimental a pedido, pois que essa deliberação haveria de passar pelo crivo do próprio Colegiado. A Carta Cidadã de 1988, ao estabelecer critérios e limites para a escolha dos dirigentes dos Tribunais protege não somente a instituição, mas todos os que a compõem, de forma plural e harmônica.

Essa característica da Constituição como instrumento de defesa costuma ser vista de forma equivocada como limitadora das liberdades, não permitindo – reafirmo – que haja qualquer interferência alheia.

A filósofa HANNAH ARENDT (1906-1975) no livro O que é política, assim adverte para essa função constitucional, apoiando-se no pensamento de Lord ACTON, para quem o poder corrompe e a posse do poder absoluto corrompe em absoluto. Daí se extrai a competência deste CNJ em controlar e auxiliar a justiça do País, neste caso, assegurando que o Tribunal não venha a ser cerceado ou mesmo influenciado, por nenhum meio, quando da escolha de seus dirigentes.

 Do ponto de vista dos requisitos do ato administrativo, portanto, há vícios de:

1. competência: não havia competência da Presidência do TRT4 para instaurar “de ofício” algo que foi solicitado, mas não formalizado (o que ocorreu somente a posteriori);

2. motivo: a motivação do ato, neste caso, se prende a sua finalidade, valendo frisar que o pretexto motivador de adequação do RI a uma decisão do STF não se verificou conforme a realidade dos fatos.

3. objeto: o objeto do ato administrativo (alteração regimental) ficou comprometido pelos desvios de poder, competência, finalidade e motivação já apontados.

 

II – DO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE

Como se sabe, é da tradição dos Tribunais do País que os seus dirigentes sejam escolhidos dentre os mais antigos, assim possibilitando que todos possam ascender à honra presidencial, evitando-se a partidarização de disputas, a divisão interna em blocos opostos, o desgaste interno do órgão e consequente prejuízo para a jurisdição.

Com as devidas vênias aos entendimentos contrários, não se diga que não se aplica a regra prevista no art. 16, da Constituição Federal: o princípio da anterioridade, pelo qual se prevê a necessidade de que as alterações de um processo eleitoral observem a antecedência de um ano. Essa regra é salutar e democrática.

Non omne quod licet honestum est, já diziam os romanos, se não há previsão de aplicação da regra do art. 16 da Constituição para os Tribunais, é de bom tom que seja observada para resguardo da mínima transparência do ato administrativo e de lisura de qualquer processo eleitoral.

Aliás, a anterioridade é um princípio amplo, que garante a não surpresa. Rememorando, para exemplo, trago a memória um dos processos mais rigorosos da humanidade – os chamados processos do Santo Ofício –, regidos pelo princípio da anterioridade e da não surpresa.

Esse é o ensinamento colhido dos autos do processo do Padre Antônio Vieira – Elementos Jurídicos e retóricos da defesa (Kalil, 2018, p. 28 e 29):

Da previsão legal da conduta:

Suárez salienta a relevância da lei escrita como instrumento normativo para regular as ações humanas. Para ele, na tradição de São Isidoro. (etimologias de San Isidoro, L. II, Cap. X). A valorização da lei escrita tinha por fim não só acentuar o controle social, mas como se disse imprimir modos de proceder aos que operavam o direito.

Diante disso, o Regimento de 1640, ao reconhecer o crime como conduta humana e a especificá-la, limita a persecução dos inquisidores, que só podem atuar dentro da legalidade proposta pelo instrumento normativo. A ideia repete a tradição jurídica canônica de descrever a conduta proibida, para que, por pressuposto lógico, se saiba proibida e a partir daí se inicie a possibilidade de persecução pelo órgão de controle.

Em outros termos, Suárez, retomando São Tomás de Aquino, reafirma a força da legalidade como regente da conduta dos operadores do direito.

A conduta praticada pelo agente para ser herética deve ser efetivamente prevista na forma inquisitória e ser realizada sem que se insira uma excludente. Essa excludente permitiria a prática da ação sem que ela fosse caraterizada como contrária à ordem normativa, visto que praticada por determinados agentes e em circunstâncias específicas.

 

III – DA “CONSULTA” PRÉVIA

A realização da denominada “consulta previa” encontra respaldo no art. 16, §§ 1º e 2º, do Regimento Interno do TRT4:

Art. 16. [...]

§ 1º A eleição será precedida de consulta não vinculativa a todos os desembargadores e juízes de 1º grau em atividade, a fim de apurar os nomes daqueles, dentre os elegíveis que a maioria indica para o exercício dos cargos de Presidente e Vice-Presidente. (§1º acrescentado pelo Assento Regimental n. 01/2013, renumerados os parágrafos subsequentes – aprovado pela Resolução Administrativa n. 17/2013; com redação alterada pelo Assento Regimental n. 01/2017 – aprovado pela Resolução Administrativa n. 06/2017).

§ 2º Na consulta a ser realizada, a manifestação dos desembargadores terá peso correspondente à razão obtida pela divisão do número de juízes de primeiro grau pelo número de desembargadores em atividade até 30 dias antes da consulta. (§2º acrescentado pelo Assento Regimental n. 01/2017, renumerados os parágrafos subsequentes – aprovado pela Resolução Administrativa n. 06/2017)

[...]

§ 6º Concorrerão a cada cargo da Administração o quinto mais antigo dos Desembargadores do Tribunal, excluídos os impedidos, os eleitos e aqueles que manifestarem seu desejo de não concorrer. (§4º acrescentado pelo Assento Regimental n. 01/2006, renumerados os parágrafos subsequentes, com redação alterada pelo Assento Regimental n. 01/2008 – aprovados, respectivamente, pelas Resoluções Administrativas n. 16/2006 e 01/2008 ; renumerado para §5º pelo Assento Regimental n. 01/2013 e renumerado para § 6º pelo Assento Regimental n. 01/2017 – aprovados pelas Resoluções Administrativas n. 17/2013 e 06/2017; com redação alterada pelo Assento Regimental nº 02/2021, aprovado pela Resolução Administrativa nº 16/2021) [...]. (grifou-se).

Apesar de enunciada como não vinculativa, não vislumbro utilidade no instituto, ainda que a título de colaboração ao pleito da escolha.

