Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: REVISÃO DISCIPLINAR - 0007103-53.2021.2.00.0000
Requerente: MARIA ALDECY DE SOUZA PISSOLATI
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ - TJPA

 

REVISÃO DISCIPLINAR. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR INSTAURADO EM DESFAVOR DE MAGISTRADA. DECISÃO TERATOLÓGICA QUE AFRONTOU REGRA PROCESSUAL, IGNOROU O INSTITUTO DA COISA JULGADA, OFENDEU DIRETRIZ DO CNJ E DESCUMPRIU ORDEM DA SUPREMA CORTE. FALTA DISCIPLINAR COMPROVADA. GRAVIDADE DO ATO. HISTÓRICO FUNCIONAL CONSIDERADO. PENA DE APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. INEXISTÊNCIA DE CONTRARIEDADE À EVIDÊNCIA DOS AUTOS. CONCLUSÃO QUE SE COADUNA COM O ACERVO PROBATÓRIO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO REVISIONAL.  

1. Revisão disciplinar proposta contra acórdão do TJPA que aplicou à magistrada a pena de aposentadoria compulsória, em razão de suposto descumprimento voluntário e consciente da Resolução CNJ 80/2009 e de decisões proferidas pela Suprema Corte.

2. O trânsito em julgado da decisão rescindenda é o termo inicial da contagem do prazo decadencial de 1 ano para a propositura da RevDis. Logo, existindo prazo processual a ser contabilizado (v.g. prazo para oposição de embargos de declaração), não se pode desconsiderar a sua incidência para se certificar esse trânsito. Preliminar de intempestividade afastada. 

3. A independência funcional dos magistrados (art. 41 da LOMAN) deve ser defendida e protegida de forma resoluta, porém figura como garantia que não tem caráter absoluto, nem desobriga esses agentes públicos do compromisso de observarem os deveres constitucionais e legais que norteiam a magistratura. 

4. Evidencia o arcabouço probatório que a decisão foi propositada e que, a um só tempo, afrontou preceito constitucional (necessidade de concurso público - art. 236, § 3º, da CF/1988), contrariou ordem expressa da Suprema Corte, ignorou diretriz do CNJ e violou o instituto da coisa julgada. 

5. Não se pode classificar como mero error in judicando ou error in procedendo decisão teratológica que desborda das balizas que deviam dirigir a atuação da magistrada e se direciona ao favorecimento de interinos. 

6. Pretensão de utilizar a revisão disciplinar como sucedâneo recursal. Impossibilidade. Precedentes. 

7. Revisão disciplinar conhecida e, no mérito, julgada IMPROCEDENTE.


 ACÓRDÃO

Após o voto da Conselheira Salise Sanchotene (Vistora), o Conselho, por unanimidade, julgou improcedente o pedido de revisão, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário Virtual, 20 de abril de 2023. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: REVISÃO DISCIPLINAR - 0007103-53.2021.2.00.0000
Requerente: MARIA ALDECY DE SOUZA PISSOLATI
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ - TJPA

 

RELATÓRIO

 

Trata-se de Revisão Disciplinar (RevDis) proposta pela magistrada Maria Aldecy de Souza Pissolati contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Pará (TJPA), que julgou procedente o Processo Administrativo Disciplinar 0002724-49.2019.8.14.0000, para lhe aplicar a pena de aposentadoria compulsória, por ter “descumprido voluntária e conscientemente decisões emanadas do Supremo Tribunal Federal nos Mandados de Segurança de n° 29.776 e 29.731, já transitadas em julgado, além da Resolução n° 80/2009-CNJ, do Conselho Nacional de Justiça” (Ids. 4482632 e 4534279, p. 40). 

Explica a requerente, em síntese, que o PAD instaurado em seu desfavor está relacionado à sua atuação em duas ações declaratórias, que tinham como objeto o reconhecimento de vínculo entre os autores das referidas ações e o Estado do Pará, em razão das atividades desenvolvidas nos 1º e 2º Cartórios da Comarca de Marabá/PA.

Relata que, a fim de evitar possíveis violações de direito e imbróglios no certame em andamento, teria deferido parcialmente pedidos liminares formulados naqueles autos, para determinar que as serventias fossem disponibilizadas na condição sub judice no concurso.

Afirma, porém, que a magistrada que a substituiu no seu período de férias reformou tais decisões liminares e, na sequência, proferiu sentenças, julgando improcedentes os pleitos dos autores, devido à suposta existência de coisa julgada (MS 29.776/DF e 29.731/DF) e de alegada afronta à norma deste Conselho.

Esclarece, ainda, que, contra essas sentenças, foram interpostas apelações, que foram recebidas por sua substituta e remetidas ao Tribunal.

Alega, contudo, que, após a oposição de embargos de declaração pelas partes, no qual se sustentava suposta omissão da juíza substituta quanto ao juízo de retratação, entendeu ser devido dar provimento aos aclaratórios, para restaurar as decisões liminares, que haviam ordenado a oferta das serventias na condição sub judice.

Aduz que, naquela oportunidade, considerou que não havia sido operada a coisa julgada invocada por sua substituta, que não existia óbice no processamento de ação própria e que os pedidos e causas de pedir das referidas ações não eram idênticos aos dos writs julgados pela Suprema Corte.

Sustenta, nesse contexto, que não teria havido nenhuma ilegalidade em sua conduta e que o ato praticado seria tipicamente jurisdicional, não podendo, portanto, ser revisto em um PAD, tampouco dar ensejo à penalidade disciplinar.

Assevera, todavia, que, mesmo sem qualquer prova de desvio de finalidade do ato ou de relação com as partes, a Corte requerida teria decidido prosseguir com o processo disciplinar e lhe impor a pena de aposentadoria.

Defende, desse modo, que a revisão ora pleiteada seria necessária, porquanto além de o acórdão impugnado ter sido contrário a preceitos legais e à evidência dos autos (art. 83, I, RICNJ), a decisão de sua lavra teria buscado apenas zelar pelo fiel cumprimento de seu dever jurisdicional.

Diante de tais fatos, pugna para que seja reformado/anulado “o processo administrativo disciplinar n. 00002724-49.2919.8.14.0000, no sentido de tornar sem efeito a pena de aposentadoria compulsória”.

Conclusos os autos ao meu antecessor, foi determinada a intimação da Corte requerida, para que procedesse à juntada de cópia integral do PAD, e posterior remessa do feito ao Ministério Público Federal, para manifestação (Id. 4516090).

Devidamente intimado, o TJPA acostou a íntegra do PAD à presente RevDis (Id. 4534275), bem como certidão de trânsito em julgado do processo disciplinar (Id. 4534279, p. 53).

Concedido o prazo para razões finais, a Procuradoria-Geral da República manifestou-se pelo não conhecimento do pedido de revisão, em virtude de suposta intempestividade, e, no mérito, pela improcedência do pleito, com manutenção da penalidade aplicada (Id. 4560697).

A magistrada, por seu turno, refutou a tese de intempestividade suscitada pelo Parquet, reiterou os argumentos trazidos na inicial e renovou o pleito de procedência da RevDis (Ids. 4564625 e 4618180).

É o relatório.


Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: REVISÃO DISCIPLINAR - 0007103-53.2021.2.00.0000
Requerente: MARIA ALDECY DE SOUZA PISSOLATI
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ - TJPA

 

VOTO

 

Conforme relatado, a presente Revisão Disciplinar foi proposta pela magistrada Maria Aldecy de Souza Pissolati contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Pará (TJPA), que lhe aplicou a pena de aposentadoria compulsória, em razão de suposto descumprimento “voluntário e consciente” de decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nos Mandados de Segurança 29.731/DF e 29.776/DF e da Resolução CNJ 80/2009 (Ids. 4482632 e 4534279, p. 40).  

De acordo com a requerente, o acórdão atacado seria contrário a preceitos legais e à evidência dos autos (art. 83, I, RICNJ), porquanto além de terem sido proferidas no exercício da atividade jurisdicional, as decisões questionadas teriam buscado tão somente cumprir a legislação processual e sanar vícios constatados nas ações (Id.4482632).

Ocorre que, quando se promove o acurado exame do PAD, o que avulta do feito não é alegada nulidade do acórdão rescindendo, mas, sim, a pretensão de utilizar esta RevDis como sucedâneo recursal.

Antes, porém, de avançar sobre o mérito, passo à análise da suposta intempestividade do pedido, suscitada pelo Parquet.

I – DO CONHECIMENTO DA REVDIS

Defende o Ministério Público Federal que a revisão ora apreciada deveria ser considerada intempestiva, porquanto o acórdão da Corte Paraense foi disponibilizado no DJe em 14/9/2020 e a RevDis só foi proposta em 16/9/2021. Ou seja, teria sido apresentada neste Conselho após o prazo decadencial de 1 ano (Id. 4560697). 

Sucede que, ao sustentar a referida tese, o Parquet olvidou-se que aquela data (14/9/2020) representa a mera disponibilização do acórdão no DJe, e não o trânsito em julgado da decisão, termo inicial da contagem do prazo decadencial para a propositura da RevDis: 

REVISÃO DISCIPLINAR. NÃO OBSERVÂNCIA DO PRAZO CONSTITUCIONAL DE MENOS DE UM ANO. INTEMPESTIVIDADE. NÃO CONHECIMENTO. 

