Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0000794-79.2022.2.00.0000
Requerente: ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS MAGISTRADOS DA JUSTIÇA DO TRABALHO - ANAMATRA
Requerido: CONSELHO SUPERIOR DA JUSTIÇA DO TRABALHO - CSJT

 

 

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. FÉRIAS DA MAGISTRATURA. CONVERSÃO DE UM TERÇO EM ABONO PECUNIÁRIO. RESOLUÇÃO CNJ N. 293/2019. CONSELHO SUPERIOR DA JUSTIÇA DO TRABALHO. PODER REGULAMENTAR. EXTRAPOLAÇÃO. INDEVIDA RESTRIÇÃO AOS PRESIDENTES DE ASSOCIAÇÕES DE MAGISTRADOS. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO.

1. Nos termos do art. 73, III, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, conceder-se-á afastamento ao magistrado, sem prejuízo de seus vencimentos e vantagens, para exercer a presidência de associação de classe.

2. A Resolução CSJT n. 253/2019, ao vedar a conversão de um terço das férias em abono pecuniário para os presidentes de associações de magistrados, desbordou dos limites do poder regulamentar, pois criou restrição sem amparo na lei e nos atos normativos do CNJ.

3. Pedido julgado procedente.

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, julgou procedente o pedido para decretar a nulidade do § 3º do art. 17 da Resolução CSJT n. 253/2019, no trecho em que veda a conversão de um terço das férias em abono pecuniário para os presidentes de associações de magistrados, nos termos do voto da Relatora. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário Virtual, 24 de junho de 2022. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene (Relatora), Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0000794-79.2022.2.00.0000
Requerente: ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS MAGISTRADOS DA JUSTIÇA DO TRABALHO - ANAMATRA
Requerido: CONSELHO SUPERIOR DA JUSTIÇA DO TRABALHO - CSJT


RELATÓRIO

Trata-se de Procedimento de Controle Administrativo (PCA), com pedido liminar, proposto pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA) em desfavor do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), no qual questiona art. 17, § 3º, da Resolução CSJT n. 253/2019, na parte que veda a conversão de um terço das férias em abono pecuniário para os presidentes de associações de magistrados.

A associação argumenta que o dispositivo extrapola o poder regulamentar, uma vez que cria restrição não prevista na Resolução CNJ n. 293/2019 e no art. 73, III, da LOMAN.

 Alega violação aos princípios da razoabilidade, da legalidade estrita e da reserva de lei (arts. 5º, II e 37, caput, da CRFB/1988).

Sustenta que a norma viola também o princípio da isonomia e desconsidera o caráter nacional da magistratura, pois a restrição não está prevista na regulamentação do Conselho da Justiça Federal.

Destaca Consultas respondidas pelo CNJ nas quais se entendeu pela obrigatoriedade de o presidente de associação de classe usufruir férias e pelo direito ao recebimento de indenização das férias eventualmente não gozadas no período de afastamento em razão de mandato associativo.

Ao final, formula o seguinte pedido:

 

a) conceda medida liminar para suspender a eficácia do § 3º, do art. 17, da resolução 253/2019, até o julgamento final do presente procedimento, já que além do fumus boni iuris, amplamente demostrado, está igualmente presente o periculum in mora, materializado pelo efetivo desestimulo ao exercício da relevante função de presidente associativo com repercussão no próprio direito de livre associativismo;

b) caso não seja este o entendimento de Vossa Excelência, requer a ANAMATRA, de forma sucessiva, que seja concedida ao menos a medida liminar para garantir aos presidentes associativos o direito de marcação de apenas 20 dias de férias, ficando resguardados os 10 dias referentes ao abono pecuniário para gozo futuro ou indenização em pecúnia, a depender do resultado final deste PCA, à luz do que já foi concedido por este eg. CNJ, nos autos do PCA 000720-70.2021.2.00.0000 e do PP 008993-27.2021.2.00.0000.

c) no mérito, confirme a liminar, reconheça a ilegalidade e declare a nulidade do ato controlado (CSJT, Res. 253, art. 17, § 3º) por extrapolação do poder regulamentar (CNJ, Res. 293/2019 c/c Loman, art. 73, III) e por violação aos princípios da legalidade (legalidade estrita e reserva de lei), da isonomia e da razoabilidade.  

