EMENTA

RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. JUIZ DE DIREITO. FATO QUE RESULTOU NA INSTAURAÇÃO DE PAD NO TJGO COM APLICAÇÃO DA SANÇÃO DE REMOÇÃO COMPULSÓRIA. POSSÍVEL CONTRARIEDADE À LEI E À PROVA DOS AUTOS (ART. 83, I, E ART. 88 DO RICNJ). ADEQUAÇÃO E PROPORCIONALIDADE DA PENALIDADE APLICADA. INSTAURAÇÃO DE REVISÃO DISCIPLINAR PARA FIXAÇÃO DE PENA MAIS SEVERA.

1. A jurisprudência deste Conselho Nacional de Justiça admite a instauração de revisão de processo disciplinar, quando da análise das informações prestadas pelo órgão censor local, constata-se que a sanção aplicada é inadequada ao contexto fático-probatório ventilado nos autos.

2. Nos termos do artigo 6º da Resolução n. 135 do CNJ, são cabíveis as penas mais brandas de censura e remoção compulsória apenas quando a maior gravidade da falta cometida não justificar a aplicação das penas mais severas de disponibilidade ou demissão.

3.  A gravidade dos fatos apurados evidenciam que a aplicação da penalidade de remoção compulsória, não obstante os fundamentos da decisão proferida, não parece adequada à hipótese dos autos, tornando necessária a abertura de procedimento revisional para análise de uma possível readequação da sanção disciplinar, nos termos do artigo 83, inciso I, do RICNJ.  

4. Conclusão pela necessidade de instauração, de ofício, da revisão de processo disciplinar, fundada no art. 83, inciso I, do RICNJ, para verificação da adequação e proporcionalidade da penalidade aplicada ao juiz requerido, nos termos dos arts. 82 e 86 do RICNJ.

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, decidiu pela instauração de revisão disciplinar em desfavor do magistrado, nos termos do voto da Relatora. Votou o Presidente. Ausentes, em razão das vacâncias dos cargos, os representantes do Tribunal Regional Federal, da Justiça Federal, do Ministério Público Estadual e os representantes do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário, 14 de dezembro de 2021. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Tânia Regina Silva Reckziegel, Richard Pae Kim, Flávia Pessoa, Sidney Madruga, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Sustentou oralmente pelo Requerido Ernani Veloso de Oliveira Lino, o Advogado Leandro Silva -OAB/GO 19.833.

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA (Relatora):

Cuida-se de reclamação disciplinar formulada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS (MPGO) em desfavor de ERNANI VELOSO DE OLIVEIRA LINO, Juiz de Direito da Comarca de Itaberaí (GO), de MONA LISA LUIZ PEREIRA VELOSO LINO e de ALEXANDRE SANTANA XAVIER DE LIMA, respectivamente, esposa e assessor do magistrado, ambos servidores públicos atuantes na mesma comarca. 

O requerente aponta diversos atos de suposta improbidade administrativa praticados pelos requeridos, a saber: a) assédio moral e/ou sexual por parte do magistrado; b) desvio de bens patrimoniais do fórum para a residência do magistrado; c) uso indevido de veículo do fórum pelo magistrado e pelo servidor Alexandre; d) cessão gratuita de residência do município ao magistrado, sem previsão legal; e) recebimento de auxílio-moradia no período de cessão gratuita de residência do município ao magistrado; f) suposto enriquecimento ilícito pelo pagamento, por meio de terceiros, dos alugueis da casa do magistrado; g) recebimento de vantagens indevidas e supostos favorecimento de partes e advogados pelo magistrado; h) destinação irregular de cestas básicas ao fórum; i) apreciação pelo magistrado dos pedidos e providências funcionais referentes à própria esposa; j) fraudes no registro do ponto da servidora Mona Lisa; k) desvio de funções de servidores com o único propósito de beneficiar indevidamente o servidor Alexandre; l) obstrução das investigações e de outras condutas incompatíveis com o dever do magistrado (Id 3032647). 

Porque na inicial se informava da já existência de apuração sobre os fatos pela CGJ/GO, a Corregedoria Nacional de Justiça requereu informações (Id 3099141). 

Veio o resultado do PAD com o julgamento de parcial procedência e aplicação, por maioria de votos, da sanção de remoção compulsória (acórdão no Id 4280675 e ata de julgamento no Id 4280674). 

O julgamento ocorreu no TJGO em 09/12/2020. Houve interposição de embargos declaratórios pelo reclamado, os quais foram rejeitados em Sessão do dia 14/04/2021 (conforme informações constantes no Id 4355774).

O magistrado reclamado chegou a interpor "recurso administrativo" do referido julgamento, todavia desistiu (Id 4358217).

O Presidente do TJGO informou o cumprimento da medida com a remoção do magistrado da Comarca de Itaberaí, para a Comarca de Goiás (Id 4370374 e 4370375).

Considerando a gravidade dos fatos imputados e sua eventual desproporcionalidade com a pena de remoção compulsória aplicada, determinei a intimação do representado para defesa prévia, diante da possibilidade de instauração de Revisão Disciplinar (Id 4471357), o que ocorreu no dia 15/09/2021 (Id 4481705).

No Id 4498542, o magistrado reclamado apresentou defesa prévia alegando, em suma, que a condenação decorreu exclusivamente da palavra da vítima, cujo valor é relativo, quando cotejado com as demais testemunhas e ainda tendo em vista os benefícios e as vantagens (mudança de cargo, aumento de salário, dentre outros) que as vítimas auferiram com as denúncias veiculadas, não sendo o caso de revisão por não estar, a pena aplicada, contrária a prova dos autos.