I – O conhecimento da Revisão Disciplinar está condicionado, exclusivamente, ao cumprimento do prazo constitucional para a proposição e à indicação, em tese, de atendimento das hipóteses previstas no art. 83 do RICNJ. 

II – O trânsito em julgado administrativo é o marco inicial da contagem do prazo decadencial para a proposição da REVDIS. Precedentes. 

III – O procedimento revisional apresentado em prazo superior ao estabelecido na Constituição Federal é intempestivo e não merece conhecimento. 

IV – A submissão dos autos ao crivo do Plenário desta Casa é pertinente, muito embora o Regimento Interno assegure ao Relator a prerrogativa de indeferir, de plano, o pedido que se mostre intempestivo (art. 85, caput, do RICNJ). 

V – Revisão Disciplinar não conhecida. 

(grifo nosso) (Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0000807-25.2015.2.00.0000 - Rel. Luciano Frota- 50ª Sessão Extraordinária - julgado em 11/09/2018)

É dizer, existindo prazo processual a ser contabilizado (5 dias para oposição de embargos de declaração - Id. 4482647, p. 133), não se pode desconsiderar a sua incidência para se certificar o trânsito em julgado do feito (dies a quo para a apresentação do pedido de revisão).

Logo, identificado o dia em que o acórdão foi disponibilizado (momento em que o acórdão é lançado no Diário da Justiça eletrônico), ainda se faz necessário contabilizar a data da publicação desse acórdão (“o primeiro dia útil seguinte ao da disponibilização da informação” - art. 4º, § 3º[1], da Lei 11.419/2006), para que, somente no primeiro dia útil que seguir a essa data de publicação, possa se iniciar a contagem do prazo do recurso (art. 4º, § 4º[2], da Lei 11419/2006), na esteira do que esclarece julgado do CNJ:

REVISÃO DISCIPLINAR. ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ (TJCE). PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR (PAD) CONTRA MAGISTRADO. APLICAÇÃO DA PENA DE APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. PRAZO DECADENCIAL DE UM ANO PARA APRESENTAÇÃO DA REVDIS. DUPLA INTIMAÇÃO: PELO DJE E PESSOALMENTE. CONTAGEM DO PRAZO A PARTIR DA INTIMAÇÃO DA DEFESA PELO DJE. INTEMPESTIVIDADE RECONHECIDA.

1. O prazo decadencial de um ano para apresentação de Revisão Disciplinar, pelo magistrado apenado em Processo Administrativo Disciplinar, é contado da data da intimação de sua defesa técnica do Diário de Justiça Eletrônico do tribunal, mesmo havendo posterior intimação pessoal do magistrado.

2. Revisão disciplinar não conhecida. Maioria.

 

Voto 

 

1. Da intempestividade da REVDIS

O Tribunal alegou a intempestividade da REVDIS, por ter sido apresentada após o prazo de um ano previsto na Constituição Federal para a revisão pelo CNJ.

O julgamento foi concluído em 13/11/2017; o acórdão (ementa e o extrato do acórdão) foi disponibilizado no DJE em 7/12/2017 de dezembro de 2017 (id 3536005, p 27), considerando-se publicado em 11/12/2017. 

O Requerente foi intimado pessoalmente do acórdão em 15/1/2018, ocasião em que recebeu cópia de seu inteiro teor (id 3536005, p. 30/31).

[...]

Apesar de a certidão não fazer referência à data em que efetivamente ocorreu o trânsito em julgado, tem-se que os cinco dias para a apresentação de recurso de embargos de declaração finalizaram em 18/12/2017 (computando-se 5 dias corridos a partir de 12/12/2018, um dia após a publicação do acórdão).

Assim, o trânsito em julgado, embora certificado somente em 17/1/2018, ocorreu em 18/12/2017, quando iniciou o prazo decadencial de um ano para apresentação do pedido de revisão. 

Como a REVDIS somente foi proposta em 15/1/2019, tem-se sua intempestividade.

Importante ressaltar que o fato de o requerente ter sido pessoalmente intimado em 15/1/2018, quando recebeu cópia do inteiro teor do acórdão, não influencia na contagem do prazo para apresentação de recurso, o qual conta-se da intimação de sua defesa, pelo DJE (11/12/2017).

(grifos nossos) (Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0000214-54.2019.2.00.0000 - Rel. Rubens Canuto - 55ª Sessão Extraordinária - julgado em 29/07/2020).

Nessa perspectiva, vê-se que, in casu, se a data de disponibilização do acórdão do TJPA foi 14/9/2020 (Id. 4482647, p. 123), a data de publicação desse acórdão foi 15/9/2020, o prazo para oposição dos embargos se iniciou em 16/9/2020 e o trânsito em julgado ocorreu em 21/9/2020.

Ademais, se levarmos em conta que o acórdão do Tribunal foi novamente disponibilizado em 17/9/2020 (devido à necessidade de divulgação da data de julgamento do PAD que não havia sido disponibilizada na primeira oportunidade - Id. 4482647, p. 123 e 131), verifica-se que a data de publicação do acórdão foi 18/9/2020 (sexta-feira), o início do prazo para oposição dos embargos foi 21/9/2020 e o trânsito em julgado ocorreu em 25/9/2020 (data, inclusive, posterior à que foi certificada pelo TJPA - Id. 4482647, p. 133):


                                                                                                                            

Portanto, por qualquer ângulo que se analise, chega-se à conclusão de que a presente revisão, proposta em 16/9/2021 (Id. 4560697), não pode ser tida como intempestiva.

Não por outra razão, o próprio órgão ministerial reconheceu a fragilidade da tese defendida, ao admitir a possibilidade de superá-la, em virtude da nova publicação do acórdão rescindendo:

20. É ver porém que houve ulterior republicação do acórdão, em 17/09/2020 (Edição nº 6991/2020)18, ainda que sem indicação do motivo da nova publicação, de modo a permitir, em tese, afastar-se a intempestividade da revisão, pelo que, ultrapassado o ponto, manifesta-se, no mérito, pela manutenção da condenação imposta pelo Tribunal de Justiça, conforme adiante exposto. (grifo nosso) (Id. 4560697, p. 9)

Assim, tendo sido atendido o prazo decadencial estabelecido pelo art. 103-B, § 4º, V, da Constituição Federal, reputo que esta RevDis deve ser conhecida.

II – DO MÉRITO

Ao se avançar sobre a questão de fundo, revelam os autos que as decisões proferidas pela magistrada – e que foram consideradas teratológicas pelo TJPA – estão relacionadas aos Cartórios do 1º e 2º Ofícios da Comarca de Marabá/PA, que eram ocupados interinamente por Neuza Maria Santis Seminotti e Alberto Santis Filho, desde 1992 e 1994, respectivamente.

Em 2010, as referidas serventias foram declaradas vagas pela Corregedoria Nacional de Justiça e incluídas na lista definitiva de vacâncias, em cumprimento à Resolução CNJ 80/2009, por terem sido ocupadas sem observância da regra constitucional do concurso público (Id. 4482641 e 4482647, p. 109).

Irresignados com a decisão deste Conselho, os citados interinos impetraram mandados de segurança no STF (MS 29731 e MS 29776), buscando desconstituir as decisões do CNJ e, por consequência, granjear a titularidade das respectivas serventias (Id. 4482647, p. 112).

Tais writs, contudo, tiveram a segurança denegada, porquanto consignou a Suprema Corte que “não há direito adquirido à titularidade de serventias que tenham sido efetivadas sem a observância das exigências do art. 236, quando o ato tiver ocorrido após a vigência da CF/88” (Id. 4482641):

Ementa: CONSTITUCIONAL. SERVENTIA EXTRAJUDICIAL. PROVIMENTO SEM CONCURSO PÚBLICO. ILEGITIMIDADE. ARTIGO 236 E PARÁGRAFOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL: NORMAS AUTOAPLICÁVEIS, COM EFEITOS IMEDIATOS, MESMO ANTES DA LEI 9.835/1994. INAPLICABILIDADE DO PRAZO DECADENCIAL DO ARTIGO 54 DA LEI 9.784/1999. PRECEDENTES DO PLENÁRIO.

1. É firme a jurisprudência do STF (v.g.: MS 28.279, Min. ELLEN GRACIE, DJe de 29.04.2011), no sentido de que o art. 236, caput, e o seu § 3º da CF/88 são normas autoaplicáveis, que incidiram imediatamente desde a sua vigência, produzindo efeitos, portanto, mesmo antes do advento da Lei 8.935/1994. Não há direito adquirido à titularidade de serventias que tenham sido efetivadas sem a observância das exigências do art. 236, quando o ato tiver ocorrido após a vigência da CF/88. À base desse pressuposto, tem-se como certo que, a partir da vigência da Constituição de 1988, o ingresso ou a movimentação dos titulares de serviço notarial e de registro, devem sempre estrita observância ao novo regime, ficando dependentes de prévio concurso de provas e títulos.

2. É igualmente firme a jurisprudência do STF no sentido de que a atividade notarial e de registro, sujeita a regime jurídico de caráter privado, é essencialmente distinta da exercida por servidores públicos, cujos cargos não se confundem (ADI 4140, Min. ELLEN GRACIE, Plenário, DJe de 20.09.2011; ADI 2.891-MC, Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Plenário, DJ de 27.06.2003; ADI 2602, Min. JOAQUIM BARBOSA, Plenário, DJ de 31.03.2006; e ADI 865-MC, Min. CELSO DE MELLO, Plenário, DJ de 08.04.1994).

