Conselho Nacional de Justiça

Autos: CONSULTA - 0004891-30.2019.2.00.0000
Requerente: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ - TJPR
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

 

 

CONSULTA. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ - TJ-PR. MAGISTRATURA. PARTICIPAÇÃO EM BANCA EXAMINADORA OU COMISSÃO DE CONCURSO, NÃO EXCLUSIVAMENTE O DE INGRESSO NA CARREIRA DA MAGISTRATURA. RETRIBUIÇÃO PELOS SERVIÇOS PRESTADOS. PARTICIPAÇÃO DE MEMBRO DO PODER JUDICIÁRIO. EXIGÊNCIA LEGAL. GRATIFICAÇÃO. PREVISÃO EXPRESSA. RESPONSABILIDADE DO ENTE ORGANIZADOR. FIXAÇÃO. LEI OU ATO DO CNJ. RESPONSABILIDADE PELO ENCARGO. NATUREZA REMUNERATÓRIA. TETO CONSTITUCIONAL. INCIDÊNCIA. CONCURSOS REALIZADOS PELO PODER JUDICIÁRIO. LIMITE DA GRATIFICAÇÃO. VALOR PAGO PELA PARTICIPAÇÃO NO CONCURSO PARA O PROVIMENTO DO CARGO DE JUIZ SUBSTITUTO. RES. 159, DE 2012, DO CNJ. AUTORIZAÇÃO PRÉVIA. NECESSIDADE. PROVIMENTO N. 64, DE 2017, DA CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA. CONSULTA CONHECIDA E RESPONDIDA.

1. O Regimento Interno do CNJ autoriza o conhecimento de consultas formuladas em tese a respeito de tema de repercussão geral para o Poder Judiciário.

2. A retribuição a membros do Poder Judiciário pela prestação de serviços em bancas examinadoras ou comissões de concurso que não o de ingresso na carreira da magistratura não encontra previsão na Lei Orgânica da Magistratura Nacional, na Resolução CNJ n. 133, de 21 de junho de 2011, ou em outra norma do Conselho Nacional de Justiça.

3. Os serviços efetivamente prestados por membros do Poder Judiciário na qualidade de participante de banca examinadora ou de integrante de comissão de concurso público podem admitir retribuição desde que a participação do magistrado seja requerida por lei ou por ato normativo do CNJ.

4. O pagamento de qualquer verba remuneratória ou indenizatória a membros do Poder Judiciário exige previsão expressa e anterior em lei ou em ato normativo do CNJ e autorização prévia deste Conselho, nos termos do Provimento n. 64, de 1º de dezembro de 2017, e da Recomendação n. 31, de 27 de fevereiro de 2019, da Corregedoria Nacional de Justiça, sendo vedado, em qualquer caso, pagamento a título retroativo.

5. O pagamento de gratificação por encargo de participação em banca examinadora ou concurso público ostenta natureza remuneratória, impondo-se, nos termos do art. 5º, parágrafo único, da Resolução CNJ n. 13, de 21 de março de 2006, a incidência do teto remuneratório constitucional.

6. O valor da gratificação por encargo de banca examinadora ou concurso público realizado pelo Poder Judiciário não poderá exceder o previsto para a retribuição da participação de magistrado em concurso para o provimento de cargo de juiz substituto, em conformidade com o art. 11 da Resolução CNJ n. 159, de 12 de novembro de 2012.

7. Consulta conhecida e respondida afirmativamente, nos termos propostos.

 

 ACÓRDÃO

Após o voto do Conselheiro Marcello Terto (vistor), o Conselho, por unanimidade, respondeu a consulta, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário Virtual, 14 de outubro de 2022. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Dias Toffoli (então Presidente), Humberto Martins (então Conselheiro), Emmanoel Pereira (então Conselheiro), Mauro Pereira Martins, Rubens Canuto (então Conselheiro), Tânia Regina Silva Reckziegel (então Conselheira), Mário Guerreiro (então Conselheiro), Candice L. Galvão Jobim (então Conselheira), Flávia Pessoa (então Conselheira), Maria Cristiana Ziouva (então Conselheira), Ivana Farina Navarrete Pena (então Conselheira), Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Maria Tereza Uille Gomes (então Conselheira) e Henrique Ávila (então Relator).

