Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0007851-90.2018.2.00.0000
Requerente: AILON MARQUES DE SOUZA RAMOS
Requerido: DÓRIS ARAÚJO CASTRO LARANJEIRA BARBOSA e outros

 

 

EMENTA

EXTRAJUDICIAL. RECURSO ADMINISTRATIVO. PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. ALEGADAS IRREGULARIDADES PRATICADAS POR DELEGATÁRIA DE SERVENTIA EXTRAJUDICIAL. INSTAURAÇÃO DE PAD PELA CORREGEDORIA LOCAL. POSTERIOR ABSOLVIÇÃO, ANTE A INEXISTÊNCIA DE PRÁTICA DE INFRAÇÃO DISCIPLINAR. APURAÇÃO SATISFATÓRIA NA ORIGEM. RECURSO IMPROVIDO.

1. A decisão impugnada deve ser mantida, não havendo razões fáticas ou jurídicas para sua alteração.

2. Da análise dos documentos acostados aos autos e do inteiro teor do acórdão proferido, observa-se que foram prestados os esclarecimentos necessários sobre a apuração dos fatos na origem, tendo a questão sido adequadamente apreciada - não se mostrando necessária, no momento, a atuação desta Corregedoria Nacional de Justiça.

3. Recurso administrativo a que se nega provimento.

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário Virtual, 26 de agosto de 2022. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura (Relatora), Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0007851-90.2018.2.00.0000
Requerente: AILON MARQUES DE SOUZA RAMOS
Requerido: DÓRIS ARAÚJO CASTRO LARANJEIRA BARBOSA e outros


 

RELATÓRIO 

A EXMA. DRA. MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA (Relatora): 

Trata-se de recurso administrativo interposto por AILON MARQUES DE SOUZA RAMOS contra a decisão de Id. 4085451, que determinou o arquivamento dos autos, por considerar suficientes as informações prestadas pela Corregedoria das Comarcas do Interior do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, no sentido da absolvição da delegatária reclamada, ante a ausência de indícios de prática de infração disciplinar.

Na peça recursal juntada no Id. 4109050, o recorrente pleiteia o chamamento do feito à ordem, uma vez que haveria pronunciamento da Corregedoria local não juntado aos autos, e que referido documento demonstra que teria havido condenação da delegatária requerida à penalidade de suspensão da delegação pelo prazo de 90 dias, com suspensão de suas atividades e designação do substituto legal para responder pela serventia. Afirma, que “a decisão recorrida não leva em conta tal circunstância, o que, se ocorresse, provavelmente levaria a desfecho diverso”.

Alega, ainda, que há outra decisão também não juntada aos autos, onde se verifica que foi determinada a manutenção do bloqueio da matrícula nº 16.943.

Pontua que a decisão recorrida está calcada em pronunciamento do magistrado presidente do PAD na origem, no sentido da absolvição da requerida, mas que essa manifestação não foi acolhida pelo Corregedor das Comarcas do Interior, tendo este se pronunciado e determinado a condenação da delegatária. Afirma que “nesse cenário, é de bom alvitre que o feito seja chamado à ordem, oficiando-se a Corregedoria das Comarcas do Interior para que junte aos autos as decisões acima colacionadas, e, se for o caso, justificando o motivo pelo qual não foram oportunamente juntadas, criando o risco de que essa Corregedoria Nacional seja induzida a erro”.

Outrossim, alega que seria irrelevante o fundamento da decisão recorrida, pautado na novatio legis in mellius, originada pela superveniência da Lei nº 13.838/2019, tendo em vista que, a seu ver, “compete ao CNJ velar pela regularidade da atuação dos serviços extrajudiciais, independentemente da eventual responsabilização dos servidores”, já que “o que se tutela é a regularidade do serviço, em última instância”. No ponto, acrescenta que “uma vez que se chegue à conclusão de atuação dolosa da delegatária, a impossibilidade de que seja punida por isso não demite o órgão de controle externo de atuar sobre os efeitos dessa atuação, se for o caso mediante o cancelamento da matrícula do imóvel”.