3. O Plenário do STF, em reiterados julgamentos, assentou o entendimento de que o prazo decadencial de 5 (cinco) anos, de que trata o art. 54 da Lei 9.784/1999, não se aplica à revisão de atos de delegação de serventias extrajudiciais editados após a Constituição de 1988, sem o atendimento das exigências prescritas no seu art. 236. Nesse sentido: MS 28.279 DF, Min. ELLEN GRACIE, DJe 29.04.2011 (“Situações flagrantemente inconstitucionais como o provimento de serventia extrajudicial sem a devida submissão a concurso público não podem e não devem ser superadas pela simples incidência do que dispõe o art. 54 da Lei 9.784/1999, sob pena de subversão das determinações insertas na Constituição Federal”); MS 28.371-AgRg, Min. JOAQUIM BARBOSA, DJ 27.02.13 (“a regra de decadência é inaplicável ao controle administrativo feito pelo Conselho Nacional de Justiça nos casos em que a delegação notarial ocorreu após a promulgação da Constituição de 1988, sem anterior aprovação em concurso público de provas”; e MS 28.273, Min. RICARDO LEWANDOWSKI, DJe de 21.02.2013 (“o exame da investidura na titularidade de cartório sem concurso público não está sujeito ao prazo previsto no art. 54 da Lei 9.784/1999”).

4. É de ser mantida, portanto, a decisão da autoridade impetrada que considerou ilegítimo o provimento de serventia extrajudicial, sem concurso público, com ofensa ao art. 236, § 3º, da Constituição.

5. Agravo regimental desprovido. (grifos nossos)

(MS 29776 AgR, Relator(a): Teori Zavascki, Segunda Turma, julgado em 30/9/2014)

Após o julgamento de inúmeros recursos interpostos pelos impetrantes, referidos mandados de segurança transitaram em julgado em 17/4/2015 e 21/4/2015, respectivamente.

Todavia, por permanecerem descontentes com a perda da serventia, os aludidos interinos propuseram, em 15/12/2015, ações declaratórias contra o Estado do Pará, na qual pleitearam fosse declarado que a relação jurídica existente entre as partes teria ocorrido na condição de titulares; que os cargos objeto dos pedidos declaratórios não fossem providos; e que fosse determinado à comissão do concurso em andamento (Outorga de Delegação de Serviços Notariais e Registrais - Edital 001/2015) que fizesse constar do edital que aqueles cartórios se encontravam sub judice:

Ações Declaratórias 

 

1) Ação Declaratória n° 0103448-16.2015.8.14.0028 (AUTORA: NEUZA MARIA SANTIS SEMINOTI): Pedidos: - Declaração de que a relação jurídica existente entre as partes ocorreu na função de Tabelião Titular do Cartório do 1° Ofício da Comarca de Marabá/PA, por um lapso temporal superior a 40 (quarenta) anos, com o devido reconhecimento de que o Requerente praticou os atos próprios do Tabelião Titular, previstos no art. 167 da Lei n° 6.015 de 1.973; - Declaração de que o exercício da titularidade ocorreu conforme a legislação que disciplina a matéria, qual seja, art. 336 da Lei Estadual n° 5.008 de 1981 e §5° do art. 20 da Lei Federal n° 8.935 de 1994; - 7.3) Abstenção das requeridas quanto à adoção de qualquer medida ou diligência que vise prover o cargo objeto do pedido declaratório, seja por concurso, remoção, transferência ou aproveitamento; - 7.4) Expedição de ofício à comissão de concurso para Outorga de Delegação de Serviços Notariais e Registrais (Edital 001/2015), informando acerca da propositura da presente ação, para que conste do edital que o cartório em questão se encontra sub judice.  

 

2) Ação declaratória n° 0106455-16.2015.8.14.0028 (AUTOR: ALBERTO SANTIS FILHO); Pedidos: - Declaração de que a relação jurídica existente entre as partes ocorreu na função de Tabelião Titular do Cartório do 2° Oficio da Comarca de Marabá/PA, por um lapso temporal superior a 30 (trinta) anos, com o devido reconhecimento de que o Requerente praticou os atos próprios do Tabelião Titular, previstos no art. 167 da Lei n° 6.015 de 1.973; - Declaração de que o exercício da titularidade ocorreu conforme a legislação que disciplina a matéria, qual seja, art. 336 da Lei Estadual n° 5.008 de 1981 e §5° do art. 20 da Lei Federal n° 8.935 de 1994; - Abstenção das requeridas quanto à adoção de qualquer medida ou diligência que vise prover o cargo objeto do pedido declaratório, seja por concurso, remoção, transferência ou aproveitamento; - 7.41 Expedição de oficio à comissão de concurso para Outorga de Delegação de Serviços Notariais e Registrais, informando acerca da propositura da presente ação, para que conste do edital que o cartório em questão se encontra sub judice. (grifos nossos) (Id. 4482647, p. 111 e 112)

Distribuídas as referidas ações à 3ª Vara Cível e Empresarial de Marabá/PA, de titularidade da ora requerente, a magistrada deferiu parcialmente o pedido liminar, em 16/12/2015, para determinar que os mencionados cartórios constassem do edital do certame como sub judice. (Id. 4482641, p. 85, 228, 229, 231). 

No entanto, após receber um comunicado da comissão do concurso, no qual aquele colegiado relatou que a situação dos interinos já havia sido examinada pela Suprema Corte nos MS 29731 e 29776, a juíza Nilda Mara Miranda de Freitas Jácome, que se encontrava respondendo pela vara no período de férias da ora requerente, revogou, em 15/1/2016, a decisão liminar concedida pela titular (Id. 4482641, p. 89 e 232). 

Na sequência, em 21/1/2016, e ainda na condição de substituta daquela unidade judiciária, a juíza Nilda Mara Jácome sentenciou os feitos, julgando improcedentes os pedidos, por considerar que as demandas apresentadas já se encontravam acobertadas pelo manto da coisa julgada (devido às decisões do STF), e que a pretensão dos autores seria, na verdade, a de permanecer nos cartórios sem concurso público (Id. 4482641, p. 91 a 96 e 232). 

Não obstante, em 25/1/2016 e 29/2/2016, foram protocolados embargos de declaração pelos interinos, nos quais pleitearam fosse declarada a nulidade da sentença, ao argumento de que não haveria coisa julgada (Id. 4482641, p. 98 e 232). 

Diante da interposição desses recursos, a ora requerente consignou, em 3/8/2016, que rejeitava os embargos, mantendo a sentença em todos os seus termos, já que não haveria omissão, e ressaltou que a discussão acerca da inexistência de coisa julgada não podia ser enfrentada no âmbito de tais aclaratórios (Id. 4482641, p. 98 e 232):

                                                                   

  

Posteriormente, ao ser interposta apelação, a juíza de direito substituta Luana Assunção Pinheiro, que estava respondendo pela referida 3ª Vara Cível e Empresarial de Marabá/PA, recebeu o recurso em 13/2/2017 e determinou a abertura de prazo para contrarrazões, com posterior remessa dos autos ao TJPA (Id. 4482641, p. 99 e 232).

Contudo, opostos novos embargos de declaração pelos interinos, cujo objeto era a suposta omissão da substituta quanto ao juízo de retratação, a ora requerente reviu seu posicionamento. 

Depois de analisar as razões dos embargantes, a magistrada consignou, em 6/4/2017, que o feito estava eivado de nulidade decorrente de ausência de citação do Estado e exerceu o juízo de retratação, afastando a tese de coisa julgada em relação às demandas dos interinos (mandados de segurança e ações declaratórias), bem como restabelecendo a tutela outrora concedida (oferta dos cartórios na condição sub judice) (Id. 4482641, p. 101 a 108 e 232):

                                                              

Foi essa conduta, portanto, que deu ensejo à penalidade aplicada pelo TJPA. Confira-se a ementa do julgado (Id. 4482647, p. 119 a 121):

EMENTA: PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR CONTRA MAGISTRADO. APURAÇÃO DE CONDUTA DA REQUERIDA NA CONDUÇÃO DE DUAS AÇÕES DECLARATÓRIAS, POR TER, SUPOSTAMENTE, PROFERIDO DECISÕES TERATOLÓGICAS, EM MOMENTOS PROCESSUAIS INOPORTUNOS, CONTRARIANDO DE FORMA FLAGRANTE E DIRETA DISPOSITIVOS DO CPC VIGENTE, DESCUMPRINDO AINDA DE FORMA LIVRE E CONSCIENTE A RESOLUÇÃO N° 80/2009-CNJ, BEM COMO DECISÕES FINAIS DO STF EM MANDADOS DE SEGURANÇA IMPETRADOS PELOS AUTORES, COM INDÍCIOS DE QUE A REQUERIDA TERIA AGIDO DE FORMA DOLOSA PARA FAVORECER OS AUTORES QUANTO À RESPECTIVA INTERINIDADE NOS CARTÓRIOS EXTRAJUDICIAIS DO 1° E 2° OFÍCIOS DA COMARCA DE MARABÁ. FEITO DISCIPLINAR QUE APUROU A REPROVABILIDADE DA CONDUTA DA MAGISTRADA, CONCLUINDO PELA VIOLAÇÃO, PELA MESMA, DO DISPOSTO NO ART. 34, I, DA LEI ORGÂNICA DA MAGISTRATURA NACIONAL (LEI COMPLEMENTAR N° 35, DE 14.03.1979), ART. 139, I, DO CPC, BEM COMO OS ARTS. 8°, 9°, 24 E 25 DO CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA NACIONAL. APLICAÇÃO DA PENA DE DISPONIBILIDADE, COM VENCIMENTOS PROPORCIONAIS AO TEMPO DE SERVIÇO, PREVISTA NO ART. 42, IV DA LOMAN, C/C ART. 30, IV, DA RES. 135 DO CNJ.

