EMENTA

 

 

RECURSO EM PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. CRIAÇÃO, ALTERAÇÃO E REORGANIZAÇÃO DE SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS. MATÉRIA SUBMETIDA A RESERVA DE LEI FORMAL. INICIATIVA DO PODER JUDICIÁRIO. JURISPRUDÊNCIA DO STF. ACUMULAÇÃO DE SERVENTIA EXTRAJUDICIAL. DETERMINAÇÃO IMPOSTA PELA LEGISLAÇÃO LOCAL. PRESCINDIBILIDADE DA REALIZAÇÃO DE ESTUDOS PRÉVIOS. REITERAÇÃO DOS ARGUMENTOS EXPOSTOS NA PETIÇÃO INICIAL. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS NOVOS. RECURSO DESPROVIDO.  

1.        A criação, alteração ou supressão de serventias extrajudiciais é matéria submetida à reserva de lei formal, de iniciativa do Poder Judiciário, conforme decidiu o Plenário do Supremo Tribunal Federal na ADI nº 4.223/SP. 

2.        O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais procedeu à acumulação do Registro Civil das Pessoas Naturais ao Tabelionato de Notas, pois restaram preenchidos os requisitos objetivos previstos no art. 300-L, da LC nº 59/2001, quais sejam: serventia vaga e de primeira entrância.

3. No presente caso, a acumulação é decorrência de imposição legal, pelo que não se há de falar em necessidade de realização de estudos prévios.

4. O art. 300-M da LC estadual n. 166/2022 não traz qualquer palavra ou expressão que denote obrigatoriedade de estudos prévios para unificação de serventias. Além disso, trata-se claramente de um comando dotado de natureza genérica, o qual cede perante uma norma específica, como a do art. 300-L desse mesmo diploma normativo.

5.        A peça recursal possui natureza heterotópica, constituindo mera reprodução das razões expostas na exordial, já refutadas na decisão monocrática. 

6.        O recurso que tem redação idêntica à da petição inicial desautoriza a reforma do julgado e impõe a manutenção da decisão pelos próprios fundamentos. Precedentes. 

7.        Recurso desprovido.   

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário Virtual, 24 de março de 2023. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

 

RELATÓRIO

 

Trata-se de Recurso Administrativo contra decisão monocrática que julgou improcedente o pedido, por não visualizar ilegalidade ou providência a ser adotada no âmbito deste Conselho e determinou o arquivamento dos autos (Id 4963216). 

 

Esse o relatório daquele decisum: 

 

Trata-se de procedimento de controle administrativo (PCA), com pedido liminar, formulado por Josiane Nogueira Silva Freitas contra o AVISO nº 152/2022 e a Portaria nº 14/2022, editados, respectivamente, pela Corregedoria Geral da Justiça do Estado de Minas Gerais (CGJMG) e pelo Juízo Diretor do Foro da Comarca de Rio Paranaíba, que dispuseram sobre a acumulação do Registro Civil das Pessoas Naturais ao 1º Tabelionato de Notas, ambos daquela comarca.

A requerente entende que a mencionada acumulação das serventias encontra óbice na legislação aplicável ao tema (Constituição Federal, Lei nº 8.935/1994, Lei Complementar Estadual nº 59/2001 e na Resolução CNJ nº 80/2009).

Afirma que a Lei nº 8.935/1994 apenas permite a acumulação quando o município não comportar, em razão do volume de serviços ou de receita, a permanência individualizada e especializada de serviço registral, de notas ou de protesto.

Aduz, ainda, que o artigo 300-M da Lei Complementar Estadual impõe a realização de estudos prévios para aferição dos critérios objetivos para o ato.

Requer, em sede liminar, que os efeitos do AVISO nº 152/2022 e da Portaria nº 14/2022 sejam suspensos, com a consequente manutenção da requerente na interinidade da serventia do Registro Civil das Pessoas Naturais de Rio Paranaíba/MG.

No mérito, pugna pela nulidade dos atos questionados.

Instada a se manifestar, a Corregedoria local informou que os mencionados atos foram editados em conformidade com as determinações legais incidentes sobre a matéria (Id 4945630).

É o relatório. Decido.

