Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0002473-80.2023.2.00.0000
Requerente: BIANCA GAVI ANTUNES
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO - TJES

 

EMENTA 

 PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. NOMEAÇÃO. CARGO EM COMISSÃO DE PESSOA SEM VÍNCULO COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. RELAÇÃO DE PARENTESCO. CÔNJUGE DE SERVIDOR COMISSIONADO. EXERCÍCIO EM DIFERENTES COMARCAS. SÚMULA VINCULANTE 13 DO STF. RESOLUÇÃO 7 E ENUNCIADO 1 DO CNJ. AUSÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO HIERÁRQUICA E DE INTERFERÊNCIA NO PROCESSO DE NOMEAÇÃO.  NEPOTISMO NÃO CARACTERIZADO.

1. A Súmula Vinculante n. 13 do Supremo Tribunal Federal estabelece: “A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal”.

2. Conforme preconizado pela Suprema Corte, foram erigidos critérios objetivos de conformação, conquanto não se tenha buscado esgotar todas as possibilidades de configuração de nepotismo, que decorre da presunção de que a escolha para ocupar o cargo tenha sido direcionada a parente de alguém com potencial de interferir no processo de seleção. É o que se extrai da seguinte ementa: “AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO. SÚMULA VINCULANTE N. 13. AUSÊNCIA DE CONFIGURAÇÃO OBJETIVA DE NEPOTISMO. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. Ao editar a Súmula Vinculante n. 13, embora não se tenha pretendido esgotar todas as possibilidades de configuração de nepotismo na Administração Pública, foram erigidos critérios objetivos de conformação, a saber: i) ajuste mediante designações recíprocas, quando inexistente a relação de parentesco entre a autoridade nomeante e o ocupante do cargo de provimento em comissão ou função comissionada; ii) relação de parentesco entre a pessoa nomeada e a autoridade nomeante; iii) relação de parentesco entre a pessoa nomeada e o ocupante de cargo de direção, chefia ou assessoramento a quem estiver subordinada e iv) relação de parentesco entre a pessoa nomeada e a autoridade que exerce ascendência hierárquica ou funcional sobre a autoridade nomeante. 2. A incompatibilidade da prática enunciada na Súmula Vinculante n. 13 com o art. 37, caput, da CF/88 não decorre diretamente da existência de relação de parentesco entre pessoa designada e agente político ou servidor público ocupante de cargo em comissão ou função comissionada, mas da presunção de que a escolha para ocupar cargo de direção, chefia ou assessoramento tenha sido direcionada a pessoa com relação de parentesco com alguém que tenha potencial de interferir no processo de seleção. 3. Agravo regimental não provido. (Rcl 19529 AgR, Relator DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 15-03-2016, DJe-072 18-04-2016)”.

3. No presente caso, não houve interferência no processo de nomeação/posse, pois o cônjuge da postulante exerce cargo em comissão em outra comarca, localizada a mais de 100km de distância, cada um assessorando magistrado diferente, sem qualquer relação, inclusive, entre a matéria e função a ser exercida, não havendo que se falar em subordinação direta ou indireta entre os cargos para os quais foram nomeados.

4. Recurso administrativo provido.

 

 

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por maioria, deu provimento ao recurso para reconhecer a inexistência de nepotismo, fixar interpretação quanto à Resolução CNJ nº 07/2005 e ao Enunciado Administrativo CNJ nº 01/2005 e determinar ao Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo que reveja seu ato administrativo, nos termos do voto do Conselheiro Luis Felipe Salomão. Vencidos os Conselheiros Giovanni Olsson e Alexandre Teixeira, que negavam provimento ao recurso. Lavrará o acórdão o Conselheiro Luis Felipe Salomão. Presidiu o julgamento o Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário, 12 de março de 2024. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Luís Roberto Barroso, Luis Felipe Salomão, Caputo Bastos, José Rotondano, Mônica Autran Machado Nobre, Alexandre Teixeira, Renata Gil, Daniela Madeira, Giovanni Olsson, Pablo Coutinho Barreto, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Daiane Nogueira e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0002473-80.2023.2.00.0000
Requerente: BIANCA GAVI ANTUNES
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO - TJES


 

RELATÓRIO

 

Trata-se de RECURSO ADMINISTRATIVO interposto por BIANCA GAVI ANTUNES, em face da decisão terminativa que julgou manifestamente improcedente o PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS sob exame, com fundamento no artigo 25, X, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça – RICNJ (ID n. 5126524).

O relatório da Decisão Monocrática recorrida descreve adequadamente o objeto da controvérsia, como vê-se a seguir (ID n. 5123401):

 

Trata-se de PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS (PP), com pedido liminar, formulado por BIANCA GAVI ANTUNES, em face do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO (TJES), por meio do qual impugna decisão exarada pelo Presidente da Corte nos autos do processo SEI n. 7000310-74.2023.8.08.0035, que indeferiu pedido de reconsideração e reconheceu a impossibilidade de posse da Requerente no cargo em comissão de Chefe do Setor de Conciliação do 5º Juizado Especial Cível do Juízo de Vila Velha/ES, em razão das vedações contidas na Resolução CNJ n. 7.

