Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0000039-40.2023.2.00.0802
Requerente: ESTADO DE ALAGOAS
Requerido: LUCIANO AMERICO GALVAO FILHO

 


EMENTA

 

 PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. MAGISTRADO DE PRIMEIRO GRAU. AUSÊNCIA DE QUÓRUM DE MAIORIA ABSOLUTA PARA INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR NA ORIGEM. REMESSA AO CNJ. INDÍCIOS DE INFRAÇÃO DISCIPLINAR PRATICADA POR MAGISTRADO. ATOS DE LESÃO CORPORAL E AMEAÇA. UTILIZAÇÃO DO CARGO PARA OBTER AMPARO POLICIAL A FIM DE INTIMIDAR DESAFETOS. APARENTE VIOLAÇÃO DE DEVERES ESTABELECIDOS NA LEI ORGÂNICA DA MAGISTRATURA NACIONAL E NO CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA. INSTAURAÇÃO DE PAD, COM AFASTAMENTO DO MAGISTRADO.

1. Pedido de Providências instaurado no Tribunal de origem em razão de condutas indevidas do requerido envolvendo servidão de passagem no imóvel do requerente. Arquivamento da investigação preliminar por não ter sido alcançada a maioria absoluta dos integrantes do Pleno do TJAL para instauração de Processo Administrativo Disciplinar.

2. À luz do disposto nos incisos III e V do § 4º do art. 103-B da Constituição Federal, quando o Tribunal local não procede à instauração de PAD – determinando, consequentemente, o arquivamento da investigação preliminar –, exsurge a competência originária do Conselho Nacional de Justiça para reavaliar tal decisão, e não a competência revisional materializada na figura da Revisão Disciplinar prevista no art. 82 e seguintes do Regimento Interno (RevDis 0004541-76.2018.2.00.0000 - relator LUIS FELIPE SALOMÃO - 361ª Sessão Ordinária - julgado em 6/12/2022).

3. Na espécie, emerge do arcabouço acostado aos autos a existência de indícios fortes de que o magistrado perpetrou as condutas de ameaça e lesão corporal, bem como utilizou do cargo público a fim de obter aparato policial para intimidar desafetos.

4. Eventual prática de diversas infrações disciplinares pelo magistrado, em afronta ao disposto nos arts. 35, VI e VIII, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, 15 a 19 e 37 do Código de Ética da Magistratura Nacional

5. Diante desse quadro, afigura-se necessária a instauração de PAD a fim de viabilizar a investigação ampla e aprofundada das condutas supostamente ilícitas.

6. O afastamento cautelar do magistrado revela-se recomendável ante a gravidade (atos de violência e práticas intimidatórias) e a contemporaneidade dos fatos, de modo a prevenir novos ilícitos e resguardar a higidez instrutória.

7. Instauração de Processo Administrativo Disciplinar com a imposição de afastamento cautelar do cargo.

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, decidiu pela instauração de processo administrativo disciplinar em desfavor do magistrado, com afastamento cautelar, aprovando desde logo a portaria de instauração do PAD, nos termos do voto do Relator. Declarou impedimento o Conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello. Presidiu o julgamento o Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário, 2 de abril de 2024. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Luís Roberto Barroso, Luis Felipe Salomão, Caputo Bastos, José Rotondano, Mônica Autran Machado Nobre, Alexandre Teixeira, Renata Gil, Daniela Madeira, Giovanni Olsson, Pablo Coutinho Barreto, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Daiane Nogueira e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Sustentaram oralmente: pelo Requerido, a Advogada Samara de Oliveira Santos Léda - OAB/DF 23.867; pela Associação Alagoana de Magistrados, o Advogado Lucas Almeida de Lopes Lima - OAB/AL12.623-A; e, pela Associação dos Magistrados Brasileiros, a Advogada Aline Cristina Benção - OAB/DF 74.199.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0000039-40.2023.2.00.0802
Requerente: ESTADO DE ALAGOAS
Requerido: LUCIANO AMERICO GALVAO FILHO


RELATÓRIO


            O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA:  

 

1. Cuida-se de pedido de providências instaurado a fim de cumprir o disposto nos artigos 9º, § 3º; 14, § 4º; e 28 da Resolução CNJ n. 135, de 13.7.2011, em virtude da comunicação da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de Alagoas à Corregedoria Nacional de Justiça, referente ao pedido de providências apresentado pelo requerente Tibério Pereira Santos Melo em face do magistrado Luciano Américo Galvão Filho, Juiz de Direito da comarca de Penedo/AL.

Após instrução realizada na origem, o referido procedimento foi levado à sessão colegiada dia 11/04/2023 para julgamento acerca da proposta de abertura de processo administrativo disciplinar a fim de apurar “suposta prática de falta funcional ao não manter comportamento irrepreensível na vida pública e particular, em violação aos princípios da integridade profissional e pessoal, da dignidade, da honra e do decoro, os quais norteiam o exercício da magistratura, tendo em vista a ameaça de morte proferida ao Sr. Tibério Pereira Santos Melo, as agressões físicas com o uso de um revólver contra o caseiro Sr. Luiz Gustavo dos Santos e sua mãe, a Sra. Maria Augusta dos Santos, além de se utilizar do cargo público para obter aparato policial para intimidar seus desafetos.”

O Corregedor-Geral da Justiça e Relator do procedimento, Desembargador Domingos de Araújo Lima Neto, apresentou voto pela instauração do processo administrativo disciplinar, sendo acompanhado por outros oito integrantes da sessão.

A seu turno, o Desembargador Otávio Leão Praxedes apresentou voto divergente pelo arquivamento do pedido de providências, por entender que se trata de matéria que deva ser dirimida na seara cível, ao que foi acompanhado por outros cinco colegas.

Com efeito, em razão de não ter sido atingida a maioria absoluta dos membros do Tribunal para instauração de processo administrativo disciplinar, nos termos do art. 14 §5º da Resolução nº 135/2011, o pedido de providências foi arquivado.

Intimado para apresentar defesa prévia (Id 5310887), o requerido alegou, em síntese, que o Sr. Tibério, advogado responsável pela abertura do pedido de providências, não acreditou na ameaça dirigida a ele pelo requerido, por não considerá-lo violento e capaz de machucá-lo, além de a ameaça ter partido inicialmente do requerente ao chamar o magistrado de covarde.

Defende inexistir ameaça, uma vez que houve intervalo considerável entre o ato e a sua comunicação à Corregedoria local e que esta se deu em resposta proporcional ao mal sofrido.

Aponta que inexiste materialidade acerca da ocorrência de lesão corporal e que a suposta vítima não sabe dizer onde em seu corpo sofreu a lesão “porque consta uma foto com um hematoma no ombro (v. fl. 133/134); e em seu depoimento perante a corregedoria declara que a lesão foi no cotovelo”. Dentro disso, informa que os supostos lesionados apresentaram uma série de incongruências quanto aos fatos que envolveram o acontecimento.

Indica ainda outras contradições observadas nos depoimentos das testemunhas, como o prestado pelo Sr. Roberto que “na Delegacia, não menciona sobre uso de arma de fogo ou qualquer ameaça”, mas em depoimento prestado na corregedoria declarou que o requerido portava arma e o ameaçou.

Sustenta que inexiste abuso de autoridade e invasão de domicílio, tendo em vista que ausentes os elementos caracterizadores dos respectivos tipos penais.

Segundo o requerido, o que se tem é uma tentativa “de trazer para a esfera administrativa-disciplinar o litígio possessório havido entre as partes, lide essa que deve ser estabelecida e tramitar nas instâncias judiciais apropriadas, e não no CNJ, inexistindo justa causa para a instauração de processo disciplinar” e que se trata de um desentendimento pessoal entre as partes, o que não autoriza apuração pela esfera administrativa.

Ressalta que o magistrado requerido não teria se utilizado do cargo para obter vantagem indevida, uma vez que em toda situação atuou como legítimo possuidor de sua propriedade e cidadão comum.

