ACÓRDÃO

O Conselho, por maioria, julgou procedentes os pedidos para determinar ao Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão que observe as disposições constantes da Resolução CNJ 213/2015 e, na hipótese de opção pela não realização das audiências de custódia durante o período de pandemia, do regramento previsto na Recomendação CNJ 62/2020, com as recentes alterações incluídas no seu art. 8-A, nos termos do voto do Conselheiro Mário Guerreiro. Vencidos os Conselheiros André Godinho e Emmanoel Pereira, que julgavam improcedentes os pedidos. Lavrará o acórdão o Conselheiro Mário Guerreiro. Presidiu o julgamento o Ministro Dias Toffoli. Plenário Virtual, 19 de junho de 2020. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Dias Toffoli, Humberto Martins, Emmanoel Pereira, Luiz Fernando Tomasi Keppen, Rubens Canuto, Tânia Regina Silva Reckziegel, Mário Guerreiro, Candice L. Galvão Jobim, Flávia Pessoa, Maria Cristiana Ziouva, Ivana Farina Navarrete Pena, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, André Godinho, Maria Tereza Uille Gomes e Henrique Ávila.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0004060-45.2020.2.00.0000
Requerente: DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO MARANHÃO
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO - TJMA

 

RELATÓRIO

 

Trata-se Pedido de Providências, com pedido liminar, formulado pela DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO MARANHÃO em face do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO - TJMA, pelo qual se insurge contra o possível descumprimento da Recomendação CNJ nº 62/2020.

Informa que a Corte Maranhense tem aplicado a aludida Recomendação para não realizar audiências de custódia, no período de calamidade pública decorrente da Pandemia relacionada à COVID-19. Aduz que a norma, nessa hipótese, recomenda a realização de exames de corpo de delito, na data da ocorrência da prisão, complementado pelo registro fotográfico do rosto e corpo inteiro, a fim de documentar eventuais indícios de tortura ou maus tratos, o que não vem ocorrendo.

Ao final, apresentou os seguintes pedidos:

“a) Liminarmente, que o Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão observe as disposições elencadas na Resolução n° 213/2015 e Recomendação n° 62/2020, ambas do CNJ, notadamente no que tange à realização dos exames de corpo de delito e à disponibilização do respectivo laudo e dos registros fotográficos no auto de prisão em flagrante.

b) Após oitiva do TJ/MA, que seja definitivamente acolhido o pleito, sendo confirmada a liminar em todos os seus termos.”

Intimado a se manifestar, assim o fez o egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, alegando, em suma, que a realização dos exames de corpo de delito cabe “...ao Instituto Médico Legal – IML, órgão vinculado à Superintendência de Polícia Técnico-Científica (SPTC), que, por sua vez, integra a Delegacia Geral de Polícia Civil, todos órgãos subordinados à Secretaria de Estado da Segurança Pública do Estado do Maranhão (...)”.

Argumentou ainda não haver “...liame administrativo ou financeiro com o Tribunal de Justiça do Maranhão, motivo pelo qual esta Corte não pode ser compelida a executar obrigação exclusiva do Poder Executivo estadual.”  Pugnou pela improcedência dos pedidos.

                             É o relatório.

 

VOTO DIVERGENTE  

 

EMENTA: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO. OPÇÃO PELA NÃO REALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA. OBSERVÂNCIA DA RECOMENDAÇÃO CNJ 62/2020. ANÁLISE DO AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE E DO EXAME DE CORPO DE DELITO. COMPLEMENTAÇÃO PELOS REGISTROS FOTOGRÁFICOS DO ROSTO E CORPO INTEIRO DO CUSTODIADO. IMPOSSIBILIDADE DE IMPOSIÇÃO DE OBRIGAÇÕES A ÓRGÃOS EXTERNOS AO PODER JUDICIÁRIO. INVIABILIDADE DA ADOÇÃO DA RECOMENDAÇÃO 62/2020. RETORNO AO REGIME JURÍDICO DA RESOLUÇÃO 213/2015. PEDIDOS JULGADOS PROCEDENTES.

 

Trata-se de pedido de providências (PP), com pedido de liminar, formulado pela Defensoria Pública do Estado do Maranhão em face do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão (TJMA), por meio do qual se insurge contra a inobservância da Recomendação CNJ 62/2020, no que tange à ausência da realização do exame de corpo de delito, complementado pelos registros fotográficos do rosto e corpo inteiro dos custodiados. 