Conselho Nacional de Justiça

Autos: CONSULTA - 0004891-30.2019.2.00.0000
Requerente: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ - TJPR
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ


RELATÓRIO


Trata-se de Consulta apresentada ao Conselho Nacional de Justiça pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJ-PR) a respeito da possibilidade de pagamento de verba pecuniária, de caráter eventual ou temporário, aos magistrados por serviços prestados em bancas examinadoras e comissões de concurso em geral, não exclusivamente o de ingresso na carreira da magistratura.

A dúvida foi suscitada por conta da possibilidade de participação de membros do Poder Judiciário em outras bancas examinadoras e comissões de concurso que não aquelas destinadas ao provimento de cargos na carreira da magistratura. Cita, como exemplo, os concursos para o provimento de cargos de servidores dos respectivos Tribunais ou, ainda, para a delegação de serviços de notas e de registros.

É o relatório.


 

Luiz Fernando BANDEIRA de Mello
Conselheiro Relator

Conselho Nacional de Justiça

Autos: CONSULTA - 0004891-30.2019.2.00.0000
Requerente: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ - TJPR
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ



VOTO


I. Conhecimento

O requerimento inicial formulado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná satisfez os requisitos exigidos pelo art. 89 do Regimento Interno para ser conhecido por este Conselho: abstração, interesse e repercussão gerais, indicação precisa do objeto, articulação e adequada instrução.


II. Fundamentação

O texto constitucional estabelece, no § 4º de seu art. 39, que a remuneração de “membro de Poder” se dê “em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória”. Contudo, o Supremo Tribunal Federal ofereceu à literalidade da lei interpretação que garante ao “servidor público que exerce funções extraordinárias ou labora em condições diferenciadas” a percepção de “parcela remuneratória além do subsídio” (STF, ADI 4.941-AL, Rel. p/ acórdão Min. LUIZ FUX, j. 14 ago. 2019).

No caso do regime remuneratório dos membros do Poder Judiciário, a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (art. 65) e as Resoluções n. 13, de 21 de março de 2006, e n. 133, de 21 de junho de 2011, do CNJ reconhecem a possibilidade de instituição e de pagamento de determinadas verbas e vantagens, devidas cumulativamente com a parcela única do subsídio. O rol de parcelas indenizatórias e remuneratórias, que se propõe exaustivo, não contemplava a gratificação por encargo de concurso público.

O entendimento que prevalecia no CNJ até a edição da Res. CNJ n. 159, de 2012, vedava o pagamento de qualquer retribuição pela participação de magistrado em bancas de concurso público.

A proibição constava, expressamente, da Res. CNJ n. 13, de 2006, que disciplina o regime jurídico do subsídio de membros da magistratura:

Art. 4º Estão compreendidas no subsídio dos magistrados e por ele extintas as seguintes verbas do regime remuneratório anterior:

........................................................................................................................

II - gratificações de:

........................................................................................................................

h) grupos de trabalho e comissões; (g. n.)

A regra expressa que afastava o pagamento de gratificações pela participação de magistrados em comissões afastaria a invocação da norma de regência da gratificação por encargo de curso ou concurso, incluída no Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União pela Lei n. 11.314, de 3 de julho de 2006. Reconhecia-se que o dispositivo normativo especial e posterior deveria ser prestigiado, em desfavor de uma eventual aplicação analógica de normas de caráter genérico.

A jurisprudência do CNJ ressoava essa compreensão:

A multicitada Resolução nº 13 já cuidou desse assunto [remuneração pela participação de magistrado em banca examinadora de concurso público], relacionando taxativamente as [parcelas] que compõem o subsídio, dentre elas, as decorrentes de trabalho em comissão (art. 4º, II, h), proibindo a percepção de quaisquer outras verbas não expressas naquela disposição. (CNJ. PP 1463. Rel. Cons. PAULO SCHMIDT. j. em 29 mai. 2007.)

No mesmo sentido:

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. CONSULTA. PEDIDO PARA QUE SE ASSEGURE AOS MAGISTRADOS O DIREITO DE REMUNERAÇÃO PELO EXERCÍCIO EVENTUAL E TRANSITÓRIO DE MEMBRO DE COMISSÃO DE CONCURSO PUBLICO PARA PROVIMENTO DE CARGOS NOS DEMAIS PODERES E NA ADMINISTRAÇÃO INDIRETA DO ESTADO. EXERCÍCIO PERMITIDO PELA CARTA MAGNA. POSSIBILIDADE DE REMUNERAÇÃO, EXCETO NOS CONCURSOS DE INGRESSO NA MAGISTRATURA. CONSULTA ACOLHIDA EM PARTE.