Ao final, requereu o arquivamento do feito em razão da ausência de justa causa para prosseguimento.

Em seguida, a Associação Alagoana de Magistrados – ALMAGIS e a Associação dos Magistrados Brasileiros – (IDs 5319723 e 5349851) solicitaram o ingresso no feito, o que foi deferido.

É o relatório.


 

J16/F33 


 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0000039-40.2023.2.00.0802
Requerente: ESTADO DE ALAGOAS
Requerido: LUCIANO AMERICO GALVAO FILHO

 


VOTO


            O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA:  

  

2. Consoante inicialmente relatado, o presente expediente foi instaurado em virtude da comunicação de arquivamento, pela Presidência do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas - TJAL, do PP apresentado pelo requerente Tibério Pereira Santos Melo em face do magistrado requerido, com o objetivo de apurar “suposta prática de falta funcional ao não manter comportamento irrepreensível na vida pública e particular, em violação aos princípios da integridade profissional e pessoal, da dignidade, da honra e do decoro, os quais norteiam o exercício da magistratura, tendo em vista a ameaça de morte proferida ao Sr. Tibério Pereira Santos Melo, as agressões físicas com o uso de um revólver contra o caseiro Sr. Luiz Gustavo dos Santos e sua mãe, a Sra. Maria Augusta dos Santos, além de se utilizar do cargo público para obter aparato policial para intimidar seus desafetos.”

Na ocasião, apesar de o Pleno do TJAL ter formado convicção para abertura de PAD em face do magistrado por nove votos a seis, o expediente foi arquivado em razão de não ser atingida a maioria absoluta dos membros do Tribunal (que exigiria ao menos dez votos), nos termos do art. 14, § 5º, da Resolução CNJ n. 135/2011.

2.1. Na hipótese, desponta a competência correcional originária do CNJ de apurar, por intermédio da Corregedoria Nacional, a existência de indícios do cometimento de infrações disciplinares para propor, se for o caso, a instauração de PAD ao Plenário. 

Com efeito, à luz do disposto nos incisos III e V do § 4º do art. 103-B da Constituição de 1988, quando o Tribunal local não procede à instauração de PAD – determinando, consequentemente, o arquivamento da investigação preliminar –, exsurge a competência originária do CNJ para reavaliar tal decisão, e não a competência revisional materializada na figura da Revisão Disciplinar prevista no art. 82 e seguintes do Regimento Interno (RevDis 0004541-76.2018.2.00.0000 - relator LUIS FELIPE SALOMÃO - 361ª Sessão Ordinária - julgado em 6/12/2022). 

Em outras palavras, se o CNJ, no exercício da competência correcional, discordar de decisão que houver determinado o arquivamento de procedimento prévio disciplinar, não se estará propriamente diante de Revisão Disciplinar (sujeita ao prazo decadencial de um ano), mas de apuração originária (ou direta) regida pelo prazo “prescricional” de cinco anos, nos termos do caput do art. 24 da Resolução CNJ n. 135/2011.  

Nessa perspectiva, o exercício da competência correcional originária do CNJ dar-se-á mediante a atuação: (i) da Corregedoria Nacional de Justiça em autos de Reclamação Disciplinar (RD) ou de PP; ou (ii) do Plenário no âmbito do Procedimento de Controle Administrativo (PCA). 

Consequentemente, o presente PP constitui instrumento processual adequado para que este Conselho promova o devido controle da decisão proferida pelo TJAL, que determinou o arquivamento de procedimento prévio disciplinar.

2.2. Quanto ao mérito, os argumentos defensivos apresentados pelo magistrado não são suficientes para afastar a necessidade da mais ampla apuração dos robustos indícios que existem nos autos de grave desvio comportamental, em flagrante afronta aos deveres impostos na Lei Orgânica da Magistratura – Loman e no Código de Ética da Magistratura.

Embora se busquem elementos conceituadores dos ilícitos de ameaça e lesão corporal na esfera penal, tal substrato não se confunde, tampouco é o único fator a definir a conclusão alcançada na esfera administrativa.

Com efeito, no presente procedimento de natureza administrativa, a finalidade é a verificação da existência de subsídios indicadores da necessidade da instauração de processo disciplinar sob a ótica da Resolução n. 135 do CNJ. O que se pretende, enfim, é a aferição de indícios da prática de infração funcional pelo magistrado, seara em que não se atua como juízo penal. A autoria do delito será perquirida, se for o caso, na esfera própria, segundo a tipificação penal a que está adstrita.

Assim, de plano, a conclusão acerca da necessidade de instaurar PAD não pode ser calcada exclusiva ou primordialmente na comprovação de prática de ameaça ou lesão corporal nos moldes dos arts 147 e 129 do Código Penal, respectivamente.

A diferenciação entre o escopo do procedimento disciplinar e a possibilidade de sua instauração e eventual punição, ademais, não é descartada caso verificada a ausência de enquadramento no tipo penal citado. Desse modo, decidiu recentemente o CNJ:

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. RESOLUÇÃO/CNJ N. 135/2011. MAGISTRADO. ASSÉDIO MORAL. EXCESSOS E TRATAMENTO DESCORTÊS. SERVIDORES. ASSÉDIO SEXUAL. ESTAGIÁRIAS. DEVER DE INTEGRIDADE. DEVER DE CONDUTA IRREPREENSÍVEL. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 35, IV E VIII, DA LOMAN. VIOLAÇÃO ARTIGOS 1º, 15, 22 E 37 DO CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA. PROCEDÊNCIA PARCIAL DAS IMPUTAÇÕES. PENA DE DISPONIBILIDADE COM VENCIMENTOS PROPORCIONAIS AO TEMPO DE SERVIÇO.

[...]

6. Em relação à imputação de assédio sexual praticado pelo magistrado contra as estagiárias a si subordinadas, deve-se considerar que todo ato praticado por superior hierárquico que constrange a vítima em suas funções laborais, provocando perturbação, humilhação ou afetando sua dignidade deve receber a devida reprimenda legal e, no particular, o ato de assédio sexual no ambiente de trabalho restou configurado, ainda que as condutas praticadas não se enquadrem no tipo penal previsto no art. 216-A do Código Penal.

7. In casu, o próprio magistrado expôs que “tentou estreitar seu relacionamento com” as estagiárias, sob o argumento que se tratava de pessoa desimpedida, ressaltando que suas abordagens sempre foram realizadas num cenário de respeitabilidade. Porém, o conjunto probatório aponta para conclusão antípoda ao apregoado pelo requerido, valendo destacar o local de trabalho onde as abordagens foram realizadas, o constrangimento causado e a situação hierárquica prevalente na realidade dos fatos.

8. As condutas do magistrado são consideradas como assédio sexual no âmbito administrativo, uma vez que suas investidas causaram constrangimento e perturbação nas vítimas e ainda que assim não fosse, restou comprovado que infringiu o dever de manter conduta irrepreensível na vida pública, nem observou os princípios de integridade pessoal e profissional, prescritos, respectivamente, no inciso VIII do art. 35 da LOMAN e nos artigos 15 e 37 do Código de Ética da Magistratura.

9. A suposta interferência do magistrado na instrução processual foi negada pelas estagiárias quando indagadas sob o crivo do contraditório na audiência de instrução. Assim, mais uma vez inexiste lastro probatório para concluir pela quebra dos deveres inerentes à magistratura por parte do requerido, devendo ser aplicado o princípio in dubio pro reo.

10. As condutas do magistrado pontuam-se de elevada gravidade pelos fatos em si e pela repercussão negativa à imagem do Poder Judiciário local. No entanto, o magistrado era compromissado com a judicatura, residia na comarca e era produtivo, sendo até elogiado pela OAB local, por sua proatividade na solução dos problemas de gestão processual com que se deparou. Nesse desiderato, sua intenção deve ser considerada, ainda que não tenha o condão de excluir os abusos contra os servidores e a quebra do dever de urbanidade os quais foram devidamente comprovados. Outrossim, não constam nos assentos funcionais do magistrado outras penalidades ou processos disciplinares instaurados.