Como já enfatizado pelo ilustre Relator, o art. 96, I, a, da Constituição Federal, é categórico ao tratar da competência privativa dos Tribunais para eleger os ocupantes de cargos diretivos:

Art. 96. Compete privativamente:

I - aos tribunais:

a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos;

Privativamente, na acepção da palavra, significa “de maneira privativa”[6], o que quer dizer que apenas e tão somente os integrantes do Tribunal possuem competência para votar e de  serem votados, por seus respectivos pares que venham a integrar os cargos diretivos do Órgão.

A Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman), no art. 21, inciso I, carreia regra semelhante à do dispositivo constitucional acima mencionado, no sentido de que compete privativamente aos Tribunais a eleição dos Presidentes e demais titulares de sua direção.

Indene de dúvidas, que a “consulta” não encontra qualquer previsão legal e muito menos constitucional. Aliás, a Constituição determina justamente o oposto (Art. 96, I, “a”) - é da competência privativa de todos os Tribunais do País, o que exclui desde logo qualquer participação alheia, seja a que título for.

Pergunta-se: o argumento de que tal prática inserida no regimento interno do TRT4 é norma aceita costumeiramente, pode conceder-lhe status de norma constitucional? Penso que não.

Cumpre rememorar que a eficácia dos costumes – mesmo os ancestrais – depende de sua adequação às regras do direito positivo. Essa é uma questão alusiva às fontes do Direito e os autores anotam que a prevalência é sempre da regra escrita, que se converge na supremacia da Constituição.

Se o procedimento encartado como “consulta” fosse efetivamente sem vinculação – como se tenta fazer crer –, qual o motivo para sopesar de modo distinto os votos dos magistrados em duas categorias[7]: desembargadores e juízes? De que serve uma “consulta oficial” pois realizada pelo TRT4 entre juízes (não-eleitores) se a escolha dos órgãos diretivos do Tribunal compete exclusivamente aos magistrados de segundo grau, consoante decisão do STF prolatada na ADI 2.012/SP?

Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ELEIÇÕES PARA OS ÓRGÃOS DIRETIVOS DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. ART. 62 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO, NA REDAÇÃO DADA PELA EMENDA 7/1999. ESCOLHA POR DESEMBARGADORES E JUÍZES VITALÍCIOS. IMPOSSIBILIDADE. OFENSA AO ART. 96, I, A, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ADI JULGADA PROCEDENTE. I – A escolha dos órgãos diretivos compete privativamente ao próprio tribunal, nos termos do artigo 96, I, a, da Carta Magna; II – Tribunal, na dicção constitucional, é o órgão colegiado, sendo inconstitucional, portanto, a norma estadual possibilitar que juízes vitalícios, que não apenas os desembargadores, participarem da escolha da direção do tribunal; III – Ação direta julgada procedente. (ADI 2012, Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 27/10/2011, DJe-225 DIVULG 25-11-2011 PUBLIC 28-11-2011 EMENT VOL-02634-01 PP-00023)

Se não bastasse, penso que a sistemática da “consulta” acaba, ainda, s.m.j., por excluir das eleições aos cargos diretivos, desembargadores oriundos do quinto constitucional, em decorrência da falta de expressão junto aos magistrados de primeiro grau, haja vista que não integram a carreira da magistratura desde a base, impedindo, assim, que venham a ter a justa paridade de armas quando da concorrência.

Já que se realiza “consulta” prévia para eleição da nova direção do TRT4 aos juízes de primeiro grau, o questionamento que surge é: por que não realizar a mesma consulta aos membros da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e do Ministério Público (MP), já que referidas classes também compõem – como assegurado constitucionalmente[8] – os Tribunais?

Portanto, se está objetivamente privilegiando uma categoria em detrimento das demais – o que configura um caso gritante de exclusão participativa para a escolha dos membros – não estamos diante de situação violadora do princípio da isonomia?

A título de discussão, poder-se-ia argumentar que os membros oriundos da OAB e do MP ao ingressarem na magistratura de segundo grau, adquirem a condição de Desembargadores, portanto, o mesmo critério também é adotado aos juízes de carreira ou de primeiro grau, pois quando ascendem ao segundo grau incorporam o título e o status e as prerrogativas, entenda-se, compromissos e responsabilidades, com os Tribunais que passam a compor.

Para reforçar, tal afirmação que encontra respaldo, inclusive, no Código Fux, no art. 144, inciso II, ao estabelecer a impossibilidade do magistrado de conhecer em outro grau de jurisdição de processo em que atuou em grau primário. São os Impedimentos objetivos que absorvem os agora desembargadores    oriundos do 1º grau, da OAB e do Ministério Público.

Para maior entendimento do novo status, prerrogativas e novas responsabilidades, a Loman (LC 35/79) fixa prerrogativas exclusivas aos magistrados de segundo grau, dentre as quais, destacam-se:

1-     não ser punível com penalidade de advertência e censura (art. 42, parágrafo único);

2-      não passar por período de estágio probatório (art. 138); dentre outros.

Como demonstrado, o artigo referenciado preserva não só a autonomia dos Tribunais, como também a igualdade e a não hierarquia dos que lá chegam.

Deve-se entender que a eleição do Presidente de um Tribunal não se assemelha à eleição universal dos dirigentes políticos do País, por exemplo. A escolha do Presidente de um Tribunal ocorre entre corpos eleitorais restritos e a legitimação subjetiva para ser eleito é limitada pela antiguidade na Corte. A inversão desse padrão procedimental é infringente ao meu ver a Constituição e aos costumes.

A escolha dentre os três Desembargadores mais antigos para um deles exercer a presidência da Corte é um critério abonado pelo costume, estando em consonância com as regras positivadas na Constituição e na LOMAN. A infração a tais regras se dá, também, quando se deixa de cumpri-las, desatendendo ao seu objetivo, criando-se procedimento não previsto e discordante do padrão consagrado nas regras postas.  

Caracterizado está que todos os magistrados de segundo grau, independentemente da sua origem, gozam das mesmas prerrogativas e obrigações como já aludido.

O caso em questão, além de ferir outros princípios constitucionalmente consagrados, fere de morte o art. 94 da Constituição Federal, lembrando mais uma vez que mencionada circum opus a membros da magistratura trabalhista de primeiro grau do Rio Grande do Sul não tem previsão legal, nem mesmo no estatuto da AMATRA IV e da ANAMATRA, isso sem adentrar ao mérito da legitimidade das associações para se imiscuírem em alteração de Regimento Interno de Tribunal[9].