-"1. O exercício de atividade em banca examinadora por magistrado, seja em concurso de ingresso na Magistratura ou em qualquer outro concurso público, no âmbito dos demais Poderes ou na administração indireta ou fundacional, não caracteriza a assunção de cargo ou função, nos termos do art. 95, parágrafo único, inciso I da CFl88 e, portanto, não é vedado".

2. Os magistrados têm direito a remuneração pelo exercício da atividade eventual e transitória de membro de comissão de concurso para provimento de cargos em outros Poderes e na administração indireta do Estado, exceto nos concursos de ingresso na Magistratura, por força do disposto no art. 65 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LC n." 35, de 14.03.79), do que restou decidido no PP 1463 e de vedação expressa constante da Resolução n." 13, de 21.03.2006 do CNJ". (CNJ. PP 0001205-50.2007.2.00.0000. Rel. Cons. RUI STOCO. j. em 18 dez. 2007)

A visão então vigente considerava a participação em banca examinadora de concurso público como “atividade volutiva e colaborativa à Administração, sem característica de exercício profissional” e diretamente vinculada ao exercício do cargo de juiz.

É por conta da necessária vinculação entre o cargo ocupado (juiz) e a atividade desempenhada (participação em banca) que se autorizava o pagamento de gratificação quando o certame no qual o magistrado tomava assento se desse “fora da Magistratura” — mais precisamente, fora do Poder Judiciário. Nesse específico caso, a cumulação eventual seria lícita.

O entendimento permaneceu vigente até a edição da Resolução n. 159, de 12 de novembro de 2012, do Conselho Nacional de Justiça.

O ato normativo em comento estabeleceu a política nacional de formação e de aperfeiçoamento de magistrados e de servidores no Poder Judiciário, estruturada em rede sob coordenação das Escolas Nacionais[1] e do Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Servidores do Poder Judiciário (CEAJUD).

Para além da coordenação da política de formação do Poder Judiciário, o CNJ afetou às Escolas Nacionais competência para o estabelecimento de parâmetros de remuneração devida a integrantes do Poder Judiciário quando atuem como professores e como membros de bancas examinadoras de concurso.

Transcrevo o dispositivo:

Art. 11. As Escolas Nacionais e o CEAJud anualmente elaborarão tabela com os valores mínimos e máximos de remuneração de professores e membros de bancas examinadoras de concurso, quando integrantes do Poder Judiciário, observados os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Parágrafo único. Na falta de divulgação da tabela pela Escola Nacional, prevalecerá aquela divulgada pelo CEAJud, quanto aos integrantes do Poder Judiciário, sendo a remuneração dos demais fixada em cada caso, segundo os princípios que regem a administração pública.

Estabeleceu-se, pois, um aparente conflito entre o entendimento cristalizado pelos julgados deste Conselho pela vedação, com lastro no art. 4º, II, h, da Res. CNJ n. 13, de 2006, e a nova norma que determinava a elaboração de tabela par remuneração de “membros de bancas examinadoras de concurso, quando integrantes do Poder Judiciário”.

Diante da querela, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região consultou o CNJ a respeito da possibilidade de remunerar magistrado pelo exercício de atividade em banca examinadora de concurso público para o ingresso na carreira da magistratura.

Ao apreciar o tema, o Plenário reconheceu, incidentalmente, que o art. 11 da Res. CNJ n. 159, de 2012, configura exceção extraordinária ao regime constitucional do subsídio. A anterior posição fora superada, passando-se a entender que o encargo pela participação em banca examinadora de concurso se trata de norma especial que, por sua peculiar natureza, admite cumulação com a parcela única.

A resposta oferecida à Consulta formulada pelo TRF-3 foi a seguinte:

CONSULTA. RESOLUÇÃO Nº 159/2012. PAGAMENTO DE RETRIBUIÇÃO A MEMBROS DE BANCAS EXAMINADORAS E COMISSÕES DE CONCURSOS PARA INGRESSO NA CARREIRA DA MAGISTRATURA. AUSÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO PELA ENFAM E CEAJUD. RESOLUÇÃO 274/2013 DO CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. APLICABILIDADE. AUSÊNCIA DE AMPARO LEGAL PARA O PAGAMENTO RETROATIVO AOS TRABALHOS JÁ REALIZADOS.