11. Neste sentido, considerando os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, a pena a ser aplicada dever ser a disponibilidade, consoante o art. 6º da Resolução/CNJ n. 135/2011.

12. Imputações julgadas parcialmente procedentes para aplicar pena de disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, nos termos do art. 6º da Resolução/CNJ n. 135/2011.

(CNJ/PAD, Processo Administrativo Disciplinar n. 0000970-63.2019.2.00.0000, relator Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, 333ª Sessão Ordinária, julgado em 15/6/2021.)

Ademais, o PAD é instrumento adequado para apuração de responsabilidades de Juízes e Desembargadores por infração disciplinar praticada no exercício das funções, competindo à Corregedoria Nacional de Justiça a propositura ao Plenário, quando presente “indício suficiente de infração”, nos termos do art. 8º, III, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça - RICNJ.

É certo que a presente fase procedimental ainda se caracteriza como etapa preambular, preparatória e de caráter inquisitorial, a demandar, se acolhida a proposta de abertura de PAD, o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa antes da imposição de qualquer penalidade no bojo de eventual processo administrativo instaurado.

O Supremo Tribunal Federal, na mesma linha do Conselho Nacional de Justiça, também decidiu ser suficiente, para instauração de PAD, “a presença de indícios de materialidade dos fatos e de autoria das infrações administrativas praticadas” (MS 28.306/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, DJe de 25/03/2011).

Com efeito, não se decide no PP, de forma conclusiva, sobre a culpa do magistrado, ante a natureza de mero instrumento preparatório, mas se verifica a existência de indícios de irregularidade, cujo aprofundamento se dará por meio do PAD, seara adequada para que as questões sejam devidamente elucidadas (RD n. 0006103-52.2020.2.00.0000, relatora Maria Thereza de Assis Moura, 354ª Sessão Ordinária, julgado em 16/8/2022).

Além disso, não procede a afirmativa segundo a qual os fatos ora narrados versam sobre matéria que foge ao âmbito do CNJ. No caso, não se discute o conteúdo de decisões judiciais, mas o comportamento adotado pelo juiz fora dos autos que teria extrapolado os deveres como magistrado.

Dessa forma, rejeito as alegações formuladas na peça apresentada pelo requerido (Id 5310887).

2.3. Dito isso, como já manifestado pela Corregedoria Nacional na decisão lançada no ID 5249039, não é possível concordar com o encerramento do procedimento na origem pelo Pleno do TJAL em razão de não ter sido atingida a maioria absoluta dos membros para instauração de PAD, nos termos do art. 14, § 5º, da Resolução n. 135/2011.

 Para melhor compreensão da imputação, impende destacar a dinâmica dos fatos elencada no voto do Corregedor-Geral da Justiça, Desembargador Domingos de Araújo Lima: 

28. Inicialmente, impende-me consignar que compete a esta Corregedoria-Geral da Justiça, como órgão orientador, fiscalizador e disciplinador (art.41, da Lei Estadual nº 6.564/2005), receber e processar reclamações contra servidores do Poder Judiciário, cabendo-lhe, conforme o caso concreto, arquivar ou aplicar penalidade à espécie.

29. Nesses termos o art. 42, inciso III e VII da referida lei – Código de Organização Judiciária do Estado de Alagoas incumbe ao Corregedor-Geral da Justiça:

 

III - fazer instaurar sindicâncias administrativas com vistas à apuração da responsabilidade de Magistrados, bem assim sindicâncias e processos administrativos disciplinares destinados à apuração de faltas atribuídas a Serventuários da Justiça e a funcionários da estrutura da Corregedoria-Geral da Justiça;

[...]

VII – receber e processar as reclamações contra Juízes, funcionando como Relator no correspondente julgamento pelo Conselho Estadual da Magistratura

 

30. Ademais, o art. 35, incisos I e II, da Lei Complementar n. 35/79, dispõe que é dever do magistrado cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício, bem como não exceder injustificadamente os prazos para sentenciar ou despachar.

31. O Código de Ética da Magistratura, estabelece, ainda, que:

 

Art. 1º O exercício da magistratura exige conduta compatível com os preceitos deste Código e do Estatuto da Magistratura, norteando-se pelos princípios da independência, da imparcialidade, do conhecimento e capacitação, da cortesia, da transparência, do segredo profissional, da prudência, da diligência, da integridade profissional e pessoal, da dignidade, da honra e do decoro.

 

32. Nesta senda, cabe ao magistrado manter sua integridade profissional e pessoal, mantendo conduta escorreita ainda que fora de sua atividade judicante, vedado qualquer comportamento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções, nos termos dos Capítulos V e XI, do citado Código de Ética da Magistratura.

33. Noticiada a inobservância de tais deveres, deve a Corregedoria-Geral de Justiça promover a devida apuração, nos termos da Resolução n. 135 do CNJ, conforme art. 8º:

 

Art. 8º O Corregedor, no caso de magistrados de primeiro grau, o Presidente ou outro membro competente do Tribunal, nos demais casos, quando tiver ciência de irregularidade, é obrigado a promover a apuração imediata dos fatos, observados os termos desta Resolução e, no que não conflitar com esta, do Regimento Interno respectivo.

 

34. Desta feita, o procedimento administrativo disciplinar em face de magistrado visa apurar condutas e, consequentemente, aplicar as devidas sanções, quando configurada violação ao escorreito desempenho de suas atividades funcionais, infringindo assim seus deveres legalmente previstos, de modo geral, na Constituição Federal, Lei Orgânica da Magistratura Nacional e Código de Ética da Magistratura.

35. Inicialmente, passo à análise da preliminar suscitada pelo requerido, que registrou a ausência de poderes do advogado da parte requerente para iniciar procedimento administrativo em face do magistrado. Contudo, a irregularidade é plenamente sanável, o que foi superada com a juntada de novo instrumento procuratório constante às fls. 97, sendo despicienda maiores aprofundamentos a respeito da referida tese, razão pela qual passo a análise do mérito.

36. O caso em exame se refere, como relatado, ao pedido de providências formulada em face do Magistrado Luciano Américo Galvão Filho, na qual foi alegada a prática de condutas ilícitas, fora de seu ambiente de trabalho, utilizando-se da autoridade inerente ao cargo, quais sejam: “(1) nos dias 02 e 16 de junho de 2022, o Juiz de Direito teria enviado áudios ao requerente proferindo ameaças de morte em razão de desavenças com relação a uma estrada localizada na propriedade do reclamante e utilizada pelo representado para chegar à sua fazenda; (2) no dia 16 de agosto de 2022, o Dr. Luciano Américo Galvão Filho teria se dirigido à propriedade do reclamante e agredido fisicamente o Sr. Luiz Gustavo dos Santos e sua mãe, a Sra. Maria Augusta dos Santos; e, (3) no dia 24 de agosto de 2022, utilizou seu cargo de Magistrado para obter aparato da Polícia Civil de Alagoas e de Sergipe, sem que houvesse qualquer situação de perigo, apenas para intimidar, direta ou indiretamente, o reclamante”.

37. Quanto ao primeiro fato noticiado, a meu ver, há elementos de provas na investigação preliminar realizada junto à CGJ/AL, de que o magistrado ameaçou a integridade física do requerente, por meio de mensagens de áudio via aplicativo de celular (whatsaap), conforme conteúdo das mídias, devidamente transcritos no parecer da Assessoria Especial Judicial desta Corregedoria-Geral de Justiça, os quais denota-se o tom ameaçador e intimidador do requerido em face do requerente, que superam a simples alegação de legítima defesa, in verbis (ID 2210342):

 

Nesse sentido, passo a transcrever os três principais áudios enviados ao Reclamante pelo Magistrado Luciano Américo Galvão Filho, nos quais é possível perceber com clareza o tom enraivecido e intimidador do Magistrado contra seu interlocutor nomeado por ele como sendo “Tibério”.