É o relatório.

A14/Z09

VOTO

A MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORREGEDORA NACIONAL DE JUSTIÇA (Relatora): 

Trata-se de apuração de infração disciplinar investigada pela Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de Goiás, que aplicou ao magistrado requerido a pena de remoção compulsória em acórdão assim longamente ementado (Id 4280675): 

 

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. VIOLAÇÃO À LEI ORGÂNICA DA MAGISTRATURA NACIONAL E AO CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA NACIONAL.

01. PRELIMINARES 

1.1. DA INSTAURAÇÃO E CONDUÇÃO DA RECLAMAÇÃO E DO PROCESSO DISCIPLINAR. 

No caso vertente, a instauração da Reclamação Disciplinar se deu através de denúncias realizadas em audiências ocorridas no curso de inspeção realizada pelo 3º Juiz Auxiliar da Corregedoria Geral de Justiça, que lavrou os respectivos termos contendo os fatos descritos pelos denunciantes e requisitou a distribuição dos documentos aos juízes auxiliares da CGJ. Posteriormente, como já relatado em linhas volvidas, a apuração das infrações foi regida pela Corregedoria Geral da Justiça, submetida ao Órgão Especial desta Corte estadual, com instauração do Processo Administrativo pelo Presidente deste egrégio Tribunal, através da Portaria nº 003/2018, que delimitou de forma clara e objetiva as infrações a serem apuradas bem como sua respectiva capitulação jurídica. Além disso, a instrução probatória se deu de forma ampla, com liberdade para produção de provas por todos os meios possíveis, comunicação e colaboração constante entre os interessados e, com ciência do Ministério Público do Estado de Goiás. Tanto que, apesar de se limitar o número de testemunhas elencadas pelo Processado, lhe foi permitida a apresentação de um rol de até 26 pessoas. Desta forma, conclui-se pela inexistência de cerceamento do direito de defesa do réu ou violação do devido processo legal no caso sob análise, porquanto devidamente observadas a legislação constitucional e infraconstitucional na formação e condução dos presentes autos, frise-se, que tem por finalidade a apuração de infrações disciplinares, já elencadas no relatório e na transcrição da portaria que instaurou o presente PAD. 

1.2. DO INQUÉRITO CIVIL PRESIDIDO PELO PROMOTOR DE JUSTIÇA DA COMARCA DE ITABERAÍ. 

A instauração do Inquérito Civil nº 009/2018 se deu em razão de indícios de conduta possivelmente tipificada como improbidade administrativa pelo juiz processado. Logo, sua juntada nos presentes autos, como elemento de caráter informativo, não macula a Reclamação Disciplinar ou mesmo o Processo Administrativo Disciplinar. Portanto, não se verifica a arguida nulidade na juntada do Inquérito Civil nº 009/2018 e, quanto à possibilidade de instauração do procedimento investigativo por Promotor de Justiça para apuração de possíveis condutas tipificadas como improbidade administrativa, tal análise deverá ocorrer em processo próprio na instância civil, não no presente PAD. 

02. DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E DAS CONDUTAS NÃO COMPROVADAS 

O Procedimento Administrativo Disciplinar deve partir do princípio basilar da presunção de inocência, imperativo que deve pautar a condução de verificação de culpabilidade na esfera penal, civil ou administrativa. Sobre a previsão legal do aludido vértice interpretativo, malgrado a Constituição Federal de 1988 não traga previsão expressa quanto à sua irradiação para a alçada administrativa, limitando-se à impor sua observância aos procedimentos penais, a presunção de inocência consubstancia-se em um desdobramento natural do princípio do devido processo legal que se aplica ao Processo Administrativo Disciplinar de forma irrestrita. Nesse sentido, destacam-se as normas constitucionais insculpidas no art. 5º, incisos LVII e LIV, da CF. Ademais, a Convenção Interamericana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), que ocupa caráter supralegal no ordenamento jurídico pátrio, traz, em seu artigo 8º, incisos 1 e 2, expressamente a incidência da presunção de inocência de forma ampla. In casu, não foi possível verificar a existência de elementos probatórios suficientes para caracterizar as seguintes condutas inicialmente atribuídas ao Processado: apropriação de cestas básicas; receber, direta ou indiretamente, em razão da função exercida, vantagem indevida de advogados na forma de presentes; praticar, a pedido de advogados, atos judiciais específicos em processos do juízo da Vara Cível, Criminal, da Infância e da Juventude, das Fazendas Públicas e de Registros Públicos, de titularidade do Dr. Gustavo Braga Carvalho, durante substituição ou plantão; determinar e/ou se omitir de responsabilizar servidores do Fórum que teriam registrado o ponto eletrônico de sua esposa Sra. Mona Lisa, quando esta faltava ao trabalho; dar, em relação aos recursos do fundo rotativo, aplicação diversa da estabelecida em lei e determinar que, na prestação de contas de itens, que em tese não poderiam ser adquiridos pelo Fundo Rotativo, fossem elencados outros artigos diversos que pudessem justificar os gastos; abusar de sua autoridade ao recrutar reeducandos para auxiliar na mudança do magistrado reclamado para sua residência atual. Conquanto em diversos pontos os depoentes afirmarem que “ouviram dizer” que as condutas foram praticadas, no desdobramento da fase de instrução não foram produzidas outras provas capazes de ratificar a prova indireta, sendo defeso o juízo condenatório exclusivamente em razão deste indício. 