Pondera, ademais, que não seriam aplicáveis os §§ 3º e 4º do artigo 176 da Lei nº 6.015/73 ao caso concreto, na medida em que tais dispositivos “cuidam de desmembramento, parcelamento ou remembramento e no caso ora em análise ocorreu alteração substancial das características do registro anterior sem a devida observância do procedimento do art. 213 que cuida de retificação”.

Além do mais, sustenta que “a própria decisão recorrida, baseada em pronunciamento da Corregedoria local, dá conta de que houve um acréscimo de cerca de 20% da área, o que se não pode, por si só, ensejar a responsabilização da delegatária, e poder ser objeto de retificação, não pode ser descartada como indício de fraude, como parece ter acontecido”.

Conclui sua peça com os pedidos de reconsideração da decisão de Id. 4085451, que determinou o arquivamento dos autos, ou, alternativamente, sendo negado o juízo de retratação, que se “submeta o presente recurso ao Plenário desse Conselho, para que ao final seja provido, fazendo com que o presente expediente tramite nos seus ulteriores termos, até final procedência”.

No Id. 4766924 aportou petição subscrita por BRÁULIO SANTANA FILHO, onde alega ser proprietário da Fazenda Angico, de matrícula 16.943, e pleiteia o desbloqueio do registro deste imóvel, com a expedição de ofício ao Cartório de Registro de Imóveis e Hipotecas da Comarca de Santa Maria da Vitória/BA, com essa finalidade.  

É, no essencial, o relatório.

A17/Z05

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0007851-90.2018.2.00.0000
Requerente: AILON MARQUES DE SOUZA RAMOS
Requerido: DÓRIS ARAÚJO CASTRO LARANJEIRA BARBOSA e outros

 

VOTO  

A EXMA. SRA. MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA (Relatora): 

A decisão impugnada deve ser mantida, não havendo razões fáticas ou jurídicas para sua alteração.

O pedido vertido na inicial deste feito consubstancia-se em requerimento para que haja o bloqueio da matrícula nº 16.943, bem como o cancelamento da averbação do georreferenciamento realizado na matrícula nº 11.889, ambas registradas no Cartório de Registro de Imóveis e Hipotecas da Comarca de Santa Maria da Vitória/BA, cuja titularidade da delegação é de responsabilidade da Sra. DÓRIS ARAÚJO CASTRO LARANJEIRA BARBOSA.

O pleito decorre da alegação de que ao se realizar o procedimento de georreferenciamento do imóvel Fazenda Angico (atual matrícula nº 16.943), de propriedade de NORBERTO SPEZAMIGLIO, parte da área de terras da Fazenda São Braz, possuída pelo ora recorrente, foi sobreposta, sendo alterada a área da Fazenda Angico, de 1.002.102,2 para 1.203.746,4 hectares, mediante várias irregularidades existentes no georreferenciamento, que foram desconsideradas pela delegatária ao averbar o procedimento nos fólios registrais da serventia.

O imóvel Fazenda Angico era registrado na matrícula 11.889, mas com o procedimento de georreferenciamento realizado, e averbado, deu origem à matrícula 16.943, com o encerramento da matrícula anterior.  

Em razão do alegado pelo requerente em sua inicial, foram solicitadas informações à Corregedoria local, que as prestou no Id. 3513217, oportunidade em que o Corregedor das Comarcas do Interior à época, Desembargador SALOMÃO PINTO RESEDÁ, determinou o bloqueio cautelar da matrícula nº 16.943, e a instauração de processo administrativo disciplinar (PAD) contra a delegatária.

A presidência do PAD, instaurado por intermédio da Portaria nº CCI-723/2018-GSEC, foi delegada ao Juiz Corregedor Permanente da Comarca de Santa Maria da Vitória/BA, Dr. WILLIAM BOSSANELI ARAÚJO.