A Requerente, alega, em síntese, que:

i) por meio do Ato n. 427/2023, disponibilizado no Diário da Justiça do TJES em 17/3/2023, foi nomeada para exercer o mencionado cargo em comissão;

ii) após entrega e conferência dos documentos exigidos e, verificado o preenchimento da Declaração de Parentesco com a informação de que “é casada desde o dia 30.08.2022 com o servidor Felipe Lugão Rodrigues, que exerce o cargo em comissão de Assessor de Juiz no interior do Estado do Espírito Santo (1ª Vara de Família da Comarca de Linhares-ES)”, o Tribunal não deu seguimento à sua posse, sob o argumento de incidência da vedação prevista no art. 2º, inciso III, da Resolução CNJ n. 7;

iii) “a posse da requerente em cargo comissionado no mesmo Tribunal de Justiça em que seu cônjuge exerce o cargo de Assessor de Juiz de 1ª instância não viola a Constituição Federal em razão da ausência de subordinação hierárquica entre os supracitados cargos em comissão, valendo salientar ainda que o exercício se dar em Comarcas geograficamente distantes – há mais de 138 km de distância entre uma e outra (o cargo de Assessor é exercido na Comarca de Linhares-ES, interior norte do Estado, e de Chefia do Setor de Conciliação é exercido no Juízo de Vila Velha-ES, Comarca da Capital), em órgãos e setores totalmente distintos, com Magistrados/chefias completamente diversos, além de que as unidades judiciárias são de jurisdições diferentes (o cargo de assessor é exercido em vara especializada de Direito de Família e o cargo de Chefia do Setor de Conciliação exercido em Juizado Especial Cível).” (grifo no original);

 iv) o Supremo Tribunal Federal teria redefinido os contornos em relação ao tema, passando a entender que o nepotismo não decorre diretamente da relação de parentesco, mas se configuraria quando esta relação seja com pessoa que tenha potencial de interferir no processo de seleção;

v) o “Conselho Nacional de Justiça e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal estabeleceram critérios objetivos para configuração da prática de nepotismo, quais sejam: i) ajuste mediante designações recíprocas, quando inexistente a relação de parentesco entre a autoridade nomeante e o ocupante do cargo de provimento em comissão ou função comissionada; ii) relação de parentesco entre a pessoa nomeada e a autoridade nomeante; iii) relação de parentesco entre a pessoa nomeada e o ocupante de cargo de direção, chefia ou assessoramento a quem estiver subordinada e iv) relação de parentesco entre a pessoa nomeada e a autoridade que exerce ascendência hierárquica ou funcional sobre a autoridade nomeante” (grifo no original); e

vi) não se constata no presente caso nenhuma das situações vedadas.

 

Diante disso, requer:

[...] a concessão de medida cautelar para determinar a fiel e correta execução do ato normativo desse venerável Conselho Nacional de Justiça, determinando-se a posse de Bianca Gavi Antunes no cargo em comissão de Chefe de Setor de Conciliação do 5º Juizado Especial Cível de Vila Velha/ES, para o qual foi nomeada;

Alternativamente, caso não seja este o convencimento de Vossa Excelência, requer-se a manifestação desse Colendo Conselho Nacional de Justiça quanto à matéria aqui aventada, a fim de estabelecer critérios para a conduta dos tribunais do país em casos semelhantes;

[...]

Por fim, requer-se a confirmação da liminar requerida acima em decisão de mérito, tornando-a definitiva, com efeitos financeiros retroativos à data de 17.03.2023, data da nomeação. (grifo no original)

 

Instado a se manifestar (ID n. 5104120), o TJES confirmou a narrativa da Requerente, mas sustentou (ID n. 5114162):

[...]

Como se vê, o entendimento adotado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, diante da legislação aplicável à espécie e da consulta respondida pelo e. Conselho Nacional de Justiça nº 0002267-71.2020.2.00.0000, é que, malgrado inexistir qualquer indicativo que relação de parentesco tenha potencialidade de interferir no processo de nomeação (sic) bem como inexistir subordinação entre eles ou com mesma autoridade, sendo servidores nomeados exclusivamente para o exercício de cargos em comissão, não se aplica a regra prevista no citado precedente, recaindo, portanto, na vedação geral e objetiva do art. 2º, inciso III da Resolução CNJ nº 07/2005.

Ademais, quanto à alegação de iminente prejuízo financeiro uma vez que a requerente relata que se vê obrigada a seguir no exercício do cargo na referida unidade, importante esclarecer dois pontos.

O primeiro é que a Administração não autorizou tal labor, nem sequer foi cientificada deste fato.

E o segundo, é que se Bianca Gavi Antunes está efetivamente prestando serviço à Administração, inviável entender acerca da eventual prejuízo em seu desfavor (sic), tendo em vista que, nos termos do art. 10 da Lei Complementar Estadual, “a investidura em cargo público ocorrerá com a posse, completando-se com o exercício”, presumindo-se que o trabalho por ela realizado se deu de forma voluntária, ou seja, de forma espontânea, sem percebimento de qualquer tipo de contraprestação, não gerando vínculo de emprego com o Poder Judiciário do Estado do Espirito Santo, nem obrigação de natureza trabalhista, previdenciária, tributária ou outra afim.

Isto porque, o exercício em qualquer cargo público sucede a posse, a qual foi expressamente negada pela Coordenadoria de Recursos Humanos e, posteriormente, por esta Presidência. (grifo nosso)

 

É o relatório.

 

 

Em sua peça recursal, a Recorrente reiterou os argumentos apresentados na petição inicial, bem como os pedidos inicialmente formulados, requerendo o acolhimento do pedido ou o deferimento da liminar, caso sejam determinadas novas diligências antes do julgamento colegiado.

Instado a apresentar contrarrazões ao Recurso Administrativo interposto, o Tribunal requerido comunicou, em complementação à informação anterior, que “o ato que nomeou a recorrente para o exercício do cargo de provimento em comissão de Chefe de Setor de Conciliação foi tornado sem feito, conforme Ato nº 525/2023, disponibilizado no e-Diário da Justiça do dia 26/04/2023”.

Requereu, assim, o “desprovimento do recurso pela ausência de ilegalidade no tratamento do tema pela Administração, cujos fundamentos foram extraídos do atual e vigente entendimento deste e. Conselho Nacional de Justiça (art. 2º, inciso III da Resolução CNJ nº 7/2005 e CNJ - CONS - Consulta - 0002267-71.2020.2.00.0000 - Rel. LUIZ FERNANDO TOMASI KEPPEN - 66ª Sessão Virtual - julgado em 05/06/2020)” (ID n. 5158064).