03. DAS DEMAIS CONDUTAS EFETIVAMENTE COMPROVADAS 

A apuração de infração administrativa segue o modelo estabelecido no Direito Penal, quanto à estrutura da infração e seus institutos. Logo, tal como a conduta consubstanciada em crime, aquela caracterizada como infração administrativa deve ser típica, antijurídica e culpável. Desta forma, a ação ou omissão do processado deve ter correlação com elementos de norma proibitiva (tipicidade), não se encontrar no rol de condutas permitidas ou fomentadas pelo Poder Público (antijuridicidade), e o agente deve ter consciência dessa proibição legal, bem como de sua responsabilidade de agir de modo diverso (culpabilidade). No caso em tela, após debruçar-me sobre o extenso substrato probatório, entendo que as condutas perpetradas pelo Processado que restaram devidamente comprovadas, após a instrução do PAD, foram as seguintes: a) assediar servidoras do Fórum; b) usar veículo oficial do Poder Judiciário para fins particulares; c) apropriar-se de bens móveis e itens de papelaria de propriedade do Tribunal de Justiça para uso em sua residência; d) inobservância de impedimento legal para despachar atos, ainda que administrativos, relativos à sua esposa Sra. Mona Lisa; e) determinar ou autorizar a prática de desvio de função entre os servidores. Assim, passo à análise minuciosa dos elementos caracterizadores das infrações disciplinares correlatas, capituladas juridicamente de forma escorreita desde a instauração do PAD, através da Portaria nº 003/2018 editada pela Presidência do TJGO, já considerada a exclusão das condutas cuja absolvição foi declarada em linhas volvidas. As 5 imputações mencionadas alhures e devidamente comprovadas nos autos implicam em violação dos seguintes dispositivos legais: artigo 35, inciso VIII, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LOMAN, artigos 1º, 2º, 8º, 15, 16, 18 e 37, todos do Código de Ética da Magistratura Nacional, e artigo 37 da Constituição Federal. 

3.1. USAR VEÍCULO OFICIAL DO PODER JUDICIÁRIO PARA FINS PARTICULARES E APROPRIAÇÃO DE BENS MÓVEIS DO PATRIMÔNIO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PARA USO RESIDENCIAL 

As condutas de utilização indevida de veículo oficial e apropriação indevida de bens móveis pertencentes ao patrimônio do TJGO, caracterizam-se como concurso formal de infrações. Isso porque cuidam-se de duas ações distintas que ofenderam a mesma norma proibitiva insculpida no art. 18 do Código de Ética da Magistratura Nacional. Estabelecida tal premissa normativa, é possível se concluir pela tipicidade formal das condutas, porquanto realizados os elementos da norma vilipendiada, visto que houve efetivamente o uso indevido do veículo quando o magistrado utilizou do carro oficial e motorista para se deslocar entre a comarca de Itaberaí até sua residência em Goiânia ou para fazer o caminho inverso. Ainda que a modificação do trajeto da viagem para fins oficiais tenha sido mínimo como defende o Processado, a utilização indevida do carro oficial restou devidamente comprovada através dos testemunhos colhidos. Da mesma forma, não se deve olvidar do prejuízo decorrente da apropriação indevida de bens móveis pertencentes ao patrimônio deste egrégio Tribunal. A manutenção indevida dos móveis na residência do Processado é incontroversa, pois consta dos autos manifestação espontânea quanto à restituição dos bens ao edifício do fórum da comarca de Itaberaí. Inexistentes hipóteses excludentes da antijuridicidade da conduta e sendo o servidor processado plenamente capaz, imperioso o reconhecimento da consumação da infração disciplinar prevista no art. 18 do Código de Ética da Magistratura Nacional. 

3.2. INOBSERVÂNCIA DE IMPEDIMENTO LEGAL PARA ATUAÇÃO EM PROCEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS DE INTERESSE DE SEU CÔNJUGE E DESVIO DE FUNÇÃO PARA BENEFICIAR FINANCEIRAMENTE DETERMINADO SERVIDOR 

A atuação do magistrado em procedimentos administrativos de interesse de Mona Lisa Luiz Pereira Veloso Lino, cônjuge do magistrado, restou devidamente caracterizada através de documentos e depoimentos prestados por testemunhas. O próprio réu indica que tinha consciência de sua atuação em tais procedimentos, uma vez que tenta justificá-los como despachos de mero expediente sem vedação legal. As ações praticadas reiteradamente pelo magistrado ao atuar diretamente nos pedidos administrativos realizados por sua esposa, caracterizam violação do art. 8º do Código de Ética da Magistratura Nacional. Ademais, no âmbito administrativo, ou de procedimentos administrativos, a vedação por impedimento não deve ser afastada. Tanto que a Lei estadual nº 13.800/01, que trata dos processos administrativos inclusive no âmbito do Poder  Judiciário, prevê o impedimento do servidor ou autoridade que tenha interesse direto ou indireto na matéria tratada nos autos do procedimento. E ainda, define como falta grave, para fins disciplinares, a omissão do dever de comunicar o impedimento. Quanto à acusação de desvio de função entre servidores para favorecimento financeiro do servidor Alexandre Santana Xavier de Lima em detrimento da servidora Andréia da Silva Ribeiro Lemes, entendo, mais uma vez, que se trata de concurso formal, porquanto revela conduta diversa daquela anteriormente narrada neste tópico, mas que viola o mesmo preceito legal que exala do art. 8º do Código de Ética da Magistratura Nacional. A ação do magistrado de beneficiar servidor específico sob seu comando em detrimento de outro, através de medida fraudulenta, constitui violação do dever de evitar favoritismo ou preconceito durante sua atuação, nos termos do art. 8º do Código de Ética da Magistratura Nacional, o que caracteriza, mais uma vez, infração disciplinar por parte do acusado. 