Áudio 1: “Amanhã eu tô lá 8 horas. Tô lhe esperando lá. E vou entrar, quero ver se você vai estar lá pra me esperar pra gente resolver isso. Tô lá, 8 horas e vou entrar. E vou entrar e se você tiver fechado eu arrombo. E se você tiver lá a gente se entende. Me espere.8 horas. Mais tardar 9. Eu pego a balsa de 8h30, 9h eu tô lá. Vamos lá resolver isso? Quero ver se você tá lá pra me impedir de entrar. Você pode fazer nas minhas costas, na minha frente cê não faz, porque de lá só sai um. Tô lhe esperando, vá pra lá. 9horas tô lá lhe esperando.

”Áudio 2: “E se quiser ir agora, viu, é só avisar. Tô aqui em Penedo, cê sabe onde eu moro. Se quiser resolver alguma coisa eu também tô aqui. Agora diga onde é que cê tá? Eu posso ir aí lhe encontrar agora pra gente resolver. Diga onde tá? Tô aqui na expectativa, diga, a gente resolve isso agora, de homem pra homem. Tem que esperar nada não. Diga aí onde é que cê tá que eu vou lhe encontrar. Se quiser eu moro aqui, do lado do restaurante Nassau na Prefeitura, na praça da prefeitura em Penedo. Tô aqui lhe esperando. Venha cá. Vamos resolver como homem.”

Áudio 3: “E vá armado, viu, que eu vou levar meu revólver.

 

38. Em que pese a impugnação dos áudios pelo magistrado, verifico que tais elementos de informação são contundentes, inexistindo, neste primeiro momento, qualquer mácula quanto a sua utilização nestes autos, eis que foi disponibilizado pelo interlocutor do diálogo. Inclusive, o próprio requerido também utilizou-se do referido meio de prova.

39. Além disso, foi noticiado também que o requerido, em 16.08.2023, agrediu fisicamente o funcionário do requerente, Luiz Gustavo de Santos, e sua mãe Maria Augusta dos Santos, por meio de coronhadas de revólver.

40. Compulsando os autos, vislumbro que há indícios suficientes da prática da referida conduta, comprovada por meio de laudos médicos e fotografias que demonstram os ferimentos sofridos pelas vítimas, fato registrado na ocorrência policial n. 934951/2022 – Delegacia de Propriá-SE, bem como pelos relatos de ambas, como declarantes na instrução deste procedimento administrativo (IDs ns. 1954755, 1954756,1954757, 1954759, 1954760, 1954762, 1954763), devidamente descritos pelo então Corregedor-Geral, em sua decisão administrativa, in verbis:

 

- Declaracão do Sr. Luiz Gustavo dos Santos

Dra. Renata: Sr. Luiz, a gente tá aqui pra esclarecer um fato específico tá? Existe um boletim de ocorrência, que foi juntado nessa reclamação que o Dr. Tibério fez contra o Sr. Luciano, e ele junta um BO onde tem uma declaração sua e da sua mãe dizendo que em determinado dia teria havido um conflito entre os senhores e o Sr. Luciano. Eu quero que o senhor me diga, com suas palavras, o que aconteceu nesse dia, por favor.

Sr. Luiz: O Tibério mandou eu... quando chegasse alguém lá na fazenda eu ligar pra ele, qualquer pessoa estranha. Aí eu fui pro pasto. Aí quando eu fui no pasto que ia voltando, aí tinha umas pessoas lá estranha. Aí eu liguei pra Tibério e informei a ele. Aí ele disse: "Vá lá. Vá lá e fale com ele. Ligue pra mim e dê o celular a ele". E eu fiz. Dei o celular a ele. Liguei pra ele e dei o celular aos caras. Aí ele falou com os caras lá, aí os caras foram embora. Aí eu retomei pra lá de novo pro terreno. Fazer as obrigações que eu tinha que fazer. Quando eu vinha voltando, aí eu cheguei, tirei a cela do cavalo, ajeitei as coisas, aí tomei um banho e fui pra área me sentar. Porque meu filho tava brincando, minha mãe tava lá, minha mulher também. Ai ele chegou com o carro, parou o carro lá, e veio de lá pra cá: "Abra aí o portão!". Aí ele veio todo de boa até aí. Aí eu fui, cheguei lá e ele não... o portão já tá aberto. Aí veio de lá pra cá e começou, conversou aí disse bem assim: "Você não é homem não" .Aí já foi metendo a mão nos quartos, pegando o revolver e batendo em mim com a coronha do revólver.

Dra. Renata: Tá, calma aí. Quem chegou no portão?

Sr. Luiz: O Juiz.

Dra. Renata: O Juiz? O Juiz seria o Sr. Luciano?

Sr. Luiz: E

Dra. Renata: O senhor chama ele de o Juiz? Ou alguém disse pra o senhor que ele era juiz?

Sr. Luiz: Não, porque lá... lá como nós conhece ele, sabe que ele éjuiz né.

Dra. Renata: É tipo um apelido.

Sr. Luiz: E, as pessoas chamam ele de Juiz.

Dra. Renata: E o senhor já tinha tido contato com Dr. Luciano antes? Já tinha visto? Conversado com ele?

Sr. Luiz: Não, ele sempre passava por mim: "Opa!". Aí eu respondia e ia simbora.

Dra. Renata: Nunca tinha tido nenhum problema?

Sr. Luiz: Não. Nunca, nunca.

Dra. Renata: O senhor conseguiu entender? Ele fez isso porque o senhor ligou pra o Sr. Tibério? Não deixou aquelas pessoas entrarem na fazenda, foi isso? Tava relacionado?

Sr. Luiz: Eu não impedi ninguém de entrar na fazenda.

Dra. Renata: Mas o senhor acha que ele entendeu isso? O senhor tentou explicar isso pra ele? Era isso que ele queria saber?

Sr. Luiz: Nós tentamos explicar isso pra ele: "Rapaz eu não fiz nada não, eu só liguei pra Tibério e mandei falar com o senhor. Sou trabalhador".

Dra. Renata: Aí o senhor ligou pra Tibério? Sr. Luiz: Foi, liguei pra Tibério. Aí ele me batendo com o revólver me mandou ligar pra Tibério. Aí eu fui e liguei. Aí [eu disse] "tome o celular". Aí ele: "Não, fale você". Diga a ele que ele não é homem, que venha aqui. Me batendo com o revólver, dando tapa. Aí eu disse até a Tibério: "Tibério, ele tá me batendo".

Dra. Renata: Ele te bateu aonde?

Sr. Luiz: No ombro, bateu aqui na minha cabeça com o revólver.

Dra. Renata: Com o revólver. Qual parte do revólver?

Sr. Luiz: Com a coronha do revólver.

Dra. Renata: Qual era o revólver? O senhor conhece um pouco de arma? Sabe dizer se era cano cumprido ou cano curto?

Sr. Luiz: Não, cano curto.

Dra. Renata: Qual era a cor do lugar onde ele pega?

Sr. Luiz: Onde ele pega era de madeira.

Dra. Renata: Tinha alguém com o Dr. Luciano?

Sr. Luiz: Tinha um rapaz mas só que eles ficaram lá distante, lá debaixo de um pé de pau que tem.

Dra. Renata: Só um detalhe que eu queria que o senhor me esclarecesse. Ele entrou na sua casa? As agressões aconteceram dentro da sua casa ou no terreno?

Sr. Luiz: Dentro do terreno, no terreiro da casa, na fazenda mesmo. Na casa, na varanda da casa.

Dra. Renata: Aí sua mãe viu e saiu?

Sr. Luiz: Minha mãe tava na área e começou a gritar, chorando e dizendo que não era pra fazer isso comigo. Aí ele disse: "E você é o que dele?" Aí ela disse: "Sou mãe dele". Aí pronto, já foi bater nela também.

Dra. Renata: E ele bateu nela como?

Sr. Luiz: Com a coronha do revólver. Aí ela se protegendo aí pegou até no braço dela.

Dra. Renata: E como que ele parou de bater em vocês? Porque ele parou? O que ele disse? O que vocês disseram pra ele parar?