 É o relatório.

 


Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0002473-80.2023.2.00.0000
Requerente: BIANCA GAVI ANTUNES
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO - TJES

 

 

 

VOTO VENCEDOR 



   O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA:

  

  

1. Trata-se de recurso administrativo em face de decisão monocrática que julgou improcedente o presente Pedido de Providências, em que se questiona decisão proferida pelo Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo - TJES, nos autos SEI n. 7000310-74.2023.8.08.0035, por meio da qual reconhecida a impossibilidade de posse da recorrente, Bianca Gavi Antunes, no cargo em comissão de Chefe do Setor de Conciliação do 5º Juizado Especial Cível do Juízo de Vila Velha, em razão de suposto nepotismo.

A recorrente alega que sua posse em cargo comissionado no Tribunal de Justiça, onde seu cônjuge exerce cargo em comissão de assessor de juiz de 1ª instância na comarca de Linhares, não violaria a Constituição Federal, dada a ausência de subordinação hierárquica entre os mencionados cargos. O exercício se daria em comarcas geograficamente distantes, a mais de 138 km uma da outra, em órgãos e setores totalmente distintos, sob magistrados e chefias completamente diferentes, além do que as unidades judiciárias possuem competências diversas - o cargo de assessor é exercido em vara de Direito de Família e o cargo de Chefia do Setor de Conciliação, em Juizado Especial Cível.

Defende que a questão aventada pode ter reflexos nos Tribunais de todo o país, notadamente em razão da necessidade de serem estabelecidos “critérios quanto à observância da Súmula Vinculante n. 13 do Supremo Tribunal Federal e Resolução n. 07/2005 deste Colendo Conselho, sendo que este último ato normativo foi utilizado como fundamento determinante na decisão administrativa proferida pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo.” 

Argumenta a necessidade de que sejam adotados critérios objetivos para a possível configuração do nepotismo, conforme jurisprudência atual e pacífica do Supremo Tribunal Federal - STF, indicando, inclusive, julgado proferido por este Conselho na Consulta n. 2267-71.2020.2.00.0000. 

Menciona que as alíneas “I” e “J” do Enunciado Administrativo n. 01/2005 deste Conselho estabelecem: 

I) Para os fins do disposto no inciso III do art. 2º da Resolução n. 07, considera-se como situação geradora de incompatibilidade aquela em que haja relação de parentesco, com potencialidade de interferir no processo de nomeação (nova redação dada pelo Precedente CNJ: Consulta n. 0002267-71.2020.2.00.0000 - 66ª Sessão Virtual – julgado em 20 de maio de 2020).

J) Para a definição do alcance da expressão “cargo de direção ou de assessoramento” constante no inciso III do art. 2º da Resolução n. 07, deverão ser consideradas a natureza e as atribuições do cargo, independentemente da nomenclatura adotada. 

  

Segundo entende, “embora os cargos em comento sejam exclusivamente comissionados, a natureza e as atribuições de cada um são completamente distintas e, reforça-se, não existe qualquer subordinação entre eles, sendo nula a potencialidade de interferência da nomeação”. Afirma que não estão presentes os critérios objetivos firmados pelo CNJ e pelo STF para a configuração da prática de nepotismo. 

Pleiteia a garantia de sua posse no cargo em comissão para o qual já foi nomeada ou, alternativamente, o estabelecimento de critérios objetivos para a configuração dos possíveis casos de nepotismo.

O Conselheiro Giovanni Olsson, Relator, julgou improcedente o pedido (Id 5123401), pelos seguintes fundamentos:

 

Como bem esclarece o TJES, a vedação objetiva prevista no art. 2º, inciso III, da Resolução CNJ n. 7, se amolda com perfeição ao presente caso, uma vez que o cônjuge da Requerente é exclusivamente comissionado e ela seria empossada também em cargo exclusivamente comissionado, não se cogitando das exceções previstas na própria norma e no Enunciado Administrativo n. 1/2015.

Com efeito, a leitura sistêmica dos normativos indica que a relação de parentesco é suficiente para a configuração de nepotismo, salvo quando pelo menos um dos servidores for ocupante de cargo efetivo das carreiras judiciárias, situação em que se perquirirá a existência de subordinação hierárquica e o potencial de interferência do parente na nomeação.

Não é demais ressaltar que compete privativamente aos Tribunais “prover, por concurso público de provas, ou de provas e títulos, obedecido o disposto no art. 169, parágrafo único, os cargos necessários à administração da Justiça, exceto os de confiança assim definidos em lei” (art. 96, inciso I, “e”, da Constituição Federal).

Ademais, vale lembrar que os cargos ad nutum, ou seja, aqueles preenchidos com base em confiança, são cargos de livre preenchimento e exoneração, o que reforça a impossibilidade de intervenção do CNJ para determinar a efetivação de posse, ainda que não estivesse configurada a prática de nepotismo, diante da inequívoca margem do Tribunal no exercício da sua autonomia na gestão de pessoas no espaço de conveniência e oportunidade.

 

Incluído o presente feito para julgamento na 9ª Sessão do Plenário Virtual, após o voto do Relator, negando provimento ao recurso, no que foi acompanhado pelos Conselheiros Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins e Jane Granzoto, pedi destaque nos termos do art. 118-A, § 5º, II, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça - RICNJ.

É o relatório.

2. Conforme relatado, trata-se de recurso administrativo em face de decisão monocrática que julgou improcedente o pedido formulado neste Pedido de Providências, em que se questiona decisão proferida pelo Presidente do TJES nos autos SEI n. 7000310-74.2023.8.08.0035, por meio da qual reconhecida a impossibilidade de posse da recorrente, Bianca Gavi Antunes, no cargo em comissão de Chefe do Setor de Conciliação do 5º Juizado Especial Cível do Juízo de Vila Velha, em razão de suposto nepotismo.

