Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0006594-06.2013.2.00.0000
Requerente: Não definido
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

 

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO – ATOS NOS 3/2013 E 4/2013 DA 1º VICE-PRESIDÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – SUSPENSÃO DA DISTRIBUIÇÃO DE RECURSOS EM AÇÕES INDIVIDUAIS ATÉ O TRÂNSITO EM JULGADO DE AÇÃO COLETIVA COM O MESMO OBJETO – AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL – REVOGAÇÃO – ATO Nº 1/2014 DA PRESIDÊNCIA DO TJRS – ORIENTAÇÃO DE SUSPENSÃO DO JULGAMENTO DE PROCESSOS – CUMPRIMENTO A DECISÃO JUDICIAL DO STJ – RESP Nº1.419.697/RS –PROCESSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA MULTITUDINÁRIA – ART. 543-C DO CPC – DETERMINAÇÃO JUDICIAL DE SOBRESTAMENTO DE TODAS AS AÇÕES EM TRÂMITE, DESDE A ORIGEM – INCOMPETÊNCIA DO CNJ – ATO DE NATUREZA JURISDICIONAL

1. O pedido de revogação dos Atos nos 3 e 4/2013-1ª.VP, da 1ª Vice-Presidência do TJRS perdeu o objeto, ante a revogação pelo Ato nº 1/2014-1ª.VP, do mesmo órgão.

2. Ato nº 1/2014-P, da Presidência daquela Corte, tem caráter eminentemente informativo, orienta os membros do Tribunal a suspenderem o julgamento dos processos que menciona, em cumprimento à decisão judicial do Eg. STJ no Recurso Especial nº 1.419.697/RS.

3. Refoge à competência do CNJ o controle de ato de natureza jurisdicional.

4. Procedimento de Controle Administrativo que se julga prejudicado, por perda de objeto.

5. Recomendações, de ofício, ao Tribunal Requerido, quanto ao cumprimento dos novos atos.

 

Conselheiro Relator

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por maioria, não conheceu do pedido, nos termos do voto da Relatora. Presidiu o julgamento o Conselheiro Joaquim Barbosa. Plenário, 8 de abril de 2014.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO - 0006594-06.2013.2.00.0000
Requerente: Não definido
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL


1.      Relatório

Trata-se de procedimentos instaurados por André Miranda IraceFrancis Dreon Calza e Fredi Rasch, advogados, contra os Atos nos 3 e 4/2013, da 1ª Vice-Presidência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS), que determinaram a suspensão da distribuição “das apelações cíveis que versem, ainda que alternativa ou cumulativamente, sobre reparação de danos morais e/ou materiais vinculados ao uso de banco de dados e de avaliação de consumidores mantido pela Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) e suas filiadas (SPC, SCPC, Boa Vista, Webnet Base Garantida, SCPC Score Crédito, Credscan – Cativa)”; “dos recursos (agravos e apelações cíveis) que versem, ainda que alternativa ou cumulativamente, sobre reparação de danos morais e/ou materiais vinculados ao uso de banco de dados e de avaliação de consumidores mantido pelo SERASA S/A (Serasa Experian), ou sobre decisões de suspensão de ações individuais que visam a tais tutelas” e “dos agravos (além das apelações cíveis já contempladas no Ato n. 03/2013-1ª VP) manejados em decisões de suspensão de ações individuais que versem, ainda que alternativa ou cumulativamente, sobre reparação de danos morais e/ou materiais vinculados ao uso de banco de dados e de avaliação de consumidores mantido pela Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) e suas filiadas (SPC, SCPC, Boa Vista, Webnet Base Garantida, SCPC Score Crédito, Credscan – Cativa)”.

Após sucessivas inclusões do feito em pauta de julgamento do Plenário deste Eg. Conselho, o Eg. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul informou que os atos impugnados foram revogados pelo Ato nº 1/2014-P, da Presidência daquela Corte, publicado no Diário de Justiça Eletrônico de 16/1/2014 (INF14, INF15 e DOC16).