O Conselheiro relator julga improcedentes os pedidos, ao fundamento de que não cabe ao CNJ o controle de atos e omissões de órgãos de outros poderes, assim como não compete ao TJMA a realização dos referidos exames.

 

É o breve relato.

 

Em que pese o judicioso voto proferido pelo relator, entendo que a questão posta já foi devidamente enfrentada pelo Plenário do CNJ, quando da ratificação da liminar por mim deferida nos autos do PP 0003065-32.2020.2.00.0000.

No aludido julgado, assentou-se que, embora os tribunais não estejam compelidos a seguir a Recomendação CNJ 62/2020, deixando de realizar, assim, as audiências de custódia, tem-se que, na hipótese de aderirem às orientações constantes da referida recomendação, não poderão fazê-lo parcialmente, sendo obrigados a adotar as medidas mitigadoras da não realização da audiência de custódia, previstas pelo normativo, sob pena de grave violação de direitos fundamentais assegurados por resolução deste Conselho (213/2015) e, mais recentemente, pelo Código de Processo Penal.

Na hipótese dos autos, verifica-se que o TJMA tem optado pela não realização das audiências de custódia, devendo observar, por consequência, as diretrizes fixadas pela Recomendação CNJ 62/2020, de modo a proceder ao controle das prisões efetuadas mediante a análise do auto de prisão em flagrante, que deve contemplar o exame de corpo de delito, complementado pelos registros fotográficos do rosto e corpo inteiro dos custodiados (art. 8º).

Ademais, sobreleva ressaltar que tal compreensão levou, inclusive, o Plenário do CNJ a alterar a Recomendação CNJ 62/2020, para que, no caso de não realização das audiências de custódia, os tribunais  adotem  medidas voltadas justamente à fiscalização da regularidade do ato, notadamente quanto à realização prévia de exame de corpo de delito ou exame de saúde e à juntada aos autos do respectivo laudo, bem como do registro fotográfico (grifei):

 

 

Ato Normativo 0004488-27.2020.2.00.0000,

julgamento realizado na 23ª Sessão Virtual Extraordinária.

 

“Art. 1º A Recomendação CNJ nº 62, de 17 de março de 2020, passa a vigorar acrescida do seguinte dispositivo:

 

Art. 8-A. Na hipótese de o Tribunal optar pela suspensão excepcional e temporária das audiências de custódia, nos termos do artigo anterior, deverá adotar o procedimento previsto na presente Recomendação.

 

§1º Sem prejuízo das disposições do artigo anterior, o ato do Tribunal que determinar a suspensão das audiências de custódia durante o período de restrições sanitárias decorrentes da pandemia de Covid-19 deverá contemplar as seguintes diretrizes:

I – [...]

V – fiscalização da regularidade do procedimento, especialmente quanto à realização prévia de exame de corpo de delito ou exame de saúde e à juntada aos autos do respectivo laudo ou relatório, bem como do registro fotográfico das lesões e de identificação da pessoa, resguardados a intimidade e o sigilo, nos termos das diretrizes previstas na Recomendação CNJ nº 49, de 1º de abril de 2014; [...]”

 

Sendo assim, conquanto sejam louváveis as ações empregadas pela Corte Maranhense, não há como escapar do caráter cogente da Resolução CNJ 213/2015 e, no caso de o tribunal optar pela não realização da audiência de custódia, das diretrizes delineadas pela Recomendação CNJ 62/2020.

Por fim, destaco que se o Tribunal de Justiça do Maranhão não consegue realizar os exames de corpo de delito e os registros fotográficos diretamente por seus próprios meios, nem diligenciar a realização desses atos por outras instituições ligadas ao Poder Executivo, torna-se inviável a suspensão das audiências de custódia na forma da Recomendação 62/2020 do CNJ, devendo aquela Corte voltar a realizar tais audiências no formato previsto pela Resolução 213/2015, na linha da recente decisão deste Conselho citada acima.

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES OS PEDIDOS para determinar ao Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão que observe as disposições constantes da Resolução CNJ 213/2015 e, na hipótese de opção pela não realização das audiências de custódia durante o período de pandemia, do regramento previsto na Recomendação CNJ 62/2020, com as recentes alterações incluídas no seu art. 8-A.

É como voto.