Em que pese a fundamentação apresentada pelo Relator, ouso divergir de Sua Excelência, rogando-lhe as mais respeitosas vênias, no tocante à ausência de configuração de nepotismo na hipótese. 

Com efeito, a posse da postulante, em primeiro momento, poderia subsumir-se ao disposto no art. 2º, III, da Resolução CNJ n. 7/2005, o qual estabelece

Art. 2º Constituem práticas de nepotismo, dentre outras: 

III – o exercício de cargo de provimento em comissão ou de função gratificada, no âmbito da jurisdição de cada Tribunal ou Juízo, por cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, de qualquer servidor investido em cargo de direção ou de assessoramento; 

  

Não sendo a recorrente e o cônjuge servidores efetivos, é inaplicável a disposição contida no § 1º do artigo retromencionado, que preceitua:  

§ 1° Ficam excepcionadas, nas hipóteses dos incisos I, II e III deste artigo, as nomeações ou designações de servidores ocupantes de cargo de provimento efetivo das carreiras judiciárias, admitidos por concurso público, observada a compatibilidade do grau de escolaridade do cargo de origem, a qualificação profissional do servidor e a complexidade inerente ao cargo em comissão a ser exercido, e que o outro servidor também seja titular de cargo de provimento efetivo das carreiras jurídicas, vedada, em qualquer caso a nomeação ou designação para servir subordinado ao magistrado ou servidor determinante da incompatibilidade. 

 

Com o intuito de especificar fatores e situações geradoras de incompatibilidade, nos termos da referida resolução, o Enunciado Administrativo CNJ n. 1/2005 prevê: 

I. Para os fins do disposto no inciso III do art. 2º da Resolução n. 07, considera-se como situação geradora de incompatibilidade aquela em que haja relação de parentesco, com potencialidade de interferir no processo de nomeação; 

 

Ainda sobre o tema em debate, vale destacar o teor da Súmula Vinculante n. 13/STF:

A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.   

 

Analisando o caso específico dos autos, não houve interferência no processo de nomeação/posse, pois o cônjuge da postulante exerce cargo em comissão em outra comarca, localizada a mais de 100km de distância, cada um assessorando magistrado diferente, sem qualquer relação, inclusive, entre a matéria e função a ser exercida, não havendo que se falar, por óbvio, em subordinação direta ou indireta entre os cargos para os quais foram nomeados.

A recorrente fora nomeada para exercer o cargo em comissão de Chefe de Setor de Conciliação do 5º Juizado Especial Cível do Juízo de Vila Velha, por meio do Ato n. 427/2023, de 16/03/2024 (Id 5102654, fl. 1). Na sequência, apresentou documentação pertinente para a posse, inclusive mencionando a relação de parentesco com Felipe Lugão Rodrigues, o cônjuge, servidor comissionado que exerce a função de assessor na 1ª Vara de Família da Comarca de Linhares, nomeado pelo Ato n. 288, de 03/05/2019.

No entanto, o TJES entendeu pela inviabilidade do prosseguimento da posse da recorrente (Id 5102654, fls. 56-59).

Por ocasião do julgamento do Agravo Regimental na Reclamação n. 19.529/RS, em que questionada a prática de nepotismo entre duas servidoras nomeadas para o exercício de cargo em comissão de assessora de Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, ponderou o Ministro Dias Toffoli, Relator, que “a incompatibilidade da prática enunciada na Súmula Vinculante n. 13 com o art. 37, caput, da CF/88 não decorre diretamente da existência de relação de parentesco entre a pessoa designada e o agente político ou servidor público ocupante de cargo em comissão ou função comissionada, mas da presunção de que a escolha para ocupar cargo de direção, chefia ou assessoramento tenha sido direcionada a pessoa com relação de parentesco com alguém que tenha potencial de interferir no processo de seleção”.

Mais adiante, acrescentou: “Ao editar a Súmula Vinculante n. 13, embora não se tenha pretendido esgotar todas as possibilidades de configuração de nepotismo na Administração Pública, foram erigidos critérios objetivos de conformação, a saber: a) ajuste mediante designações recíprocas, quando inexistente a relação de parentesco entre a autoridade nomeante e o ocupante do cargo de provimento em comissão ou função comissionada; b) relação de parentesco entre a pessoa nomeada e a autoridade nomeante; c) relação de parentesco entre a pessoa nomeada e o ocupante de cargo de direção, chefia ou assessoramento a quem estiver subordinada; d) relação de parentesco entre a pessoa nomeada e a autoridade que exerce ascendência hierárquica ou funcional sobre a autoridade nomeante”.

Eis o seguinte trecho do voto condutor:

 

A incompatibilidade da prática enunciada na Súmula Vinculante n. 13 com o art. 37, caput, da CF/88 não decorre diretamente da existência de relação de parentesco entre a pessoa designada e o agente político ou servidor público ocupante de cargo em comissão ou função comissionada, mas da presunção de que a escolha para ocupar cargo de direção, chefia ou assessoramento tenha sido direcionada a pessoa com relação de parentesco com alguém que tenha potencial de interferir no processo de seleção.  

Isso porque vedar o acesso de qualquer cidadão a cargo público tão somente em razão da existência de relação de parentesco com servidor público que não tenha competência para o selecionar ou o nomear para o cargo de chefia, direção ou assessoramento pleiteado, ou que não exerça ascendência hierárquica sobre aquele que possua essa competência é, em alguma medida, negar um dos princípios constitucionais a que se pretendeu conferir efetividade com a edição da Súmula Vinculante n. 13, qual seja, o princípio da impessoalidade.  

Assim, concluo que a vedação do nepotismo consubstanciada no enunciado vinculante indicado como paradigma de confronto nesta reclamação tem o condão de resguardar a isenção do processo de escolha para provimento de cargo ou função pública de livre nomeação e exoneração.  