Pelo novo ato, o Presidente do Eg. TJRS orienta os integrantes do Tribunal a suspender o julgamento “dos recursos que versem, ainda que alternativa ou cumulativamente, matéria apontada nos considerandos I e II até o julgamento do Recurso Especial 1.419.697/RS”.

Os Requerentes impugnaram as informações do Tribunal Requerido. Sustentaram que o Departamento Processual do Tribunal continuava sobrestando a distribuição de recursos com base nos atos alegadamente revogados. Reiteraram o pedido de desconstituição dos Atos nos 3 e 4/2013-1ª.VP e requereram que o Tribunal fosse “compelido a retificar no seu Departamento Processual, fazendo constar nas informações a SUSPENSÃO DOS RECURSOS conforme o Ato nº 001/2014 – P” (PET17 do PCA-6594-06.2013.2.00.0000)Juntaram informações processuais de apelações interpostas posteriormente à publicação do Ato nº 1/2014-P, que tiveram distribuição suspensa com fundamento nos Atos nos 3 e 4/2013-1ª.VP (DOC18, DOC19 e DOC20 do PCA-6594-06.2013.2.00.0000), além de cópia de despacho de Desembargador do Tribunal que, em 7/3/2014, determinara o sobrestamento de feito com base nesses atos (DOC21 do PCA-6594-06.2013.2.00.0000).

Notificado para esclarecimentos, o Eg. TJRS informou que o Primeiro Vice-Presidente daquela Corte expediu o Ato nº 1/2014-1ª.VP, revogando expressamente os Atos nos 3 e 4/2013-1ª.VP, contudo, o ato ainda não fora publicado, não havendo a devida ciência pelo setor de distribuição. Aduziu que após a publicação, em 12/3/2014, começou a ser realizada a distribuição dos processos, seguindo-se a orientação do CNJ. Mencionou novamente a decisão do Eg. STJ no REsp nº 1.419.697, que determinou a suspensão, desde a origem, dos processos que tratem de bancos de dados de consumidores. Juntou andamentos processuais para demonstrar a distribuição de processos que foram sobrestados com base nos atos revogados (INF22, DOC23, DOC24, DOC25).

Os Requerentes argumentaram que, “não obstante as informações prestadas, se as Câmaras do Tribunal seguirem sobrestando os recursos com fundamento nas demandas coletivas movidas pelo Ministério Público de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, como se faz prova pelo documento datado de 17 de março de 2014, A SITUAÇÃO FÁTICA PERMANECERÁ A MESMA” (DOC27 – destaques no original). Requereram novamente a desconstituição dos Atos nos 3 e 4/2013-1ª.VP e a notificação das Câmaras do Tribunal de Justiça do Estado “para que se abstenham de sobrestar os recursos sob o fundamento de atos que já revogados” (DOC27).

É o relatório.

 

MARIA CRISTINA IRIGOYEN PEDUZZI

Conselheiro Relator


 

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Requerente: Não definido
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2.      Voto

Como expus em voto apresentado anteriormente às informações de revogação dos atos impugnados no presente Procedimento de Controle Administrativo, considero irregular, tanto por ausência de previsão legal, como por razões de oportunidade e conveniência de administração judiciária, a determinação de suspensão de distribuição de recursos em ações individuais até o julgamento de ação coletiva, feita por ato administrativo.

Contudo, como se infere das informações e dos documentos apresentados pelo Tribunal Requerido, os atos impugnados (Atos nos 3 e 4/2013-1ª.VP-TJRS) foram expressamente revogados pelo Ato nº 1/2014-1ª.VP, da 1ª Vice-Presidência daquela Corte, passando-se à regular distribuição dos feitos que tratem de bancos de dados de consumidores.

O Ato nº 1/2014-P, da Presidência daquela Corte, por sua vez, orienta os integrantes do Tribunal a suspender o julgamento “dos recursos que versem, ainda que alternativa ou cumulativamente, matéria apontada nos considerandos I e II até o julgamento do Recurso Especial 1.419.697/RS”.

Não há mais determinação de suspensão da distribuição de apelações e agravos, por órgão não jurisdicional, como havia nos Atos nos 3 e 4/2013-1ª.VP.