Não se está aqui diminuindo ou relativizando o importante papel que as associações têm em nossa sociedade; como se sabe, o direito de associação é constitucionalmente garantido como também faz parte da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948)[10].

Ao se delimitar suas áreas de interesse e atuação, como se constata pelo próprio estatuto da AMATRA IV, se estaria preservando a sua temática institucional, não permitindo que posteriormente ocorra a desvirtuação dos seus interesses e objetivos, não se permitindo interferência alheia à sua essência que é o importante papel de defesa da Magistratura Trabalhista Gaúcha.

A antinomia entre direitos-liberdade (liberdades formais) e direitos-adquiridos – crêances, “criados” (liberdades reais) – seria resolvida na afirmação de direitos enquanto participações, quais sejam, direitos políticos de participação efetiva do poder através do sufrágio universal, supondo os direitos fundamentais de opinião, imprensa e associação.

Volta-se assim à solução republicana da antinomia dos direitos humanos através da afirmação conjunta das liberdades formais e das liberdades reais. Em conclusão lógico-dedutiva, as associações de classe, como já dito, exercem papel fundamental no Estado Constitucional de Direito – na expressão do Professor LUIGI FERRAJOLI –, mas no caso sob exame, percebe-se a falta do requisito legitimidade, porquanto a AMATRA IV é uma entidade privada e regida pelos princípios inerentes a essa condição. Já os Tribunais, como todos sabemos, fazem parte da Administração Pública e, portanto, regidos pelos princípios próprios a ele inerentes.

Sob outro enfoque, não identifico qualquer óbice para que as associações promovam eventual “consulta” sobre o preenchimento dos seus próprios cargos diretivos.

As associações são entidades privadas, que atuam em prol dos interesses da classe que representam. Podem dispor livremente sobre procedimentos que entendam adequados, especialmente os relacionados à valorização dos seus integrantes e da carreira respectiva, respeitando os seus limites e a autonomia dos Tribunais.

Assim, em matéria regimental, não vislumbro a legitimidade da AMATRA IV e da ANAMATRA, pois trata-se de questão interna corporis.

O próprio estatuto da AMATRA IV, no art. 3º, inciso I, veda à AMATRA IV manifestar-se sobre assuntos estranhos às suas finalidades. O inciso III, do mesmo dispositivo, também veda a discriminação entre seus associados em razão de seus cargos ou funções. Tal disciplina, nobres conselheiros, não vai de encontro ao valor atribuído às notas diferenciadas em razão dos cargos?

O art. 7º, alínea d, do mesmo estatuto, diz que compete à AMATRA IV resguardar a dignidade e a independência do Poder Judiciário. Tal dispositivo não vai de encontro a autonomia dos Tribunais quando da elaboração dos seus Regimentos Internos, já que a palavra independência significa não intromissão, não importando se de caráter vinculativo ou não, pois trata-se de questão que a mim parece muito próxima da soberania e da separação dos poderes.

A interpretação que se deriva do art. 23 do estatuto da AMATRA IV, quando da expressão privativamente, também deve ser estendida à competência privativa dos Tribunais, pois o princípio da estrita legalidade é de observância imperativa também para a AMATRA IV, mas questiona-se: por que não se aplicar a mesma interpretação ao Regimento Interno do TRT4?

Já em relação ao estatuto da ANAMATRA, colhe-se o seguinte:

Art. 7º. É vedado à ANAMATRA:

[...]

II - Patrocinar interesses alheios aos seus fins.

[...]

Art. 11. São direitos dos associados:

II – Votar e ser votado nas eleições da diretoria executiva e do conselho fiscal, observado o disposto no art. 50.

Veja-se que tal dispositivo nos traz à baila a capacidade de votar e de ser votado. Logo, se a associação defende em seu próprio estatuto a não intromissão de membros alheios à sua associação, quando da eleição de sua diretoria executiva, onde se fundamenta a consulta, ainda que não vinculativa, para que a eleição dos cargos diretivos do TRT4 se passe sob interferência alheia?

Além disso, o art. 17, do mesmo estatuto, elucida a questão relacionada a participação do Conselho de representantes da entidade:

Art. 17. Compete ao Conselho de representantes:

[...]

II – deliberar sobre a estratégia de atuação da entidade na defesa dos interesses e prerrogativas institucionais.

Como se vê, a mencionada consulta à composição de órgão de estrutura própria vai de encontro ao próprio estatuto da ANAMATRA.

Art. 23. Compete ao Presidente:

[...]

II – Assegurar o livre exercício funcional dos magistrados da Justiça do Trabalho e os direitos e prerrogativas dos magistrados, inclusive dos inativos.

Conclui-se, pois, que os estatutos das entidades não aceitam nenhuma intromissão direta ou indireta no livre exercício funcional dos magistrados, pelo contrário, o estatuto preserva as garantias e prerrogativas de seus membros, tanto da ativa como os já inativos.

A expressão “não vinculativa” quando da “consulta” à classe dos juízes de primeiro grau, carrega em si uma sutileza verbal que nos pode induzir a uma falsa impressão de legalidade. Assim defende o professor Benjamin Nathan Cardozo, ex-Ministro da Suprema Corte Americana, no livro a Natureza do Processo e a Evolução do Direito (1956):

O que realmente importa é que o juiz está no dever, dentro dos limites do seu poder de inovação, de manter uma relação entre o direito e a ética, entre os preceitos da ciência jurídica e os da razão e da sã consciência. Suponho ser verdadeiro, em certo sentido, que nunca se duvidou desse dever. Sente-se, por vezes, entretanto, ter sido o mesmo obscurecido por juristas analíticos, que, emprestando força a sutilezas verbais de definição, fizeram um correspondente sacrifício da importância a atribuir às realidades mais profundas e mais belas dos fins, objetivos e funções. A insistência constante no sentido da moral e da justiça não constituírem direito contribuiu para gerar desconfiança e desdém pelo direito, com alguma coisa a que a moral e a justiça não são apenas estranhas, mas hostis.

O que a OAB e o MP local têm a se pronunciar sobre a consulta? Fica o meu questionamento aos membros deste Conselho que são ou que foram oriundos da OAB e do MP.

Obviamente, ainda que se diga de modo diverso, a consulta prévia realizada aos magistrados de primeiro grau e à AMATRA IV, busca uma aprovação da administração a interesses alheios a sua natureza, o que não é cabível no âmbito da Administração Pública.