3.3. ASSEDIAR SERVIDORAS DO FÓRUM 

Neste ponto, salienta-se que a acusação de assédio inicialmente subdividiu-se em 4 acusações contra 4 pessoas distintas: Daniely Cristina Pereira da Silva, Lorena Carla Pereira Guimarães, Allyda Carolina da Cunha Maciel e Olívia da Silva Ribeiro. Em relação a Daniely e Lorena, os elementos produzidos tanto na fase investigatória quanto na fase de instrução indicam a inexistência de efetivo assédio por parte do acusado. Contudo, no tocante à Allyda e à Olívia, entendo que restou comprovado o assédio. Allyda foi abordada com oferta de trocar dinheiro por uma relação mais íntima com seu então superior hierárquico. Apesar da divergência entre testemunhas e a vítima, em situação dessa natureza, a palavra da vítima tem um valor maior, já que o fato ocorreu em conversa particular. Nota-se que as testemunhas de defesa não foram capazes de comprovar a inexistência do fato, tão somente que não o presenciaram. Desta forma, considerando que a vítima em suas declarações iniciais e posteriormente em juízo, afirmou a conduta imprópria do magistrado, restou comprovada a ofensa ao seu dever de manter postura irrepreensível na vida pública e privada, além da violação da honra, da dignidade e da probidade, pelas quais o juiz deve pautar suas ações. No mesmo sentido, comprovou-se que o magistrado, surpreendeu a servidora Olívia com um beijo não consentido em seu pescoço, o que configura falta gravíssima aos preceitos supracitados, visto que completamente incompatível com a conduta que se espera da autoridade ora processada. Durante a dilação probatória, houve a confirmação do ocorrido por testemunha ocular, além da reiteração do fato pela própria vítima. Conquanto conste nos autos testemunho produzido pela defesa que sustente o contrário, mais uma vez, a palavra da vítima tem um peso relevante, porque se trata de conduta de cunho íntimo. Portanto, com relação ao assédio das servidoras Allyda e Olívia, entendo que os elementos probatórios são suficientes para comprovar violação do art. 35, inciso VIII, da Lei Complementar nº 35/79 (Loman). Ante o exposto, observada a gravidade da conduta, nota-se que inexiste excludente de ilicitude e a culpabilidade deve ser ainda mais acentuada, por se tratar de autoridade pública, com plena consciência de seu papel social e da necessidade de uma postura digna, honrada e proba, tanto na vida pública quanto privada. Por tais razões, devem ser julgadas procedentes as acusações de assédio contra as servidoras Allyda e Olívia, ao passo que inicio a dosimetria das penas. 

04. DAS PENAS 

Vale ressaltar que, no caso em tela, foram apuradas diversas condutas que violaram o mesmo preceito legal, enquanto outras condutas violaram dispositivos diversos. Assim, ocorreu tanto o concurso formal quanto o material de infrações disciplinares, o que levará a uma análise individual de cada espécie. Contudo, antes de entrar nas minúcias da dosimetria, importante criar uma premissa normativa comum às diversas penas aplicáveis no caso ora analisado. O art. 3º da Resolução n. 135 do CNJ e o art. 43 da LOMAN trazem as possíveis penas aplicáveis aos magistrados condenados ao final do Processo Administrativo. No art. 4º da Resolução n. 135 do CNJ, foram estabelecidos critérios de gradação das penas, que devem guardar proporcional correlação à gravidade das infrações cometidas pelo condenado, além da necessidade de se observar a vida pregressa e funcional do magistrado, no caso de reincidência. Pois bem. Estabelecido o regramento comum na dosimetria das penas para a situação posta perante este colendo Órgão Especial, passo à aplicação das punições devidas. 

4.1. VIOLAÇÃO DO ARTIGO ART. 18 DO CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA NACIONAL. 

No caso das ações perpetradas e tratadas no tópico 3.1. USAR VEÍCULO OFICIAL DO PODER JUDICIÁRIO PARA FINS PARTICULARES E APROPRIAÇÃO DE BENS MÓVEIS DO PATRIMÔNIO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PARA USO RESIDENCIAL, constatou-se a violação do art. 18 do Código de Ética da Magistratura Nacional. Partindo-se do critério estabelecido no art. 4º da Res. n. 135 do CNJ, e considerando-se o concurso formal das infrações em questão, entendo que a pena aplicável é a de advertência. Isso porque inexistem elementos que comprovem a reincidência, até o momento, de condutas violadoras de normas administrativas. Logo, a dosimetria neste caso deve partir da possível pena mais branda. In casu, tenho que as ações ainda que distintas, mas que violaram o mesmo preceito normativo, caracterizam reiteração no descumprimento de deveres do cargo. Outrossim, ao determinar a gradação da pena de acordo com a gravidade da conduta, o art. 4º da Res. n. 135 do CNJ, indica a imprescindibilidade do exercício da proporcionalidade. Assim, sopesadas as circunstâncias do caso concreto, pautando-se na proporcionalidade, e em observância estrita às normas que regem o PAD sob análise, deve ser aplicada ao magistrado processado a pena de ADVERTÊNCIA, por violação do art. 18 do Código da Magistratura Nacional, em razão do uso de veículo oficial do Poder Judiciário para fins particulares e apropriação de bens móveis do patrimônio do Tribunal de Justiça para uso residencial, condutas consideradas em concurso formal de infrações administrativas. 