O Recurso Especial nº 1.419.697/RS, mencionado no Ato nº 1/2014-P, foi selecionado pelo Eg. Superior Tribunal de Justiça, nos termos do art. 543-C do CPC, como representativo da controvérsia multitudinária pertinente à “natureza dos sistemas de scoring e a possibilidade de violação a princípios e regras do Código de Defesa do Consumidor capaz de gerar indenização por dano moral”.

Após a inserção do feito na sistemática dos recursos múltiplos, que autoriza a suspensão dos demais Recursos Especiais que tratem da mesma matéria (arts. 543-C, § 1º, do CPC e 2º, § 2º, da Resolução nº 8/2008 do STJ), o Exmo. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Relator, considerando informações prestadas pelo Eg. TJRS sobre o grande número de ações idênticas em trâmite naquele Estado, esclareceu que “a) a suspensão abrange todas as ações em trâmite e que ainda não tenham recebido solução definitiva; b) não há óbice para o ajuizamento de novas demandas, mas as mesmas ficarão suspensas no juízo de primeiro grau; c) a suspensão terminará com o julgamento do presente recurso repetitivo” (DJe 29/11/2013 – destaques acrescidos).

Verifica-se que, atualmente, a suspensão do julgamento de processos sobre cadastros de consumidores decorre de decisão judicial do Eg. Superior Tribunal de Justiça.

Não compete a este Conselho, órgão de controle administrativo, a revisão de decisões de natureza jurisdicional. Nesse sentido:

 

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. TAXA DE MANDATO JUDICIAL. EXAME DE CONSTITUCIONALIDADE DE LEI ESTADUAL. INCOMPETÊNCIA DO CNJ. NATUREZA JURISDICIONAL DA MATÉRIA. IMPUGNAÇÃO POR MEIO DE RECURSOS PRÓPRIOS. IMPACTO NA CELERIDADE E NA EFICIÊNCIA DO JUDICIÁRIO ESTADUAL. NECESSIDADE DE APERFEIÇOAMENTO DA NORMA. 1. Não compete ao CNJ o exame da constitucionalidade de lei, por se tratar de ato oriundo do Poder Legislativo, estranho, portanto, à sua atribuição precípua de controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário. 2. As decisões que determinam o recolhimento da “taxa de mandato judicial” são proferidas no bojo de processos judiciais, pelo que são atacáveis por recurso próprio. Logo, não são alcançadas pelo controle administrativo exercido por este Conselho. 3. Não obstante, no intuito de buscar o aperfeiçoamento e a eficiência dos serviços judiciários, recomenda-se ao TJSP a adoção de providências e/ou a apresentação ao órgão responsável de proposta com vistas à alteração/extinção da referida “taxa”. 4. Pedido de Providências parcialmente procedente. (PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 0003030-19.2013.2.00.0000 - Rel. RUBENS CURADO - 183ª Sessão - j. 25/2/2014)

 

RECURSO ADMINISTRATIVO. PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. QUESTÃO RELACIONADA A MATÉRIA DE NATUREZA JURISDICIONAL. NÃO CONHECIMENTO. PRECEDENTES.Não se insere entre as atribuições do Conselho Nacional de Justiça, conferidas pela Constituição Federal (art. 103-B), o controle de ato que expressa entendimento jurisprudencial. Recurso Administrativo que se conhece, e a que se nega provimento. (RA – Recurso Administrativo em PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 0004641-41.2012.2.00.0000 - Rel. NEY JOSÉ DE FREITAS - 156ª Sessão - j. 16/10/2012)

 

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS PARA REVOGAR DECISÃO ACERCA DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS E DE APLICAÇÃO DE SANÇÃO DISCIPLINAR. NATUREZA JURISDICIONAL. INCOMPETÊNCIA DO CNJ. NÃO CONHECIMENTO. O CNJ, em princípio, não tem competência para apreciar decisão que, em qualquer fase do processo de execução, disponha acerca da validade de contrato de honorários. Esse gênero de decisão possui natureza jurisdicional, e, certa ou errada, justa ou injusta, deve ser impugnada por meio dos recursos apropriados. Somente se constatada infração disciplinar – não vislumbrada no caso – poderá o magistrado responder em razão de ato judicial. Pedido de providências não conhecido. (CNJ - PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 0004690-19.2011.2.00.0000 - Rel. WELLINGTON SARAIVA - 150ª Sessão - j. 03/07/2012)

 

Ato nº 1/2014-P, embora oriente os membros do Tribunal a suspender o julgamento de processos, tem caráter eminentemente informativo, busca promover o cumprimento da decisão judicial do Eg. STJ.