Não é demasiado registrar o óbvio: as questões associativas e corporativas da magistratura não devem se mesclar aos atos da Administração Pública dos Tribunais que são regidos pelos princípios a ela inerentes.

Por outro lado, não se deve olvidar a dicção do art. 8º da CLT: “As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público” (grifou-se).

Assim, concluo meu voto no sentido de que os atos administrativos de alteração do Regimento Interno do TRT da 4ª Região, que permitiram a eleição da administração atual daquela Corte padecem de vícios insanáveis.

Não obstante, considerando que a liminar foi denegada, tendo já ocorrido a posse, e que todos os demais Membros que estavam inscritos para concorrer ao processo eleitoral desistiram, entendo inviável a realização de nova eleição neste momento, especialmente para não haver hiato e quebra na administração do Tribunal.

Nesse sentido, acompanho integralmente o nobre Relator, inclusive quanto à necessidade de extirpar do Regimento Interno do TRT4 as menções à consulta ao primeiro grau e/ou à AMATRA IV para as eleições das futuras administrações do Tribunal.

Em suma, voto pela nulidade do PROAD 3171/2021, do PROAD 4545/2021 (vinculado ao 3171/2021), das Sessões de 16/07/2021 e 06/08/2021, e das consectárias Resoluções Administrativas emanadas destes atos, bem como pela nulidade das eleições ocorridas em outubro de 2021 para a administração do TRT da 4ª Região.

Portanto, acompanho o nobre Relator quanto aos demais termos de seu voto, em especial quanto à determinação ao TRT4 de cumprimento estrito da disciplina prevista no art. 96, I, a, da Constituição da República e no art. 21 da Loman, vedando-se a realização futura de “processos consultivos” ou congêneres, formação de comissões eleitorais ou campanhas eleitorais que computem votos ou colham opiniões dos juízes do primeiro grau acerca de quem deve estar na direção do Tribunal.

É como voto.

Brasília, data registrada no sistema.

 

Mário Goulart Maia

Conselheiro



[1] Curso de direito administrativo, cit., p. 424.

[2] Manual de Direito Administrativo / Fernanda Marinela. – 16 ed. ver., atual. e ampl. – São Paulo: Editora JusPodivm, 2022

[3] Idem.

[4] Manual de Direito Administrativo / Fernanda Marinela. – 16 ed. ver., atual. e ampl. – São Paulo: Editora JusPodivm, 2022, p. 267.

[5] Manual de Direito Administrativo / Fernanda Marinela. – 16 ed. ver., atual. e ampl. – São Paulo: Editora JusPodivm, 2022

[6][6] Dicionário Online de Português. Disponível em: https://www.dicio.com.br/privativamente/. Acesso em:

[7] Art. 16, § 2º, do Regimento Interno do TRT4.

[8] Art. 94, CF/88

[9] Art. 96, inciso II, da CF/88.

[10] Art. XX c/c art. 5º, XXI, CF/88)

 

 

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0007069-78.2021.2.00.0000
Requerente: MARCELO JOSE FERLIN D AMBROSO
Requerido: TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 4ª REGIÃO - TRT 4

 

VOTO 

  

O requerente questiona a alteração promovida no § 6º, do artigo 16, aprovada na 11ª Sessão Extraordinária realizada no dia 16 de julho de 2021 pelo Pleno do TRT4 (PROAD n.º 3171/2021), bem como a natureza da consulta realizada, na forma de seu §§ 1º e 2º do RITRT4, que culminaram no resultado da eleição ocorrida em 01/10/2021, a qual elegeu os órgãos diretivos do Tribunal (Id. 4481393, fls. 93/98), in verbis: 

Art. 16. [...]

§ 1º A eleição será precedida de consulta não vinculativa a todos os desembargadores e juízes de 1º grau em atividade, a fim de apurar os nomes daqueles, dentre os elegíveis que a maioria indica para o exercício dos cargos de Presidente e Vice-Presidente. (§1º acrescentado pelo Assento Regimental n. 01/2013, renumerados os parágrafos subsequentes – aprovado pela Resolução Administrativa n. 17/2013; com redação alterada pelo Assento Regimental n. 01/2017 – aprovado pela Resolução Administrativa n. 06/2017).

§ 2º Na consulta a ser realizada, a manifestação dos desembargadores terá peso correspondente à razão obtida pela divisão do número de juízes de primeiro grau pelo número de desembargadores em atividade até 30 dias antes da consulta. (§2º acrescentado pelo Assento Regimental n. 01/2017, renumerados os parágrafos subsequentes – aprovado pela Resolução Administrativa n. 06/2017)

[...]

§ 6º Concorrerão a cada cargo da Administração o quinto mais antigo dos Desembargadores do Tribunal, excluídos os impedidos, os eleitos e aqueles que manifestarem seu desejo de não concorrer. (§4º acrescentado pelo Assento Regimental n. 01/2006, renumerados os parágrafos subsequentes, com redação alterada pelo Assento Regimental n. 01/2008 – aprovados, respectivamente, pelas Resoluções Administrativas n. 16/2006 e 01/2008 ; renumerado para §5º pelo Assento Regimental n. 01/2013 e renumerado para § 6º pelo Assento Regimental n. 01/2017 – aprovados pelas Resoluções Administrativas n. 17/2013 e 06/2017; com redação alterada pelo Assento Regimental nº 02/2021, aprovado pela Resolução Administrativa nº 16/2021) [...]. (grifou-se).

 Inicialmente, cumpre esclarecer que os §§ 1º e 2º do RITRT4 tratam do universo dos eleitores; enquanto o § 6º, da mesma norma, dos elegíveis.

A par das alegações apresentadas pelo requerente em relação às supostas irregularidades ocorridas durante o processo eleitoral, mostra-se suficiente a análise, tão somente, do conteúdo dos §§ 1º e 2º do RITRT4 para o deslinde da questão, que viabilizou o resultado da mencionada eleição no dia 01/10/2021.

É certo que o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n.º 3.976/SP no sentido que cabe ao Tribunal, no âmbito de sua autonomia administrativa, a escolha de seus órgãos diretivos, conforme preceitua os arts. 96, I, a[1] e 99[2], da Constituição Federal. Fixou-se a tese também de não recepção do artigo 102 da Lei Orgânica da Magistratura (LOMAN) pela Carta Magna, “para que não subsista a interpretação segundo a qual apenas os desembargadores mais antigos possam concorrer aos cargos diretivos das Cortes”:


EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ELEIÇÕES PARA OS ÓRGÃOS DIRETIVOS DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. NORMAS REGIMENTAIS REVOGADAS. PERDA DE OBJETO. ART. 62 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO. CANDIDATOS RESTRITOS AOS INTEGRANTES DO ÓRGÃO ESPECIAL. IMPOSSIBILIDADE. OFENSA AO ART. 96, I, A, E AO ART. 99, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ADI JULGADA PROCEDENTE. ART. 102, DA LOMAN NÃO RECEPCIONADO.