 

O CSJT se manifestou sob o Id 4631377.

Argumenta que, nos termos do art. 111-A, § 2º, II, da CRFB/1988, cabe ao CSJT atuar como órgão central do sistema de gestão administrativa, financeira e orçamentária da Justiça do Trabalho, sendo-lhe assegurada a prerrogativa de fixar regras para o exercício de direitos, inclusive estabelecendo condições próprias, específicas e particulares. 

Destaca que o instituto em questão deve ser tratado como uma possibilidade à disposição da Administração, e não como um direito do magistrado, de modo que não há impropriedade na imposição de determinadas restrições e condições para o seu gozo.

Afirma que é a sociedade que paga para que o juiz possa receber sua remuneração sem estar exercendo suas atividades, mas se dedicando aos interesses da classe que representa. Conclui, assim, que o exercício do direito deve ocorrer nos limites do razoável, não comportando interpretações extensivas.

Prossegue afirmando que, na prática, quando o Presidente da entidade associativa de magistrados usufrui férias, é indicado outro magistrado que compõe a Diretoria no lugar do primeiro, sendo que o segundo (substituto provisório do Presidente) passa a ser afastado de suas atividades, também sem prejuízo da remuneração.

Defende que a construção de mecanismos de incentivo à atuação associativa não pode ser de responsabilidade da Administração Pública.

A liminar foi indeferida na decisão de Id 4689602.

Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) postulou o ingresso no feito e reiterou a necessidade de declaração de nulidade do art. 17, §3º da Resolução CSJT n. 253/2019 (Id 4704585). 

 

É o Relatório.


 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0000794-79.2022.2.00.0000
Requerente: ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS MAGISTRADOS DA JUSTIÇA DO TRABALHO - ANAMATRA
Requerido: CONSELHO SUPERIOR DA JUSTIÇA DO TRABALHO - CSJT

 


 

VOTO

 

Conforme brevemente relatado, a controvérsia recai sobre a licitude o art. 17, § 3º, da Resolução CSJT n. 253/2019, na parte em que veda a conversão de um terço das férias em abono pecuniário para os presidentes de associações de magistrados.

Entendo que o desate da questão passa, inicialmente, pela análise do alcance normativo do art. 73, III, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN). Confira-se o teor do dispositivo:

 

Art. 73 - Conceder-se-á afastamento ao magistrado, sem prejuízo de seus vencimentos e vantagens:

III - para exercer a presidência de associação de classe. 

 

 

Veja-se que, a teor do dispositivo, o afastamento do magistrado deve ocorrer sem prejuízo de seus vencimentos e vantagens.

A Lei Orgânica do Ministério Público da União (Lei Complementar n. 75/1993) vai além ao dispor em seu art. 222, § 5º, que o afastamento do membro do parquet se dará “sem prejuízo dos vencimentos, vantagens ou qualquer direito inerente ao cargo”.

Da interpretação sistemática desses dispositivos, e tendo em mente ainda a simetria constitucional entre Magistratura e Ministério Público, depreende-se que o legislador conferiu especial relevância ao exercício da atividade de representação de classe a essas carreiras. Ao fazê-lo, garantiu aos membros afastados a preservação de quaisquer direitos e vantagens a que fazem jus os membros em efetivo exercício.

Em outras palavras, a mera circunstância de o magistrado estar afastado para a representação de classe não pode ser, em linha de princípio, empecilho para o usufruto de direitos titularizados pelos demais juízes.

Nesse sentido, ao criar restrição a direito dos magistrados não prevista na LOMAN e nas Resoluções do CNJ, tem-se que o CSJT, de fato, inovou no ordenamento jurídico, extravasando os limites do poder regulamentar.