  

Conselheiro MÁRIO GUERREIRO

 


Conselho Nacional de Justiça

 

Autos:

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0004060-45.2020.2.00.0000

Requerente:

DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO MARANHÃO

Requerido:

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO - TJMA

 

 

VOTO DIVERGENTE

 

Trata-se de pedido de providências em que a Defensoria Pública do Estado do Maranhão relata que o Tribunal do mesmo Estado optou por não realizar as audiências de custódia no período de calamidade pública decorrente da Pandemia de COVID-19, e adotar o procedimento autorizado pelo artigo 8º da Recomendação n. 62/2020.

Contudo, sustenta que os exames de corpo de delito não têm sido realizados, nem disponibilizados os respectivos laudos e registros fotográficos do auto de prisão em flagrante, conforme determinado pela norma.

O Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, por sua vez, esclareceu que o Instituto Médico Legal – IML, órgão vinculado à Superintendência de Polícia Técnico-Científica (SPTC), que integra a Delegacia Geral de Polícia Civil, e subordinado à Secretaria de Estado da Segurança Pública do Estado do Maranhão, não tem realizado os exames de corpo de delito por insuficiência de pessoal.

O douto relator, Conselheiro André Godinho, julgou improcedente o pedido, porquanto a obrigação de realização dos exames compete a órgão integrante de outro Poder.

Contudo, o Conselheiro Mário Guerreiro proferiu voto divergente, relembrando que no PP 0003065-32.2020.2.00.0000 decidiu-se que: “embora os tribunais não estejam compelidos a seguir a Recomendação CNJ 62/2020, deixando de realizar, assim, as audiências de custódia, tem-se que, na hipótese de aderirem às orientações constantes da referida recomendação, não poderão fazê-lo parcialmente, sendo obrigados a adotar as medidas mitigadoras da não realização da audiência de custódia, previstas pelo normativo, sob pena de grave violação de direitos fundamentais assegurados por resolução deste Conselho (213/2015) e, mais recentemente, pelo Código de Processo Penal.”

Por sua vez, a Presidência também lançou voto divergente, igualmente sustentando que a Recomendação CNJ 62/2020 não pode ser adotada parcialmente, naquilo que for conveniente ao Tribunal, ressaltando que o Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão deve realizar as audiências de custódia de acordo com o art. 310 do Código de Processo Penal e a Resolução CNJ 213/2015, nos termos das Resoluções CNJ 313/2020, 314/2020, 318/2020 e 322/2020. 

Entendo haver complementação nos votos divergentes, pois o voto do Eminente Cons. Mário Guerreiro conclui que o Tribunal de Justiça do Maranhão deve retomar a realização das audiências de custódia em conformidade com a legislação de regência e o voto do Exmo. Presidente determina que as audiências de custódia sejam realizadas de acordo com a Resolução CNJ 213/2015, mas nos termos das Resoluções CNJ 313/2020, 314/2020, 318/2020 e 322/2020. 

Concordo com essa interpretação, visto que no voto parcialmente convergente que proferi no processo ATO 4488-27, em que se prorrogou a vigência da Recomendação n. 62/2020 e acrescentou-se o artigo 8-A, também me referi às resoluções acima citadas, para justificar a possibilidade de realização de audiências de custódia virtuais no período da pandemia. Transcrevo o voto, na parte que interessa:

 

“Em termos ideias, reafirmo meu entendimento no sentido que o melhor seria a realização da audiência de custódia sempre mediante a presença física do magistrado e do preso.

Essa tem sido, inclusive, a posição jurisprudencial mantida pelo CNJ desde o início da edição da Resolução CNJ n. 213/2015 que dispõe sobre a apresentação de toda pessoa presa à autoridade judicial no prazo de 24 horas.

Em estado de pandemia, as condições me parecem diversas. O CNJ orientou os órgãos jurisdicionais a praticarem o distanciamento social, recomendando aos magistrados e servidores, inclusive, o trabalho remoto a partir de suas residências por meio das Resoluções ns. 313 e 314. O artigo 6º da Resolução CNJ n. 313/2020, autoriza os Tribunais a regulamentarem as sessões virtuais, incluídas aí as audiências realizadas pelos juízes. Transcrevo:

Art. 6º Os tribunais poderão disciplinar o trabalho remoto de magistrados, servidores e colaboradores para realização de expedientes internos, como elaboração de decisões e sentenças, minutas, sessões virtuais e atividades administrativas.  

Desse modo, entendo que este Plenário autorizou a realização de audiências de custódia por meio de videoconferência, excepcionalmente, no período da pandemia do Coronavírus.