I – A revogação expressa do artigo 27, § 2º, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e do artigo 1º. § 1º, da Resolução n.º 395/2007, daquela Corte, prejudica a análise da arguição de inconstitucionalidade quanto a estes dispositivos, por perda superveniente de objeto. Ação direta parcialmente conhecida.

II - A escolha dos órgãos diretivos compete privativamente ao próprio tribunal, nos termos do artigo 96, I, ‘a’, e artigo 99, da Carta Magna, em homenagem à autonomia administrativa. III – Matéria sujeita à disciplina por normas regimentais, não recepcionado o artigo 102, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LCp 35/1979), na parte em que restringe aos Juízes mais antigos o universo daqueles aptos a concorrer aos cargos de direção.

IV - Ação direta parcialmente conhecida e, na parte conhecida, julgada procedente.

V – Segurança concedida no MS 32.451/DF, confirmando-se a medida cautelar e cassando a decisão proferida pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça, nos autos do Pedido de Providências 005039-51.2013.2.00.0000, restabelecendo a eficácia da Resolução 606/2013 do Órgão Especial do TJSP e julgando prejudicados os agravos regimentais interpostos no feito. (Ministro Relator Edson Fachin, j. em 25/06/2021, DJe 21/09/2020). (grifou-se).

 Contudo, as diretrizes estabelecidas regimentalmente pelos Tribunais não podem afrontar dispositivos constitucionais e o entendimento atual do Supremo Tribunal Federal a respeito do tema. 

A consulta, via indireta, resultou na ampliação dos eleitores, incluindo todos os integrantes da Corte, Juízes e Desembargadores, que eventualmente “votariam” para eleger os seus órgãos diretivos, o que afronta a competência originária estabelecida pela Constituição aos Tribunais, uma vez que permitiu que todos participassem, ainda que indiretamente, da eleição dos órgãos diretivos. 

Nesse sentido, o entendimento do STF, que decidiu, em hipótese similar à presente, pela inconstitucionalidade de norma que amplia a participação da escolha de órgãos diretivos dos tribunais, para além dos Desembargadores da Corte, ad litteris:   

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ELEIÇÕES PARA OS ÓRGÃOS DIRETIVOS DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. ART. 62 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO, NA REDAÇÃO DADA PELA EMENDA 7/1999. ESCOLHA POR DESEMBARGADORES E JUÍZES VITALÍCIOS. IMPOSSIBILIDADE. OFENSA AO ART. 96, I, A, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ADI JULGADA PROCEDENTE.

I – A escolha dos órgãos diretivos compete privativamente ao próprio tribunal, nos termos do artigo 96, I, a, da Carta Magna;

II – Tribunal, na dicção constitucional, é o órgão colegiado, sendo inconstitucional, portanto, a norma estadual possibilitar que juízes vitalícios, que não apenas os desembargadores, participarem da escolha da direção do tribunal;

III – Ação direta julgada procedente.” (ADI 2012, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 27.10.2011). (grifou-se).

Nessa linha de entendimento, o Conselho Nacional de Justiça, em 2016, ao analisar o tema, sob a ótica da ADI n.º 2.012/SP, igualmente entendeu que a participação de Magistrados de primeiro grau na escolha dos dirigentes do Tribunal afronta a Constituição Federal e o entendimento do Supremo Tribunal Federal, litteris: 

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. MAGISTRATURA. ELEIÇÃO PARA OS ÓRGÃOS DIRETIVOS DO TRIBUNAL. UNIVERSO DOS MAGISTRADOS ELEITORES. PEDIDO DE EDIÇÃO DE RECOMENDAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. CONSOANTE DECIDIDO PELO COLENDO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO JULGAMENTO DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2.012-SP, A ESCOLHA DOS ÓRGÃOS DIRETIVOS COMPETE PRIVATIVAMENTE AOS MAGISTRADOS DE SEGUNDO GRAU. “TRIBUNAL”, NA DICÇÃO DO ART. 96, I, a, CF É TÃO SOMENTE O ÓRGÃO COLEGIADO. NÃO CONHECIMENTO DO PEDIDO. (CNJ - PP - Pedido de Providências - Conselheiro -  0002399-41.2014.2.00.0000 - Rel. NORBERTO CAMPELO - 239ª Sessão Ordinária - julgado em 11/10/2016). (grifou-se).

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. PROPOSTA DE ALTERAÇÃO REGIMENTAL. ELEIÇÃO DE CARGOS DIRETIVOS. PARTICIPAÇÃO DE MAGISTRADOS DE 1º GRAU. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.

1. Procedimento de controle administrativo contra deliberação administrativa de Tribunal que apreciou, por intermédio de votação fechada, proposta de alteração regimental sobre a possibilidade de todos os Magistrados, inclusive os juízes de 1° grau, participarem da escolha dos cargos diretivos da Corte. 

2. Consoante decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 2.012/SP, e pelo Conselho Nacional de Justiça no PP 0002399-41.2014.2014.2.00.0000, a escolha dos órgãos diretivos do Tribunal compete exclusivamente aos Magistrados de segundo grau.

3. Improcedência do pedido. (CNJ - PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0005832-19.2015.2.00.0000 - Rel. FERNANDO MATTOS - 31ª Sessão Extraordinária - julgado em 18/10/2016).(grifou-se).

  

 E mais. Ao compulsar os autos do Procedimento de Controle Administrativo n.º 0002399-41.2014.2.00.0000, verifica-se que as Associações dos Magistrados da Justiça do Trabalho de diversas Regiões vinham, reiteradamente, formulando requerimentos aos Tribunais Regionais do Trabalho propondo a alteração regimental sub examine, que objetiva claramente a implantação do sufrágio direto, secreto e facultativo de todos os Juízes do Trabalho para eleição de cargos de direção dos Tribunais, embora, como sobredito, de natureza inconstitucional, concessa maxima venia. 