Considerando que os Atos nos 3 e 4/2013-1ª.VP foram expressamente revogados, e, conforme informações do Tribunal Requerido, a distribuição dos processos vem sendo paulatinamente restabelecida, de acordo com as possibilidades do serviço, há de se reconhecer a perda de objeto do presente Procedimento de Controle Administrativo, quanto ao pedido de desconstituição dos referidos atos.

Os Requerentes alegam que as Câmaras do Tribunal, mesmo após a revogação dos Atos nos 3 e 4/2013-1ª.VP, continuam sobrestando recursos com fundamento nos referidos atos ou na existência de demandas coletivas movidas pelo Ministério Público de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul.

Todavia, o despacho de 17/3/2014, trasladado como prova de tais alegações, determinou o sobrestamento com base na decisão do Eg. STJ no REsp nº 1.419.697/RS, sem mencionar os atos revogados (DOC26).

Ademais, eventuais sobrestamentos por decisão do juízo competente, ainda que mencionem os atos já revogados, também refogem ao controle deste Eg. Conselho, como visto acima, em razão da natureza jurisdicional.

De toda sorte, dada a relevância da matéria, cumpre recomendar, de ofício, ao Eg. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul que adote as providências necessárias para (i) larga ciência da revogação dosAtos nos 3 e 4/2013-1ª.VP; (ii) célere andamento dos feitos que tenham sido sobrestados anteriormente à distribuição com base nesses atos; e (iii) alteração dos registros processuais que mencionem equivocadamente os referidos atos, em caso de suspensão determinada em cumprimento à decisão do Eg. STJ.

Por todo o exposto, I – julgo prejudicado o presente Procedimento de Controle Administrativo, quanto ao pedido de desconstituição dos Atos nos 3 e 4/2013, da 1ª Vice-Presidência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, por perda de objeto, e II – recomendo, de ofício, ao Eg. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul que adote as providências necessárias para (i) larga ciência da revogação dos Atos nos 3 e 4/2013-1ª.VP; (ii) célere andamento dos feitos que tenham sido sobrestados anteriormente à distribuição; e (iii) alteração dos registros processuais que mencionem equivocadamente os referidos atos, em caso de suspensão determinada em cumprimento à decisão do Eg. STJ.

É como voto.

 

 

MARIA CRISTINA IRIGOYEN PEDUZZI

Conselheiro Relator

 

PCA N. 0006594-06.2013.2.00.0000

RELATORA: CONS. MARIA CRISTINA IRIGOYEN PEDUZZI

REQUERENTE: ANDRÉ MIRANDA IRACE

                               FRANCIS DREON CALZA

                               FREDI RASCH

REQUERIDO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL

 

VOTO CONVERGENTE

            Considerando que  os atos impugnados (Atos nos 3 e 4/2013-1ª.VP-TJRS) foram expressamente revogados pelo Ato nº 1/2014-1ª.VP, da 1ª Vice-Presidência daquela Corte, que orienta os integrantes do Tribunal a suspender o julgamento “dos recursos que versem, ainda que alternativa ou cumulativamente, matéria apontada nos considerandos I e II até o julgamento do Recurso Especial 1.419.697/RS, retiro o voto divergente para acompanhar a Relatora no sentido de declarar a perda do objeto do presente feito. 


Brasília, 08 de abril de 2014.