Posteriormente, sobreveio a estes autos o documento de Id. 4070441, encaminhado pela Corregedoria local, onde se colhe a informação de que “ao término da instrução, o Juiz responsável pela condução dos trabalhos concluiu pela inexistência de responsabilidade por parte da delegatária processada”. (Id. 4070441, fl. 2) No mesmo documento, a Juíza Assessora da Corregedoria das Comarcas do Interior, Dra. LIZ REZENDE DE ANDRADE, exarou parecer no qual concordou integralmente com o relatório do magistrado presidente da comissão processante, no sentido da absolvição da acusada, tendo em vista a ausência de elementos para se atribuir qualquer responsabilidade à delegatária, tendo determinado a submissão da sua manifestação à consideração do Corregedor das Comarcas do Interior, à época, o Desembargador OSVALDO DE ALMEIDA BOMFIM. (Id. 4070441, fls. 1/12) Ainda no mesmo documento, observa-se que o Corregedor não decidiu o PAD de forma imediata, tendo formulado requerimento de dilação de prazo à Corregedoria Nacional de Justiça, para poder tomar sua decisão, tendo em conta a complexidade da matéria exposta. (Id. 4070441, fl. 12)

Embasado no documento de Id. 4070441, que continha apenas os pareceres de dois juízes do Órgão Censor local, opinando pela absolvição da requerida, mas que ainda não contava com decisão definitiva do Corregedor local, o Corregedor Nacional de Justiça à época, o eminente Ministro HUMBERTO MARTINS, proferiu decisão no Id. 4085451, onde deliberou pelo arquivamento deste feito, por considerar como suficientes as razões trazidas pela Corregedoria das Comarcas do Interior do Estado da Bahia, que opinavam pela absolvição da requerida por ausência de indícios de prática de infração disciplinar.

E é contra essa decisão de arquivamento que se insurge o recorrente, alegando que a decisão recorrida, quando foi proferida, fundou-se apenas no documento de Id. 4070441, que continha somente dois pareceres subscritos por magistrados vinculados à Corregedoria local, sem aprovação ou anuência do Corregedor quanto a tais opinativos, não sendo plausível entender como suficientes as informações prestadas, se nem ao menos eram conclusivas.

Além disso, alega que a decisão recorrida está embasada em premissa fática falsa, na medida em que, inobstante não estar juntada nestes autos na época em que foi prolatada a decisão da Corregedoria Nacional, na origem, o PAD já contava com decisão definitiva, exarada pelo Corregedor das Comarcas do Interior do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, e em sentido diametralmente oposto aos pareceres que respaldaram a decisão ora recorrida, condenando a delegatária reclamada, com a imposição da sanção disciplinar da suspensão da delegação pelo prazo de 90 dias. Assim, a seu ver, a decisão monocrática recorrida teria sido proferida com base em informações incompletas, que não condiziam com a realidade do caso, razão pela qual necessitaria ser modificada.  

Todavia, da análise dos autos, constata-se que a decisão monocrática proferida no âmbito da Corregedoria Nacional de Justiça, ora recorrida, não deve ser alterada, vez que a premissa fática inicial, pautada na absolvição da acusada, em que pese modificada por decisão do Corregedor, que condenou a delegatária, foi em seguida restabelecida, por intermédio de acórdão proferido pelo Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, que deu provimento ao recurso interposto pela delegatária, absolvendo-a. E os fundamentos utilizados pelo Conselho da Magistratura foram exatamente os mesmos que foram expostos nos pareceres dos dois magistrados da Corregedoria local, que pugnavam pela absolvição da requerida.