 

A recorrente reproduz os argumentos da petição inicial, reiterando que a CGJ-MG, ao determinar a acumulação do Registro Civil das Pessoas Naturais de Rio Paranaíba/MG ao 1º Tabelionato de Notas, da mesma Comarca, não observou o comando disposto no art. 300-M da LC 59/2001.

Assevera que a decisão recorrida, ao entender que a acumulação da serventia se deu por imposição legal (art. 300-L da LC 59/2001), deixou de avaliar, de forma sistêmica, os demais normativos sobre o tema, notadamente a regra que disporia sobre a necessidade de realização de estudos prévios com vista à acumulação ou não de serventias.

Defende que a interpretação segundo a qual o art. 300-M não teria natureza vinculante, mas sim de mera recomendação fere de morte o princípio constitucional da impessoalidade.

Esse o pedido:


Isto posto, requer a reforma da decisão atacada para que seja decretada a nulidade dos atos de AVISO nº 152/CGJ/2022, do TJMG e Portaria da Direção do Foro Nº 14/2022 – TJMG 1ª/RPA- COMARCA/RPA - ADM.FORUM e/ou a necessidade de realização de estudos pela Corregedoria Geral de Justiça e Juiz Diretor do Foro da Comarca, em procedimento próprio, para que haja a aferição do volume de serviços e receita com vista a acumulação ou não da serventia, e manutenção da delegatária, ora recorrente, respondendo interinamente pela serventia, conforme Termo de Exercício dela, até a realização de novo concurso público.


Notificado, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais apresentou contrarrazões ao recurso, oportunidade na qual pugnou pelo seu desprovimento.

É o relatório.

 

 

 

 


 

 

VOTO

 

Tendo sido aviado a tempo e modo, conheço do recurso administrativo.      

A pretensão revisional não comporta provimento, pois a peça recursal é heterotópica, isto é, constitui mera reprodução das razões expostas na exordialo que desautoriza a reforma do julgado. 

Compulsando os autos, verifico que a irresignação da recorrente limita-se a reproduzir os termos da petição inicialcom pontualíssimos ajustes do texto para adequação à espécie recursal. 

A recorrente não infirmou os termos da decisão recorrida, nem trouxe qualquer razão jurídica ou elemento novo capaz de alterar o entendimento proferido anteriormente. 

Tais circunstâncias revelam o mero inconformismo com o julgamento monocrático e impõem a manutenção do decisum por seus próprios fundamentos, os quais submeto ao egrégio Plenário do CNJ para apreciação: 

 

 

 

Passo à análise do mérito, razão pela qual fica prejudicado o exame do pedido liminar, com fundamento no artigo 25, inciso VII do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça.

Verifica-se que a requerente era responsável interina da serventia de Registro Civil das Pessoas Naturais de Rio Paranaíba/MG até a efetivação da mencionada acumulação (Id 4934673).

Em uma primeira análise, poder-se-ia entender que a pretensão se reveste de caráter eminentemente individual, porque a dita acumulação culminou na revogação da sua interinidade.

Contudo, a requerente fundamenta seu pedido em suposto descumprimento de norma legal, o que transmudaria tal aspecto, permitindo, então, o exame por parte deste Conselho Nacional de Justiça.

A matéria em questão é regulada pela Lei n.º 8.935/1994 que, em seu art. 26, estabelece que “não são acumuláveis os serviços enumerados no art. 5º”, entre eles, de notas e de registro civil das pessoas naturais. Todavia, o parágrafo único do mesmo dispositivo flexibiliza tal hipótese, quando permite a acumulação “nos Municípios que não comportarem, em razão do volume dos serviços ou da receita, a instalação de mais de um dos serviços”.

Cumpre registrar que a criação, alteração ou supressão de serventias extrajudiciais é matéria submetida à reserva de lei formal, de iniciativa do Poder Judiciário, conforme decidiu o Plenário do Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 4.223/SP. O acórdão restou assim ementado:

 

Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Dispositivos da Constituição do Estado de São Paulo. Iniciativa de lei sobre serventias judiciais e estabelecimento de critérios e prazos para sua criação. 3. Pertence ao Tribunal de Justiça estadual a iniciativa privativa para legislar sobre organização judiciária, na qual se inclui a criação, alteração ou supressão de cartórios. Precedentes. 4. Vulnera o princípio da separação dos Poderes a imposição de diretrizes e prazos, pelo Constituinte Estadual, para a elaboração de projeto de lei de iniciativa reservada ao Tribunal de Justiça. Precedentes. 5. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do artigo 24, § 2º, 6, da Constituição do Estado de São Paulo e do art. 17, caput e parágrafos, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias do mesmo diploma. (Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 13.3.2020) (grifos nossos).



