Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0007160-08.2020.2.00.0000
Requerente: CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA
Requerido: LUIS CLÁUDIO ROCHA RODRIGUES

 


EMENTA

 

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. RESOLUÇÃO N. 135/2011. PAD. MAGISTRADO CRIMINAL. LINGUAGEM INADEQUADA AO EXERCÍCIO DA MAGISTRATURA, FALTA DE RESPEITO E CORDIALIDADE COM AS TESTEMUNHAS E VÍTIMA. ABSOLVIÇÃO POR AUSÊNCIA DE QUÓRUM. APARENTE CONTRARIEDADE AO DIREITO E À PROVA DOS AUTOS (ART. 83, I, RICNJ). INDICATIVOS DE REITERADA CONDUTA NO EMPREGO DE EXPRESSÕES INADEQUADAS NO EXERCÍCIO DA MAGISTRATURA. DETERMINADA A INSTAURAÇÃO DE REVISÃO DISCIPLINAR. 

 

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, decidiu pela instauração, de ofício, de revisão disciplinar (REVDIS), nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário Virtual, 19 de maio de 2023. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Não votou o Excelentíssimo Conselheiro Mário Goulart Maia.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0007160-08.2020.2.00.0000
Requerente: CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA
Requerido: LUIS CLÁUDIO ROCHA RODRIGUES


RELATÓRIO


            

 

O MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator): 

 

1. Cuida-se de pedido de providências instaurado nos termos da Portaria CNJ n. 34 de 13.9.2016, a fim de cumprir o disposto nos artigos 9º, § 3º; 14, § 4º e § 6º; 20, § 4º; e 28 da Resolução CNJ n. 135, de 13.7.2011, em virtude da comunicação do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro à Corregedoria Nacional de Justiça, referente ao Processo Administrativo Disciplinar n. 0002178-19.2020.8.19.0000, em desfavor do Juiz de Direito LUÍS CLÁUDIO ROCHA RODRIGUES.

Do Acórdão do Órgão Especial do TJRJ (ID 4795393) colho os fragmentos que bem resumem a questão:

(...)

Dois são os processos administrativos disciplinares movidos contra o magistrado Luís Cláudio Rocha Rodrigues - ora apensados -, e que, pela similitude de eventos e imputações, serão objeto de exame em peça única.

O primeiro deles é o de nº 0002178-19.2020.8.19.0000, iniciado por representação formulada pelo Desembargador Paulo de Tarso Neves, diante da verificação dos seguintes fatos: “1 – emprego de linguagem inadequada com o exercício da magistratura, na condução da sessão plenária do Tribunal do Júri, realizada no dia 26 de setembro de 2017; 2 – falta de respeito e cordialidade com as testemunhas inquiridas na ação penal nº 0009594- 53.2013.8.19.0042, violando garantias e direitos fundamentais e; 3 – quebra de imparcialidade do magistrado, reconhecida judicialmente nos embargos infringentes 0009594-53.2013.8.19.0042, em razão da emissão de seu juízo de valor sobre o conteúdo dos depoimentos e credibilidade das testemunhas inquiridas na ação penal”, tudo por suposta violação aos deveres previstos no artigo 35, inciso IV, da LOMAN e aos artigos 3º, e 22, caput e parágrafo único, do Código de Ética da Magistratura.

O segundo deles é o de nº 0058109-07.2020.8.19.0000, iniciado por representação formulada perante o Conselho Nacional de Justiça pela Promotoria de Justiça de Proteção ao Idoso e à Pessoa com Deficiência do Núcleo de Petrópolis, por intermédio do Promotor de Justiça Celso Quintella Aleixo, diante da verificação dos seguintes fatos: “1- emprego de linguagem inadequada com o exercício da magistratura, na condução da sessão plenária do Tribunal do Júri, realizada no dia 08 de março de 2018, eis que, durante a oitiva da vítima Roberta Rodrigues Lima, o Magistrado teria indagado se a ofendida “estava piranhando lá na festa” e se “estava dando mole para a rapaziada”; 2 – falta de respeito e cordialidade com a vítima de tentativa de feminicídio inquirida na ação penal nº 0004693- 43.2017.8.19.0061, provocando a revitimização da ofendida e violando suas garantias e seus direitos fundamentais e; 3 - quebra de imparcialidade do magistrado, com interferência indevida na produção da prova, contrapondo a defesa do réu na ação penal nº 0004693-43.2017.8.19.0061, exercendo verdadeiro papel de órgão persecutor e não de um juiz imparcial. No caso concreto, a parcialidade ficou caracterizada, na medida em que o representado, na condição de juiz presidente do Tribunal do Júri, confessou que tentava contrapor a defesa do réu, por meio da inquirição à vítima”, tudo por suposta violação aos deveres previstos no artigo 35, incisos IV e VIII, e no artigo 41 da LOMAN e aos artigos 3º, 8º, 22, caput e parágrafo único e 37 do Código de Ética da Magistratura.

(...)