Entretanto, como a referida proposta não foi aceita pelos Tribunais, buscou-se uma nova forma de participação dos Magistrados de primeiro grau na eleição dos órgãos diretivos, sob a denominação de “consulta” que, apesar de constar como de caráter não vinculativo, observa-se, ao final, que “vinculou”, de fato, os nomes sugeridos na consulta. 

Tanto é assim, que o mencionado procedimento, na forma em que foi realizado, resultou em candidatos únicos.

Em outras palavras, o resultado da “consulta”, que se dizia formalmente não vinculante, “aprovou” os candidatos pela maioria dos juízes e dos Desembargadores do Tribunal, com destaque, inclusive, para as porcentagens alcançadas em dita “consulta” que refletem exatamente o “resultado do pleito”. Confira-se, portanto, a preclara vinculação:

            

A própria AMATRA IV, no que foi seguida pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA), conforme documento constante do ID. 4481406, em seu requerimento inicial, nos autos do PROAD n.º 3.171/2021, reconhece que propôs ao TRT4 o mencionado procedimento de “consulta”, diante da negativa de alteração regimental referente à participação de todos os Magistrados na escolha dos dirigentes do Tribunal, in verbis: 

1. Ainda em 15 de junho de 2012, em ofício assinado pelo Presidente Daniel Nonohay, a AMATRA IV assim formulou o primeiro requerimento de democratização do nosso Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região:

[...]

Propomos, assim, a alteração do cabeçalho e do parágrafo 5º do art. 16 do Regimento Interno do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 4ª região, na forma da redação abaixo, para permitir a participação de todos os juízes da Justiça do Trabalho da 4ª região no processo de escolha dos cargos de direção: Art. 16. A eleição para os cargos de Direção do Tribunal far-se-á, mediante escrutínio secreto, cargo a cargo, contando com a participação e voto de todos os juízes integrantes da Justiça do Trabalho na 4ª região, a ser realizada na primeira sexta-feira útil do  de outubro dos anos ímpares, tomando posse os eleitos em sessão plenária reunida, extraordinariamente, na segunda sexta-feira útil de dezembro dos 8 anos ímpares.

[...]

2. Em razão desta pretensão da AMATRA IV, inicialmente foi aprovada uma consulta e na qual participavam apenas as juízas e os juízes de primeiro grau, o que se manteve por duas eleições. Em um segundo momento, a AMATRA IV propôs a inclusão das desembargadoras e desembargadores na chamada consulta para as eleições, que tem sido ratificada pelo Tribunal Pleno desde então.(Id. 4481393, fls. 33/34). (grifou-se).

 Nada obstante, em que pesem os relevantes argumentos utilizados para a ampliação do colégio de eleitores, ao permitir a participação dos Magistrados de primeiro grau no processo de escolha dos órgãos diretivos do respectivo tribunal, sob o pretexto da democratização interna do Poder Judiciário e da política pública de valorização da carreira dos juízes de primeira instância, ressalvada eventual alteração legislativa do texto constitucional e/ou modificação do quanto decidido, até o momento, pelo Supremo Tribunal Federal, não se pode admitir a participação dos mencionados juízes de primeiro grau - com todo respeito aqueles e aquelas que honradamente fazem jus ante o serviço primoroso prestado com todo sacrifício à sociedade brasileira -, na eleição dos órgãos diretivos dos Tribunais, sob pena, como sobredito, de se perpetrar flagrante inconstitucionalidade! 

Ao fim e ao cabo, ressalte-se que tramitava no Congresso Nacional duas Propostas de Emenda à Constituição, autuadas sob o n.º 15/2012 e n.º 35/2013, que determinavam a participação dos juízes de primeira instância nas eleições para os órgãos diretivos dos tribunais, arquivadascontudo, ao final da respectiva legislatura, nos termos do art. 332, § 1º, do Regimento Interno do Senado Federal[1]. 

Constata-se, ainda, em tramitação, a Proposta de Emenda à Constituição n.º 187/2012, que dá nova redação às alíneas "a" e "b" , do inciso I, do art. 96 da Constituição Federal.

Desse modo, não se mostra adequada, na atual circunstância, a ampliação do colégio eleitoral que, atualmente, só pode ser composto unicamente por Desembargadores e Desembargadoras, conforme interpretação lídima, cristalina, da Constituição da República Federativa do Brasil e o entendimento, firme e pacífico, do Supremo Tribunal Federal a respeito da temática em questão.

Ex positis:

a) julgo parcialmente procedente o pedido formulado para somente declarar a nulidade da eleição realizada, no dia 01/10/2021, pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, a qual elegeu os órgãos diretivos da mencionada Corte de Justiça (Id. 4481393, fls. 93/98), devendo-se, excepcionalmente, de forma a modular os efeitos desta decisão, garantir a permanência dos atuais integrantes, outrora eleitos na mencionada eleição, para assegurar a continuidade dos trabalhos desenvolvidos no TRT4;

 b) determino, por conseguinteque a realização dos futuros processos eleitorais para o preenchimento dos seus órgãos diretivos, no âmbito do TRT4, se proceda na forma como disposto na Carta da República (art. 96, I, a), isto é, com a participação única de Magistrados de segundo grau (Desembargadores e Desembargadoras) na escolha dos dirigentes do Tribunal, vedada, portanto, a participação, sob quaisquer hipóteses, indireta e previamente, de Magistrados de primeiro grau, ainda que sob o aspecto de “consulta”, ou procedimento de natureza similar, prevista ou não no Regimento Interno do TRT4.

À Secretaria processual para providências.

Brasília/DF, data registrada em sistema.

 

SIDNEY PESSOA MADRUGA

Conselheiro Relator



[1] Art. 332. Ao final da legislatura serão arquivadas todas as proposições em tramitação no Senado, exceto: [...] § 1º Em qualquer das hipóteses dos incisos do caput, será automaticamente arquivada a proposição que se encontre em tramitação há duas legislaturas, salvo se requerida a continuidade de sua tramitação por 1/3 (um terço) dos Senadores, até 60 (sessenta) dias após o início da primeira sessão legislativa da legislatura seguinte ao arquivamento, e aprovado o seu desarquivamento pelo Plenário do Senado. Disponível em: < https://www25.senado.leg.br/documents/12427/45868/RISF+2018+Volume+1.pdf/cd5769c8-46c5-4c8a-9af7-99be436b89c4>. Acesso em: 03 mar. 2022.