I - TERATOLOGIA DA DECISÃO: Decisão contraditória e inoportuna proferida pela magistrada, que após interposição e recebimento de recurso de apelação pelo juízo, - com determinação de remessa ao tribunal -, acolheu embargos de declaração, para, utilizando o juízo de retratação, modificar integralmente a sentença proferida, restaurando medida liminar que contrariava tanto a Res. 80/2009-CNJ, quanto decisões de mérito, com trânsito em julgado, proferidas em dois mandados de segurança impetrados pelos autores perante o STJ; 

II - DESCUMPRIMENTO PELA MAGISTRADA DA RESOLUÇÃO N° 80/2009-CNJ (QUE DECLAROU A VACÃNCIA DAS SERVENTIAS JUDICIAIS OCUPADAS PELOS AUTORES) E DAS DECISÕES DE MÉRITO PROFERIDAS NOS MS/STF DE NÚMEROS 29.776 E 29.731: Ao proferir a decisão tida como teratológica, que restaurou liminar antes concedida, e que determinava para a comissão do concurso a inscrição da condição de sub judice nos cartórios pleiteados pelos autores, a magistrada contraria frontalmente o que já fora concluído pelo STF, em decisões que reconhecem a regularidade da inclusão das serventias na lista de vacâncias, e ausência de direito liquido certo aos impetrantes, quanto à permanência dos autores na titularidade das serventias;

III - FAVORECIMENTO DAS PARTES: A decisão da magistrada que, utilizando-se do juízo de retratação após a interposição e recebimento do recurso pelo Juízo, restabelece a decisão liminar para declarar referidos cartórios sub judice, impedia o provimento das serventias ocupadas pelos autores por concurso público, em afronta à resolução n° 80/2019-CNJ e decisões proferidas em mandados de segurança pelo STF. Referidas decisões claramente favorecem as partes autoras das ações, por impedir o provimento imediato das serventias pretendidas pelos autores das ações declaratórias. Entretanto, não tendo ficado fartamente demonstrado nos autos que a magistrada tenha atuado com DOLO ou FRAUDE, fica afastada a incidência do art. 143, I do CPC. 

IV - CONCLUSÃO: Encontram-se presente os elementos probatórios, aptos a ensejar A CONDENAÇÃO DA MAGISTRADA MARIA ALDECY DE SOUZA PISSOLATI, em razão de, através de decisão proferida com aspectos de teratologia, descumprido voluntária e conscientemente decisões emanadas do Supremo Tribunal Federal nos mandados de segurança de n° 29.776 e 29.731, já transitadas em julgado, além da Resolução n° 80/2009-cnj, do Conselho Nacional de Justiça, incorrendo, assim, em violação ao art. 35, i, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Lei Complementar n° 35, de 14.03.1979), art. 139, i do cpc, bem como os arts. 80, 9°, 24 e 25 do Código de Ética da Magistratura Nacional.

V - DOSIMETRIA: Levando-se em consideração a gravidade dos fatos atribuídos à magistrada, e considerando-se ainda o grau de indisciplina da mesma, que já respondeu a outros feitos disciplinares, sendo reincidente específica no descumprimento ao art. '35, I da LOMAN, já tendo sido condenada às penas de advertência, censura e remoção compulsória, aplica-se a pena de aposentadoria compulsória, prevista no, art.- 42, V da LOMAN, _c/c art. 3°, V, da, Res. 35 do CNJ. (grifos nossos)

Como se vê, entendeu aquela Corte que, além de a requerente ter adotado comportamento contraditório em relação ao que tinha externado nos mesmos processos, teria assim procedido a despeito de ter conhecimento das decisões do CNJ e da Suprema Corte acerca da situação dos interinos nas aludidas serventias (vacância dos cartórios).

E é essa, de fato, a convicção que se extrai do substrato probatório. Com efeito, até se mostra possível inferir que a magistrada não tinha conhecimento das decisões do CNJ e do Supremo – e que realmente estava exercendo o seu convencimento sobre a questão – quando proferiu a primeira decisão, deferindo parcialmente o pedido liminar nas ações declaratórias, a fim de que os cartórios constassem do edital do certame como sub judice. 

Todavia, quando se tem ciência de que posteriormente foi juntado àqueles feitos o comunicado da comissão do concurso, que ressaltava que a situação dos interinos já havia sido examinada pela Suprema Corte, e de que foi proferida sentença naqueles autos, que consignou que as demandas já se encontravam acobertadas pelo manto da coisa julgada, em decorrência das decisões do STF, afigura-se inviável defender que a atuação da magistrada permanecia circunscrita aos limites do exercício jurisdicional.

Não desconheço – e, inclusive, defendo veementemente – que a independência funcional dos magistrados (art. 41 da LOMAN) é garantia a ser defendida e protegida de forma resoluta, porquanto instituída não em benefício dos magistrados, mas, sim, dos seus verdadeiros legitimados, os jurisdicionados.

No entanto, cuida-se, como se sabe, de prerrogativa que não tem caráter absoluto e nem desobriga os magistrados do compromisso de observarem os deveres constitucionais e legais que norteiam a magistratura, pois, do contrário, outorgar-se-ia a esses agentes públicos o poder de se valerem do manto da independência da magistratura para atuar de forma imparcial e ilegítima.

Na hipótese dos autos, por exemplo, seria exatamente essa a benesse que se concederia, caso se permitisse que uma decisão claramente teratológica do ponto de vista material e processual fosse abrigada por garantia de tamanha envergadura.

Decerto, estando cônscia de que, depois de analisar os mandados de segurança, a mais alta Corte do país havia assentado que a declaração de vacância das serventias proclamada pelo CNJ deveria ser mantida, já que “ilegítimo o provimento de serventia extrajudicial, sem concurso público”, cabia à magistrada apenas observar o que o Pretório Excelso havia reconhecido, em respeito à Lei Maior, às regras processuais e ao instituto da coisa julgada, sobretudo porque não se tratava de uma tese assentada pelo STF que estava sendo inobservada (e para a qual há instrumento específico na via jurisdicional - Reclamação), mas de writs em que foram apreciadas as situações específicas dos interinos, com a devida resolução do mérito (coisa julgada material).

O que se viu, contudo, foi a superveniência de uma decisão que caminhou em sentido exatamente oposto àqueles comandos, ao afastar a tese de coisa julgada e restabelecer a tutela provisória para que os cartórios figurassem na condição sub judice no certame. Ou seja, a ora requerente engendrou ato que, a um só tempo, afrontou preceito constitucional (necessidade de concurso público - art. 236, § 3º, da CF/1988), contrariou ordem expressa da Suprema Corte, ignorou diretriz do CNJ e violou o instituto da coisa julgada. 

Não bastasse isso, verifica-se que essa decisão foi proferida dois meses após a apelação ter sido recebida, de ter sido aberto prazo para contrarrazões e determinada a remessa dos autos ao TJPA. Também foi prolatada após a oposição de embargos de declaração, mesmo tendo a própria magistrada rejeitado – um ano antes – dois embargos, para manter a sentença proferida por sua substituta, sob o argumento de que a coisa julgada não podia ser enfrentada no âmbito daqueles aclaratórios. Veja-se excerto do acórdão rescindendo sobre essa questão (Id. 4482647, p. 108):

Cumpre ressaltar que não se considera aqui o mero exercício do Juízo de Retratação naquele momento processual como ATO TERATOLÓGICO, - eis que tal juízo possui respaldo na lei processual, embora a jurisprudência não seja uniforme acerca da necessidade de manifestação EXPRESSA acerca do pedido de retratação, ou se o despacho que determina a citação já manifesta implicitamente a intenção de NÃO RETRATAR por parte do magistrado.

A questão a ser observada no aspecto da teratologia residiria no conteúdo decisório tratado pela magistrada requerida nessa ocasião. A despeito de ter a mesma, quase um ano antes, conhecido e REJEITADO DOIS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO opostos pelas mesmas partes, - sustentando naquela ocasião que a questão da existência de coisa julgada, no que se refere aos prévios mandados de segurança denegados no STF, não poderia ser apreciada em sede de embargos -, contraditoriamente apreciou fartamente a questão, alegando inexistir identidade entre o objeto das ações declaratórias e as discutidas perante o STF. Desse modo, inexistiria coisa julgada. Com tal entendimento, a magistrada RESTABELECEU A MEDIDA LIMINAR CONCEDIDA AO INÍCIO DO FEITO, que determinava fosse oficiado à comissão do concurso, a fim de inscrever as serventias questionadas nas ações como sub judice (grifos do original).

Consoante se observa, a decisão proferida contraria até mesmo o entendimento da própria magistrada e, frise-se, não teria nenhum sentido/coerência senão fosse o intuito de desbordar das balizas que deviam dirigir a sua atuação e se direcionar ao favorecimento dos interinos.