No primeiro deles, ao inquirir a testemunha Tainá, a ela referiu-se como “aquela pessoa que não deixa o casal namorar”, prosseguindo com a afirmação de que “a senhora é a amiga que eu jamais gostaria que a minha mulher pudesse ter”, “a conhecida popularmente como empata”, concluindo com a pergunta: “Faziam ménage? Era pra isso que a senhora ia? Porque talvez a senhora possa dar um pouco de credibilidade ao seu depoimento dizendo: não, a gente fazia um casal a três”, prosseguindo “A senhora está sob compromisso; a senhora vai ter que me dizer: vocês faziam ménage?”, “Porque não é razoável que a senhora esteja na casa do casal todos os dias, todas as horas. Nesse dia, como foi em pleno sábado das 18:30 hs às 03:00 hs, sem fazer ménage?”, para então afirmar “Vou determinar que a senhora seja processada, porque eu não sei se a senhora estava mentindo agora ou na primeira fase. E só por isso não lhe dou flagrante. Ia ser lindo a senhora sair da minha sala algemada”, concluindo “Manda as duas mídias para o delegado ver essa mocinha bonita mentindo...”.

Mas não é só. Inquirindo a testemunha Carlos disse “Então o senhor descobriu que a morte foi violenta porque o senhor é foda, né?”, prosseguindo “aí nega que sabia a causa da morte, cacete!”, “o senhor quer virar pra trás pra ver quantas pessoas tão percebendo que o senhor é um cínico?” “Tú é cínico mesmo né? É, é sim, é sim” “Estou extraindo um juízo de valor como juiz presidente deste processo. O senhor é uma testemunha cínica”, para concluir “Se eu tenho notícia que alguém agarrou uma filha minha, não sei se eu tenho lucidez pra falar alguma coisa, mas se eu falar alguma coisa vai ser pra dizer pro cara que eu vou encher ele de porrada”. E no que se refere à testemunha Tiago, indagou “E quando ela tá com medo, ela consegue segurar a índole fofoqueira que revelou aqui pra nós?” “É sua mulher, cara! Não sabe se ela, quando fica com medo, deixa de ser fofoqueira como normalmente é?”.

Quanto ao segundo processo, ao inquirir a vítima, dela indagou “A sra. estava piranhando lá na festa?”, “A sra. estava dando mole para a rapaziada?”.

 

O Relator do procedimento instaurado na origem proferiu voto pela aplicação de pena única de CENSURA ao magistrado. Não obstante, o procedimento foi arquivado, ante o não atingimento do quórum de maioria absoluta, conforme se extrai da Certidão de ID 4795391.

Registre-se que houve dúvida acerca do resultado da votação – 10 votos pela condenação e 6 pela absolvição. Isso porque o Desembargador Nagib Slaibi Filho teria sustentado ser o caso de pena de advertência, aspecto que atrairia a aplicação da regra do parágrafo único do art. 21 da Resolução CNJ n. 135 de 2011.

Entretanto, as informações prestadas no ID 4826770 atestam que o mencionado voto do Desembargador Nagib Slaibi foi retificado (ID 4826772), restando configurada a ausência de quórum mínimo previsto no caput do art. 21 já mencionado.

Em seguida, foi determinada a expedição de Carta de Ordem ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro para que o Magistrado LUÍS CLÁUDIO ROCHA RODRIGUES fosse intimado no prazo de 15 (quinze) dias, a fim de que, querendo, apresentasse defesa prévia, nos termos do que dispõem os arts. 14, caput, da Resolução CNJ n. 135, de 13 de julho de 2011, e o 70 do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça, (ID 4923086).

Apesar de devidamente intimado em 13 de dezembro de 2022 (ID 4974184), transcorreu in albis o prazo concedido ao magistrado para manifestação. 

Os autos vieram conclusos.

É o relatório. 

 

J3/F31 

 

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0007160-08.2020.2.00.0000
Requerente: CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA
Requerido: LUIS CLÁUDIO ROCHA RODRIGUES

 


VOTO


       

O MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator):  

 

2. Compete ao Conselho Nacional de Justiça “rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano” (art. 103-B, § 4º, V, da CF). 

Cumpre registrar que não decorreu o prazo decadencial de um ano para a instauração da Revisão Disciplinar, considerando que o julgamento do Processo Administrativo Disciplinar (PAD) nº 0002178-19.2020.8.19.0000 foi concluído pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro em 13/06/2022 (ID n° 4826770).

Assim, não se operou a decadência.

3. Conforme se depreende dos autos, foi determinado o arquivamento do PAD em epígrafe pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, ante a ausência do quórum mínimo previsto no art. 21, caput, da Resolução CNJ nº 135/2011.