1. Cabe conhecer e responder afirmativamente à consulta, para esclarecer que é devida retribuição aos magistrados que participarem de banca examinadora ou de comissão de concurso e processos seletivos para ingresso na carreira da magistratura e que, embora o tema não tenha sido regulamentado pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados – ENFAM e pelo Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Servidores do Poder Judiciário – CEAJud, conforme determina o artigo 11 da Resolução CNJ n.º 159/2012, no âmbito da Justiça Federal devem ser utilizados os parâmetros previstos na Resolução n.º 274, de 18 de dezembro de 2013, do Conselho da Justiça Federal.

2. Os valores pagos a título de retribuição pela participação em banca examinadora são de caráter eventual ou temporário.

3. A retribuição financeira em comento não será incorporada ao subsídio, vencimento ou salário para nenhum efeito, nem poderá ser utilizada como base de cálculo de proventos de aposentadoria e pensão (art. 5º da Resolução n. CJF-RES-2013/00274).

4. É cabível o pagamento retroativo aos trabalhos efetivados antes da elaboração desta tabela a partir da publicação da Resolução CNJ n.º 159/2012.

5. Consulta respondida. (CNJ. Consulta 0004581-34.2013.2.00.0000. Rel. Cons. ROGÉRIO NASCIMENTO. j. em 24 mai. 2016. g. n.)

O novo olhar sobre o conjunto normativo consolidou-se em julgados posteriores, que avançaram para decidir que o pagamento de tal gratificação seria devida mesmo quando a Escola Judicial não for a responsável direta pela organização do concurso público:

CONSULTA. RESOLUÇÃO CNJ Nº 159/2012. PAGAMENTO DE RETRIBUIÇÃO A MEMBROS DE BANCAS EXAMINADORAS E COMISSÕES DE CONCURSOS PARA INGRESSO NA CARREIRA DA MAGISTRATURA. APLICAÇÃO DOS PARÂMETROS PREVISTOS NA RESOLUÇÃO ENFAM 1/2017 A TODOS OS CONCURSOS PARA INGRESSO NA CARREIRA DA MAGISTRATURA, À EXCEÇÃO DA JUSTIÇA DO TRABALHO E DA JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DA REMUNERAÇÃO DE PROFESSORES E MEMBROS DE BANCAS EXAMINADORAS DE CONCURSO, QUANDO INTEGRANTES DO PODER JUDICIÁRIO, COM O AFASTAMENTO DAS FUNÇÕES JURISDICIONAIS PREVISTO NO ARTIGO 19, § 2º, DA RESOLUÇÃO CNJ 75/2009. NATUREZA DISTINTA DOS INSTITUTOS.

1. Consulta acerca da possibilidade de pagamento de retribuição pecuniária pela prestação de serviços em comissão ou banca examinadora de concurso aos magistrados, independentemente da participação da Escola de Magistratura no concurso público para a carreira de Juiz Substituto, e, em caso positivo, quanto à possibilidade de cumulação da vantagem financeira e da concessão do afastamento das funções jurisdicionais previsto no artigo 19, § 2º, da Resolução CNJ 75, de 12 de maio de 2009.

2. Cabe conhecer e responder afirmativamente à consulta para esclarecer que é devida retribuição aos magistrados que participarem de banca examinadora ou de comissão de concurso e processos seletivos para ingresso na carreira da magistratura, devendo ser observada a Resolução ENFAM nº 01/2017 e suas alterações em todos os concursos de ingresso na carreira da Magistratura, à exceção da Justiça do Trabalho e da Justiça Militar da União, conforme prevê o artigo 11 da Resolução CNJ 159/2012. 

3. Nas hipóteses em que os Tribunais optem por realizar o curso oficial de ingresso na carreira como etapa do concurso para ingresso da magistratura, as despesas a ele relativas devem ser incluídas na rubrica especifica para atender às necessidades das escolas judiciais (artigo 7º da Resolução CNJ 159/2012), cabendo aos Tribunais arcarem com os valores relacionados à remuneração dos membros de comissão ou bancas examinadoras que atuem nas demais etapas do certame.