Em consonância com o decidido pelo STF, reiterados precedentes deste Conselho:

 

 

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. RATIFICAÇÃO DE LIMINAR. CARTÓRIOS. CORREGEDORIAGERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DA PARAÍBA. COMARCA DE BANANEIRAS/PB. RESOLUÇÃO N.º 27, DE 24 DE ABRIL DE 2013, DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA PARAÍBA. ATRIBUIÇÕES DAS DELEGAÇÕES DE NOTAS E REGISTRO PÚBLICO. REORGANIZAÇÃO. DESACUMULAÇÕES E ACUMULAÇÕES SIMULTÂNEAS. MODIFICAÇÃO DE COMPETÊNCIA. LEI FORMAL. EXIGÊNCIA. JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEERAL. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. LIMINAR DEFERIDA. 1. Suspensão de decisão que determina a reorganização das atribuições dos ofícios de notas e de registros públicos de Bananeiras/ PB, mantendo o atual estado das coisas até deliberação definitiva pelo Conselho Nacional de Justiça. 2. Liminar ratificada (CNJ - ML – Medida Liminar em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0002089- 88.2021.2.00.0000 - Rel. LUIZ FERNANDO BANDEIRA DE MELLO - 89ª Sessão Virtual - julgado em 25.6.2021).


PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. NECESSIDADE DE LEI EM SENTIDO FORMAL PARA A CRIAÇÃO DE SERVENTIAS. DESANEXAÇÃO DE SERVENTIAS. AUSÊNCIA DE ESTUDOS DE VIABILIDADE ECONÔMICA. ILEGALIDADE. DESIGNAÇÃO DE INTERINOS. IMPOSSIBILIDADE. NECESSÁRIA SUBMISSÃO A CONCURSO PÚBLICO. I – É firme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido da necessidade de lei formal, de iniciativa privativa dos Tribunais de Justiça, para a criação de serventias, devendo o TJSC adotar medidas imediatas para o envio de anteprojeto de lei para criação do Ofício de Registros Civis das Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas, Títulos e Documentos da Comarca de Jaguaruna/SC. II – A desanexação de serventia que sequer chegou a ser criada por lei, a ausência de comprovação de viabilidade econômica e a assunção dos serviços por interina pura são condutas ilegais, sendo imperiosa a devolução do acervo ao delegatário original. III – O CNJ tem entendimento recente, direcionado ao próprio TJSC, no sentido da obrigatoriedade de submissão prévia de nova serventia a concurso público, de modo que a instalação da serventia por interina cria um cenário de precariedade desnecessário, problemático e diametralmente oposto ao processo de regularização da outorga das serventias extrajudiciais inaugurado por este Conselho. IV – O provimento de Ofícios de Registro de Imóveis por escrivães de paz no Estado de Santa Catarina, mediante o exercício de direito de opção, é matéria que merece especial atenção por parte da Corregedoria Nacional de Justiça. V – Procedimento de Controle Administrativo que se julga procedente (CNJ - PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0008289- 53.2017.2.00.0000 - Rel. LUCIANO FROTA - 277ª Sessão Ordinária - julgado em 4.9.2018).

 

E precisamente, nesse aspecto, foi publicada a Lei Complementar Estadual n.º 166/2022, que alterou a Lei Complementar Estadual n.º 59/2001 e reestruturou determinadas serventias extrajudiciais. Consta do Portal da Justiça Aberta do CNJ que o Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais de Rio Paranaíba está vago desde 4.3.2021. Classificando-se a comarca como de primeira instância, de acordo com a Lei Complementar Estadual n.º 59/2001 (I.2.III), a acumulação com o 1º Tabelionato de Notas, nos termos do art. 300-L (incluído pela Lei Complementar Estadual nº 166/2022), é medida que se impõe:

 

[...] Art. 300-L - Com exceção das comarcas previstas no art. 300-Q, os serviços notariais e de registro da sede da comarca serão acumulados, na vacância, em duas ou três unidades, observando-se o seguinte: I - nas comarcas de primeira entrância haverá: a) uma unidade acumulando os serviços do 1º Tabelionato de Notas, do 2º Tabelionato de Notas, do Ofício de Registro Civil das Pessoas Naturais, Interdições e Tutelas e do Tabelionato de Protesto; [...]