De fato, em que pese ter havido condenação da delegatária reclamada pelo Corregedor das Comarcas do Interior do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (Id. 4272039, fl. 21), observa-se que houve interposição de recurso administrativo para o Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, o qual, à unanimidade, deu provimento ao recurso interposto, para reformar a decisão do Corregedor, absolvendo a requerida, julgando improcedente a pretensão punitiva e arquivando o PAD, haja vista ter entendido pela não ocorrência da prática de infração disciplinar pela delegatária questionada. (Id. 4767262). Veja-se, a esse propósito, excertos do voto condutor do acórdão que absolveu a requerida:

O procedimento de georreferenciamento consiste na obrigatoriedade da descrição do imóvel rural, em seus limites, características e confrontações, através de memorial descritivo firmado por profissional habilitado, com a devida ART. "contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA" (art. 176, §3°, LRP).

O pedido de retificação administrativa de área encontra fundamento nos arts. 212, 213, II e §1° e 225, caput, e §3°, todos da Lei n° 6.015/73.

A partir da Lei n°. 10.267/2001, o georreferenciamento se tornou obrigatório para os imóveis rurais. O procedimento consiste no mapeamento de um imóvel rural por meio de coordenadas e vértices definidores dos limites dos imóveis rurais pelo Sistema Geodésico Brasileiro, com precisão posicional fixada (técnica topográfica para dar suporte ao cadastro de imóveis rurais com maior precisão), conforme art. 176, § 4o da Lei n° 6.015/73. Vale dizer, passou a ser o recadastramento compulsório de área rural, objetivando conferir, sobretudo, segurança jurídica para os registros imobiliários brasileiros, principalmente em relação a melhor delimitação do imóvel, qualificação dos proprietários e da continuidade registral.

O procedimento de georreferenciamento funciona, em síntese, da seguinte forma:

Todo o serviço de campo realizado pelo técnico responsável servirá para alimentar o sistema do INCRA. Este, por sua vez, certificará que a área objeto do memorial descritivo não se sobrepõe a nenhuma outra constante de seu cadastro georreferenciado, equivalendo a uma homologação.

Pois bem. O INCRA atua como um órgão que "chancela" o procedimento. Munido, então, da documentação emitida pelo INCRA, o proprietário se dirige ao Cartório de Registro de Imóveis para registrar a operação, que se dará com abertura de uma nova matrícula e o encerramento da matrícula anterior.

O registro da área georreferenciada no Cartório de Registro de Imóveis se faz necessário, vez que a certificação do memorial pelo INCRA não implicará em reconhecimento de domínio, nem a exatidão dos limites e confrontações indicados pelo proprietário.

É aqui, portanto, que se inicia a relevância do serviço do Cartório de Registro de Imóveis no procedimento.

Vejamos o que diz o art. 90, do Decreto n° 4.449/2002:

Art. 9°. A identificação do imóvel rural, na forma do §3° do art. 176 e do 30 do art. 225 da Lei n° 6.015, de 1973, será obtida a partir de memorial descritivo elaborado, executado e assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica — ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites rurais, georreferenciadas ao sistema Geodésico Brasileiro, e com precisão posicional a ser estabelecida em ato normativo, inclusive em manual técnico, expedido pelo INCRA.

§1° - Caberá ao INCRA certificar que a poligonal objeto do memorial descritivo não se sobrepõe a nenhuma outra constante de seu cadastro georreferenciado e que o memorial atende as exigências técnicas, conforme ato normativo próprio. §2° - A certificação do memorial descritivo do INCRA não implicará reconhecimento do domínio ou a exatidão dos limites e confrontações indicados pelo proprietário.

§3° - Para fins e efeitos do §2º do art. 225 da Lei 6.015, de 1973, a primeira apresentação do memorial descritivo segundo os ditames do §3° do art. 176 e do §3° do art. 225 da mesma Lei, e nos termos deste Decreto, respeitados os direitos de terceiros confrontantes, não caracterizará irregularidade impeditiva de novo registro desde que o presente requisito do §13 do art. 213 da Lei 6.015, de 1973, devendo, no entanto, os subsequentes estar rigorosamente de acordo com o referido §2°, sob pena de incorrer em irregularidade sempre que a caracterização do imóvel não for coincidente com a constante do primeiro registro de alterações expressamente previstas em lei.