4.2. VIOLAÇÃO DO ARTIGOS ART. 8º DO CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA NACIONAL. 

No caso das ações perpetradas e tratadas no tópico 3.2. INOBSERVÂNCIA DE IMPEDIMENTO LEGAL PARA ATUAÇÃO EM PROCEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS DE INTERESSE DE SEU CÔNJUGE E DESVIO DE FUNÇÃO PARA BENEFICIAR FINANCEIRAMENTE DETERMINADO SERVIDOR, constatou-se a infração ao art. 8º do Código de Ética da Magistratura Nacional. Mais uma vez, pautando-se no art. 4º da Res. n. 135 do CNJ, e considerando-se novamente o concurso formal das infrações em questão, a pena aplicável é a de censura. Vale destacar que tal pena independe de reincidência e ocorrerá em duas situações: na reiteração de condutas negligentes no cumprimento dos deveres do cargo e nos procedimentos incorretos, quando não for justificável pena mais grave. Assim, neste ponto, feitas as devidas considerações das circunstâncias in concreto, atenta ao princípio da proporcionalidade, e em observância ao regramento do presente PAD, considero adequada a pena de CENSURA, por violação do art. 8º do Código da Magistratura Nacional, em razão de sua atuação em processos administrativos para os quais era impedido e pelo favorecimento de um servidor em detrimento de outro, com desvio de função exclusivamente para benefício financeiro injustificado. 

4.3. VIOLAÇÃO DO ARTIGO ART. 35, INCISO VIII, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 35/79 (LOMAN) 

No caso das ações perpetradas e tratadas no tópico 3.3. ASSEDIAR SEXUALMENTE SERVIDORAS DO FÓRUM, constatou-se a infração ao art. 35, inciso VIII, da Lei Complementar nº 35 de 14.03.1979 (LOMAN). Recorrendo-se novamente ao art. 4º da Res. n. 135 do CNJ, e com observância da gravidade das ações do magistrado, a pena aplicável, in casu, é a de remoção compulsória da comarca de Itaberaí. No caso ora sob escrutínio, certamente o Processado incorreu tanto na hipótese de violação do dever de manutenção irrepreensível conduta na vida pública, quanto em ofensa à dignidade, ã honra e ao decoro de suas funções, sendo possível até mesmo a pena de aposentadoria compulsória, dependendo da gravidade da conduta. No entanto, após análise minudente das circunstâncias, denota-se que o avanço da conduta de assédio foi mínimo, isto é, o iter da infração não se desdobrou a ponto de justificar a pena mais grave. Assim, no caso em tela, a gravidade da infração e considerando-se que as ações em si tornaram inviável a permanência do magistrado no foro onde se praticou os atos de assédio, restam devidamente preenchidos os requisitos tanto relacionados à gradação da pena quanto ao interesse público pela remoção do juiz da comarca de Itaberaí. Vale destacar que tal pena independe de reincidência e deverá ser aplicada quando a pena de censura for insuficiente e houver interesse público pela remoção do juiz, diante do desgaste de sua imagem perante a comunidade jurídica e demais cidadãos locais. Desta forma, com apoio nas razões acima expostas, diante da gravidade das circunstâncias de assédio às servidoras, chegando à intimidade física não consentida e oferta de valores por contato íntimo a servidora lotada no foro de Itaberaí, condutas cuja consumação restou comprovada pelo substrato probatório produzido no curso do PAD, a pena aplicável é a REMOÇÃO COMPULSÓRIA da comarca de Itaberaí, por violação do art. 35, inciso VIII, da Loman, com previsão desta penalidade prevista no art. 5º da Resolução n. 135 do CNJ.

4.4. DO CONCURSO MATERIAL. E COMPATIBILIDADE DAS PENAS.

Além do concurso formal, conclui-se pela existência do concurso material de infrações, porquanto condutas diversas feriram várias normas distintas, todas tratadas neste mesmo Procedimento Administrativo Disciplinar. In casu, observa-se a compatibilidade das penas quanto à possibilidade de cumulação em decorrência do concurso material. Assim, atenta às orientações ora indicadas e aos preceitos que regem a esfera penal, ora utilizados de forma subsidiária, deverão ser aplicadas cumulativamente as penas, com anotação da advertência e censura na ficha funcional e encaminhamento ao setor responsável para imediata relotação do magistrado, nos termos do Regimento Interno e demais normas deste egrégio sodalício. 

PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PARCIAL PROCEDÊNCIA. COM ACOLHIMENTO PARCIAL DO PARECER DA PGJ, PARA APLICAR PENAS CUMULADAS DE ADVERTÊNCIA, CENSURA E REMOÇÃO COMPULSÓRIA. (Id 4280675)

 

É de se registrar que embora conste na ementa a aplicação cumulativa das penas de censura e advertência, tal circunstância constava no voto da Corregedora-Geral de Justiça, mas não foi acatada pela maioria do Tribunal, restando aplicada tão-somente a pena de remoção compulsória.