4. É possível a cumulação da vantagem financeira correspondente à participação de magistrados em bancas examinadoras ou comissões de concurso para ingresso na magistratura com o afastamento das funções jurisdicionais previsto no artigo 19, § 2º, da Resolução CNJ 75/2009.

5. Consulta conhecida e respondida. (CNJ. Consulta 0000179-31.2018.2.00.0000. Rel. Cons. FERNANDO MATTOS. j. em 11 set. 2018)

Assim como a compreensão anterior afastava o pagamento de retribuição pela participação em comissões de concursos realizados pelo Poder Judiciário, o novo entendimento deve, também, ser extrapolado para admitir ser devida a gratificação pelos demais certames cuja organização compita aos tribunais, como é o caso do concurso de delegação de serviços de notas e de registros públicos.

Posto isso, é importante estabelecer parâmetros orientadores da percepção de tal parcela.

A participação em comissão ou banca de concurso público exige o desempenho de tarefas não subsumidas às atribuições típicas da carreira da magistratura, cuja retribuição ocorre em parcela única.

O valor pago tem natureza jurídica de gratificação. Trata-se de verba temporária, de natureza remuneratória, que se destina à retribuição pelo efetivo exercício de atividade extraordinária do magistrado e que perdura enquanto o agente a estiver desempenhando — pro labore faciendo.

A atividade judicante, que investe o agente público de parcela da soberania do Estado para a resolução de conflito de interesses, impõe à magistratura uma série de restrições deontológicas.

As normas de caráter ético que orientam a ação do magistrado se prestam a resguardar a dignidade da função não por atributos pessoais de seus integrantes, senão para a preservação da autoridade moral e da confiança da sociedade na integridade de seu sistema de justiça.

A Constituição da República autoriza, em seu art. 95, parágrafo único, I, a cumulação da atividade de magistério com o exercício da função judicante. O Código de Ética da Magistratura Nacional consigna, a esse respeito, que “o magistrado (...) deve sempre priorizar a atividade judicial, dispensando-lhe efetiva disponibilidade e dedicação.” (art. 21, § 1º). O exercício de outros cargos ou funções é vedado aos juízes.

No que toca a atividades outras que não se constituam em “cargos” ou “funções” propriamente ditos, as principais fontes orientadoras do desempenho ético da judicatura trazem balizas.

Os Princípios de Bangalore de Conduta Judicial estabelecem que o magistrado pode, a par do “desempenho apropriado dos deveres judiciais” inerentes ao cargo, “servir como membro em um corpo oficial ou outra comissão governamental, comitê ou corpo consultivo se essa participação não é inconsistente com a percepção de imparcialidade e neutralidade política de um juiz” (item 4.11.3).

O Código de Ética da Magistratura Nacional, entretanto, desencoraja os magistrados a “assumir encargos ou contrair obrigações que perturbem ou impeçam o cumprimento apropriado de suas funções específicas, ressalvadas as acumulações permitidas constitucionalmente” (art. 21).

A Corregedoria Nacional de Justiça, em fevereiro de 2019, editou ato destinado aos magistrados brasileiros recomendando a abstenção do exercício de “funções, ainda que de caráter honorífico, consultivo e sem remuneração, em conselhos, comitês, comissões ou assemelhados, de natureza política ou de gestão administrativa de serviços vinculados a Poder ou órgãos estranhos ao Poder Judiciário”, excetuados aqueles não responsáveis pela prática de atos de gestão e que não remuneram o juiz.

A parcimoniosa participação de magistrados em atividades estranhas à judicatura, nesse sentido e observados determinados parâmetros, não é proibida. Contudo, se prevista em lei, a participação de um membro do Poder Judiciário em outra atividade que não a judicante encontra fundamento objetivo que acaba por blindá-lo de eventuais questionamentos.

A posição externada pelo Escritório da Organização das Nações Unidas contra Drogas e Crime é a mesma:

Um juiz, via de regra, deve ordinariamente ter cuidado em aceitar nomeação para comitês governamentais, comissões ou outra posição que se refira a assuntos de fato ou políticas sobre a melhoria da lei, do sistema legal ou da administração da justiça, a menos que a nomeação do juiz seja requerida pela lei. (ONU [Organização das Nações Unidas]. Comentários aos Princípios de Bangalore de Conduta Judicial. Brasília: CJF, 2008. p. 114. g. n.)