A autorização para a realização de audiência de custodia por videoconferência é medida necessária, antes de tudo, à proteção da integridade física e da dignidade do preso em tempos conturbados, como os que estamos vivendo. A pura e simples suspensão das audiências de custódia no período me parece muito mais deletéria do que permitir a sua realização por meio virtual.

Ainda que não seja a solução ótima, configura solução possível que maximiza os direitos e garantias individuais do preso provisório. Além disso, tudo o mais se pode garantir, inclusive a presença física de defensor ou do representante da OAB.

Entendo que não se pode usar a proteção do princípio da dignidade do preso contra ele mesmo, pois a dignidade humana não é um valor abstrato, sem consideração às condições reais em que de fato vivem as pessoas nas suas relações recíprocas.

No mesmo sentido do que aqui sustentado é a decisão monocrática da Exma. Ministra Cármen Lúcia, do E. Supremo Tribunal Federal, proferida no HC n. 184815/GO, de 21 de maio de 2020, citando as já referidas Resoluções CNJ n. 313, 314 e 318/2020. Transcrevo o trecho final de sua decisão, por sua clareza insubstituível:

 

Comunique-se os termos desta decisão ao Presidente do Tribunal de Justiça de Goiás, a fim de que adote as providências necessárias à retomada das audiências de custódia, ainda que por videoconferência, pois tanto foi o decidido pelo Conselho Nacional de Justiça, não se podendo afastar a realização daquele ato pela ausência das medidas devidas pelo órgão judicial estadual.

Publique-se.

Brasília, 21 de maio de 2020.

 

Ante o exposto, também voto pela aprovação da inclusão do artigo 8-A na Recomendação CNJ n. 62/2020, ressalvando que os Tribunais estão autorizados a realizar as audiências de custódia por meio de videoconferência, durante o período de duração da pandemia do COVID-19, essa sim uma medida a ser estimulada.”

 

Volto a destacar: entendo imprescindível a realização das audiências de custódia – ainda que por meio excepcional virtual – neste momento que estamos vivendo.

A contrário senso, episódios de violência policial - como os que foram amplamente noticiados no último final de semana, em São Paulo, cujas imagens mostram um rapaz no chão, dominado e sem oferecer resistência, cercado por policiais militares que lhe dão impiedosa surra com pancadas de cassetete – continuarão a ocorrer.

A audiência de custódia, ainda que virtual, tem grande potencial para inibir esse tipo de evento e permite, acaso ocorrente, providências para bem os documentar, com provável punição dos culpados.

Ante o exposto, acompanho a divergência nos termos do voto do eminente Presidente e reitero a minha posição sobre a necessidade de ser implementada a audiência de custódia virtual em tempos de pandemia, sustentando ainda a necessidade de se revisar a Recomendação CNJ 62 quanto a essa indevida flexibilização.

É como voto.

 

LUIZ FERNANDO TOMASI KEPPEN

Conselheiro

 

 

 

 

 

 

 

Conselho Nacional de Justiça

Presidência

 

 

Autos:

Pedido de Providência 0004060-45.2020.2.00.0000 

Requerente:

Defensoria Pública do Estado do Maranhão – DPMA 

Requerido:

Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão – TJMA

Relator

Conselheiro André Godinho

 

 

VOTO DIVERGENTE

 

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI, PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA: 

 

Adoto o bem lançado relatório do eminente relator Conselheiro André Godinho, e peço-lhe as mais respeitosas vênias para divergir de seu voto.

A demanda administrativa discutida nos autos é se o Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão – TJMA poderia adotar seguir a Recomendação CNJ 62/2020, no que tange à não realização das audiências de custódias, sem analisar exames de corpo de delito e registros fotográficos no auto de prisão em flagrante.

Sua Excelência julga improcedentes os seguintes pedidos da Defensoria Pública do Estado do Maranhão:

a) Liminarmente, que o Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão observe as disposições elencadas na Resolução n° 213/2015 e Recomendação n° 62/2020, ambas do CNJ, notadamente no que tange à realização dos exames de corpo de delito e à disponibilização do respectivo laudo e dos registros fotográficos no auto de prisão em flagrante.

b) Após oitiva do TJ/MA, que seja definitivamente acolhido o pleito, sendo confirmada a liminar em todos os seus termos.”.