§4° - Visando a finalidade do §3°, e desde que mantidos os direitos de terceiros confrontantes, não serão opostas ao memorial georreferenciado as discrepâncias de área constantes da matrícula do imóvel.

§5° - O memorial descritivo, que de qualquer modo possa alterar o registro, resultará numa nova matrícula com encerramento da matrícula anterior no serviço de registro de imóveis competente, mediante requerimento do interessado, contendo declaração firmada sob pena de responsabilidade civil e criminal, com firma reconhecida, de que foram respeitados os direitos dos confrontantes, acompanhado da certificação prevista no §1° deste artigo, do CCIR e da prova de quitação do ITR dos últimos cinco exercícios, quando for o caso.

§6° - A documentação prevista no §5° deverá ser acompanhada de declaração expressa dos confinantes de que os limites divisórios foram respeitados, com suas respectivas firmas reconhecidas.

Feitos tais esclarecimentos, vê-se da documentação apresentada à delegatária e constante dos autos, sobretudo através do Memorial descritivo gerado pelo Sistema de Gestão Fundiária (SIGEF), que o imóvel Fazenda Angico, de propriedade de Norberto Spezamiglio, tem os seguintes confrontantes: 1) Miguel José de França; 2) Mario José dos Santos; 3) Valdeilton Guimarães da Silva; 4) Maria Rocha dos Santos; 5) Josiene Januária da Silva; 6) Fazenda JÁ de Raimundo dos Santos; 7) Reseli Milchert; 8) Rio Angico e; 9) Estrada Municipal.

Verifica-se, também, que desses 09 (nove) confrontantes, apenas 06 (seis) apresentaram declaração de que não existia discordância ou disputa sobre os limites comuns existentes entre os imóveis em questão. Ausentes as declarações de reconhecimento de limites de Reseli Milchert, do Rio Angico e da Estrada Municipal.

Destaca-se, porque relevante, que dois desses confrontantes com ausência de reconhecimento são o Rio Angico (não navegável) e a Estrada Municipal. Ambos não foram atingidos pelo georreferenciamento, permanecendo com seus limites inalterados. Vale dizer, embora não tenham sido notificados, seus limites foram respeitados. Não havendo que se falar em irregularidade.

Quanto à confrontante Reseli Milchert, consta dos autos que "a base fixa do levantamento ficou na propriedade vizinha, de uma senhora chamada Roseli, que o perímetro por onde foi feita a medição estava demarcada fisicamente no terreno por picadas e cercas". Ou seja, uma das bases fixas para o procedimento de georreferenciamento ficou exatamente na divisa das propriedades. Por outro lado, não se tem notícia de insurgências desta confrontante no procedimento realizado, o que, por si só, induz concordância e falta de prejuízo.

Com efeito, não sobreveio qualquer manifestação a indicar que a conduta da delegatária recorrente ensejou prejuízo àquela confrontante, nem mesmo após o pedido de providências junto ao CNJ.

Por outro lado, é induvidoso que a análise do título em questão não é tão simples.

No que diz respeito à apuração da responsabilidade funcional da titular do cartório em referência, de fato, foi possível constatar que a registradora deixou de observar a falta de anuência de três confrontantes no procedimento de georreferenciamento.

Todavia, tal exigência passou a ser dispensada pela Lei n° 13.838/2019, que alterou a LRP, bastando, a partir daí, a declaração do requerente que respeitou os limites das confrontações. Tal alteração pôs fim ao impasse em relação à apresentação da declaração dos confrontantes.

Vejamos a nova redação do art. 176 da Lei n°6.015, de 1973 (LRP):

"Art. 176 (..)