No âmbito do Poder Judiciário, por exemplo, tanto o concurso para ingresso na carreira da magistratura (Lei Orgânica da Magistratura Nacional, art. 78, e Res. CNJ n. 75, de 2009, art. 19) quanto para delegação de serviços de notas e de registros públicos (Lei n. 8.935, de 1994, art. 15, e Res. CNJ n. 81, de 2009, art. 1º) demandam a participação de membros do Poder Judiciário nas comissões de concurso e examinadoras.

Já a retribuição devida ao magistrado pela eventual participação em comissão de concurso ou banca examinadora deve ser fixada por lei e precedida por expressa autorização do CNJ, em conformidade com o que dispõe o art. 3º do Provimento n. 64, de 1º de dezembro de 2017, da Corregedoria Nacional de Justiça:

Art. 3º O pagamento de qualquer verba remuneratória ou indenizatória não prevista na LOMAN só poderá ser realizado após autorização prévia do Conselho Nacional de Justiça.

Essa determinação, aliás, estende-se também às verbas fixadas por lei estadual, como bem consignado na Recomendação n. 31, de 27 de fevereiro de 2019, da Corregedoria Nacional de Justiça, que prescreve

(...) a todos os Tribunais do país que abstenham-se de efetuar pagamento a magistrados e servidores de valores a título de auxílio-moradia, auxílio-transporte, auxílio-alimentação ou qualquer outra verba que venha a ser instituída ou majorada, ou mesmo relativa a valores atrasados, e ainda que com respaldo em lei estadual, sem que seja previamente autorizado pelo Conselho Nacional de Justiça (...)

Por fim, tratando-se de gratificação por atividade de natureza eventual e temporária, impõe-se a observância do que dispõe o art. 5º e seu parágrafo único da Resolução n. 13, de 21 de março de 2006, do CNJ quando o concurso público for realizado pelo próprio Poder Judiciário. Assim, o valor pago deve ser somado ao subsídio e às demais parcelas eventualmente excepcionadas do regime de remuneração em parcela única para aferição do limite remuneratório constitucional.

Como baliza, por simetria, é justo que se utilize como referência, até posterior deliberação por este Conselho, dos parâmetros e limites remuneratórios já previstos no art. 11 da Res. CNJ n. 159, de 2012, a fim de determinar que os valores pagos a juízes por encargos de concurso público no âmbito do Poder Judiciário não poderão exceder aqueles pagos para participação em concursos para o ingresso na carreira da magistratura.

 

III. Dispositivo

Em virtude de todo o exposto, conheço a Consulta formulada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, respondendo-a nos seguintes termos:

 

1. A retribuição a membros do Poder Judiciário pela participação na banca examinadora ou comissão de concurso que não o de ingresso na magistratura é possível desde que:

1.1. a participação de membro do Poder Judiciário na banca examinadora ou na comissão de concurso seja exigida por lei ou por ato do Conselho Nacional de Justiça;

1.2. a retribuição, a cargo do ente organizador do concurso público, seja fixada por lei ou por ato do Conselho Nacional de Justiça;

1.3. em concursos públicos realizados pelo Poder Judiciário, o valor da retribuição não poderá ser superior à paga pela participação em concurso de ingresso na carreira da magistratura, prevista no art. 11 da Resolução CNJ n. 159, de 12 de novembro de 2012, do Conselho Nacional de Justiça;

1.4. o pagamento seja precedido de expressa autorização deste Conselho, para atender ao disposto no Provimento n. 64, de 1º de dezembro de 2017, e da Recomendação n. 31, de 27 de fevereiro de 2019, da Corregedoria Nacional de Justiça.

2. A gratificação pela participação em concurso público, quando realizado pelo Poder Judiciário, tem natureza remuneratória e deve ser somada ao subsídio e às demais verbas remuneratórias eventualmente devidas ao magistrado para fins de incidência do teto constitucional, em conformidade com o art. 5º, parágrafo único, da Resolução n. 13, de 21 de março de 2006, do Conselho Nacional de Justiça.

3. É terminantemente vedado o pagamento retroativo da gratificação a que se refere esta Consulta.

 

É o voto.

 

Luiz Fernando BANDEIRA de Mello
Conselheiro Relator

 




[1] Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM), Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (Enamat) e Centro de Estudos Judiciários da Justiça Militar da União (CEJUM)