Para tanto, foram adotadas as razões do e. Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão – TJMA no sentido de que cabe ao Poder Executivo local a realização dos exames de corpo de delito; motivo pelo qual a ausência deles não é de sua responsabilidade, até porque estaria diligenciando para que os exames fossem realizados e enviados ao Poder Judiciário.

Todavia, a defesa do TJMA não se sustenta.

Com efeito, a Recomendação CNJ 62/2020 não pode ser adotada por partes, naquilo que for conveniente ao Tribunal. Por se tratar de uma recomendação, ato normativo de caráter fluído ou ainda uma espécie de soft rule, o TJMA não está obrigado a segui-la, dada a ausência de caráter cogente. Mas ao fazê-lo deve adotá-la à sua integralidade.

Assim, ao optar pela não realização das audiências de custódias, nos termos da Recomendação CNJ 62/2020, o TJMA deve seguir as medidas alternativas ali dispostas, notadamente as do art. 8º do aludido ato administrativo, sob pena de esvaziamento da norma em apreço.

A dispensa da realização das audiências de custódias, sem a adoção das medidas alternativas, retoma, sem justificativa plausível, a situação jurídico-administrativa dos encarcerados antes da Resolução CNJ 215/2015.

Esta Corte Administrativa, em recente data, se posicionou de acordo com o entendimento logo acima esposado, em caso semelhante que envolvia o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará:

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. RATIFICAÇÃO DE LIMINAR. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ. NÃO REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA. MOTIVAÇÃO IDÔNEA. RESOLUÇÃO CNJ 213/2015 E RECOMENDAÇÃO CNJ 62/2020. ANÁLISE DO AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE E DO EXAME DE CORPO DE DELITO. COMPLEMENTAÇÃO PELOS REGISTROS FOTOGRÁFICOS DO ROSTO E CORPO INTEIRO DO CUSTODIADO. INDÍCIOS DE INOBSERVÂNCIA PELA CORTE CEARENSE. LIMINAR DEFERIDA.

1. Os tribunais brasileiros têm autonomia para decidir se realizarão ou não as audiências de custódia, eis que este Conselho apenas recomendou a sua não realização, sem força cogente.

2. Se, contudo, os tribunais efetivamente optarem pela não realização da audiência de custódia - ou seja, por seguir a Recomendação CNJ 62/2020 - não poderão seguir a recomendação apenas pela metade, deixando de adotar as medidas previstas naquele ato normativo para mitigar os prejuízos decorrentes da não realização do referido ato processual. Em síntese: ou se adota o regime jurídico integral da audiência de custódia ou se adota o regime jurídico integral da recomendação emanada deste conselho.

3. Não é possível a combinação de normas para, de um lado, suprimir-se a garantia da realização da audiência de custódia, e, de outro, também se afastarem as regras da recomendação que buscam amenizar o impacto da perda temporária dessa garantia, tudo em detrimento dos direitos fundamentais dos presos.

4. Liminar deferida para determinar que a Corte requerida cumpra as obrigações acessórias decorrentes da não realização da audiência de custódia.

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 0003065-32.2020.2.00.0000  - Rel. MÁRIO GUERREIRO - 13ª Sessão Virtual Extraordinária - julgado em 20/05/2020 ).

 

Outrossim, é importante destacar que o escopo da Recomendação CNJ 62/2020 é “a necessidade de estabelecer procedimentos e regras para fins de prevenção à infecção e à propagação do novo coronavírus particularmente em espaços de confinamento, de modo a reduzir os riscos epidemiológicos de transmissão do vírus e preservar a saúde de agentes públicos, pessoas privadas de liberdade e visitantes, evitando-se contaminações de grande escala que possam sobrecarregar o sistema público de saúde”.

Dessa forma, a recomendação em testilha, caso adotada parcialmente, não pode servir de justificativa para que os tribunais descumpram a determinação legal de realização das audiências de custódia imposta pelo art. 310 do Código de Processo Penal e pela Resolução CNJ 213/2015. Em outras palavras: ou se adota integral e excepcionalmente a Recomendação CNJ 62/2020 ou se realiza as audiências de custódias de acordo com a legislação ordinária de regência.

Sendo assim, não havendo, casualmente, a possibilidade de realização das medidas excepcionais e alternativas impostas pela Recomendação CNJ 62/2020, o Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão deve realizar as audiências de custódia de acordo com o art. 310 do Código de Processo Penal e a Resolução CNJ 213/2015, nos termos das Resoluções CNJ 313/2020, 314/2020, 318/2020 e 322/2020.