Sr. Luiz: Não aí eu liguei pra Tibério de novo. Aí era falando: "Tibério, ele tá batendo em mim e batendo na minha mãe". Aí falei: "Tibério, vem aqui". Vem aqui que ele tá batendo na minha mãe. Aí ele foi e pegou meu celular. Quando ele pegou meu celular, e nós fomos caminhando pra trás da casa. Aí fui saindo de fininhho e fui simbora. Fui simbora pra ele não bater em mim e nem na minha mãe.

Dra. Renata: Tinha mais alguém na casa? Quem mais viu isso?

Sr. Luiz: Minha mulher e meu filho

- Declaração da Sra. Maria Augusta dos Santos

Dra. Renata: Então, D. Maria, eu queria que a senhora me contasse o que a senhora presenciou. O que aconteceu naquele dia lá na fazenda? O que a senhora relatou na delegacia pra fazer o boletim de ocorrência, por favor.

Sra. Maria: Eu tava lá, aí Dr. Luciano chegou. Pediu a ele [Luiz Gustavo] pra abrir o portão, aí quando ele [Luiz Gustavo] se aproximou do portão, ele mesmo [Dr. Luciano] abriu, invadiu a propriedade e já foi sacando a arma e pedindo a ele que ligasse pra o Dr. Tibério. Aí o menino pegou o telefone, já tava com o telefone na mão que ele tava olhando um negócio na internet, e aí ele já foi puxando a arma, já foi andando pra cima dele e mandando ele ligar. "Ligue pra Tibério, ligue pra Tibério". E o menino foi... sem conseguir ligar. E ele em cima... já começou... já foi agredindo, batendo nele, batendo nele com o revólver. E aí eu perguntei a ele: "Gustavo o que tá acontecendo?" [começou a chorar] E ele em cima, em cima, em cima. E eu: "Gustavo, Gustavo, meu filho, o que é isso? O que é que tá acontecendo?" Aí ele [Dr. Luciano]: "Ligue pra ele, ligue pra ele, ligue pra ele". E ele [Luiz Gustavo] sem conseguir. Como é que ele[Luiz Gustavo] ia conseguir ligar pra ele [Dr. Tibério] e ele [Dr. Luciano] batendo nele? Não tinha como ele ligar e no mesmo instante ele em cima, em cima. E eu gritando, perguntando a ele por que tava acontecendo aquilo. "Por que você tá fazendo isso com meu filho?

Meu filho não é bandido, meu filho não é bandido pra você tá fazendo isso com ele". Aí ele se virou pra mim e disse: "E você?". Aí teve uma hora que ele se livrou dele aí eu disse: "Por que você tá fazendo isso com ele?". Ele olhou pra mim e disse assim: "O que você é dele?". Eu disse: "Eu sou mãe dele, eu sou mãe dele. Por que você tá fazendo isso com ele?". Aí ele já se virou a minha procura. E eu gritando: "Por que você tá fazendo isso com meu filho, por que você tá fazendo isso com meu filho?". Aí ele chegou e disse bem assim: "Eu não já disse a você que cale a boca. Cale a boca!". [D. Maria]: "Por que eu tenho que calar a minha boca?". Aí ele: "Porque eu disse a você que cale a boca!". Aí quando ele disse assim, aí ele levantou o cabo do revólver. Quando ele levantou o coisa do revólver aí eu botei o braço, aí quando eu botei o braço ele bateu no meu braço e me jogou na parede. Aí nisso vinha chegando minha nora e meu neto. Ai ela disse sim: "Por que você tá fazendo isso? Bater em mulher é crime". Aí ele disse: "O que você quer também?". Aí eu disse: "Taynara, pegue Antony e saia daqui. Saia e deixe que eu mais Gustavo resolve". E aí foi na hora que ele [Luiz Gustavo] se livrou dele e ele correu. Ele ficou conversando com Dr. Tibério no telefone, quando ele terminou de conversar eu disse assim: "Me dê o telefone de meu filho. O telefone é de meu filho". Ele disse: "Quer que eu sacuda no rio?". Eu disse: "Bom, o senhor é quem sabe". Aí ele disse: "Quer que eu sacuda no rio?". Eu disse: "Sacuda! É seu. Sacuda". Entendeu? Foi isso que aconteceu.

Dra. Renata: Ele agrediu o seu filho aonde? A senhora sabe dizer? Em que parte do corpo?

Sra. Maria: Na cabeça, nas costas, nas laterais, no rosto dele.

Dra. Renata: E ele agrediu com soco, com o revólver, com outra

coisa, com chute, como é que foi?

Sra. Maria: Com revólver, com revólver.

Dra. Renata: E a senhora? Ele chegou a agredir a senhora, foi com

revólver também?

Sra. Maria: Foi com revólver.

 

41. Em sua defesa, o magistrado alega que apenas afastou o funcionário e sua mãe, dentro dos limites necessários, para viabilizar a entrada do topógrafo na fazenda do requerente. Tal argumento, não tem o condão de afastar os demais elementos de prova, sobretudo porque inexiste qualquer descrição de seus atos e do que seria o limite necessário, depreendendo-se que a referida ação não foi realizada por meio de diálogo.

42. Por fim, resta analisar o fato ocorrido em 24.08.2022, em que supostamente o juiz teria se utilizado de seu cargo para requerer aparato policial, como forma de intimidação do requerente e de seus funcionários, indo pessoalmente na fazenda, em horário de expediente, para impedir a colocação de uma cerca na referida passagem no imóvel do autor.

43. O referido fato foi confirmado por meio de depoimento do declarante Roberto Sipriano da Silva (vulgo “Beto”), funcionário diarista que estava instalando a suscitada cerca no imóvel, conforme seu relato descrito no parecer da AEJ/CGJ:

 

Roberto Sipriano da Silva revelou que foi contratado para refazer uma cerca na propriedade do Sr. Tibério Pereira Santos Melo no dia 24/08/2022 e, por volta das 8h30, o Magistrado Reclamado apareceu no local, em estado de ânimo bastante alterado, após ser alertado por um trabalhador de sua fazenda sobre a recolocação da cerca. O declarante seguiu afirmando que o Juiz Reclamado portava uma arma de fogo ostensivamente e ordenou que o trabalho de refazimento da cerca fosse interrompido, caso contrário efetuaria “tiros para o alto”. Roberto parou o trabalho que estava fazendo e, neste momento, o Magistrado Reclamado avisou que logo uma viatura chegaria ao local. Pouco depois, dois policiais à paisana apareceram e perguntaram ao Reclamado: “O que foi Dr. Luciano?”, tendo o Magistrado respondido: “A gente esquenta a cabeça, faz besteira, mas tá tudo resolvido.” Ainda assim, um dos policiais se aproximou e disse à testemunha: “Se colocar a estaca aqui a gente arranca.” Os dois policiais à paisana foram embora, mas, de acordo com Roberto, logo após, chegou uma viatura caracterizada da polícia civil, a mesma que aparece em vídeo juntado aos autos. Depois de conversarem com o Magistrado, os policiais foram embora escoltando o Reclamado, que também partiu em seu próprio carro. Roberto ainda ressaltou que antes da viatura caracterizada chegar, o Magistrado guardou sua arma dentro do seu carro.

 

44.Os Policiais Civis do Estado de Alagoas, lotados no Município de Penedo - Carlos Welber Freire Cardoso, Fabiano Freire Duarte, Arnaldo Vieira Maciel Neto e Sr. Moisés Antônio da Silva Júnior – confirmaram, em seus depoimentos testemunhais, que tomaram ciência de suposta ameaça que o juiz estava sofrendo, por meio de ligação telefônica feita pelo próprio magistrado diretamente ao policial Carlos Welber Freire Cardoso.

45.Os depoimentos também foram uníssonos no sentido de que, ao chegar no local, estavam presentes o funcionário da fazenda, o magistrado e mais duas pessoas, que não souberam precisar quem eram. Além disso, afirmaram que inexistia qualquer cenário de animosidade ou confusão, reconhecendo tranquilidade no ambiente, bem como que a ocorrência se deu na parte da manhã do dia 24.08.2022, horário de expediente de trabalho do requerido.