§13 — Para a identificação de que tratam os §§ 3° e 40 deste artigo, é dispensada a anuência dos confrontantes, bastando para tanto a declaração do requerente de que respeitou os limites e as confrontações". (nosso grifo)

Ademais, o presente PAD para apuração de responsabilidade da delegatária reveste-se de caráter sancionatório. Portanto, a aplicação retroativa da norma se impõe, na medida em que para beneficiar a processada.

Isto porque, dado o caráter inequivocamente sancionador do direito administrativo disciplinar, os princípios constitucionais e do direito penal devem ser aplicados, no caso, o da retroatividade da lei mais favorável.

No particular, assim prevê a CF/88 em artigo 5°, inciso XL:

Art. 5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

...

XL— a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;

A Carta Magna proclama, assim, a retroatividade de qualquer situação jurídica que, adjudicada por norma sancionadora mais recente, se revele mais benéfica ao administrado, sendo que, quanto ao contrário (norma mais severa), observa-se a vedação da retroatividade.

Ratificando tal posicionamento, a Jurisprudência assim se destaca, conforme julgados a seguir transcritos, in verbis:

(...)

Assim, como a lei posterior passou a não exigir a anuência dos confrontantes para averbação do georreferenciamento, não há como punir a recorrente, ante a interpretação mais favorável da lei, relativamente à ausência da anuência de alguns dos confrontantes nesta espécie.

Acrescente-se que, considerando que a descrição do imóvel rural deve ser obtida a partir do memorial descritivo elaborado, executado e assinado por profissional habilitado e com a devida anotação de responsabilidade técnica (ART), consoante preceitua o art. 90 do Decreto n° 4.449, de 2002, depreende-se que a referida documentação técnica foi apresentada à delegatária processada.

Constata-se, ainda, que o procedimento de georreferenciamento foi submetido ao INCRA, a quem caberia certificar que as coordenadas geográficas da área medida se sobrepõem a outras já registradas no aludido instituto.

Nesse ponto, verifica-se do documento expedido pelo INCRA a certificação de que o georreferenciamento realizado não detectou nenhuma sobreposição de área já registrada.

Complementando, a certificação ingressou no Cartório de Registro de Imóveis e foi submetida ao procedimento de retificação (art. 213, II, da Lei n° 6.015/73).

No caso, a atuação da delegatária processada resumiu-se a exigir a documentação prevista em Lei, quais sejam: ART; planta; memorial descritivo assinado por profissional habilitado, com prova de anotação no CREA e anuência dos confrontantes.

E se isso não bastasse, é muito comum que o procedimento de georreferenciamento altere a área do polígono analisado, porquanto, à época da realização da maioria dos registros rurais, não se tinham recursos e equipamentos eficazes a medir com precisão toda a extensão da área. Aliás, o procedimento serve justamente para adequar a realidade fática à jurídica.

Na situação aqui posta, a matrícula n° 11.889 continha área de 1.002.102,2 ha e com o procedimento retificatório, passou a medida efetiva de 1.203.746,4 ha. O aumento de área, por si só, não pode embasar aplicação de penalidade à delegatária processada. Eventual discussão entre particulares acerca do aumento de área entende-se deva ser discutida na esfera judicial. Repise-se que o presente processo tem como fundamento a apuração de eventual irregularidade cometida pela delegatária processada, no procedimento que se deu perante a serventia sob o seu comando, e, portanto, no que diz respeito à atuação da registradora no procedimento da averbação do georreferenciamento, considerando as provas carreadas aos autos, conclui-se que a mesma agiu em conformidade com o que, à época, poderia lhe ser exigido.

Como já bem colocado no pronunciamento de fls. 401, da MM. Juíza Assessora da Corregedoria das Comarcas do Interior: "no que diz respeito à regularidade da averbação do georreferenciamento, considerados os documentos apresentados na serventia, por profissional habilitado junto ao INCRA, sem adentrar nas técnicas de agrimensura, o que extrapolaria a competência desta Corregedoria, constatou-se que a delegatária observou o georreferenciamento que, de fato, era correlato com a área identificada no memorial descritivo, inexistindo dado objetivo na documentação que configurasse aberração e impossibilitasse o procedimento."

