Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0003099-36.2022.2.00.0000
Requerente: FRANCISCO JOSÉ DE MIRANDA PINTO
Requerido: MANOEL ROLIM CAMPBELL PENNA e outros



EMENTA
 

RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. MATÉRIA DE NATUREZA ESTRITAMENTE JURISDICIONAL. FATOS QUE NÃO CONSTITUEM INFRAÇÃO DISCIPLINAR. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. RECURSO NÃO PROVIDO.

1. Não há nos autos indícios que demonstrem a prática de qualquer infração disciplinar ou falta funcional que pudessem ensejar a instauração de processo administrativo disciplinar.

2. Os argumentos desenvolvidos pelo reclamante demonstram insatisfação com o conteúdo de decisão proferida nos autos judiciais.

3. O Conselho Nacional de Justiça possui competência adstrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não podendo intervir em decisão judicial com o intuito de reformá-la ou invalidá-la. A revisão de ato judicial não se enquadra no âmbito das atribuições do CNJ, nos termos do art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal.

4. A demonstração de justa causa é requisito essencial para o prosseguimento de apuração disciplinar conforme reiterada jurisprudência do Conselho Nacional de Justiça. 

5. Recurso administrativo a que se nega provimento.

 


 

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário Virtual, 12 de agosto de 2022. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura (Relatora), Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0003099-36.2022.2.00.0000
Requerente: FRANCISCO JOSÉ DE MIRANDA PINTO
Requerido: MANOEL ROLIM CAMPBELL PENNA e outros

 

RELATÓRIO  

A EXMA. SRA. MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA:  

Trata-se de recurso administrativo interposto por FRANCISCO JOSÉ DE MIRANDA PINTO contra a decisão que determinou o arquivamento da presente Reclamação Disciplinar formulada em desfavor do Juiz Federal MANOEL ROLIM CAMPBELL PENNA, da 6ª Vara Federal de Execução Fiscal do Rio de Janeiro/RJ, do Desembargador JOSÉ FERREIRA NEVES NETO, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, da Procuradora da Fazenda Nacional PATRÍCIA POYARES FRANÇA e do TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO.

Na peça inicial, alegou-se, em síntese, que o reclamado Manoel teria determinado a penhora online de R$ 66.534,73, nos autos da Execução Fiscal nº 0119112-37.2013.4.02.510 e, apesar de informado por petição sobre o pagamento da dívida, não teria reconsiderado a penhora dos valores.

Por sua vez, a reclamada Patrícia teria violado seus deveres funcionais ao não ter se manifestado sobre a petição apresentada pelo ora requerente, que explicitava o pagamento da dívida tributária.

Alegou que o desembargador reclamado teria violado seus deveres funcionais ao conceder liminar nos autos do Agravo de Instrumento nº 5011611-32.2021.4.02.0000, em favor da Fazenda Nacional. Acrescenta que a Justiça Federal sempre decide a favor da União, consoante diversas experiências narradas pelo requerente.

Ao final requereu a apuração dos fatos narrados, a instauração de processo administrativo em desfavor dos reclamados para aplicação da penalidade cabível e:

[…] 2. Que este CNJ atue junto à 2ª Instância da Justiça Federal para que seus Desembargadores Federais deixem de ser meros representantes dos órgãos da União e passem a ser verdadeiros juízes, decidindo com imparcialidade e cumprindo sua função social; 3. Que, com base no inciso I do art.145 do CPC, o Desembargador Federal Ferreira Neves seja considerado suspeito para decidir o Agravo de Instrumento nº 5011611- 32.2021.4.02.0000/RJ - já que ele após a leitura desta reclamação passará a ser inimigo do reclamante - sendo ele substituído por outro Desembargador Federal que assumirá a função de “mamãe Segunda Instância” e julgará este agravo em favor da União.

Foi determinado o arquivamento do presente expediente, com fundamento no art. 8º, I, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça (ID 4720368).

Inconformado, o reclamante interpôs recurso administrativo contra a decisão de arquivamento, requerendo a sua reconsideração. Nas razões recursais, o recorrente reforça as alegações expostas na peça inicial, e acrescenta que “há mais de um ano está sendo retido em depósito judicial o valor de R$ 66.534,73, sem justificativa razoável, já que o reclamante comprovou a quitação de suas dívidas com a União” (ID 4740310). 

Intimados (ID 4740206), os reclamados José Ferreira Neves Neto e Patrícia Poyares França apresentaram suas respectivas contrarrazões (IDs 4751013 e 4753680).

É o relatório. 

Z12


 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0003099-36.2022.2.00.0000
Requerente: FRANCISCO JOSÉ DE MIRANDA PINTO
Requerido: MANOEL ROLIM CAMPBELL PENNA e outros


 

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA: 

O recurso administrativo não merece provimento.