Quanto ao ponto, nem se diga, como pretendeu fazer crer a requerente para reforçar a sua tese de “matéria jurisdicional”, que se tratava de decisão devidamente fundamentada, na qual se registrou que as ações declaratórias teriam objetos distintos dos writs e que incidiria sobre o caso a Súmula 304 do STF.

Ora, é certo que as ações declaratórias e os mandados de segurança tinham pedidos distintos, até porque são ações com naturezas diversas, porém não escapa o fato de que a pretensão nesses processos era uma só: garantir que os interinos continuariam à frente das serventias sem concurso público.

Tanto é assim que a tutela de urgência pleiteada pelos autores nas ações era a de que as partes requeridas se abstivessem de adotar “qualquer medida ou diligência que vise prover o cargo objeto do pedido declaratório, seja por concurso, remoção, transferência ou aproveitamento” e de que fosse determinado à comissão do concurso que fizesse constar do edital “que o cartório em questão se encontra sub judice”.  

Qual seria a razão de fazerem pedidos dessa ordem, se o propósito dos autores não fosse o de retornar aos cartórios? E mais, qual seria a intenção de se proferir decisão, determinando que esses cartórios fossem tachados como sub judice, se não o de dificultar a sua escolha por um candidato do certame e beneficiar, assim, os interinos?

Diante desse cenário, tampouco se mostra cabível a tese de incidência da Súmula 304[3] do STF. Conquanto o referido enunciado realmente resguarde ao impetrante o direito de utilizar ação própria quando a decisão no mandado de segurança é denegatória, a jurisprudência da Suprema Corte é clara ao assentar que a súmula só se aplica quando a extinção do writ é sem resolução do mérito, isto é, quando não faz coisa julgada contra o impetrante, o que definitivamente não era o caso dos mandados de segurança em exame. Confira-se julgado do Pretório Excelso sobre o tema:

 

STF 

Impende destacar, finalmente, consoante reconhece esta Corte Suprema (RTJ 126/945 – RTJ 177/774-775, v.g.), que a extinção do processo mandamental, sem resolução de mérito (como sucede na espécie), não afeta nem compromete o direito material eventualmente titularizado pelo autor da ação mandamental, a quem fica assegurado, por isso mesmo, o acesso às vias ordinárias: “(...) A extinção do direito de impetrar o ‘writ’ constitucional não gera a extinção do direito material eventualmente titularizado pelo impetrante, a quem se reconhece, em consequência, observadas as normas legais, a possibilidade de acesso às vias processuais ordinárias.” (RTJ 158/846, Rel. Min. Celso de Mello)

Essa orientação nada mais traduz senão diretriz consolidada na Súmula 304/STF, no sentido de que a decisão denegatória proferida em mandado de segurança, desde que não importe em resolução do mérito, não impede que o impetrante venha a postular, por ação própria, o direito por ele vindicado (RTJ 46/255 – RTJ 52/345 – RTJ 60/520 – RTJ 67/872–RTJ 104/813 – RF 245/111, v.g.)

(RMS 29193 AgR, Relator(a): Celso de Mello, Segunda Turma, julgado em 28/10/2014)

Não se está aqui, portanto, a cuidar de mero error in judicando ou error in procedendo, e, sim, de decisão tomada de forma consciente, deliberada (como bem ressaltou o TJPA) e que se afigura nitidamente teratológica, na precisa definição trazida pela Corte Paraense (Id. 4482647, p. 106, 107 e 117):

[...] “uma decisão teratológica é aquela que não guarda pertinência alguma com as normas postas, que é manifestamente antagônica ao que o bom senso da prática jurídica recomenda. É ilegalidade flagrante. É decisão tomada ao completo arrepio do ordenamento, na contramão da jurisprudência pacificada da matéria pelos tribunais. Em outras palavras, é o erro grosseiro na manipulação técnica empregada na função jurisdicional”.

[...]

Todavia, ao prolatar as decisões aqui já suficientemente tratadas, que, em momento inoportuno (após o recebimento do recurso de apelação e remessa ao tribunal), agiu em franco e consciente descumprimento a Resolução do Conselho Nacional de Justiça, bem como a decisões com trânsito em julgado do Supremo Tribunal Federal, violou a magistrada, além do art. 35, I da LOMAN, arts. 8° e 9° do Código de Ética da Magistratura Nacional, também ao princípio da prudência, previsto nos arts. 24 e 25 do Código de Ética, e que dispõem: [...] (grifos nossos)

O conceito de decisões desse jaez também se encontra externado em precedentes deste Conselho, que são igualmente categóricos ao evidenciar que decisões teratológicas são alcançadas pelo controle disciplinar:

RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. MATÉRIA DE NATUREZA JURISDICIONAL. [...] ABUSO E TERATOLOGIA DAS DECISÕES JUDICIAIS. [...] 

[...]

2. O fundamento para afirmar que um ato ou decisão judicial é teratológico não está submetido aos critérios subjetivos e passionais das partes, mas sim se o ato está fora do limite do razoável e incompreensível dentro do ambiente da racionalidade do sistema. 

[...] Recurso Administrativo em Reclamação Disciplinar - 0001161-45.2018.2.00.0000 - Rel. João Otávio de Noronha - 275ª Sessão Ordinária - julgado em 07/08/2018 ).

  

  

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PAD. [...] PLANTÃO. CONCESSÃO DE LIMINAR EM HABEAS CORPUS A RÉU PRESO PREVENTIVAMENTE. RESOLUÇÃO CNJ N. 71/2009. REQUISITOS. URGÊNCIA. NÃO COMPROVAÇÃO. EXTENSÃO DE DECISÃO A 6 PROCESSOS CRIMINAIS DISTINTOS. DECISÃO TERATOLÓGICA. COMPETÊNCIA. [...] INFRAÇÃO À LOMAN E AO CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA. APLICAÇÃO DA PENA DE APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR JULGADO PROCEDENTE.

[...]

III - Prolação de decisão teratológica. Liminar em habeas corpus para, por meio de uma única decisão, conceder prisão domiciliar a réu preso preventivamente em 6 processos distintos, com trâmite em juízos diversos.

VI - Procedência das imputações. Aplicação da pena de aposentadoria compulsória.

(Processo Administrativo Disciplinar - 0006926-94.2018.2.00.0000 - Rel. Salise Sanchotene - 3ª Sessão Ordinária - julgado em 14/03/2023).

Desse modo, por qualquer ótica que examine, constata-se que a decisão da Corte requerida, que concluiu pela gravidade da conduta e que considerou a existência de outras três penalidades no histórico funcional da magistrada (Processo 0012143-98.2016.8.14.0000 – advertência, Processo 0012716-05.2017.8.14.0000 - censura  e Processo 0004946-24.2018.8.14.000 - remoção compulsória) para lhe aplicar a pena de aposentadoria compulsória, não se apresenta contrária a preceitos legais, tampouco à evidência dos autos (art. 83, I, RICNJ), a legitimar a revisão pugnada.

IIIDA CONCLUSÃO 

Logo, à vista de todo o panorama apresentado, é imperioso concluir que as condutas atribuídas à magistrada foram devidamente apreciadas pelo Tribunal de Justiça do Estado do Pará à luz das provas produzidas e que o pleito revisional deve ser julgado improcedente, por ter natureza meramente recursal.

Ante o exposto, CONHEÇO da presente RevDis, porém, no mérito, JULGO IMPROCEDENTE o pedido de revisão do acórdão atacado.

É como voto.

Brasília, data registrada no sistema.

 

MAURO PEREIRA MARTINS

Conselheiro Relator




[1] Art. 4º Os tribunais poderão criar Diário da Justiça eletrônico, disponibilizado em sítio da rede mundial de computadores, para publicação de atos judiciais e administrativos próprios e dos órgãos a eles subordinados, bem como comunicações em geral.

[...]

§ 3º Considera-se como data da publicação o primeiro dia útil seguinte ao da disponibilização da informação no Diário da Justiça eletrônico.

[2] § 4º Os prazos processuais terão início no primeiro dia útil que seguir ao considerado como data da publicação.

 

[3] Decisão denegatória de mandado de segurança, não fazendo coisa julgada contra o impetrante, não impede o uso da ação própria.

 


 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: 

REVISÃO DISCIPLINAR - 0007103-53.2021.2.00.0000 

Requerente: 

MARIA ALDECY DE SOUZA PISSOLATI 

Requerido: 

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ - TJPA 

 


VOTO-VISTA


Trata-se de Revisão Disciplinar (RevDis) proposta pela magistrada MARIA ALDECY DE SOUZA PISSOLATI, por meio da qual pleiteia a anulação/revisão do processo administrativo disciplinar n. 00002724-49.2919.8.14.0000, no qual foi apenada pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ (TJPA) com a sanção de aposentadoria compulsória.

Submetido o feito a julgamento na 113ª sessão virtual deste Conselho, realizada no período compreendido entre 6/10/2022 e 14/10/2022, o e. Conselheiro MAURO PEREIRA MARTINS, relator, julgou procedente o pedido para absolver a ora requerente da pena de aposentadoria compulsória que lhe foi aplicada no aludido PAD.

Em judicioso voto, entendeu sua excelência, inicialmente, que a Corte de origem “acabou por qualificar supostos error in procedendo e error in judicando como faltas disciplinares passíveis de sanção, mesmo sem qualquer prova de dolo ou má-fé da ora requerente” (item 3 da ementa original).