Embora o Conselho requerido sustente que o instituto em questão deve ser tratado como uma possibilidade à disposição da Administração, e não como um direito do magistrado, a expressão “é facultada conversão”, constante do § 3º, do art. 1º, da  Resolução CNJ n. 293/2019, indica que a conversão ou não de um terço das férias é opção a ser feita unicamente pelo juiz.  

Assim, ao conferir o poder de estabelecer uma nova situação jurídica, a resolução institui verdadeiro direito potestativo em favor dos magistrados, não cabendo à Administração limitá-lo ou decidir acerca do deferimento ou não da conversão.

Quanto às condições para o exercício desse direito, o ato normativo editado pelo CNJ exige somente o requerimento formulado com antecedência mínima de 60 (sessenta) dias do efetivo gozo, tendo delegado aos Tribunais e aos Conselhos (CJF e CSJT) a regulamentação de aspectos secundários. Confira-se:

 

Art. 1º Os magistrados terão direito a férias anuais, consoante previsto na Lei Complementar nº 35/79, permitida a acumulação em caso de necessidade do serviço.

 

(...)

 

§ 3º É facultada a conversão de um terço de cada período de férias em abono pecuniário, nele considerado o terço constitucional, mediante requerimento formulado com antecedência mínima de sessenta dias do efetivo gozo.

 

Art. 2º Compete aos Tribunais Superiores, ao Conselho da Justiça Federal, ao Conselho Superior da Justiça do Trabalho, aos Tribunais de Justiça e aos Tribunais Militares a regulamentação relativa à escala, à marcação, ao gozo, à alteração, à interrupção e à indenização das férias, bem como a outros assuntos correlatos, respeitadas as disposições da Constituição Federal, da Lei Complementar nº 35/79 e das Resoluções deste Conselho.

 

A possibilidade de regulamentação adicional pelos Tribunais e Conselhos, contudo, deve respeitar a moldura normativa traçada pela LOMAN e pelas Resoluções do CNJ.

Com efeito, o exercício do poder regulamentar atribuído ao CSJT pela CRFB/1988 tem como finalidade apenas minudenciar atos normativos primários. Pode o Conselho, assim, estabelecer contornos para o exercício de direitos, mas não pode suprimi-los, como fez, no caso, em relação aos presidentes de associações de magistrados.

Chamo ainda atenção para o fato de que a regulamentação do CSJT destoa daquela promovida pelo CJF (Resolução CJF n. 663/2020) e pelos Tribunais de Justiça dos Estados, em cujos atos normativos, após pesquisa, não foi identificado preceito semelhante.

Em sendo assim, a restrição criada pelo CSJT acaba por enfraquecer o princípio da isonomia e o caráter nacional da magistratura.

Precisamente sobre a necessidade de conformação dos tribunais ao caráter nacional da magistratura, destaco os seguintes julgados:

 

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. GRATIFICAÇÃO POR EXERCÍCIO CUMULATIVO DE JURISDIÇÃO. RESOLUÇÃO CSJT N. 155/2015. REGULAMENTAÇÃO DA LEI N. 13.095/2015. EXTRAPOLAÇÃO DO PODER REGULAMENTAR. AUSÊNCIA DE ISONOMIA À LUZ DA UNIDADE ORGÂNICA DA MAGISTRATURA. PROCEDÊNCIA PARCIAL.

(...)

III - Ressalvadas as especificidades que distinguem cada um dos ramos, e que justificam eventuais diferenças no regramento, também não há como conceber que, para situações absolutamente idênticas, os magistrados da Justiça Federal e da Justiça do Trabalho recebam de seus respectivos Conselhos tratamentos diferenciados, sobretudo considerando a identidade de texto das matrizes legais.  A Constituição Federal submete os magistrados da União e dos Estados ao mesmo regime de direitos, obrigações, prerrogativas e vedações (artigos 93 a 99 da CF), consolidando, assim, o caráter orgânico e unitário da magistratura nacional. Nesse contexto constitucional de garantia de paridade entre os magistrados, a imputação por lei ou regulamento de distinções de tratamento em situações objetivamente semelhantes configura afronta ao princípio isonômico estatuído no art. 5º, caput, da CF.