De início, o art. 82 do RICNJ estabelece que “poderão ser revistos, de ofício ou mediante provocação de qualquer interessado, os processos disciplinares de juízes e membros de Tribunais julgados há menos de um ano do pedido de revisão”. 

Assim, tem-se que a pretensão revisional do CNJ, seja através de procedimento próprio, seja mediante o prosseguimento da apuração originária, deve ser exercida sob o limite temporal de um ano, a partir do julgamento disciplinar pelo Tribunal local, à luz do art. 103-B, § 4º, inciso V, da Constituição Federal.

Na hipótese dos autos, inexistem elementos que caracterizem a ocorrência do prazo decadencial, pois o julgamento inicial do caso ocorreu no dia 09/12/2020, foi publicado o acórdão no dia 12/01/2021 (Id 4280677) e houve a interposição de embargos de declaração, julgados em 14/04/2021 (Id 4355778). Houve ainda um “recurso administrativo” interposto pelo reclamado. Em seguida houve a desistência de sua interposição com a renúncia do prazo recursal, conforme decisão que a homologou proferida em 13/05/2021 (Id 4358217).

Posto isso, somente será admitida a revisão disciplinar nas estritas hipóteses previstas no artigo 83 do Regimento Interno do CNJ:

Art. 83. A revisão dos processos disciplinares será admitida:

I - quando a decisão for contrária a texto expresso da lei, à evidência dos autos ou a ato normativo do CNJ;

II - quando a decisão se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;

III - quando, após a decisão, surgirem fatos novos ou novas provas ou circunstâncias que determinem ou autorizem modificação da decisão proferida pelo órgão de origem.

E, no caso dos autos, foi imposta ao magistrado a pena de remoção compulsória, entendida como suficiente e adequada para punir as infrações disciplinares praticadas.

Acerca de tanto, é imperioso observar o princípio da proporcionalidade e, como seu corolário, o princípio da individualização da pena (inciso XLVI do art. 5° da Constituição Federal) na fixação da sanção disciplinar, de modo a ponderar a gravidade da infração cometida, o dano causado à prestação jurisdicional e à Justiça de forma geral, bem como o grau de culpabilidade do magistrado, tudo em obséquio da adequação da punição disciplinar à falta cometida. 

 A Lei Complementar n. 35/1979 estabelece que:

Art. 42 - São penas disciplinares:

I - advertência;

II - censura;

III - remoção compulsória;

IV - disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço;

V - aposentadoria compulsória com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço;

VI - demissão.

Nos termos dos artigos 43 e 44 da LC n. 35/1979, as duas primeiras sanções são aplicáveis nos casos de "negligência no cumprimento dos deveres do cargo" e de "reiterada negligência no cumprimento dos deveres do cargo, ou no de procedimento incorreto, se a infração não justificar punição mais grave". 

E, conforme a Resolução n. 135 do CNJ, “o magistrado será posto em disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, ou, se não for vitalício, demitido por interesse público, quando a gravidade das faltas não justificar a aplicação de pena de censura ou remoção compulsória” (art. 6º), sendo, pois, cabíveis as penas mais brandas de censura e remoção compulsória quando a maior gravidade da falta cometida não justificar a aplicação das penas mais severas de disponibilidade ou demissão.

Ademais, o magistrado será aposentado compulsoriamente quando se mostrar manifestamente negligente no cumprimento de seus deveres; proceder de forma incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções; ou demonstrar escassa ou insuficiente capacidade de trabalho, ou apresentar comportamento funcional incompatível com o bom desempenho das atividades do Poder Judiciário. (art. 7º).

Por fim, a demissão se restringe aos magistrados não vitalícios ou nos casos previstos no art. 26, I e Il, da LC n. 35/1979.

E, no presente caso, tenho que as infrações disciplinares em questão são graves demais para a pena de remoção compulsória, justificando a instauração de Revisão Disciplinar para aplicação de pena mais severa, por ser a decisão da Corregedoria local contrária a ato normativo do CNJ, notadamente o artigo 6.º da Resolução n. 135/CNJ.

De fato, instaurado o Processo Administrativo Disciplinar nº 201804000088001 em desfavor do magistrado, restou comprovado, em síntese, que o requerido (conforme trechos que extraio da própria ementa do julgado e do corpo do acórdão): 

1) utilizou indevidamente veículo oficial, pois teria restado comprovado que “o magistrado utilizou do carro oficial e motorista para se deslocar entre a comarca e Itaberaí até sua residência em Goiânia ou para fazer o caminho inverso”, bem como restou demonstrada, em tese, a “apropriação indevida de bens móveis pertencentes ao patrimônio deste egrégio Tribunal”, que posteriormente foram restituídos pelo magistrado sob a justificativa de que realizava trabalho em casa, a saber (Id 4280675, p. 74-75):

• 01 Armário alto em aço com 2 portas e 4 prateleiras – cor argila – 2000mm – 431912

• 01 Estabilizador de tensão, marca ACP, modelo sol 2000 – 370841

• 01 Impressora a laser monocromática, marca Lexmark, modelo E120 – 145807

• 01 Cadeira giratória – 117278

• 01 Cadeira fixa – 027770

• 02 mesas com 02 gaveteiros – 096695, 096693, 096745 e 096717    

2) “atuação do magistrado em procedimentos administrativos de interesse de Mona Lisa Luiz Pereira Veloso Lino, cônjuge do magistrado” especialmente “ao atuar diretamente nos pedidos administrativos realizados por sua esposa” bem como o “desvio de função entre servidores para favorecimento financeiro do servidor Alexandre Santana Xavier de Lima em detrimento da servidora Andréia da Silva Ribeiro Lemes” consistindo, em tese, “ação do magistrado de beneficiar servidor específico sob seu comando em detrimento de outro, através de medida fraudulenta” e; 