VOTO DIVERGENTE

Adoto o relatório do Conselheiro Sidney Madruga lançado no procedimento em análise.

Com todas as vênias ao Eminente Relator, não vislumbro fundamento para procedência das alegações deduzidas na inicial, na esteira do voto apresentado pelo Senhor Conselheiro Vieira de Mello Filho.

De início, ressalto que   embora a Carta Magna resguarde por completo a autonomia administrativa  dos Tribunais para eleger seus órgãos diretivos (artigo 96, I, “a”), expressamente se refere ao Órgão Colegiado (Tribunal), não sendo permitida a alteração dos eleitores, para abarcar também magistrados de primeiro grau. A questão já se mostra superada por decisão do E. STF, na ADI 2012 e também por decisão deste Conselho, como bem destacado pelo Sr. Relator.

Se estivéssemos diante de norma regimental expedida pelo E. TRT 4, ampliando o quadro de eleitores para além dos desembargadores componentes daquela Corte, não teria dúvidas em acompanhar o voto do Sr. Relator, por todos os fundamentos ali expostos.

Entretanto, a matéria versada neste procedimento administrativo é outra.

Trata-se de pretensão de anulação de norma regimental – e consequentemente da eleição efetivada sob a égide desse normativo - que estabelece consulta não vinculativa, a todos os magistrados do TRT 4, de primeiro e segundo graus, ou seja, mera colheita de opinião, sem guardar qualquer relação com a decisão administrativa (eleição) a ser proferida posteriormente pelo órgão competente (Tribunal Pleno). E aqui, não vejo qualquer mácula à Carta da República, rogando mais uma vez todas as vênias ao Sr. Relator.

No tocante ao alegado vício no processo de alteração do regimento interno, à apontada vulneração ao artigo 16 da Carta Magna, à regra da publicidade das sessões administrativas e à referida suspeição dos desembargadores da Comissão de Regimento Interno, acompanho integralmente os fundamentos expostos por Sua Excelência o Conselheiro Vieira de Mello Filho.

Relativamente à eleição em si para os cargos diretivos, considerada a autonomia do colégio eleitoral, além dos robustos fundamentos expostos pelo Conselheiro Vieira de Mello Filho, acrescento os seguintes, de modo convergente.

A meu sentir, não cabe ao Conselho Nacional de Justiça censurar atos dos Tribunais que não estejam em colisão com dispositivos da Constituição Federal, normas legais ou infralegais. Ademais, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífica no sentido de considerar que a escolha dos dirigentes dos Tribunais é intrínseca à autonomia constitucional que lhes é garantida. Merece destaque o seguinte precedente:

TRIBUNAIS REGIONAIS DO TRABALHO – CARGOS DE DIREÇÃO E SUBSTITUIÇÃO – ELEIÇÃO. A escolha dos dirigentes é atribuição privativa do Tribunal, nos termos do artigo 96, inciso I, alínea “a”, da Constituição Federal. TRIBUNAL REGIONAL – ORGANIZAÇÃO – AUTONOMIA – VIOLAÇÃO. Surge inconstitucional norma do Tribunal Superior do Trabalho a disciplinar organização de tribunal regional.

(ADI 2974, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 08/06/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-204 DIVULG 14-08-2020 PUBLIC 17-08-2020)

Outrossim, quanto à possibilidade de os Tribunais estabelecerem regramento próprio, mister destacar que a Constituição Federal disciplina a eleição para os cargos de direção de forma genérica, senão vejamos:

Art. 96. Compete privativamente:

I - aos tribunais:

a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos;

 Desse modo, respeitadas as regras gerais constantes do Texto Constitucional, há margem para os Tribunais regularem a matéria no âmbito das respectivas jurisdições e promover adequações às particularidades locais.

No caso da consulta efetuada pelo TRT4, o procedimento que antecede as eleições para os cargos diretivos ocorre desde 2013 e conta com a participação de desembargadores e de juízes de primeiro grau, porém, repita-se,  não possui caráter vinculativo. É o que se extrai o art. 16 do Regimento Interno do Tribunal:

Art. 16. A eleição para os cargos de Direção do Tribunal far-se-á, mediante escrutínio secreto, cargo a cargo, em sessão ordinária do Tribunal Pleno, a ser realizada na primeira sexta-feira útil do mês de outubro dos anos ímpares, tomando posse os eleitos perante seus pares em sessão plenária reunida, extraordinariamente, na primeira sexta-feira útil de dezembro dos anos ímpares.

§ 1º A eleição será precedida de consulta não vinculativa a todos os desembargadores e juízes de 1º grau em atividade, a fim de apurar os nomes daqueles, dentre os elegíveis que a maioria indica para o exercício dos cargos de Presidente e Vice-Presidente.

§ 2º Na consulta a ser realizada, a manifestação dos desembargadores terá peso correspondente à razão obtida pela divisão do número de juízes de primeiro grau pelo número de desembargadores em atividade até 30 dias antes da consulta.

§ 3º Na hipótese da vacância dos cargos de Presidente do Tribunal, Vice-Presidente, Corregedor Regional e Vice-Corregedor Regional, a eleição para o preenchimento da vaga correspondente far-se-á em sessão plenária a ser realizada no prazo de dez dias, com posse imediata, concluindo o eleito o tempo de mandato do antecessor[1].

Como se vê, apesar de a consulta prévia ser aberta à participação de desembargadores e juízes do TRT4, na eleição não há ampliação do universo de eleitores ou vinculação do resultado à escolha dos cargos diretivos.

Em verdade, conforme registrado pelo Tribunal nos autos, o procedimento amplia os horizontes dos elegíveis e favorece o debate entre os candidatos, porquanto fornece uma visão geral da política administrativa idealizada por todos os magistrados, medida que contribui sobremaneira para a boa gestão dos futuros dirigentes, que serão escolhidos exclusivamente pelo colégio eleitoral formado por desembargadores.

Anote-se que a coincidência entre os nomes escolhidos pelos magistrados na consulta prévia e o resultado da eleição para os cargos diretivos, por si só, não configura irregularidade. Não há identidade entre os votantes do processo consultivo (desembargadores e juízes de primeiro grau) e da eleição propriamente dita (apenas desembargadores), bem como não foram apontados indícios de que os membros do Tribunal sofreram algum tipo de pressão anômala para proferirem seus votos e viciar a vontade.