46.Nesse sentido, constato a unidade e solidez dos depoimentos prestados, os quais, neste primeiro momento, confirmam o fato denunciado pelo requerente a esta Corregedoria-Geral de Justiça, no sentido de que o magistrado se utilizou de seu cargo para obter aparato da Polícia Civil de Alagoas, inclusive para atuar em área pertencente ao Estado de Sergipe, sem que existisse qualquer situação de perigo, constatando-se que, na verdade, pretendia impor, por meio de força e intimidação, a utilização da passagem pela propriedade do requerente, quando deveria ter buscado a via judicial para concretizar o direito que entendia possuir.

47.O magistrado impugna, de maneira geral, os elementos de provas colacionados no procedimento administrativo preliminar, entretanto, todos os documentos e depoimentos produzidos nesta fase inicial são aptos à formação da convicção deste Corregedor, desde que produzidos de forma lícita, os quais serão mais analisados com maior profundidade e com cognição exauriente pelo Relator do Procedimento Administrativo Disciplinar, acaso instaurado no Plenário deste Tribunal de Justiça.

48.Sabe-se que o magistrado, de acordo com o art. 35, VI e VIII, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LOMAN e art. 1º, Capítulos V e XI do Código de Ética da Magistratura, tem o dever de comparecer, pontualmente, ao seu expediente de trabalho, bem como manter conduta irrepreensível na vida pública e particular, sendo vedado se utilizar de seu cargo e do aparato público para fins particulares, in verbis:

 

LOMAN

Art. 35 - São deveres do magistrado: (Vide ADPF 774)

I - Cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício;

II - não exceder injustificadamente os prazos para sentenciar ou despachar;

III - determinar as providências necessárias para que os atos processuais se realizem nos prazos legais;

IV - tratar com urbanidade as partes, os membros do Ministério Público, os advogados, as testemunhas, os funcionários e auxiliares da Justiça, e atender aos que o procurarem, a qualquer momento, quanto se trate de providência que reclame e possibilite solução de urgência.

V - residir na sede da Comarca salvo autorização do órgão disciplinara que estiver subordinado;

VI - comparecer pontualmente à hora de iniciar-se o expediente ou a sessão, e não se ausentar injustificadamente antes de seu término;

VII - exercer assídua fiscalização sobre os subordinados, especialmente no que se refere à cobrança de custas e emolumentos, embora não haja reclamação das partes;

VIII - manter conduta irrepreensível na vida pública e particular.

 

CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA

Art. 1º O exercício da magistratura exige conduta compatível com os preceitos deste Código e do Estatuto da Magistratura, norteando-se pelos princípios da independência, da imparcialidade, do conhecimento e capacitação, da cortesia, da transparência, do segredo profissional, da prudência, da diligência, da integridade profissional e pessoal, da dignidade, da honra e do decoro.

(...)

CAPÍTULO V

Art. 16. O magistrado deve comportar-se na vida privada de modo a dignificar a função, cônscio de que o exercício da atividade jurisdicional impõe restrições e exigências pessoais distintas das acometidas aos cidadãos em geral.

Art. 17. É dever do magistrado recusar benefícios ou vantagens de ente público, de empresa privada ou de pessoa física que possam comprometer sua independência funcional.

Art. 18. Ao magistrado é vedado usar para fins privados, sem autorização, os bens públicos ou os meios disponibilizados para o exercício de suas funções.

Art. 19. Cumpre ao magistrado adotar as medidas necessárias para evitar que possa surgir qualquer dúvida razoável sobre a legitimidade de suas receitas e de sua situação econômico-patrimonial.

(...)

CAPÍTULO XI

Art. 37. Ao magistrado é vedado procedimento incompatível coma dignidade, a honra e o decoro de suas funções. (...)

 

49.Nestes termos, concluo que há indícios de que o requerido não observou seus deveres da integridade profissional e pessoal, da dignidade, da honra e do decoro, eis que, como fundamentado acima, há fortes elementos de provas que indiciam que o magistrado praticou atos ilícitos, ameaçando a vida e a integridade física do requerente, agrediu fisicamente os funcionários do denunciante, como também utilizou-se de seu cargo para conseguir aparato policial para intimidar o requerente e seus funcionários a obter, por imposição, o direito que entendia possuir. Assim, conclui-se ser devida a apuração de possível falta disciplinar no presente caso.

50.Do exposto, diante dos fatos acima descritos, com indícios de suposta violação às disposições contidas no art. 35, VI e VIII, da Lei Complementar n. 35/1979(LOMAN) e dos arts. 1º, 16, 17, 18 e 37 da Resolução n. 60/2008 (Código de Ética da Magistratura), ACOLHO o parecer da Assessoria Especial Judicial desta Corregedoria-Geral da Justiça, voto pela INSTAURAÇÃO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR em desfavor do Magistrado Luciano Américo Galvão Filho, para fins de apuração da seguinte conduta: “suposta prática de falta funcional ao não manter comportamento irrepreensível na vida pública e particular, em violação aos princípios da integridade profissional e pessoal, da dignidade, da honra e do decoro, os quais norteiam o exercício da magistratura, tendo em vista a ameaça de morte proferida ao Sr. Tibério Pereira Santos Meio, as agressões físicas com o uso deum revólver contra o caseiro Sr. Luiz Gustavo dos Santos e sua mãe, a Sra. Maria Augusta dos Santos, além de se utilizar do cargo público para obter aparato policial para intimidar seus desafetos.”

51. De acordo com o art 14, §5°, da Resolução CNJ n. 135/2011, expeça-se a respectiva Portaria com e imputação dos fatos e à delimitação do teor da acusação, que será assinada pelo Presidente do Órgão e deverá conter a descrição sucinta da conduta nos termos anteriormente reportados.

52.Encaminhe-se cópia da ata da sessão respectiva ao Corregedor Nacional da Justiça, no prazo máximo de 15 (quinze) dias, em observância ao que prevê o §6º do art. 14 da Resolução CNJ n. 135/2011.

Portanto, para efeito de instauração de PAD, pesam graves denúncias, corroboradas por testemunhas que, em suma, atribuem ao juiz a prática de falta funcional ao não manter comportamento irrepreensível na vida pública e particular, em violação aos princípios da integridade profissional e pessoal, da dignidade, da honra e do decoro, os quais norteiam o exercício da magistratura.

Há indícios contundentes da prática de ameaça de morte proferida ao Sr. Tibério Pereira Santos Melo, de agressões físicas praticadas com o uso de revólver contra o caseiro Sr. Luiz Gustavo dos Santos e sua mãe, a Sra. Maria Augusta dos Santos, e da utilização do cargo público a fim de obtenção de aparato policial para intimidar desafetos.

Nesses termos, os diálogos travados pelo magistrado e o Sr. Tibério Pereira Santos Melo, denunciante que levou os fatos ao conhecimento da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de Alagoas, revelam ameaças feitas pelo requerido à sua pessoa, incluindo ameaças de morte. Para contextualizar, cabe mencionar excerto dos áudios transcritos no processo:

Áudio 2: “E se quiser ir agora, viu, é só avisar. Tô aqui em Penedo, cê sabe onde eu moro. Se quiser resolver alguma coisa eu também tô aqui. Agora diga onde é que cê tá? Eu posso ir aí lhe encontrar agora pra gente resolver. Diga onde tá? Tô aqui na expectativa, diga, a gente resolve isso agora, de homem pra homem. Tem que esperar nada não. Diga aí onde é que cê tá que eu vou lhe encontrar. Se quiser eu moro aqui, do lado do restaurante Nassau na Prefeitura, na praça da prefeitura em Penedo. Tô aqui lhe esperando. Venha cá. Vamos resolver como homem.”

Áudio 3: “E vá armado, viu, que eu vou levar meu revólver.

O procedimento de origem aponta também possíveis agressões do magistrado contra funcionários que trabalhavam na fazenda do Sr. Tibério.