3) a prática de assédio comprovada em face de ao menos duas servidoras pois “no tocante a Allyda e Olívia, entendo que restou comprovado o assédio. Allyda foi abordada com oferta de trocar dinheiro por uma relação mais íntima com seu então superior hierárquico” bem como “comprovou-se que o magistrado, surpreendeu a servidora Olívia com um beijo não consentido em seu pescoço”. Eis as narrativas de depoimentos tal como constantes no acórdão (Id 4280675, p. 89-94): 

            Allyda foi abordada com oferta de trocar dinheiro por uma relação mais íntima com seu então superior hierárquico. Neste sentido destacam-se trechos do depoimento da vítima aos 4:32 minutos de seu depoimento:

[...] “Promotor: Em confraternização em 2017, o Dr. Ernani se aproximou da depoente e ofereceu dinheiro se ela aceitasse sair com ele? 

Allyda: É e ajuda também, porque eu fazia faculdade, pagava aluguel sozinha. 

Promotor: Ele ofereceu dinheiro nessa festa para a senhora sair com ele? 

Allyda: Sim. 

Promotor: Como é que foi isso? No meio de todo mundo lá? 

Allyda: Não, no meio de todo mundo não […] ele não ia fazer isso na frente de todo mundo. […] ele ofereceu assim: você estuda, paga aluguel sozinha. Eu lembro que eu falei pra ele: Doutor, o senhor é casado! 

Promotor: No depoimento da senhora, a senhora disse que o Dr. Ernani fez gesto de dinheiro com a mão e disse que sabia que a depoente estudava e precisava de dinheiro. Que não houve dúvida de que a oferta de dinheiro foi em troca de uma relação mais íntima. Que a depoente estava separada por cerca de 8 meses. 

Allyda: Isso, mais ou menos isso. Isso. 

Promotor: Depois que a depoente se recusou o Dr. Ernani passou a tratá-la de forma fria e distante, foi isso mesmo? 

Allyda: isso mesmo!” […] 

O acusado defende que as testemunhas de defesa, por sua vez sustentaram a inexistência da conduta. Porém, nota-se que as testemunhas de defesa não foram capazes de comprovar a inexistência do fato, mas tão somente que não o presenciaram. 

Ocorre que, em situações tais, a palavra da vítima tem um valor maior, visto que a situação se deu em conversa particular. Desta forma, considerando que a vítima em suas declarações iniciais e posteriormente em juízo, afirmou a conduta imprópria do magistrado, restou comprovada a ofensa ao seu dever de manter postura irrepreensível na vida pública e privada, além da violação à honra, dignidade e probidade, pelas quais o juiz deve pautar suas ações. 

No mesmo sentido, comprovou-se que o magistrado, surpreendeu a servidora Olívia com um beijo não consentido em seu pescoço, o que configura falta gravíssima aos preceitos supracitados, posto que completamente incompatível com a conduta que se espera da autoridade ora processada. 

Durante a dilação probatória, houve a confirmação do ocorrido por testemunha ocular, além da reiteração do fato pela própria vítima, ad litteram

[…] “Promotor: A senhora já presenciou ele dar um beijo no pescoço de alguma servidora de forma inapropriada? 

Allyda: Sim, da Olívia. […] eu vi, mas geralmente ele brinca né. […] eu acho que ela não gostou muito não, foi constrangedor, ainda mais porque a esposa dele trabalha aqui né”. […] 

(início aos 01:51 minutos do depoimento de Allyda Carolina da Cunha Maciel) 

[…] “Promotor: Como é que foi, ele beijou o pescoço da senhora? Abraçou? 

Olívia: Isso, vinha dava beijinho, mordia, tipo assim uma chupadinha. 

[…] Promotor: O que aconteceu com a senhora foi só uma vez? A senhora já falou para? 

Olívia: Não e eu falei com ele: para, sua mulher trabalha aqui, alguém pode ver. Mas ele respondia que ninguém ia ver não. 

Promotor: A senhora pedia para ele não fazer isso mas ele vinha e fazia outras vezes? 

Olívia: sim. 

Promotor: A senhora via isso como segundas intenções ou como um gesto carinhoso mas que incomodava a senhora? 

Olívia: No começo eu achava que era uma brincadeira, mas depois eu me sentia mal”.

 […] (início aos 03:47 minutos do primeiro depoimento da vítima Olívia da Silva Ribeiro)

Vale salientar que, logo após o último trecho transcrito, aos 00:25 minutos da segunda parte do depoimento, a vítima Olívia interrompeu a narrativa em razão de uma crise de choro. Após alguns segundos para acalmar a vítima, o depoimento foi retomado: 

[…] “Promotor: Esse beijo que ela dava no pescoço da senhora, era de surpresa? Ou era consentido? 

Olívia: Isso, era meio de surpresa […] eu falava para ele: Doutor não faz isso, olha sua esposa. 

Promotor: a senhora tentou sair? 

Olívia: eu saía, mas ele insistia. 