Ademais, não se concebe que magistrados, condição também ostentada pelo próprio requerente, sofram influências internas ou externas na formação de seu convencimento, quer no âmbito administrativo, quer na seara judicial.

Em minha compreensão, a consulta prévia efetuada pelo TRT4 que, repita-se, não possui caráter vinculativo, constitui procedimento realizado no espectro da autonomia administrativa do Tribunal e não cabe a este Conselho censurá-la, porquanto não há frontal ofensa a dispositivo da Constituição Federal. 

Considerando que a tramitação e julgamento dos PROADs 3171/2021 e 4545/2021 atendeu aos requisitos regimentais e que inexiste inconstitucionalidade na realização de consulta prévia às eleições, que não amplia o universo de eleitores, já que não é vinculativa, não entrevejo fundamento para anular as eleições para os cargos diretivos do TRT4 realizadas em 1º de outubro de 2021.

Ante o exposto e renovando o pedido de escusas, divirjo do Eminente Relator para julgar improcedente os pedidos formulados na inicial na forma da fundamentação acima.

É como voto.

 

Brasília, data registrada no sistema.

 

Jane Granzoto

Conselheira

 


[1] Disponível em https://www.trt4.jus.br/portais/media/590427/REGIMENTO%20INTERNO-%20VERS%C3%83 O%20EDIT%C3%81VEL%20RA%20172021.pdf. Acesso em 7 de março de 2022.

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0007069-78.2021.2.00.0000
Relator: CONSELHEIRO SIDNEY MADRUGA
Requerente: MARCELO JOSE FERLIN D AMBROSO
Requerido: TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 4ª REGIÃO - TRT 4

 

 

VOTO CONVERGENTE

  

Adoto o competente relatório lançado pelo relator, Conselheiro Sidney Madruga, para evitar desnecessárias descrições sobre os mesmos fatos processuais.

Trata-se de Procedimento de Controle Administrativo (PCA), com pedido liminar, proposto por Marcelo José Ferlin D’Ambroso contra atos que teriam resultado na alteração das regras atinentes ao processo de eleição dos órgãos diretivos do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4).

Formulo breve divergência pontual no presente voto, abordando a temática a partir de um prisma diverso.

Não pretendo, aqui, discorrer sobre a constitucionalidade das normas regimentais do TRT4, nem sobre o processo interno de alteração dessas normas realizado recentemente por aquele Tribunal, afetando o processo eleitoral que se avizinhava.

Deixo de abordar esses dois aspectos por entender que a exegese do art. 96, I, a, da Constituição Federal é de competência privativa do Supremo Tribunal Federal, que aliás já se pronunciou sobre sua interpretação dessa norma mais de uma vez. A questão debatida nos autos, se seria constitucional ou não uma consulta não-vinculativa, é tema que ainda não foi objeto de pronunciamento específico da Corte Suprema.

Quanto às alterações regimentais feitas poucos meses antes da eleição, acredito situarem-se no âmbito da autonomia administrativa do Tribunal. Independentemente de quem seria seu autor intelectual, ou quem atuou na fase de instrução da proposta de alteração regimental, ela foi devidamente pautada e deliberada, havendo sido aprovada por larga margem. Embora concorde que não é salutar alterar as normas que regem uma eleição a menos de um ano de sua ocorrência, não vislumbro nulidade no seu processamento nem vício de outra natureza que viabilize a atuação deste Conselho Nacional. Isso porque não me parece aplicável o princípio da anualidade eleitoral previsto no art. 16 da Constituição Federal a esse tipo de eleição de órgão diretivo de tribunal.

No mérito, acredito que a questão que se impõe é de outra ordem, mais propriamente de uma Política Nacional do Judiciário. O CNJ tem por atribuição fiscalizar a atividade administrativa dos tribunais e buscar dotar o Judiciário brasileiro de um mínimo de uniformização, com uma mesma racionalidade de procedimento.

O TRT da 4ª Região tomou iniciativa corajosa e democratizante, ao abrir procedimento de oitiva dos juízes de 1ª instância, com previsão regimental, mas sem efeito vinculante. A eleição propriamente dita seria realizada apenas pelos magistrados de segundo grau, nos termos do já decidido pelo Supremo Tribunal Federal.

Ocorre que, se a decisão deve ser tomada exclusivamente pelos magistrados de segunda instância, de que serve uma consulta promovida oficialmente pelo Tribunal entre não-eleitores?

Não me parece ser função do Estado fazer enquetes ou pesquisas de opinião pública previamente a uma eleição. Essas consultas de opinião, tradicionalmente feitas no Brasil pelas associações, constituem uma abertura democrática, mas são exóticas quando realizadas pelo próprio Tribunal.

O Judiciário gaúcho tem uma conhecida tradição vanguardista. E acredito que seja uma tentativa no sentido de implementar uma maior democratização do Poder Judiciário. No entanto, no momento em que estamos hoje, não cabe aos juízes de primeira instância decidir ou buscar exercer influência na decisão que cabe, por expressa dicção constitucional, exclusivamente aos desembargadores.

Tempus regit actum e, portanto, é à luz da normativa hoje vigente que a iniciativa da magistratura trabalhista gaúcha deve ser analisada. Avanços poderão ocorrer em tempos futuros no sentido de viabilizar-se à magistratura de primeira instância algum grau de decisão sobre a escolha dos ocupantes dos órgãos dirigentes, mas esse debate não se resolve em sede regimental, e sim no âmbito do Poder Constituinte Derivado.

Não vejo óbice, no entanto, de que a consulta seja realizada por associações afetas à carreira do Judiciário e seu resultado, eventualmente, considerado pelos desembargadores-eleitores. No entanto, não cabe, a meu sentir, que a consulta seja realizada pelo próprio Tribunal, como braço da atuação do Estado.

Em virtude do ajuste do voto do Conselheiro Sidney Madruga, honrando-me ao acolher o posicionamento que defendi no Plenário desta Casa, apresento minha manifestação convergente com o voto do eminente Relator no sentido de: 

a) julgar improcedente o pedido formulado para declarar a nulidade da eleição realizada, a fim de manter no exercício de seus mandatos os desembargadores eleitos; 

 b) julgar parcialmente procedente o pedido, determinando ao Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região que, nos próximos pleitos, deixe de aplicar as normas regimentais relativas à consulta prévia à eleição de seus dirigentes. 

À Secretaria processual para providências.

 

Luiz Fernando BANDEIRA de Mello
Conselheiro Nacional de Justiça