 

Ante o exposto, acompanho a divergência inaugurada pelo Conselheiro Mário Guerreiro e julgo PROCEDENTES os pedidos da parte autora.

É como voto.

 

Ministro DIAS TOFFOLI

Presidente

AT

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0004060-45.2020.2.00.0000
Requerente: DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO MARANHÃO
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO - TJMA

 


VOTO

 

São manifestamente improcedentes os pedidos formulados na exordial.

A discussão dos autos gira em torno da Recomendação CNJ nº 62/2020, em particular no que toca à possibilidade excepcional de suspensão das audiências de custódia, como medida de prevenção do contágio pela COVID-19. Observe-se, nesse ponto, o texto normativo: 

 

“Art. 8o Recomendar aos Tribunais e aos magistrados, em caráter excepcional e exclusivamente durante o período de restrição sanitária, como forma de reduzir os riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus, considerar a pandemia de Covid-19 como motivação idônea, na forma prevista pelo art. 310, parágrafos 3o e 4o , do Código de Processo Penal, para a não realização de audiências de custódia.

(...)

§ 1o Nos casos previstos no caput, recomenda-se que:

(...)

II – o exame de corpo de delito seja realizado na data da prisão pelos profissionais de saúde no local em que a pessoa presa estiver, complementado por registro fotográfico do rosto e corpo inteiro, a fim de documentar eventuais indícios de tortura ou maus tratos.”

 

Como se vê, é clara a norma ao prever a possibilidade excepcional, a cargo de cada Tribunal, de suspender a realização das audiências de custódia, tal como feito pelo TJMA. A Requerente, embora não conteste a suspensão, aduz que não está sendo cumprido o §2º supra, já que os exames de corpo de delito não estão sendo realizados.

Sabe-se, no entanto, que tais exames não são realizados por órgão que integre a estrutura do Poder Judiciário e sim, no caso Maranhão, pelo Instituto Médico Legal – IML, o qual, como reconhecido pela própria Requerente, é órgão integrante da estrutura do Poder Executivo. Assim, o que se busca neste Procedimento é compelir o TJMA à adoção de providência cometida a outro Poder.

Chama a atenção a alegação da Requerente de que “(...) o Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão segue a Recomendação n° 62/2020 do CNJ para não realizar as audiências de custódia, sendo que aceita normalmente a não realização dos exames de corpo de delito nos termos da mesma recomendação.”(grifo nosso)

Contudo, a própria Defensoria Pública Estadual se refere a providência levada a efeito pelo Judiciário maranhense, que demonstra a sua preocupação com a não realização dos exames de corpo de delito:

 

“A central de Inquéritos e Custódia da comarca da Ilha de São Luis/MA oficiou ao Perito Geral do IML/MA solicitando a realização dos exames de corpo de delito conforme a Recomendação n° 62/2020 do CNJ, obtendo como resposta a falta de pessoal e equipamentos necessários para tal. Todos esses documentos estão anexados a esta petição.”

 

De fato, consta dos autos ofício (ID 3994227) assinado pela Magistrada Janaína Araújo de Carvalho, pela Central de Inquéritos e Custódia da Comarca da Ilha de São Luís, datado de 17 de março de 2020, dirigido ao Perito Geral Oficial de Natureza Criminal do Instituto de Identificação do Maranhão, Sr. Miguel Alves da Silva Neto, ponderando a importância da realização dos exames de corpo de delito, mesmo no período da Pandemia.

Consta ainda dos autos a resposta ao ofício encaminhada pelo Perito Geral (3994228), informando a impossibilidade de adoção das providências sugeridas pela Recomendação CNJ nº 62/2020, antes a ausência de “estrutura, equipamentos e pessoal”.    

Portanto, embora se deva lamentar o descumprimento da Recomendação deste Conselho, está claro que omissão alguma pode ser imputada ao TJMA, que, não tendo competência para realizar exames de corpo de delito, cuidou, diligentemente, de oficiar o órgão responsável a respeito, alertando para a importância do assunto.  

Ante o exposto, considerando que o Conselho Nacional de Justiça não possui competência para controlar atos e omissões de outros Poderes, bem assim não caber ao Tribunal de Justiça do Maranhão a realização de exames de corpo de delito - e sim a órgão integrante do Poder Executivo -, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados no presente Pedido de Providências.

É como voto, ficando prejudicada a análise da liminar.

Brasília, data registrada no sistema.

 

Conselheiro André Godinho

Relator