Promotor: segundo a senhora ele ria e dizia que a Mona Lisa não estava vendo nada? 

Olívia: Isso. […] 

Promotor: ele puxou a senhora para dentro da sala do júri? Como é que foi isso? 

Olívia: Eu estava na porta da cozinha e ele chegou pelo fundo, pegou no meu braço e disse: vem aqui. E entramos no júri. Ele disse:

Como é difícil achar seu número! Eu quero seu número agora, estou mandando, não estou pedindo” 

Olívia: […] na confraternização ele disse: hoje você vai embora comigo […]. 

Promotor: Ele estava oferecendo uma carona ou um chamamento para uma coisa mais íntima? 

Olívia: Isso, ele falou: hoje você vai embora comigo. […] depois disso pedi para o Leandro para ir embora”. 

[…] (a partir dos 02:27 minutos da segunda parte do depoimento da vítima Olívia da Silva Ribeiro) 

Conquanto conste nos autos testemunho produzido pela defesa que sustente o contrário, referente ao beijo no pescoço ocorrido na copa e presenciado por Allyda, mais uma vez, a palavra da vítima tem um peso relevante, posto que se trata de conduta de cunho íntimo e ocorrida de forma reiterada segundo a vítima. 

Assim, a gravidade dos fatos apurados evidencia que a aplicação da penalidade de remoção compulsória, não obstante os fundamentos da decisão proferida, não parece adequada à hipótese dos autos, tornando necessária a abertura de procedimento revisional para análise de uma possível readequação da sanção disciplinar, nos termos do artigo 83, inciso I, do RICNJ. 

A propósito, a jurisprudência deste Conselho Nacional de Justiça admite a instauração de revisão de processo disciplinar, quando da análise das informações prestadas pelo órgão censor local, constata-se que a sanção aplicada é inadequada ao contexto fático-probatório ventilado nos autos. Confira-se:

REVISÃO DISCIPLINAR. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ. CONHECIDO. APLICAÇÃO DE PENALIDADE DE ADVERTÊNCIA. DESNECESSIDADE DE CONDUTA DOLOSA. “PENALIDADE CONTRÁRIA ÀS PROVAS DOS AUTOS. PEDIDO DE APLICAÇÃO DE PENALIDADE DE CENSURA. PEDIDO DEFERIDO. PEDIDO DE CORREIÇÃO. INDEFERIDO. REVISÃO DISCIPLINAR PROVIDA.

 - É passível de revisão a penalidade imputada a magistrado em desacordo com o conjunto probatório dos autos (art. 83, inc. I, do RICNJ).

- A Lei Orgânica da Magistratura Nacional é cristalina ao vincular a pena de advertência a atos omissivos, caracterizadores de conduta meramente negligente (art. 43)”. Precedente do CNJ.

- In casu, o represamento injustificado e a mora processual, por culpa de magistrado, atentam contra o dever do magistrado de não exceder injustificadamente os prazos para sentenciar ou despachar, previsto no art. 35, inc. II , da LOMAN, o que dá azo à penalidade de censura, nos termos do art. 42, inc. II, c/c art. 44, todos da LOMAN.

- Não se pode considerar culpado o magistrado, que em virtude de férias regulares, deixa de marcar audiências para esse período. Esse encargo é do seu substituto legal.

- A conduta reiterada do magistrado, que não recebeu recursos em sentido estrito do Ministério Público, contra decisão que concede habeas corpus (art. 581, inc. X, do CPP), sob a alegação de existência de recurso de ofício, é passível de aplicação da penalidade de advertência (art. 35, inc. I, c/c art. 42, inc. I, e c/c art. 43, todos da LOMAN).

- Outrossim, a conduta do magistrado de não abrir vista ao Ministério Público, nem antes nem depois da prolação de decisão que concedeu liberdade provisória, agindo em desacordo com o art. 333 e art. 310, ambos do Código de Processo Penal, também é passível de advertência, consoante o art. 35, inc. I, c/c art. 42, inc. I, e c/c art. 43, todos da LOMAN.

- A reiteração de condutas culposas e a verificação de procedimento incorreto do magistrado, ainda que desprovidos de má-fé, ensejam a aplicação da penalidade de censura, nos termos do art. 35, incs. I e II, c/c art. 42, inc. II, c/c art. 44, todos da LOMAN e do art. 4º da Resolução n. 135 do Conselho Nacional de Justiça.

- Não há necessidade de correição do CNJ em vara judicial que já foi alvo de procedimentos correicionais recentes por parte do Tribunal de origem, sem que haja qualquer elemento novo que não foi avaliado por este.

- Diante do exposto, julgo procedente a presente Revisão Disciplinar, consoante o art. 83, inc. I, c/c art. 88, ambos do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça, para aplicar a penalidade de censura ao magistrado José Ribamar Oliveira Silva, nos termos do art. 35, incs. I e II, c/c art. 42, inc. II, c/c art. 44, todos da LOMAN e do art. 4º da Resolução nº 135 do Conselho Nacional de Justiça.”

[....] (CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 00038628620122000000 - Rel. JEFFERSON LUIS KRAVCHYCHYN - 161ª Sessão - j. 11/12/2012).

Dessa forma, com fundamento no que dispõem os arts. 82 e 86 do RICNJ, voto pela instauração da revisão de processo disciplinar, para verificação da necessidade de modificar a penalidade aplicada ao juiz de direito ERNANI VELOSO DE OLIVEIRA LINO.

É como voto.