A teor do art. 17, XI, do Regimento Interno, pedi vista para análise detida dos autos, e, ao fazê-la, concluo pela improcedência do pedido revisional deduzido.

 

Considerando a adesão do relator às considerações aqui trazidas, o voto que apresento passa a ser, portanto, CONVERGENTE. 

 

Sintetizo os principais documentos sobre os quais me debrucei, conforme tabela abaixo:

 

 

PAD TJPA n.

0002724-49.2019.8.14.0000

 

 

RevDis CNJ n.

0007103-53/2021

Portaria n. 155/2017-CJCI, em 20/11/2017. Instauração de sindicância administrativa.

Id. 4482641, p. 2

Parecer do Juiz Auxiliar da Corregedoria de Justiça das Comarcas do Interior, em que opina pela abertura de PAD, com afastamento das funções judicantes

Id. 4482641, p. 227/234

Decisão da Corregedora de Justiça das Comarcas do Interior, em que acolhe o relatório final da Comissão Sindicante

Id. 4482641 p. 241/245

Id. 4482642, p. 1/3

 

Acórdão Órgão Especial.

Abertura de PAD, com afastamento das funções, por unanimidade.

J. em: 10/7/2019

Id. 4482642, p. 150/180

Portaria n. 3347/2019-GP, em 11/7/2019 – abertura do PAD

Id. 4482642, p. 210/213

Manifestação do MPPA

Id. 4482646, P. 51/52

Defesa prévia

Id. 4482646, p. 65/83

Termo de audiência (oitiva de testemunha e interrogatório)

Id. 4482647, p. 65/67

Id.4482647, p. 82/83

Razões finais MPPA

Id. 4482647, p. 10/14

Vista à defesa para razões finais

Id. 4482647, p. 15/17

Acórdão PAD TJPA. Aplicação de pena de aposentadoria compulsória, por unanimidade.

 J. em: 9/9/2020

Id. 4482647, p.  119/121 (ementa/certidão de julgamento);

Id. 4482647, p. 90/94 (relatório);

Id. 4482647, p. 101/118 (voto);

Publicação do acórdão: 14/09/2020

Republicação do acórdão: 17/09/2020

Id. 4482647, p. 123/125

Id. 4482647, p. 131/132

Certidão de trânsito em julgado: 29/09/2020

Id. 4482647, p. 133

 

Compulsados os autos, acompanho o relator no que se refere à tempestividade desta RevDis, proposta em 16/9/2021, em face de acórdão transitado em julgado na origem em 29/9/2020 (Id. 4482647, p. 133), assim como quanto ao mérito, pelas razões que passo a expor.

 A análise da Portaria de abertura do PAD (Id. 4482642, p. 210/213), assim como do acórdão lavrado nos autos do PAD n. 00002724-49.2919.8.14.0000 (Id. 4482647, p. 101/119) não deixa dúvidas quanto ao objeto da apuração disciplinar havida no TJPA, circunscrito à atuação da magistrada no exercício da função judicante.

 Precisamente, o caso vertente envolve a atuação jurisdicional da magistrada no âmbito de duas ações declaratórias, nas quais interinos de serventias extrajudiciais “pleitearam fosse declarado que a relação jurídica existente entre as partes teria ocorrido na condição de titulares; que os cargos objeto dos pedidos declaratórios não fossem providos; e que fosse determinado à comissão do concurso em andamento (Outorga de Delegação de Serviços Notariais e Registrais - Edital 001/2015) que fizesse constar do edital que aqueles cartórios se encontravam sub judice” (excerto do voto do Conselheiro Mauro Martins - item II, “a”).

 Diante disso, o cerne da discussão envolve a sindicabilidade da atividade judicial de magistrados, já que não podem ser punidos pelo teor das decisões proferidas, tendo em vista as garantias da independência funcional e do livre convencimento motivado (LOMAN, art. 41).

 A jurisprudência do Conselho Nacional de Justiça é pacífica quanto ao descabimento de sanções disciplinares diante da irresignação das partes com o teor de decisões judiciais, ou, até mesmo, de erros de julgamento ou de procedimento, os quais devem ser debatidos com os meios processuais disponíveis na legislação (g.n):

 

RECURSO ADMINISTRATIVO EM PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. PRETENSÃO DE EXAME DE MATÉRIA JURISDICIONAL. ART. 103-B, § 4º, DA CF. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO NÃO PROVIDO.

1. Nos termos do art. 103-B, § 4º, da Constituição federal, a via correcional se restringe "ao controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes".

2. As alegações “de erro de procedimento (error in procedendo) e erro de julgamento (error in judicando) impedem a atuação correcional, pois carregadas de conteúdo jurisdicional”. (CNJ – RD – Reclamação Disciplinar – 0000784-74.2018.2.00.0000 – Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA – 275ª Sessão ordinária – j. 07/08/2018). Nesses casos, deve a parte valer-se dos meios processuais adequados, não cabendo a intervenção do Conselho Nacional de Justiça.

3. Recurso Administrativo a que se nega provimento.

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PP - Pedido de Providências - Corregedoria - 0001847-95.2022.2.00.0000 - Rel. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA - 106ª Sessão Virtual - julgado em 27/05/2022 - grifo nosso).

 

Entretanto, em não raras vezes, as vedações e deveres impostos aos magistrados são violados exatamente no exercício da função judicante, que não está imune ao controle correcional, para verificação da disciplina judiciária.

             É bem verdade que se trata de árdua tarefa, por demandar a aferição da tênue linha divisória entre a independência funcional e o excesso, o abuso, a teratologia. Todavia, a aridez do tema jamais serviu de óbice a que este Conselho determinasse a apuração ou impusesse sanções, mesmo as mais gravosas, quando presentes os elementos configuradores de faltas funcionais, ainda que materializadas na atuação jurisdicional. Vejamos:                    

 

·            Na RD n. 0004306-41.2020.2.00.0000, o Plenário determinou a abertura de PAD, com afastamento das funções,  pela ocorrência de 12 (doze) fatos semelhantes, consistentes em decisões judiciais proferidas por juiz em atuação na esfera criminal, com modus operandi semelhante, por vezes em processos em trâmite em outras varas, quando do afastamento pontual do titular, outras em sua própria vara de que titular, reconsiderando decisões anteriores em casos emblemáticos, com fundamentações exangues ou mesmo incapazes de afastar sequer os fundamentos da própria decisão reconsiderada, bem como ato absolutamente incomum, consistente em atuação em processo, durante as próprias férias, para revogar decisão proferida no mesmo dia por juiz substituto e liberar bens apreendidos na "maior operação de apreensão de madeira da história do Brasil". (CNJ - RD - Reclamação Disciplinar - 0004306-41.2020.2.00.0000 - Rel. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA - 61ª Sessão Extraordinária - julgado em 14/12/2021);

·             Na RD 0005062-31.2012.2.00.0000, apreciou-se a teratologia de decisões proferidas em ação de desapropriação e suposta negativa de acesso aos autos da referida ação, com indicação final de ocorrência de infrações aos deveres funcionais (CNJ - RA – Recurso Administrativo em RD - Reclamação Disciplinar - 0005062-31.2012.2.00.0000 - Rel. Min. NANCY ANDRIGHI - 203ª Sessão Ordinária - julgado em 03/03/2015);

·                 No PAD n. 0006814-57.2020.2.00.0000, o Plenário aplicou pena de censura a magistrado que determinou a soltura do preso, sem possuir competência para tanto (CNJ - PAD - Processo Administrativo Disciplinar - 0006814-57.2020.2.00.0000 - Rel. MARCOS VINÍCIUS JARDIM RODRIGUES - 333ª Sessão Ordinária - julgado em 15/06/2021);

 ·                   No PAD n. 0005003-77.2011.2.00.0000, o Plenário aplicou pena de disponibilidade a magistrada que proferiu decisão em plantão judiciário, determinando a liberação da quantia de cerca de R$ 13 milhões de reais, relativa à execução de astreintes, sem a prévia oitiva do executado e sem o oferecimento de caução idônea, dada a natureza teratológica do decisum (CNJ - PAD - Processo Administrativo Disciplinar - 0005003-77.2011.2.00.0000  - Rel. MARIA CRISTINA IRIGOYEN PEDUZZI - 181ª Sessão Ordinária - julgado em 17/12/2013);

·               No PAD n. 0001589-08.2010.2.00.0000, o Plenário aplicou pena de aposentadoria compulsória em virtude da reiterada prolação de decisões teratológicas, consistentes, entre outras, em liberação de altos valores em sede de antecipação de tutela, sem pedido da parte e sem exigência de caução (CNJ - PAD - Processo Administrativo Disciplinar - 0001589-08.2010.2.00.0000 - Rel. JOSÉ GUILHERME VASI WERNER - 142ª Sessão Ordinária - julgado em 28/02/2012);

·                      No PAD n. 0004353-64.2010.2.00.0000, o Plenário aplicou a pena de aposentadoria compulsória pela reiterada prolação de decisões teratológicas, consistentes, entre outras, na adoção de procedimento extremamente veloz na liberação de valores exorbitantes, sem observar as formalidades legais (CNJ - PAD - Processo Administrativo Disciplinar - 0004353-64.2010.2.00.0000 - Rel. Milton Augusto de Brito Nobre - 123ª Sessão Ordinária - julgado em 29/03/2011).