Ao editar a Súmula Vinculante n. 13, embora não se tenha pretendido esgotar todas as possibilidades de configuração de nepotismo na Administração Pública, foram erigidos critérios objetivos de conformação, a saber: a) ajuste mediante designações recíprocas, quando inexistente a relação de parentesco entre a autoridade nomeante e o ocupante do cargo de provimento em comissão ou função comissionada; b) relação de parentesco entre a pessoa nomeada e a autoridade nomeante; c) relação de parentesco entre a pessoa nomeada e o ocupante de cargo de direção, chefia ou assessoramento a quem estiver subordinada; d) relação de parentesco entre a pessoa nomeada e a autoridade que exerce ascendência hierárquica ou funcional sobre a autoridade nomeante.  

Mantenho a conclusão exarada na decisão monocrática:  

Compulsados os documentos apresentados juntamente com a peça vestibular, identifico que:   

a) Ana Roberta de Freitas Vilela ocupa o cargo em comissão de “Assessor de Desembargador” desde janeiro de 2006, lotada no gabinete do Desembargador Sérgio Fernando de Vasconcelos Chaves (7ª Câmara Cível do TJRS) desde novembro de 2008;  

b) em 13/5/2010, Larissa Frantzeski Vilela foi nomeada para ocupar cargo em comissão no âmbito do TJRS, desempenhando a função de assessoramento da Desembargadora Laura Louzada Jaccottet.  

Tendo em vista a estrutura do Poder Judiciário, em especial a discricionariedade do membro da magistratura na escolha de servidor para lhe assessorar, respeitados os limites legais e constitucionais, não há como presumir ascendência hierárquica da servidora de referência – lotada no gabinete do Desembargador Sérgio Fernando de Vasconcelos Chaves – na escolha de Larissa Frantzeski Vilela pela Desembargadora Laura Louzada Jaccottet para compor sua assessoria.  

Porque lotadas em gabinetes distintos, também não há relação de subordinação entre Larissa Frantzeski Vilela e Ana Roberta de Freitas Vilela.  

No caso, portanto, o reclamante não logrou comprovar a existência de elemento essencial para a configuração objetiva do nepotismo, qual seja, a participação - potencial ou efetiva – do servidor de referência no processo de escolha da pessoa para ocupar cargo de direção, chefia ou assessoramento. Não há, também, qualquer referência à hipótese de ‘troca de favores’ entre as autoridades envolvidas.

 

O referido acórdão recebeu a seguinte ementa:

 

AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO. SÚMULA VINCULANTE N. 13. AUSÊNCIA DE CONFIGURAÇÃO OBJETIVA DE NEPOTISMO. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.

1. Ao editar a Súmula Vinculante n. 13, embora não se tenha pretendido esgotar todas as possibilidades de configuração de nepotismo na Administração Pública, foram erigidos critérios objetivos de conformação, a saber: i) ajuste mediante designações recíprocas, quando inexistente a relação de parentesco entre a autoridade nomeante e o ocupante do cargo de provimento em comissão ou função comissionada; ii) relação de parentesco entre a pessoa nomeada e a autoridade nomeante; iii) relação de parentesco entre a pessoa nomeada e o ocupante de cargo de direção, chefia ou assessoramento a quem estiver subordinada e iv) relação de parentesco entre a pessoa nomeada e a autoridade que exerce ascendência hierárquica ou funcional sobre a autoridade nomeante.

2. A incompatibilidade da prática enunciada na Súmula Vinculante n. 13 com o art. 37, caput, da CF/88 não decorre diretamente da existência de relação de parentesco entre pessoa designada e agente político ou servidor público ocupante de cargo em comissão ou função comissionada, mas da presunção de que a escolha para ocupar cargo de direção, chefia ou assessoramento tenha sido direcionada a pessoa com relação de parentesco com alguém que tenha potencial de interferir no processo de seleção.

3. Agravo regimental não provido.

(Rcl 19529 AgR, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 15-03-2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-072 DIVULG 15-04-2016 PUBLIC 18-04-2016)

 

Na mesma esteira: RE 807.383 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, Segunda Turma, julgado em 30/06/2017, DJe de 9/8/2017.

Vale conferir ainda:

Agravo regimental nos embargos de declaração em mandado de segurança. 2. Direito Constitucional e Administrativo. 3. Nepotismo. Ausência de subordinação hierárquica ou projeção funcional entre os servidores públicos nomeados para exercer cargo comissionado no mesmo órgão, ou entre as autoridades nomeantes. 4. Discricionariedade do membro da magistratura para compor sua assessoria, observados os limites da lei e da Constituição. Impossibilidade de presunção de influência do exercente do cargo de direção, chefia e assessoramento vinculado a um Desembargador na escolha e contratação de outro. 5. Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. 6. Agravo regimental a que se nega provimento. (MS 34.179 ED-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe de 20/4/2018). 

 

Considerando que, na seara jurisdicional, houve importante evolução quanto ao tema em discussão, penso que o momento é oportuno para que este Conselho reitere as balizas definidas pelo STF no que tange à caracterização de hipóteses de nepotismo.

No que concerne à situação específica em questão, na medida em que, repita-se, inexiste subordinação hierárquica entre os cargos mencionados, nem projeção funcional entre as autoridades judiciais às quais a recorrente e o marido estariam vinculados, descabe presumir a influência de um dos cônjuges na nomeação do outro.

O fato é que, no caso concreto, a decisão do Tribunal local foi baseada em interpretação equivocada de atos normativos do CNJ sobre o tema, tornando-se irrazoável, sem fundamento legal e contrária ao estabelecido por este Conselho e pelos precedentes do STF.