De início, cumpre registrar que a presente Reclamação Disciplinar foi originalmente formulada em desfavor de membros do Poder Judiciário e, também, da Procuradora da Fazenda Nacional Patrícia Poyares França.

Foi determinado o arquivamento do presente expediente, destacando-se, quanto à suposta prática de falta funcional imputada à Procuradora da Fazenda Nacional, que, nos termos do art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal, compete ao Conselho Nacional de Justiça o “controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura" (ID 4720368, p.2).

No que diz respeito ao arquivamento do feito em razão da inadequação da via eleita para reclamação contra membro da Procuradoria da Fazenda Nacional, não houve recurso administrativo.

O recorrente se insurge, tão somente, contra os fundamentos da decisão de arquivamento no que concerne aos fatos imputados ao Juiz Federal Manoel Rolim Campbell Penna e ao Desembargador José Ferreira Neves Neto. Assim, por meio do presente Recurso Administrativo, reforça as teses expostas na inicial, afirmando que:

[...] Por mais que este CNJ entenda que não é o caso de sanções disciplinares, a aceitação da presente reclamação e a instauração do competente processo administrativo com a notificação dos envolvidos para as respectivas defesas, certamente os fará refletir sobre as afirmações do requerente quanto à parcialidade das decisões e poderá beneficiar futuras partes envolvidas – o contribuinte, cidadão comum e os próprios advogados - em processos judiciais contra órgãos governamentais. Desta forma, este processo administrativo poderá gerar ganhos na qualidade em especial das decisões de 2º grau, se aproximando cada vez mais de uma justiça verdadeira com decisões imparciais e cumprindo a função social a que se obrigam os juízes.

No entanto, em que pese o seu inconformismo, razão não assiste ao recorrente.

Isso, porque a irresignação constante da peça inicial – e reforçada nas razões recursais –  refere-se a exame de matéria estritamente jurisdicional.

Soma-se aos fundamentos da decisão que determinou o arquivamento do feito, os esclarecimentos prestados Desembargador Federal José Ferreira Neves Neto em sede de contrarrazões. A propósito (ID 4751013):

[...] Ressalte-se, à evidência, que o reclamante apresenta mera irresignação e descontentamento com a decisão proferida por este Desembargador nos autos do Agravo de Instrumento de n. 5011611-32.2021.4.02.0000/RJ. Limita-se a alegações genéricas e infundadas. Não há em sua peça inicial e nem no recurso administrativo apresentado pelo reclamante nenhum, absolutamente nenhum, apontamento de ato ou fato praticado por este Desembargador Federal que possa ser interpretado como falta funcional, ou descumprimento dos deveres do magistrado (LOMAN, art. 35), como ventilado pelo reclamante.

Destaco que o único documento citado, atribuído a minha atuação, é a decisão liminar proferida nos autos do Agravo de Instrumento de n. 5011611-32.2021.4.02.0000/RJ, o qual foi a mim distribuído como relator quando ainda compunha a 4ª Turma Especializada deste Tribunal Regional Federal da 2ª Região [Gabinete 12]. Trata-se de uma decisão judicial, devidamente fundamentada, como aliás, todas as decisões proferidas por este magistrado ao longo dos meus mais de trinta e dois anos de judicatura, seja em Primeiro ou Segundo Grau de Jurisdição, assim como na seara administrativa, nas numerosas vezes que me foi dada a honra de servir à Justiça Federal nos seus diversos Órgãos Administrativos.

A propósito, peço vênia para trazer à colação o inteiro teor da decisão proferida nos autos do Agravo de Instrumento de n. 5011611- 32.2021.4.02.0000/RJ, referida pelo reclamante: (...).

Ressalto, ademais, que o reclamante, embora tenha expressado sua irresignação perante este Conselho Nacional de Justiça, não apresentou o recurso cabível, na forma da legislação processual, contra essa decisão proferida nos autos do Agravo de Instrumento de n. 5011611- 32.2021.4.02.0000/RJ.

Como se vê de todo o processado, trata-se de mera opinião pessoal do reclamante, sem demonstrar nenhum indício que aponte falta funcional ou descumprimento de deveres éticos por parte deste Desembargador Federal.

Destarte, a r. decisão recorrida, que determinou o arquivamento sumário dessa Reclamação Disciplinar, deve ser mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos, uma vez que “é inadmissível a instauração de procedimento disciplinar, quando inexistentes indícios que demonstrem que o magistrado tenha descumprido deveres funcionais ou incorrido em desobediência às normas éticas da magistratura”.

Acerca da alegada suspeição deste Magistrado, para atuar nos autos do Agravo de Instrumento de n. 5011611-32.2021.4.02.0000/RJ, vale lembrar que a questão relacionada a impedimento e/ou suspeição (CPC, art. 144 e 145) é matéria de ordem jurisdicional e deve ser alegada ou, se for o caso, reconhecida pelo magistrado de ofício, nos próprios autos judiciais, na forma do disposto no artigo 146 do CPC: “Art. 146. No prazo de 15 (quinze) dias, a contar do conhecimento do fato, a parte alegará o impedimento ou a suspeição, em petição específica dirigida ao juiz do processo, na qual indicará o fundamento da recusa, podendo instruí-la com documentos em que se fundar a alegação e com rol de testemunhas”.