·             No PAD n. 0005993-05.2010.2.00.0000, o Plenário aplicou pena de aposentadoria compulsória, em virtude de ter sido reconhecida, entre outras, a reprodução de decisão anterior suspensa pelo tribunal de justiça e do uso do modus operandi consistente em distribuição dirigida, decisões teratológicas e levantamento de quantias vultosas CNJ - PAD - Processo Administrativo Disciplinar - 0005993-05.2010.2.00.0000 - Rel. WALTER NUNES DA SILVA JÚNIOR - 122ª Sessão Ordinária - julgado em 15/03/2011).

·               No PAD n.  0005021-59.2015.2.00.0000, o Plenário aplicou pena de aposentadoria compulsória em caso que apurou a concessão de elevado número de liminares em plantão judiciário, com suposta motivação não jurídica (CNJ - PAD - Processo Administrativo Disciplinar - 0005021-59.2015.2.00.0000 - Rel. LUCIANO FROTA - 303ª Sessão Ordinária - julgado em 04/02/2020).

·             No PAD n. 0005448-95.2011.2.00.0000, o Plenário aplicou aposentadoria compulsória por decisão que, em ação de usucapião especial de coisa móvel (dinheiro), com apenas 4 (quatro) páginas e 2 (dois) extratos bancários, determinou-se, em liminar inaudita altera pars, que determinada instituição financeira se abstivesse de movimentar R$ 2.307.777.919,43 (dois bilhões, trezentos e sete milhões, setecentos e setenta e sete mil, novecentos e dezenove reais e quarenta e três centavos), numerário que supostamente havia sido depositado na conta do autor há mais de 3 (três) anos, mesmo diante da advertência do esquema fraudulento no qual se baseava o pedido de usucapião. CNJ - PAD - Processo Administrativo Disciplinar - 0005448-95.2011.2.00.0000 - Rel. ANDRÉ LUIZ GUIMARÃES GODINHO - 264ª Sessão Ordinária - julgado em 12/12/2017).

 

 

Há, ainda, diversos outros precedentes que demonstram a firme atuação do Conselho Nacional de Justiça na preservação da lisura que se espera do Poder Judiciário, mesmo que, para tanto, o contexto fático-probatório envolva a atividade-fim da magistratura.

 

É o caso dos autos.

 

Por meio da Resolução CNJ n. 80, de 9/6/2009, o Conselho Nacional de Justiça declarou a vacância dos serviços notariais e de registro cujos responsáveis foram investidos sem concurso público de provas e títulos específico, na forma da Constituição Federal de 1988. Nesse cenário, a titularidade do 1º e 2º Ofícios da Comarca de Marabá, então conferida aos irmãos Neuza Maria Santis Seminotti e Alberto Santis Filho, respectivamente, foi desconstituída pelo CNJ, em virtude da irregularidade da investidura.  

Irresignados, ambos impetraram mandados de segurança contra a determinação do CNJ. Ao apreciar o mérito, o Supremo Tribunal Federal assentou que “não se tem presente a alegada ilegitimidade do ato coator atribuído ao Conselho Nacional de Justiça nem a existência do direito líquido e certo afirmado pela parte impetrante” (STF. MS 29.776 e MS 29.731 – mérito: 13/8/2014; trânsito em julgado: 21/4/2015 e 7/4/2015).

 A despeito da decisão definitiva, foram propostas, em dezembro de 2015, na 3ª Vara Cível e Empresarial de Marabá, ações declaratórias de reconhecimento de relação jurídica, para tratar da mesma questão já discutida, julgada e transitada em julgado na mais alta Corte do País.  E a ora requerente, na condição de juíza da causa e titular da vara, ao invés de se curvar ao manto da coisa julgada, proferiu uma série de decisões que contrariam o sistema processual em vigor.

Por intermédio da decisão liminar proferida pela magistrada (17/12/2015), os cartórios em discussão foram anotados como sub judice no concurso público que pretendia seu provimento (Id. 4482641, p. 85/86):

 


 

 

 

Porém, a Comissão do concurso prontamente noticiou que o Supremo Tribunal Federal já havia afirmado a vacância daquelas serventias.  Diante disso, a juíza Nilda Jácome, que substituiu a ora requerente na unidade, reformou a decisão da juíza Maria Aldecy, suspendendo a liminar (15/1/2016). Ato contínuo, a juíza substituta da vara julgou improcedente o feito, com resolução do mérito (21/1/2016).

Foram opostos embargos de declaração contra a suspensão da liminar (25/1/2016), bem como contra a sentença (19/2/2016). A juíza Maria Aldecy, titular, rejeitou os embargos (3/8/2016).

Interposta apelação em 29/8/2016, a juíza substituta Luana Pinheiro proferiu decisão de recebimento do apelo, com remessa ao TJPA (13/2/2017).

Novos embargos de declaração foram opostos, agora para atacar a ausência de apreciação do pedido de reconsideração formulado (21/2/2017). Nesse contexto, em 6/4/2017, a juíza Maria Aldecy proferiu decisão na qual determinou “o prosseguimento do feito no 1º grau, com o restabelecimento da tutela antecipatória concedida e a citação da parte requerida, o Estado do Pará, litisconsorte passivo, em que pese a sentença anteriormente prolatada, a sua própria decisão de rejeição dos primeiros declaratórios, bem como a apelação interposta, já, inclusive, contrarrazoada” (id. 4482641, p. 244).

A sequência de atos processuais descabidos pode ser mais bem visualizada no quadro-resumo elaborado pela Corregedoria de Justiça das Comarcas do Interior (Id. 4482642, p. 180/181):


 

Ao explicar os inusitados atos processuais praticados, a Corregedoria  discorreu:

Na situação em análise, causa absoluta estranheza o fato da Sindicada, cerca de 02 (dois) meses após o recebimento de um recurso de apelação pelo juízo a quo, tenha, em sede de retratação, a partir da oposição de novos embargos de declaração, reconsiderado uma sentença proferida há mais de 01 (um) ano e que já havia sido alvo de outros declaratórios, os quais haviam sido rejeitados pela própria magistrada, ora Sindicada, que optou por manter a decisão meritória em todos os seus termos.

Repiso que as sentenças a quo foram questionadas por meio de embargos declaratórios, não tendo sido, naquela oportunidade, apontada qualquer nulidade pela Sindicada, que, inclusive, entendeu que o recurso não era o meio adequado para discutir as questões levantadas pelos embargantes, como o cerceamento de defesa.

Ao receber as apelações e determinar a remessa dos autos à instância superior, o juízo da 3º Vara Cível de Marabá decidiu não se retratar, o que aparentemente não corresponde a uma ilegalidade ou omissão, pois, além de consistir em uma faculdade do julgador, somente é permitida pela legislação processual civil nas hipóteses de apelação decorrente de: sentença de indeferimento liminar da petição inicial (art. 331, NCPC); sentença de improcedência liminar da petição (art. 332, §3º, NCPC); e sentença sem resolução do mérito (art. 485, §7º, NCPC). Nenhuma dessas hipóteses ocorreu no caso, uma vez que as ações declaratórias foram extintas COM resolução de mérito, por IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS nelas contidos.

Portanto, sendo algo tão claro na legislação e tendo ainda a Sindicada, em outro momento da análise processual, em ambos os casos, decidido por rejeitar os primeiros declaratórios opostos e manter as sentenças, é, no mínimo, curioso proferir um juízo de retratação, em momento inoportuno e sem qualquer justificativa plausível, reavivando uma discussão já superada, inclusive na instância suprema, que decidiu pela ausência de direito dos autores à titularidade das serventias que aduziam ter, trazendo impeditivo legal à procedência dos pedidos contidos nos Processos nº 0103448-16.2015.8.14.0028 e 0106455-16.2015.8.14.0028 (ações declaratórias).

Sobre o fato da Sindicada ter decidido os primeiros embargos de declaração nos feitos reclamados, a mesma não apenas deixou de assumir a responsabilidade de seus próprios atos, como, ainda, erroneamente, alegou terem sido lavrados por uma magistrada substituta, como se vê às fls. 140v. (Id. 4482642, p. 1/2 – grifos originais).

 

Já no voto condutor do PAD constou precisa síntese da atecnia apurada e comprovada: 

 

Cumpre ressaltar que não se considera aqui o mero exercício do Juízo de Retratação naquele momento processual como ATO TERATOLÓGICO, - eis que tal juízo possui respaldo na lei processual, embora a jurisprudência não seja uniforme acerca da necessidade de manifestação EXPRESSA acerca do pedido de retratação, ou se o despacho que determina a citação já manifesta implicitamente a intenção de NÃO RETRATAR por parte do magistrado.

A questão a ser observada no aspecto da teratologia residiria no conteúdo decisório tratado pela magistrada requerida nessa ocasião. A despeito de ter a mesma, quase um ano antes, conhecido e REJEITADO DOIS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO opostos pelas mesmas partes, - sustentando naquela ocasião que a questão da existência de coisa julgada, no que se refere aos prévios mandados de segurança denegados no STF, não poderia ser apreciada em sede de embargos -, contraditoriamente apreciou fartamente a questão, alegando inexistir identidade entre o objeto das ações declaratórias e as discutidas perante o STF. Desse modo, inexistiria coisa julgada. Com tal entendimento, a magistrada RESTABELECEU A MEDIDA LIMINAR CONCEDIDA AO INÍCIO DO FEITO, que determinava fosse oficiado à comissão do concurso, a fim de inscrever as serventias questionadas nas ações como sub judice (Id. 4482647, p. 108 – grifos originais).