Assim, apesar da inviabilidade de vincular esta decisão à obrigatoriedade de nomeação da requerente, por razões práticas e operacionais adstritas à Corte local, pode este Conselho determinar que o Tribunal reveja o respectivo ato administrativo, substituindo a interpretação equivocada dos normativos do CNJ pela aqui firmada, a saber, conforme o Enunciado Administrativo n. 01/2005, alínea “I”, para os fins do disposto no inciso III do art. 2º da Resolução n. 7, considera-se como situação geradora  de incompatibilidade aquela em que haja relação de parentesco com potencialidade de interferência no processo de nomeação, preceito aplicável tanto no caso de a pessoa nomeada e seu parente serem ocupantes de cargo em comissão sem vínculo anterior com a Administração, como na hipótese de qualquer um deles (ou ambos) ser servidor público em cargo efetivo, empossado por meio de concurso público e ocupante de cargo em comissão.

 3. Em suma, divirjo de Sua Excelência para reconhecer que, na hipótese específica dos autos, não ficou caracterizada a ocorrência de nepotismo quanto à posse da recorrente, Bianca Gavi Antunes, ao cargo em comissão de Chefe do Setor de Conciliação do 5º Juizado Especial Cível do Juízo de Vila Velha/ES.

Por conseguinte, entendo que se deve fixar interpretação no tocante aos atos normativos já existentes sobre a matéria – especificamente a Resolução CNJ n. 07/2005 e o Enunciado Administrativo CNJ n. 01/2005, com redação dada pelo Enunciado Administrativo n. 23/2020 –, no sentido de que a alínea “I” do Enunciado Administrativo CNJ n. 01/2005 também incide nos casos de nomeação a cargo em comissão de pessoa sem vínculo anterior com a Administração (não ocupante de cargo efetivo) e que tenha parentesco até o terceiro grau em linha reta, colateral ou por afinidade com pessoa também ocupante de cargo em comissão e sem vínculo anterior com a Administração.

Além disso, a interpretação do tema deve estar alinhada com a mencionada orientação dada pela Suprema Corte segundo a qual fica configurado nepotismo se constatadas as seguintes hipóteses: “i) ajuste mediante designações recíprocas, quando inexistente a relação de parentesco entre a autoridade nomeante e o ocupante do cargo de provimento em comissão ou função comissionada; ii) relação de parentesco entre a pessoa nomeada e a autoridade nomeante; iii) relação de parentesco entre a pessoa nomeada e o ocupante de cargo de direção, chefia ou assessoramento a quem estiver subordinada e iv) relação de parentesco entre a pessoa nomeada e a autoridade que exerce ascendência hierárquica ou funcional sobre a autoridade nomeante”.

Do mesmo modo, conforme proclamado pela Suprema Corte, conquanto não se tenha buscado esgotar todas as possibilidades de nepotismo, reitera-se que este não decorre diretamente das mencionadas relações de parentesco, mas da presunção de que a escolha para ocupar o cargo de direção, chefia ou assessoramento tenha sido direcionada a parente de alguém com potencial de interferir no processo de seleção.

Por fim, cabe ao TJES rever o respectivo ato administrativo, de modo a aplicar a Resolução CNJ n. 07/2005 c/c o Enunciado Administrativo CNJ n. 01/2005, alínea “I”, conforme interpretação aqui firmada.

4. Ante o exposto, renovando vênias ao Relator, dou provimento ao recurso administrativo, para reconhecer a inexistência de nepotismo, fixar interpretação quanto à Resolução CNJ n. 07/2005 e ao Enunciado Administrativo CNJ n. 01/2005 e determinar ao Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo que reveja o respectivo ato administrativo, nos termos da fundamentação.

É como voto.

 

 

Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO

 

Corregedor Nacional de Justiça

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0002473-80.2023.2.00.0000
Requerente: BIANCA GAVI ANTUNES
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO - TJES

 

 

VOTO 

 

O CONSELHEIRO GIOVANNI OLSSON (Relator):

I – DO CONHECIMENTO

Não vislumbro razão para reconsiderar a decisão proferida, mesmo porque a Recorrente não apresentou nenhum fundamento ou fato novo capaz de provocar o juízo de retratação do entendimento adotado.

Por outro lado, o Recurso em tela é cabível na espécie na medida em que foi protocolado no quinquídio regimental, motivo pelo qual dele conheço, nos termos do artigo 115, §1º, do RICNJ[1].

 

II – DO MÉRITO

Conforme relatado, a Recorrente busca reformar a Decisão Monocrática que julgou manifestamente improcedente o pedido deduzido. Por inteira pertinência, transcrevo-a (ID n. 5123401).

 

Verifica-se, preliminarmente, que o feito está instruído a tal ponto que a cognição exauriente é perfeitamente possível na espécie, sobretudo diante de entendimento já pacificado pelo Plenário do CNJ quanto à matéria vertida nos presentes autos, pelo que deixo de analisar o pedido de liminar.

Conforme relatado, o procedimento em epígrafe visa, essencialmente, a intervenção do Conselho Nacional de Justiça na gestão de pessoal do Tribunal requerido, determinando a imediata posse da Requerente em cargo comissionado para o qual foi nomeada, o que foi obstado por decisão administrativa tomada pelo Presidente da Corte, que concluiu pela existência de hipótese de nepotismo.

Pois bem.

A pretensão é manifestamente improcedente.

Como se vê, a Requerente acorre ao CNJ, sob o pretexto de ser necessário estabelecer critérios quanto à observância da Súmula Vinculante n. 13 do Supremo Tribunal Federal e da Resolução CNJ n. 7, para compelir o TJES a lhe dar posse em cargo exclusivamente comissionado.

Para tanto, alega que o fato de ser casada com servidor comissionado no Tribunal (assessor de Juiz de Direito de 1ª instância) não é gerador de incompatibilidade prevista no normativo mencionado, uma vez que a mera relação de parentesco, sem subordinação hierárquica e sendo nula a potencialidade de aquele servidor ter interferido em sua nomeação, não configuraria nepotismo.