Por outro lado, de acordo com o que dispõe § 2º, inciso I, do artigo 145 do CPC: “...§ 2º Será ilegítima a alegação de suspeição quando: I - houver sido provocada por quem a alega;...”.

Cumpre informar, por fim, que a decisão judicial referida pelo reclamante no AG. 5011611-32.2021.4.02.0000/RJ, foi por mim proferida na condição de relator do recurso, quando em exercício no Gabinete 12, que compõe a 4ª Turma Especializada. Com o aumento da composição deste Tribunal Regional Federal da 2ª Região, previsto na Lei n. 14.253, de 30 de novembro de 2021, por meio do ATO Nº TRF2-ATP-2022/00130, DE 28 DE MARÇO DE 2022, fui removido, A PEDIDO, da 4ª para a 8ª Turma Especializada, Gabinete 32, criado pela Resolução nº TRF2-RSP2022/00017, de 07 de março de 2022.

Dessa forma, ao contrário do que narra o recorrente, não há indícios de que o magistrado tenha incorrido em falta funcional. 

Não se ignora que, travestido de ato jurisdicional, poderia haver abuso de poder, desvio de finalidade ou busca/proteção de interesses escusos.

Contudo, no caso em presença, não há indícios que sinalizem a prática de alguma dessas condutas indevidas.

Rememore-se que a demonstração de justa causa é requisito essencial para o prosseguimento de apuração disciplinar conforme reiterada jurisprudência do Conselho Nacional de Justiça:

RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. AUSÊNCIA DE CONDUTA ILÍCITA. NÃO DEMONSTRADO ELEMENTO SUBJETIVO DA CONDUTA. ART. 8º, INCISO I, DO REGIMENTO INTERNO DA CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA. 1. Exame de matéria eminentemente jurisdicional. Impossibilidade de análise do acerto ou desacerto das decisões jurídicas pela via correcional. 2. Em âmbito administrativo-disciplinar, é necessário que se leve em conta o caso concreto e o elemento subjetivo da conduta do magistrado para verificação da existência de indícios de desvio de conduta na prática de ato jurisdicional, o que não se verifica neste caso. 3. O art. 8º, inciso I, do Regimento Interno da Corregedoria Nacional de Justiça exige o arquivamento sumário das reclamações que, entre outras, se apresentem manifestamente improcedentes. 4. Não há justa causa ou razoabilidade para instauração de procedimento administrativo disciplinar. 5. Ausência de infringência aos deveres funcionais ou de conduta ilícita da magistrada. Recurso administrativo improvido” (CNJ. Reclamação disciplinar nº 0008092-30.2019.2.00.0000, 62ª Sessão Virtual – Plenário. Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, v.u., j. 27/03/2020). 

Mesmo invocações de error in judicando e error in procedendo não se prestam a desencadear a atividade censória, salvo exceções pontualíssimas das quais se deduza, ictu oculi, infringência aos deveres funcionais pela própria teratologia da decisão judicial ou pelo contexto em que proferida esta, o que também não se verifica na espécie.

Aliás, eventual divergência na interpretação ou aplicação da lei não torna o ato judicial, por si só, teratológico, muito menos justifica a intervenção correcional. A propósito:

RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. MATÉRIA DE NATUREZA JURISDICIONAL. DESVIO DE CONDUTA. INEXISTENTE. ABUSO E TERATOLOGIA DAS DECISÕES JUDICIAIS. INSUFICIENTE. ERROR IN PROCEDENDO. JURISDICIONAL. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. O liame objetivo entre ato jurisdicional e desvio funcional foi traçado tão somente em relação ao conteúdo de decisões judiciais e na subjetiva convicção de que são abusivas e teratológicas. 2. É necessário que se demonstre concretamente o ato abusivo do magistrado, ou seja uma falha de postura do julgador que se coadune a uma das infrações disciplinares tipificadas no Lei Orgânica da Magistratura – LOMAN. 3. As invocações de erro de procedimento (error in procedendo) e erro de julgamento (error in judicando) impedem a atuação correcional, pois carregadas de conteúdo jurisdicional. 4. Recurso não provido (CNJ. Reclamação disciplinar nº 0000784-74.2018.2.00.0000, 275ª Sessão Ordinária – Plenário. Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, v.u., j. 07/08/2018).

Dessa forma, deve ser mantida a decisão monocrática de arquivamento, considerando que não há elementos mínimos que demonstrem que membro do Poder Judiciário tenha descumprido seus deveres funcionais ou as normas éticas da magistratura.   

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso.

É como voto.

 

Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA

Corregedora Nacional de Justiça 

Z12