 

 

 

Longe de acatar o quanto determinado pelo STF, a juíza da causa proferiu decisões judiciais favoráveis a pleitos que insistiam em questões já decididas, valendo-se de procedimentos absolutamente equivocados, que também desrespeitaram a coisa julgada.

Diferentemente do alegado – no sentido de que a ação declaratória pretendeu apenas o reconhecimento do vínculo jurídico no período da interinidade -, a pretensão deduzida no MS e na ação declaratória, era, ao final, a mesma: a permanência na serventia, muito embora “os mandados de segurança e as ações declaratórias tivessem objetos distintos, até mesmo por serem institutos divergentes” (Id. 4482642, p. 2). 

Como bem pontuado pela Corregedoria local,

 

a alegação da magistrada sindicada de que não teria praticado nenhuma ilegalidade porque as ações ajuizadas por Neuza Santis e seu irmão Alberto Santis teriam objetos distintos dos mandados de segurança 29.776 e 29.731, impetrados por ambos não STF, não se sustenta, uma vez que essas demandas têm, em última análise, o mesmo objetivo, que é a permanência dos irmãos Santis nos Cartórios do 1º e 2º Ofícios de Marabá. Ademais, as ações [estavam] igualmente baseadas na tese de que os irmãos Santis exerciam a interinidade nessas serventias extrajudiciais por vários anos, atuando de boa-fé, de maneira que a declaração de vacância seria contrária à segurança jurídica (Id. 4482641, p. 231).

 

Não há como se cogitar desconhecimento, ou, porventura, divergência de posicionamento jurídico, pois cuida a espécie de descumprimento deliberado de decisão judicial transitada em julgado, referente a temática que não envolve complexidade técnica, senão a mera subsunção dos fatos ao comando trazido no art. 236, § 3º, da Constituição Federal de 1988, que, desde sua redação original, previu a regra do concurso público para a delegação dos serviços notariais e de registro.

Ademais, no momento da prolação das decisões da magistrada, a irresignação de partes era objeto de reiterado posicionamento do STF no mesmo sentido, em confirmação ao entendimento do CNJ. Vê-se que não se está a falar da década de 1990, ou de período pretérito ao funcionamento do Conselho Nacional de Justiça, e sim dos idos de 2015, após ampla divulgação da declaração de vacância de mais de 5.000 cartórios pelo CNJ, no ano de 2009– o que deve ter chegado ao conhecimento da magistrada, titular da 3ª vara cível e empresarial de Marabá desde 2007 (id. 4482641, p. 243).

Trata-se, sem margem para dúvidas, de evidente teratologia:

 

uma decisão teratológica é aquela que não guarda pertinência alguma com as normas postas, que é manifestamente antagônica ao que o bom senso da prática jurídica recomenda. É ilegalidade flagrante. É decisão tomada ao completo arrepio do ordenamento, na contramão da jurisprudência pacificada da matéria pelos tribunais. Em outras palavras, é o erro grosseiro na manipulação técnica empregada na função jurisdicional” (Id. 4482647, p. 106/107).

 

Quanto ao elemento subjetivo, entende-se presente o dolo “quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo” (Código Penal, art. 18, I). Vale dizer, consiste o dolo na vontade livre e consciente de praticar a conduta.

Nessa perspectiva, com a devida vênia, o que não se confirmou nos autos foi unicamente a motivação antijurídica para as decisões prolatadas ao arrepio do julgamento do STF, como eventual favorecimento de partes, recebimento de contrapartida ilícita, etc. Todavia, as normas de regência não exigem dolo específico nas infrações administrativas, bastando o dolo genérico/lato sensu.

Exemplo que bem elucida essa distinção no âmbito administrativo é a lei de improbidade. Antes da recente alteração promovida pela lei 14.230/2021, era pacífico o entendimento da demonstração apenas do dolo genérico (STJ - REsp: 1383649 SE 2013/0142573-4, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 05/09/2013, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/09/2013). Atualmente, entende-se pela necessidade do dolo específico, a teor dos §§ 2° e 3º do art. 1º (STJ - REsp: 1913638 MA 2020/0343601-2, Data de Julgamento: 11/05/2022, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 24/05/2022).

Com essa ilustração, reforço a desnecessidade de dolo específico para a caracterização da falta funcional no regime disciplinar cabível a magistrados, pois não se verifica tal exigência na LOMAN ou na Resolução CNJ n. 135.

Na origem, o tribunal tratou do assunto no item relativo ao favorecimento das partes e afastou o dolo ou fraude, pela inexistência de “qualquer outro elemento comprobatório contundente o suficiente para aferir dolo ou má-fé da magistrada ao prolatar as decisões tidas como teratológicas [naquele] procedimento disciplinar”(id. 4482647, p. 115). Contudo, reconheceu violado o dever de cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício (LOMAN, art. 35, I), assim como o dever de prudência, prescrito nos art. 24 e 25 do Código de ética (id. 4482647, p. 116). 

A despeito de discordar do afastamento do dolo no caso sob exame, por entender fartamente demonstrado o dolo genérico, cabe salientar que as faltas funcionais também podem ser cometidas culposamente. A LOMAN aborda textualmente a negligência, inerente a tipos culposos, ao tratar da advertência e da censura (art. 43 e 44), sendo que, quanto à última, cabível sua imposição “se a infração não justificar punição mais grave”.

O histórico funcional da magistrada também foi adequadamente levado em consideração para a dosimetria da pena, como se observa da leitura do acórdão:

 

                       
 

                                                         (Id. 4482647, p. 117)

 

No processo n. 0012143-98.2016.8.14.0000, no qual foi apenada com advertência, constatou-se: “magistrada que no afã de se defender ultrapassou os limites ditados pelo dever de integridade e, mesmo tendo sido negligente, ao não conferir se a sua defesa tinha chegado tempestivamente ao destino, terminou faltando à verdade ao fazer imprudentemente a afirmação de que a Corregedora havia omitido de modo proposital o recebimento” (Id. 4482642, p. 193/194 – grifo nosso).

No processo n. 0012716-05.2017.8.12.0000, no qual foi apenada com censura, constatou-se: “em todo este contexto, diversos boatos noticiados em blog e imprensa local que vieram a se confirmar, advogado que recentemente trabalhou no gabinete da magistrada e a decisão que vai de encontro a toda a conjuntura do caos na saúde pública municipal, aliado a inspeções realizadas pela própria magistrada processada, causam clara convicção de que a decisão tem claros indícios de parcialidade” (Id. 4482642, p. 195– grifo nosso).

No processo n. 0004946-24.2018.8.14.0000 no qual foi apenada com remoção compulsória, constatou-se: “tratamento desigual dispensado pela magistrada requerida nos autos dos processos n° 0002567-92.2005.814.0028 e 008330-52.2008.814.0028 ambos oriundos da 2ª vara cível em razão da arguição de suspeição da magistrada titular da unidade. Devolução dos autos n. 0002567-92.2005.814.0028 ao juízo de origem tão logo se teve conhecimento acerca da cessação da suspeição em razão da remoção da magistrada suspeita. Atuação contundente no feito nº 008330-52.2008.814.0028, mesmo após a cessação da suspeição da magistrada titular originária, com realização de penhora e liberação de valores. Redistribuição do feito ao juízo originário se que fosse proferida qualquer decisão ou despacho quanto aos motivos da redistribuição, tendo sido realizada mera tramitação no sistema” (Id. 4482642, p. 195/197 – grifo nosso).

Saliente-se, ainda, que, em data precedente ao PAD em revisão, cuja Portaria de abertura remonta a 11/7/2019, abriu-se, em 14/3/2019, o PAD n. 0001064-20.2019.8.14.0000. No aludido PAD, julgado procedente na sessão de 16/9/2020, aplicou-se a pena de aposentadoria compulsória, pena que a ora requerente também pretende reapreciação no âmbito da Revisão Disciplinar n. 0007283-69.2021.2.00.0000, sob a relatoria do Conselheiro Giovanni Olsson.

Segundo o acórdão do PAD supracitado, a falta funcional consistiu em “voluntário e consciente descumprimento de decisão judicial superior” (Revdis 0007283-69.2021.2.00.0000, Id. 4510426, p. 62).

Delineados os fatos, reputo acertada e devidamente fundamentada a penalidade de aposentadoria compulsória imposta na origem, que se baseou na farta documentação constante dos autos, e aplicou a sanção máxima com suporte na proporcionalidade que o arranhado histórico funcional da magistrada impôs (vide, ainda, registros funcionais constantes do Id. 4482642, p. 182/204):

Comprovou-se, inequivocamente, que as decisões judiciais de lavra da ora requerente são gravadas de teratologia, e frontal descumprimento a decisões administrativas do Conselho Nacional de Justiça, confirmadas por decisões judiciais transitadas em julgado no Supremo Tribunal Federal.

Caracterizada a falta funcional e a adequação da penalidade imposta na origem, ausentes os requisitos trazidos no art. 83 do RICNJ.

Ante o exposto, acompanho o relator e julgo IMPROCEDENTE a presente revisão disciplinar, com manutenção da pena de aposentadoria compulsória aplicada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Pará em desfavor MARIA ALDECY DE SOUZA PISSOLATI, no processo administrativo disciplinar n. 00002724-49.2919.8.14.0000.

É como voto.

 

 

Salise Sanchotene

                 Conselheira