Diante das razões esposadas, considerando os elementos de convicção carreados aos autos, voto pelo PROVIMENTO do recurso, para que seja reformada a decisão vergastada de fls. 420/428, da lavra do Exm° Des. Corregedor das Comarcas do Interior, julgando-se improcedente a pretensão punitiva e arquivando-se, por conseguinte, os autos, com fulcro nos dispositivos legais aqui invocados.

Assim, como os fundamentos utilizados na decisão recorrida, que concluiu pela suficiência das explicações trazidas pela Corregedoria local, foram baseados em pareceres de dois juízes daquele Órgão opinando pela absolvição da recorrida, e este juízo valorativo permaneceu incólume ao final do PAD, com o acórdão absolutório proferido pelo Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, não se observa qualquer motivo para alteração do decisum impugnado. A condenação proferida pelo Corregedor das Comarcas do Interior não tem o condão de modificar a decisão impugnada, visto que não permaneceu no mundo jurídico, tendo sido substituída pelo acórdão absolutório prolatado pelo Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia.

Destarte, nota-se que a base fática que embasou a decisão recorrida, em que pese ter sido alterada em curto lapso temporal, foi em seguida restaurada, não havendo falar que o decisum estaria respaldado em premissa equivocada, e não sendo, portanto, necessária sua modificação.  

Desse modo, da análise dos documentos acostados aos autos e do inteiro teor do acórdão proferido, observa-se que foram prestados os esclarecimentos necessários sobre a apuração dos fatos na origem assim como que a questão foi adequadamente apreciada - não se mostrando necessária, no momento, a atuação desta Corregedoria Nacional de Justiça.

Outrossim, quanto aos pontos da peça processual do recorrente em que se insurge contra os fundamentos adotados para a absolvição da requerida (que foram comuns aos pareceres e ao acórdão do Conselho da Magistratura), importa consignar que o CNJ não é instância recursal nem órgão de revisão das decisões proferidas em sede de processo administrativo disciplinar instaurado contra delegatário. De fato, “a jurisprudência deste Conselho é firme no sentido de não competir ao CNJ a análise de processos administrativos disciplinares deflagrados em face de delegatário de serviço notarial, tampouco a revisão da penalidade que lhe seja imposta”. (CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0007374-62.2021.2.00.0000 - Rel. MAURO PEREIRA MARTINS - 106ª Sessão Virtual - julgado em 27/05/2022)

No mais, como não se verificou a prática de infração disciplinar pela delegatária reclamada, sem indícios de quaisquer condutas dolosas ou fraudulentas de sua parte, não se mostra cabível a ingerência da Corregedoria Nacional de Justiça em determinar o bloqueio da matrícula 16.943, ou mesmo o cancelamento da averbação procedida na matrícula 11.889, ambos registrados perante o Cartório de Registro de Imóveis e Hipotecas da Comarca de Santa Maria da Vitória/BA.

Além disso, cabe salientar que eventuais discordâncias do recorrente incidentes sobre posse de áreas de terra ou mesmo propriedade, podem ser suscitadas, em tempo e modo adequados, por intermédio de instrumento jurídico próprio, e na seara correta, não sendo apropriado a utilização da via correcional com essa finalidade.

Por fim, nada há a prover quanto ao pleito constante no Id. 4766924, formulado por BRÁULIO SANTANA FILHO, a uma porque o peticionário não é parte da corrente relação processual, e a duas porquanto eventuais insurgências contra o bloqueio do imóvel de matrícula 16.943, caso exista, deve ser requerida perante o órgão administrativo que ordenou o ato, e não perante o CNJ, que não prolatou qualquer ordem neste sentido.  

Ante o exposto, nego provimento ao recurso administrativo.

É como voto.