Ora, como bem esclarece o TJES, a vedação objetiva prevista no art. 2º, inciso III, da Resolução CNJ n. 7, se amolda com perfeição ao presente caso, uma vez que o cônjuge da Requerente é exclusivamente comissionado e ela seria empossada também em cargo exclusivamente comissionado, não se cogitando das exceções previstas na própria norma e no Enunciado Administrativo n. 1/2015.

Com efeito, a leitura sistêmica dos normativos indica que a relação de parentesco é suficiente para a configuração de nepotismo, salvo quando pelo menos um dos servidores for ocupante de cargo efetivo das carreiras judiciárias, situação em que se perquirirá a existência de subordinação hierárquica e o potencial de interferência do parente na nomeação. Senão vejamos:

RESOLUÇÃO CNJ N. 7, DE 18 DE OUTUBRO DE 2005

[...]

Art. 2° Constituem práticas de nepotismo, dentre outras:

[...]

III - o exercício de cargo de provimento em comissão ou de função gratificada, no âmbito da jurisdição de cada Tribunal ou Juízo, por cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, de qualquer servidor investido em cargo de direção ou de assessoramento;

[...]

§ 1° Ficam excepcionadas, nas hipóteses dos incisos I, II e III deste artigo, as nomeações ou designações de servidores ocupantes de cargo de provimento efetivo das carreiras judiciárias, admitidos por concurso público, observada a compatibilidade do grau de escolaridade do cargo de origem, a qualificação profissional do servidor e a complexidade inerente ao cargo em comissão a ser exercido, e que o outro servidor também seja titular de cargo de provimento efetivo das carreiras jurídicas, vedada, em qualquer caso a nomeação ou designação para servir subordinado ao magistrado ou servidor determinante da incompatibilidade. (Redação dada pela Resolução nº 181, de 17.10.2013) (grifo nosso)

 

ENUNCIADO ADMINISTRATIVO N. 1 - NEPOTISMO

[...]

I) Para os fins do disposto no inciso III do art. 2º da Resolução nº 07, considera-se como situação geradora de incompatibilidade aquela em que haja relação de parentesco, com potencialidade de interferir no processo de nomeação. (Redação dada pelo Enunciado Administrativo nº 23, de 23.6.2020) (grifo nosso)

 

Vale dizer: o exercício de cargo de provimento em comissão ou de função gratificada por parente1 de qualquer servidor investido em cargo de direção ou de assessoramento não configurará nepotismo quando um deles for titular de cargo de provimento efetivo das carreiras jurídicas e desde que ausentes:

i) subordinação hierárquica ao magistrado ou servidor determinante da incompatibilidade (§1º do art. 2º da Resolução CNJ n. 7) e

ii) relação de parentesco com potencialidade de interferir no processo de nomeação (alínea I do Enunciado Administrativo n. 1/2005).

 

Esse foi o entendimento sufragado no julgamento da Consulta n. 0002267-71.2020.2.00.0000, a qual foi trazida como precedente pela Requerente, mas não socorre sua tese:

CONSULTA. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. NEPOTISMO. CARGO EM COMISSÃO. AUSÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO HIERÁRQUICA OU INTERFERÊNCIA DA RELAÇÃO DE PARENTESCO NA NOMEAÇÃO. RESOLUÇÃO N. 7 DO CNJ. PRECEDENTES DO COLENDO STF. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO N. 1, ALÍNEA “I”, DO CNJ. RESTABELECIMENTO, COM NOVA REDAÇÃO.

1. O colendo Supremo Tribunal Federal tem reiteradamente decidido no sentido de que “A incompatibilidade da prática enunciada na Súmula Vinculante nº 13 com o art. 37, caput, da CF/88 não decorre diretamente da existência de relação de parentesco entre pessoa designada e agente político ou servidor público ocupante de cargo em comissão ou função comissionada, mas da presunção de que a escolha para ocupar cargo de direção, chefia ou assessoramento tenha sido direcionada a pessoa com relação de parentesco com alguém que tenha potencial de interferir no processo de seleção” (STF – SEGUNDA TURMA - RE 807383 AgR – Rel. Min. DIAS TOFFOLI – J. 30/06/2017 – DJe. 09/08/2017).

2. Inocorre hipótese de nepotismo a nomeação para cargo em comissão de servidor sem vínculo com a Administração, quando seu cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, ocupante de cargo de provimento efetivo das carreiras judiciárias, tenha sido anteriormente nomeado para o exercício de cargo em comissão no Tribunal, desde que cada um deles esteja subordinado a autoridades diversas do mesmo órgão e a relação de parentesco não interfira na nomeação.

3. Consulta conhecida em parte e, na parte conhecida, respondida negativamente.

4. Proposta de restabelecimento da alínea “I”, do Enunciado Administrativo nº 1, do Conselho Nacional de Justiça, com nova redação, nos seguintes termos: “Para os fins do disposto no inciso III do art. 2º da Resolução nº 07, considera-se como situação geradora de incompatibilidade aquela em que haja relação de parentesco, com potencialidade de interferir no processo de nomeação”.

(CNJ - CONS - Consulta - 0002267-71.2020.2.00.0000 - Rel. LUIZ FERNANDO TOMASI KEPPEN - 66ª Sessão Virtual - julgado em 5/6/2020) (grifo nosso)

 

Note-se que ao responder a referida Consulta e a partir das balizas naquela oportunidade fixadas, o Plenário do CNJ aprovou a atual redação da alínea “I” do Enunciado Administrativo n. 1, cuja leitura não pode ser dissociada da regra geral e aplicada separadamente.

Destarte, não se vislumbra ilegalidade na atuação do Tribunal requerido.

Conclui-se, portanto, que a questão não ultrapassa a órbita de interesses individuais e econômicos da Requerente, o que, ante à ausência de ilegalidade, afasta a possibilidade de intervenção deste Conselho em matéria inerente à autonomia constitucional dos Tribunais.