Por um lado, o Desembargador Nagib Slaibi declarou, em seu voto divergente, adotando os fundamentos do voto vencido do Desembargador Elton Leme quando da abertura do PAD, que expressões que eram ofensivas no passado, hoje são abertamente utilizadas pela mídia e pelas rodas sociais:

Acredito que a conduta, no contexto da atualidade, é fronteiriça. Ela não chega, no meu modo de ver, no contexto da dinâmica de uma audiência do júri, ao ponto de caracterizar uma falta funcional. É uma conduta grosseira, é. É absolutamente grosseira. O termo é desnecessário? Acredito que sim. Mas não sei como seria a forma de como contorná-lo, diante da alegação de que a vítima não estava compreendendo a gravidade do fato e não se portava de acordo com esse entendimento.

As expressões utilizadas pelo magistrado, no âmbito da dinâmica do júri, embora possam revelar falta de tato e até mesmo grosseria, não têm poder ofensivo. A conduta é fronteiriça e não suscita transgressão ética ou disciplinar.

Vale salientar que as expressões empregadas não têm, na atualidade, o impacto e o poder ofensivo que poderiam ostentar no passado.

 

 

Ao contrário, o Relator, ao proferir seu voto, considerou que houve reiterada conduta infratora do magistrado, destacando os seguintes trechos:

 

Saliente-se que a notória impropriedade de linguagem quando da oitiva das testemunhas e da vítima caracteriza, ainda, falta de respeito e cordialidade com as mesmas, que não se encontram obrigadas a suportar um linguajar grosseiro, que não se adequa à conduta esperada de um magistrado no exercício de suas funções, de nenhuma valia servindo os depoimentos das testemunhas trazidas pelo Juiz, que afirmaram não ter causado qualquer impacto o seu comportamento, na medida em que a falta de respeito e cordialidade apresenta-se de forma objetiva diante do seu atuar.

(...)

Verifica-se, dessa forma, ao final da instrução, ter o magistrado praticado atos justificadores das penalidades pretendidas, nos exatos termos do que foi apontado em ambos os Processos Administrativos Disciplinares, verificados o emprego de linguagem inadequada ao exercício da magistratura, a falta de respeito e cordialidade com as testemunhas e vítima nos processos mencionados e a quebra de imparcialidade, com a emissão de juízo de valor sobre o conteúdo dos depoimentos e a credibilidade das testemunhas inquiridas, interferindo na produção da prova, exercendo papel de órgão prosecutor e não de um Juiz imparcial.

Dentro deste quadro e considerando o procedimento incorreto, a caracterizar a reiterada conduta infratora do magistrado, colocando em desprestígio a imagem do Judiciário perante a sociedade, cabe, na hipótese, a imposição da pena única de censura, diante dos fatos apurados em ambos os processos.

Pelo exposto, é de se concluir que nos Processos Administrativos nºs. 0002178-19.2020.8.19.0000 e 0058109- 07.2020.8.19.0000, com amparo no disposto nos artigos 35, incisos IV e VIII, 41, 42, II e 44 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional e artigos 3º, 8º, 22, caput e parágrafo único e 37 do Código de Ética da Magistratura, cabe impor ao magistrado Luís Cláudio Rocha Rodrigues a pena única de censura, nos termos do que restou devidamente apurado.

 

Nesse contexto e considerando a reiterada conduta no emprego de expressões inadequadas no exercício da magistratura, pairam dúvidas de que a absolvição do magistrado, decorrente do arquivamento do PAD por não ter sido alcançado o quórum necessário para aplicação da punição, seja a solução mais correta, diante das provas apresentadas nos autos.

Merece destaque, ainda, o fato de que um dos processos judiciais foi anulado em decorrência do agir do magistrado, sendo reconhecida a quebra de imparcialidade. Novo julgamento ainda não se realizou, estando os acusados em liberdade, tendo o fato ocorrido há mais de 10 anos.

Ademais, devo registrar que consta nos autos a informação de que o magistrado conta com outras 7 representações por comportamento semelhante e o julgamento a que se refere a presente decisão envolve dois diferentes processos administrativos disciplinares, também por fatos similares.

Apenas no CNJ, constam 22 processos em que o magistrado figura na condição de requerido, conforme se extrai de consulta ao PJe/CNJ.

Não se pretende que os demais expedientes mencionados sejam avaliados por esta Corregedoria Nacional de Justiça no momento, mas não se pode deixar de considerá-los como possível indicador de perfil do comportamento profissional do magistrado reclamado.

4. Ante o exposto, pelas razões acima expendidas e diante da necessária reanálise dos fatos por este Conselho Nacional de Justiça, com fundamento no art. 103-B, § 4º, inciso V, da Constituição Federal de 1988 e no artigo 83, I c/c art. 86 do Regimento interno do CNJ, proponho a instauração, de ofício, de revisão disciplinar (REVDIS) em face do acórdão proferido pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, para que seja distribuído o feito a um Conselheiro Relator a fim der ser proferida nova decisão de mérito pelo Plenário deste Conselho Nacional de Justiça, na forma do art. 88 do RICNJ. 

É como voto. 

Brasília, data registrada no sistema. 

 

Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO 

Corregedor Nacional de Justiça 

 

J3/F31