IV - Pedido julgado parcialmente procedente para adequar a Resolução CSJT n. 155/2015 aos termos da Lei n. 13.095/2015 e excluir situações identificadas como anti-isonômicas.

(CNJ - PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0006398-94.2017.2.00.0000 - Rel. LUCIANO FROTA - 303ª Sessão Ordinária - julgado em 04/02/2020).

 

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. FÉRIAS DA MAGISTRATURA. ABONO PECUNIÁRIO. RESOLUÇÃO/CNJ N.293/2019. CONSELHO SUPERIOR DA JUSTIÇA DO TRABALHO. PODER REGULAMENTAR. EXTRAPOLAÇÃO. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO.

1 – A Resolução/CNJ n. 293/2019, que dispõe sobre as férias da magistratura, foi editada com os seguintes fundamentos: (i) necessidade de estabelecimento de parâmetros para o exercício do direito às férias dos membros da Magistratura Nacional, e (ii) a finalidade de uniformização da matéria a fim de propiciar melhor gestão da prestação jurisdicional pelos tribunais. Desse modo, a finalidade da Resolução/CNJ n. 293/2019 é uniformizar o exercício do direito às férias no Poder Judiciário, considerando a magistratura como nacional, sem distinguir se o membro é oriundo da magistratura federal, estadual ou da Justiça do Trabalho.

2- Especificamente no que tange à conversão de um terço de cada período de férias em abono pecuniário, o ato normativo editado pelo CNJ exigiu apenas “o requerimento formulado com antecedência mínima de sessenta dias do efetivo gozo”. Em seguida, foi delegado aos tribunais e aos Conselhos (CJF e CSJT) a regulamentação relativa à escala, à marcação, ao gozo, à alteração, à interrupção e à indenização de férias.

3 – A Resolução/CSJT n.253/2019 inovou ao instituir mínimo de dias úteis de efetiva prestação de serviços. Assim, no âmbito da Justiça Laboral, foi criada uma nova exigência para a conversão do terço do período de férias em abono pecuniário, tratando os juízes do trabalho de forma diferenciada, além de contrariar o fundamento de “padronizar a matéria considerando a magistratura com nacional” apresentado para a normatização da matéria pelo CNJ.

4 - Dessa forma, a Resolução/CSJT n. 253/2019 merece reparos, tendo em vista que o §4º do artigo 17 exorbitou o poder regulamentar, na medida em que criou restrição de direito não previsto na Resolução/CNJ n. 293/2019.

5- Pedido julgado procedente. (CNJ - PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0000027-75.2021.2.00.0000 - Rel. MARCOS VINÍCIUS JARDIM RODRIGUES - 92ª Sessão Virtual - julgado em 10/09/2021).

 

Por fim, em reforço a todas essas observações, lembro que este Conselho decidiu recentemente, nos autos da Consulta n. 0000628-23.2017.2.00.0000, que “o magistrado afastado da judicatura, em razão da representação em associação de classe, pode cumular os períodos de férias adquiridos no curso do mandato, ficando garantido o direito ao gozo de férias ou sua indenização”.

Ora, se é lícito ao magistrado obter indenização pelas férias não gozadas durante o afastamento, o que implica, na prática, a conversão da totalidade do período em pecúnia, com maior razão deverá ser garantida a possibilidade de conversão de parcela menor correspondente a um terço.

Diante do exposto, julgo procedente o pedido para decretar a nulidade do § 3º do art. 17 da Resolução CSJT n. 253/2019, no trecho em que veda a conversão de um terço das férias em abono pecuniário para os presidentes de associações de magistrados.

É como voto. 

Intimem-se.

Em seguida, arquive-se, independente de nova conclusão.

 

 

Brasília, 31 de maio de 2022.

 

Conselheira Salise Sanchotene

Relatora