Não é demais ressaltar que, compete privativamente aos Tribunais, “prover, por concurso público de provas, ou de provas e títulos, obedecido o disposto no art. 169, parágrafo único, os cargos necessários à administração da Justiça, exceto os de confiança assim definidos em lei” (art. 96, inciso I, “e”, da Constituição Federal).

Ademais, vale lembrar que os cargos ad nutum, ou seja, aqueles preenchidos com base em confiança, são cargos de livre preenchimento e exoneração, o que reforça a impossibilidade de intervenção do CNJ para determinar a efetivação de posse, ainda que não estivesse configurada a prática de nepotismo, diante da inequívoca margem do Tribunal no exercício da sua autonomia na gestão de pessoas no espaço de conveniência e oportunidade.

O pedido principal é, portanto, manifestamente improcedente.

Melhor sorte não assiste ao pedido alternativo. Com efeito, não se vislumbra necessidade de manifestação do CNJ “a fim de estabelecer critérios para a conduta dos tribunais do país em casos semelhantes”.

A matéria está suficientemente regulamentada, a Resolução CNJ n. 7 encontra-se hígida e em plena validade e não há, no âmbito do CNJ, nenhuma proposta em curso para modificação de seu texto.

De igual forma, as alíneas do Enunciado Administrativo n. 1 são exaurientes e a recente atualização da alínea “I” teve como mote o acompanhamento da evolução jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal em relação ao tema.

Recorde-se, por fim, que, a teor do artigo 25, inciso X, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça (RICNJ) , deve o relator arquivar monocraticamente o procedimento quando a matéria for flagrantemente estranha às finalidades do CNJ e a pretensão for manifestamente improcedente ou contrária a precedentes do Plenário do CNJ ou do STF, regra de organização interna com o nítido propósito de não sobrecarregar desnecessariamente o Plenário deste Conselho sobre questões amplamente debatidas e decididas precedentemente.

Por todo o exposto, nos termos do art. 25, X, do RICNJ, julgo manifestamente improcedente o presente Pedido de Providências e determino seu arquivamento liminar.

Intimem-se.

À Secretaria Processual para as providências devidas.

 

_________________

1 Cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive. 

 

 

Pois bem.

A princípio, impõe-se ressaltar que a discussão apresentada é totalmente estéril, haja vista a natureza do cargo que a Recorrente pretendia ocupar, o qual é ad nutum.

Nessa toada, conforme especificamente indicado na Decisão recorrida, ainda que não estivesse configurada situação de nepotismo, não poderia o CNJ invadir o âmbito de autonomia do Tribunal na gestão de pessoal e determinar a efetivação da posse de Bianca Gavi Antunes, cujo ato de nomeação foi, inclusive, tornado sem efeito pela Administração do TJES. 

Ainda que assim não fosse, é de se ver que a Recorrente não logrou êxito em comprovar a existência de ilegalidade na conduta do Tribunal, cujo entendimento está alinhado à jurisprudência do CNJ.

Nesse ponto, repise-se que a recente atualização da alínea “I” do Enunciado Administrativo n. 1 foi promovida exatamente para acompanhar a evolução jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal em relação ao tema.

Tampouco se desincumbiu a Recorrente do ônus de demonstrar que a questão ultrapassa os contornos meramente individuais do pleito. Com efeito, toda a argumentação reforça o caráter individual da demanda e o interesse pessoal e financeiro em ocupar um cargo no Tribunal requerido.

Conforme decidiu este Conselho, as decisões do Supremo Tribunal Federal em casos concretos não podem ser transplantadas automaticamente para a rotina administrativa como regras abstratas aptas a distinguir situações de nepotismo, sendo certo que situações excepcionais podem ser analisadas individualmente, tanto no âmbito administrativo, quanto no jurisdicional, mas não podem justificar o elastecimento permissivo da norma(CNJ - RA – Recurso Administrativo em CONS - Consulta - 0004385-25.2017.2.00.0000 - Rel. LUCIANO FROTA - 267ª Sessão Ordinária - julgado em 06/03/2018 – grifo nosso).

Destarte, tal como apresentada, a controvérsia posta nos autos não é vocacionada a gerar repercussão geral no âmbito do Poder Judiciário nacional, o que impede a intervenção deste Conselho.

Causas como a discutida neste procedimento são reservadas a órgãos imbuídos de competência jurisdicional, aos quais a Constituição Federal atribuiu o poder-dever de dizer o direito no caso individual em concreto.

A atuação constitucional do CNJ visa ao interesse coletivo do Poder Judiciário e de toda a sociedade, o que afasta a natureza de instância recursal ou originária para questões judiciais ou administrativas de caráter individual.

Diante disso, considerando que não foram submetidos à análise novos fatos ou razões diversas, capazes de infirmar os fundamentos da Decisão monocrática, mantenho-a integralmente.

Por todo o exposto, conheço do Recurso e, no mérito, nego-lhe provimento.

É como voto. 

Após as comunicações de praxe, arquivem-se. 

À Secretaria Processual para as providências.  

Brasília-DF, data registrada no sistema.

 

Conselheiro GIOVANNI OLSSON

Relator



[1] Art. 115. A autoridade judiciária ou o interessado que se considerar prejudicado por decisão do Presidente, do Corregedor Nacional de Justiça ou do Relator poderá, no prazo de cinco (5) dias, contados da sua intimação, interpor recurso administrativo ao Plenário do CNJ. § 1º São recorríveis apenas as decisões monocráticas terminativas de que manifestamente resultar ou puder resultar restrição de direito ou prerrogativa, determinação de conduta ou anulação de ato ou decisão, nos casos de processo disciplinar, reclamação disciplinar, representação por excesso de prazo, procedimento de controle administrativo ou pedido de providências.