 

Assim, editada lei em sentido formal de iniciativa do Poder Judiciário do Estado de Minas Gerais determinando a acumulação das serventias em questão, vê-se que o AVISO n.º 152/2022 e a Portaria n.º 14/2022, de lavra, respectivamente, da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de Minas Gerais (CGJMG) e do Juízo Diretor do Foro da Comarca de Rio Paranaíba, apenas observaram o estabelecido na legislação de regência do tema.

 Quanto ao art. 300-M da Lei Complementar Estadual nº 166/2022, o qual dispõe que a Corregedoria-Geral de Justiça e o Diretor do Foro zelarão pelo bom funcionamento dos serviços notariais e de registro, realizando estudos para propostas de criação, extinção, instalação, desinstalação, acumulação, desacumulação e desdobramento dos serviços notariais e de registro, não há natureza de imposição, mas sim de recomendação, orientação.

Ademais, na hipótese, a acumulação não está a ocorrer por mera liberalidade do TJMG, mas sim em decorrência de imposição legal, pelo que não se há de falar em necessidade de realização de estudos prévios.

Por todo o exposto, com fundamento no artigo 25, inciso X, do Regimento Interno deste Conselho, julgo improcedente o pedido formulado no presente procedimento e determino o arquivamento dos autos.

 

 

 

Registre-se, por oportuno, que o Registro Civil das Pessoas Naturais de Rio Paranaíba, da Comarca de Rio Paranaíba/MG encontrava-se vago, quando, em 5.3.2021, a recorrente foi designada para responder, interinamente, pelo serviço (Id 4934508).

Em relação às designações de substitutos interinos, o CNJ possui sólido entendimento quanto à natureza precária desse tipo de nomeação e da prescindibilidade de abertura de procedimento prévio para a revogação da mesma, visto que o interino atua como preposto do Poder Público (Recurso Administrativo em PCA n. 0010249-39.2020.2.00.0000, minha relatoria, j. 18.11.2022; Recurso Administrativo em PCA n. 0006851-89.2017.2.00.0000, Relator Conselheiro Arnaldo Hossepian, j. 24.4.2018; Recurso Administrativo em PCA n. 0004291-77.2017.2.00.0000, Relatora Conselheira Daldice Santana, j. 15.2.2018).

Ocorrendo esse tipo de situação (designação de substituto interino), é certo que o exercício da atividade notarial e registral retorna ao Estado (Poder Judiciário estadual), que passa a atuar de maneira plena, acumulando a titularidade do cartório e, transitoriamente, o exercício do serviço, até o provimento da unidade por meio de concurso público.

A par disso, incumbe ao TJMG, nos termos da legislação vigente, providenciar a continuidade dos serviços cartorários, além de determinar medidas destinadas à reorganização das unidades cartorárias.

E no caso dos autos, consoante consignado na decisão recorrida, a Corte mineira, em cumprimento à norma legal relativa ao tema, determinou a acumulação do Registro Civil das Pessoas Naturais ao 1º Tabelionato de Notas, ambos da comarca de Rio Paranaíba/MG.

O TJMG procedeu à acumulação do Registro Civil das Pessoas Naturais pois restaram preenchidos os requisitos objetivos previstos no art. 300-L, da LC nº 59/2001, quais sejam: serventia vaga e de primeira entrância, razão pela qual não se há de falar em realização de estudos prévios para a acumulação ou não da serventia, como pretende a recorrente.

Note-se que o art. 300-M da LC estadual n. 166/2022 não traz qualquer palavra ou expressão que denote obrigatoriedade de estudos prévios para unificação de serventias. Além disso, trata-se claramente de um comando dotado de natureza genérica, o qual cede perante uma norma específica, como a do art. 300-L da lei complementar indicada alhures.

Desta forma, reitero a inexistência de elementos novos capazes de modificar o entendimento já exarado quando da prolação da decisão monocrática. 

Ex positis, conheço do recurso interposto, mas nego-lhe provimento. 

É como voto. 

 

Conselheiro RICHARD PAE KIM

Relator