Laudos médicos e fotografias demonstram os ferimentos sofridos pelas supostas vítimas. Verifica-se ainda nos depoimentos prestados nos autos do PP:

- Declaracão do Sr. Luiz Gustavo dos Santos

 

Dra. Renata: Sr. Luiz, a gente tá aqui pra esclarecer um fato específico tá? Existe um boletim de ocorrência, que foi juntado nessa reclamação que o Dr. Tibério fez contra o Sr. Luciano, e ele junta um BO onde tem uma declaração sua e da sua mãe dizendo que em determinado dia teria havido um conflito entre os senhores e o Sr. Luciano. Eu quero que o senhor me diga, com suas palavras, o que aconteceu nesse dia, por favor.

Sr. Luiz: O Tibério mandou eu... quando chegasse alguém lá na fazenda eu ligar pra ele, qualquer pessoa estranha. Aí eu fui pro pasto. Aí quando eu fui no pasto que ia voltando, aí tinha umas pessoas lá estranha. Aí eu liguei pra Tibério e informei a ele. Aí ele disse: "Vá lá. Vá lá e fale com ele. Ligue pra mim e dê o celular a ele". E eu fiz. Dei o celular a ele. Liguei pra ele e dei o celular aos caras. Aí ele falou com os caras lá, aí os caras foram embora. Aí eu retomei pra lá de novo pro terreno. Fazer as obrigações que eu tinha que fazer. Quando eu vinha voltando, aí eu cheguei, tirei a cela do cavalo, ajeitei as coisas, aí tomei um banho e fui pra área me sentar. Porque meu filho tava brincando, minha mãe tava lá, minha mulher também. Ai ele chegou com o carro, parou o carro lá, e veio de lá pra cá: "Abra aí o portão!". Aí ele veio todo de boa até aí. Aí eu fui, cheguei lá e ele não... o portão já tá aberto. Aí veio de lá pra cá e começou, conversou aí disse bem assim: "Você não é homem não" . Aí já foi metendo a mão nos quartos, pegando o revólver e batendo em mim com a coronha do revólver.

(...)

Dra. Renata: Aí o senhor ligou pra Tibério?

Sr. LuizFoi, liguei pra Tibério. Aí ele me batendo com o revólver me mandou ligar pra Tibério. Aí eu fui e liguei. Aí [eu disse] "tome o celular". Aí ele: "Não, fale você". Diga a ele que ele não é homem, que venha aqui. Me batendo com o revólver, dando tapa. Aí eu disse até a Tibério: "Tibério, ele tá me batendo".

Dra. Renata: Ele te bateu aonde?

Sr. Luiz: No ombro, bateu aqui na minha cabeça com o revólver.

Dra. Renata: Com o revólver. Qual parte do revólver?

Sr. Luiz: Com a coronha do revólver.

(...)

Dra. Renata: Só um detalhe que eu queria que o senhor me esclarecesse. Ele entrou na sua casa? As agressões aconteceram dentro da sua casa ou no terreno?

Sr. Luiz: Dentro do terreno, no terreiro da casa, na fazenda mesmo. Na casa, na varanda da casa.

Dra. Renata: Aí sua mãe viu e saiu?

Sr. Luiz: Minha mãe tava na área e começou a gritar, chorando e dizendo que não era pra fazer isso comigo. Aí ele disse: "E você é o que dele?" Aí ela disse: "Sou mãe dele". Aí pronto, já foi bater nela também.

Dra. Renata: E ele bateu nela como?

Sr. Luiz: Com a coronha do revólver. Aí ela se protegendo aí pegou até no braço dela.

Dra. Renata: E como que ele parou de bater em vocês? Porque ele parou? O que ele disse? O que vocês disseram pra ele parar?

Sr. Luiz: Não aí eu liguei pra Tibério de novo. Aí era falando: "Tibério, ele tá batendo em mim e batendo na minha mãe". Aí falei: "Tibério, vem aqui". Vem aqui que ele tá batendo na minha mãe. Aí ele foi e pegou meu celular. Quando ele pegou meu celular, e nós fomos caminhando pra trás da casa. Aí fui saindo de fininho e fui simbora. Fui simbora pra ele não bater em mim e nem na minha mãe.

Dra. Renata: Tinha mais alguém na casa? Quem mais viu isso?

Sr. Luiz: Minha mulher e meu filho

Merecem atenção as evidências de que o magistrado teria se utilizado do cargo para requerer aparato policial como forma de intimidação do denunciante, Sr. Tibério, e de seus funcionários, indo pessoalmente à fazenda, em horário de expediente, para impedir a colocação de cerca na passagem do imóvel do requerente.

Existem indícios bastantes para que se prossigam as apurações nesse sentido, sobretudo com base em depoimento prestado pelo Sr. Roberto Sipriano da Silva (vulgo “Beto”), contratado pelo Sr. Tibério para refazer cerca em sua propriedade:

Roberto Sipriano da Silva revelou que foi contratado para refazer uma cerca na propriedade do Sr. Tibério Pereira Santos Melo no dia 24/08/2022 e, por volta das 8h30, o Magistrado Reclamado apareceu no local, em estado de ânimo bastante alterado, após ser alertado por um trabalhador de sua fazenda sobre a recolocação da cerca. O declarante seguiu afirmando que o Juiz Reclamado portava uma arma de fogo ostensivamente e ordenou que o trabalho de refazimento da cerca fosse interrompido, caso contrário efetuaria “tiros para o alto”. Roberto parou o trabalho que estava fazendo e, neste momento, o Magistrado Reclamado avisou que logo uma viatura chegaria ao local. Pouco depois, dois policiais à paisana apareceram e perguntaram ao Reclamado: “O que foi Dr. Luciano?”, tendo o Magistrado respondido: “A gente esquenta a cabeça, faz besteira, mas tá tudo resolvido.” Ainda assim, um dos policiais se aproximou e disse à testemunha: “Se colocar a estaca aqui a gente arranca.” Os dois policiais à paisana foram embora, mas, de acordo com Roberto, logo após, chegou uma viatura caracterizada da polícia civil, a mesma que aparece em vídeo juntado aos autos. Depois de conversarem com o Magistrado, os policiais foram embora escoltando o Reclamado, que também partiu em seu próprio carro. Roberto ainda ressaltou que antes da viatura caracterizada chegar, o Magistrado guardou sua arma dentro do seu carro

Tais fatos foram corroborados por policiais civis do Estado de Alagoas em depoimento, ao confirmarem haverem tomado ciência de suposta ameaça que o juiz estava sofrendo, por meio de ligação telefônica feita pelo próprio magistrado diretamente ao policial Carlos Welber Freire Cardoso.

Quando chegaram ao local, estavam presentes o funcionário da fazenda, o magistrado e mais duas pessoas, não havendo qualquer animosidade ou confusão. A ocorrência se deu na parte da manhã do dia 24.08.2022, horário de expediente de trabalho do requerido, tendo o voto do Corregedor-Geral apontado unicidade de depoimentos no sentido de que o requerido obteve auxílio da Polícia Civil de Alagoas em razão do cargo, a fim de intimidar o Sr. Tibério e seus funcionários para que permitissem a utilização da passagem. 

Como é de sabença, a integridade constitui um dos princípios de Bangalore de conduta judicial, sendo certo que “as qualidades pessoais, a conduta e a imagem que um juiz projeta afetam todo o sistema judicial e, consequentemente, a confiança que o público nele coloca”, motivo pelo qual a sociedade “demanda uma conduta do juiz em patamar mais elevado do que a que é demandada de seus concidadãos [...]; de fato, uma conduta virtualmente irrepreensível” (NAÇÕES UNIDAS. Comentários aos princípios de Bangalore de conduta judicial. Brasília: Conselho da Justiça Federal, 2008, p. 91). 

Na hipótese, mesmo que o magistrado estivesse apenas defendendo seu direito possessório e respondendo “a altura” ameaça encetada pelo Sr. Tibério, ainda assim deveria adotar comportamento escorreito, sereno e prudente, o que foi muito diferente do constatado, porquanto se utilizara indevidamente das vantagens do cargo, proferindo ameaças graves e até chegando a vias de fato contra terceiro. Independentemente do conflito experimentado, inexiste amparo capaz de eximir o juiz das infrações cometidas.

Desse modo, as evidências são hábeis a demonstrar, pelo menos em análise perfunctória, que o magistrado apresentou conduta incompatível com o exercício da magistratura.

Portanto, verifica-se a possível existência de indícios que apontam violação, em tese, dos deveres de integridade pessoal e profissional, dignidade, honra e decoro, nos moldes previstos nos arts. 15 a 19 e 37 do Código de Ética da Magistratura Nacional, bem como dos deveres previstos no art. 35, VI e VIII, da Loman:

Código de Ética da Magistratura Nacional

Art. 15. A integridade de conduta do magistrado fora do âmbito estrito da atividade jurisdicional contribui para uma fundada confiança dos cidadãos na judicatura.

Art. 16. O magistrado deve comportar-se na vida privada de modo a dignificar a função, cônscio de que o exercício da atividade jurisdicional impõe restrições e exigências pessoais distintas das acometidas aos cidadãos em geral.

Art. 17. É dever do magistrado recusar benefícios ou vantagens de ente público, de empresa privada ou de pessoa física que possam comprometer sua independência funcional.

Art. 18. Ao magistrado é vedado usar para fins privados, sem autorização, os bens públicos ou os meios disponibilizados para o exercício de suas funções.

Art. 19. Cumpre ao magistrado adotar as medidas necessárias para evitar que possa surgir qualquer dúvida razoável sobre a legitimidade de suas receitas e de sua situação econômico-patrimonial.

Art. 37. Ao magistrado é vedado procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções.

 

Lei Orgânica da Magistratura  

Art. 35 - São deveres do magistrado:  

VI - comparecer pontualmente à hora de iniciar-se o expediente ou a sessão, e não se ausentar injustificadamente antes de seu término;

VIII - manter conduta irrepreensível na vida pública e particular.

Nesse passo, constato a presença de indícios suficientes para aprofundamento das investigações com a imediata abertura de PAD contra o magistrado ora investigado. 

3. Por fim, tendo vista a competência originária do CNJ, ex vi do art.103-B, 4º, III, da Constituição Federal, entendo pertinente e necessária a apreciação acerca do afastamento do juiz de direito LUCIANO AMERICO GALVÃO FILHO do exercício da função.

Antecedendo aludida análise, merece registro a aplicação da pena de censura ao requerido, como se vê do PP 0009681-91.2018.2.00.0000, bem como a existência de outros PAD’s instaurados em seu desfavor pelo TJAL, ainda sem conclusão, conforme se depreende dos PP 0000026-41.2023.2.00.0802, 0000030-78.2023.2.00.0802 e 0000047-17.2023.2.00.0802.

No âmbito deste Conselho, há ainda a RD 0005459-07.2023.2.00.0000, instaurada de ofício recentemente por ocasião do PP 0006185-83.2020.2.00.0000.  

Não se desconhece que, no âmbito administrativo, tal medida se revela excepcional, consoante os arts. 27, § 3º, da Loman e 15, § 1º, da Resolução CNJ n. 135/2011:

 

- Loman

Art. 27 - [...]

§ 3º - O Tribunal ou o seu órgão especial, na sessão em que ordenar a instauração do processo, como no curso dele, poderá afastar o magistrado do exercício das suas funções, sem prejuízo dos vencimentos e das vantagens, até a decisão final.

- Resolução CNJ n. 135/2011

Art. 15. O Tribunal, observada a maioria absoluta de seus membros ou do Órgão Especial, na oportunidade em que determinar a instauração do processo administrativo disciplinar, decidirá fundamentadamente sobre o afastamento do cargo do Magistrado até a decisão final, ou, conforme lhe parecer conveniente ou oportuno, por prazo determinado, assegurado o subsídio integral.

§ 1º O afastamento do Magistrado previsto no caput poderá ser cautelarmente decretado pelo Tribunal antes da instauração do processo administrativo disciplinar, quando necessário ou conveniente a regular apuração da infração disciplinar.

 

A hipótese de afastamento cautelar de magistrado é excepcional. O momento adequado para tal análise é quando o Plenário do CNJ, por voto da maioria dos seus membros, delibera nesse sentido, se estiverem presentes os requisitos cautelares expressos no § 1º do art. 15 da Resolução n. 135/2011, ou seja, desde que esse provimento cautelar seja necessário ou conveniente para a regular apuração da infração disciplinar.

Na espécie, considerando que a situação fática delineada nos autos deste procedimento se refere a atos de violência e práticas intimidatórias, fatos contemporâneos de gravidade bastante acentuada, afigura-se recomendável, a meu ver, o afastamento cautelar do magistrado das funções judicantes, na esteira do previsto no  art. 15, caput e § 1º, da Resolução CNJ n. 135/2011, de modo a prevenir novos ilícitos e a resguardar a higidez da instrução probatória. 

4. Ante o exposto, no exercício da competência correcional originária desta Corte, proponho a instauração de PAD em desfavor do juiz LUCIANO AMERICO GALVÃO FILHO, com imposição do afastamento cautelar do cargo, nos termos da portaria em anexo.

Transitado em julgado, feitas as devidas comunicações e distribuído o PAD para o(a) respectivo(a) relator(a), arquivem-se os autos (art. 74, caput, do RICNJ c/c o art. 14, § 7º, da Resolução CNJ n. 135/2011).

É como voto.

 

Brasília, data registrada no sistema.

 

 

Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO

Corregedor Nacional de Justiça

 

 

 

 

 

PORTARIA N.  , DE       DE 2024. 




Instaura processo administrativo disciplinar em desfavor de magistrado. 

  

 

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, usando das atribuições previstas nos artigos 103-B, § 4º, III, da Constituição Federal e 6º, XIV, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça; 

CONSIDERANDO a competência originária e concorrente do Conselho Nacional de Justiça para processar investigações contra magistrados independentemente da atuação das corregedorias e tribunais locais, expressamente reconhecida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal na apreciação da liminar na ADI nº 4.638/DF; 

CONSIDERANDO o disposto no § 5º do art. 14 da Resolução CNJ n. 135/2011, e as normas pertinentes da Lei Complementar n.  35/79 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional), da Lei n. 8.112/90 (Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União), da Lei n. 9.784/99, e do Regimento Interno do CNJ; 

CONSIDERANDO a decisão proferida pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça no julgamento o Pedido de Providências n. 0000039-40.2023.2.00.0802, durante a ------ª Sessão Ordinária, realizada em --------- de --------------- de 2024;

 

RESOLVE:

 

Art. 1º Instaurar Processo Administrativo Disciplinar, com afastamento cautelar do cargo, em desfavor de LUCIANO AMERICO GALVÃO FILHO, juiz de direito do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas, para apurar o possível descumprimento dos deveres insertos no art. 35, VI e VIII, da Lei Orgânica da Magistratura, bem como nos arts. 15 a 19 e 37 do Código de Ética da Magistratura, em razão da existência de indícios suficientes do cometimento de infrações disciplinares consubstanciadas na perpetração de ameaça contra Tibério Pereira Santos Melo, agressões físicas com o uso de revólver contra Luiz Gustavo dos Santos e Maria Augusta dos Santos, além da utilização de cargo público para obter aparato policial com o objetivo de intimidar desafetos em horário de expediente forense.

Art. 2º Determinar que a Secretaria do CNJ dê ciência ao Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas acerca da decisão tomada pelo Conselho Nacional de Justiça e da instauração do Processo Administrativo Disciplinar em desfavor do magistrado com o afastamento cautelar do cargo.

Art. 3° Determinar a livre distribuição do Processo Administrativo Disciplinar entre os Conselheiros, nos termos do art. 74 do RICNJ.  



 Ministro LUÍS ROBERTO BARROSO

Presidente do Conselho Nacional de Justiça





J16/F33