 

 

Conselheira LUIZA CRISTINA FRISCHEISEN

Relatora

 

VOTO DIVERGENTE

Peço a máxima vênia para divergir do voto proposto pelo eminente Conselheiro Relator por entender que a eventual, não obrigatória, manutenção de crucifixos existentes em prédios do Poder Judiciário não ostenta qualquer afronta ao Direito e à Constituição da República, pois disso não decorre, necessariamente, uma infringência ao caráter laico do Estado Brasileiro.

Se assim fosse, não teria dúvidas em prestigiar o ato administrativo aqui impugnado e acompanhar o voto do relator. Ocorre que essa providência do Conselho da Magistratura do Estado do Rio Grande do Sul é manifestamente injustificada e contrária à longa, histórica e antiga tradição dos tribunais ao lembrar, por meio do gesto singelo de afixação do crucifixo, o martírio de Jesus Cristo em face, exatamente, da ausência de Justiça. Essa observação não é minha, faço questão de assinalar desde logo, mas provem de um ex-senador e ministro do STF, o ilustre ministro Paulo Brossard, que assim escreveu ao saber da providência ora discutida:

Minha filha Magda me advertiu de que estamos a viver tempos do Apocalipse sem nos darmos conta; semana passada, certifiquei-me do acerto da sua observação, ao ler a notícia de que o douto Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado, atendendo postulação de ONG representante de opção sexual minoritária, em decisão administrativa, unânime, resolvera determinar a retirada de crucifixos porventura existentes em prédios do Poder Judiciário estadual, decisão essa que seria homologada pelo Tribunal. Seria este “o caminho que responde aos princípios constitucionais republicanos de Estado laico” e da separação entre Igreja e Estado.

Tenho para mim tratar-se de um equívoco, pois desde a adoção da República o Estado é laico e a separação entre Igreja e Estado não é novidade da Constituição de 1988, data de 7 de janeiro de 1890, Decreto 119-A, da lavra do ministro Rui Barbosa, que, de longa data, se batia pela liberdade dos cultos. Desde então, sem solução de continuidade, todas as Constituições, inclusive as bastardas, têm reiterado o princípio hoje centenário, o que não impediu que o histórico defensor da liberdade dos cultos e da separação entre Igreja e Estado sustentasse que “a nossa lei constitucional não é antirreligiosa, nem irreligiosa”.

É hora de voltar ao assunto. Disse há pouco que estava a ocorrer um engano. A meu juízo, os crucifixos existentes nas salas de julgamento do Tribunal lá não se encontram em reverência a uma das pessoas da Santíssima Trindade, segundo a teologia cristã, mas a alguém que foi acusado, processado, julgado, condenado e executado, enfim justiçado até sua crucificação, com ofensa às regras legais históricas, e, por fim, ainda vítima de pusilanimidade de Pilatos, que tendo consciência da inocência do perseguido, preferiu lavar as mãos, e com isso passar à História.

Em todas as salas onde existe a figura de Cristo, é sempre como o injustiçado que aparece, e nunca em outra postura, fosse nas bodas de Caná, entre os sacerdotes no templo, ou com seus discípulos na ceia que Leonardo Da Vinci imortalizou. No seu artigo “O justo e a justiça política”, publicado na Sexta-feira Santa de 1899, Rui Barbosa salienta que “por seis julgamentos passou Cristo, três às mãos dos judeus, três às dos romanos, e em nenhum teve um juiz”... e, adiante, “não há tribunais, que bastem, para abrigar o direito, quando o dever se ausenta da consciência dos magistrados”. Em todas as fases do processo, ocorreu sempre a preterição das formalidades legais. Em outras palavras, o processo, do início ao fim, infringiu o que em linguagem atual se denomina o devido processo legal. O crucifixo está nos tribunais não porque Jesus fosse uma divindade, mas porque foi vítima da maior das falsidades de justiça pervertida.

Não é tudo. Pilatos ficou na história como o protótipo do juiz covarde. É deste modo que, há mais de cem anos, Rui concluiu seu artigo, “como quer te chames, prevaricação judiciária, não escaparás ao ferrete de Pilatos! O bom ladrão salvou-se. Mas não há salvação para o juiz covarde”.

Faz mais de 60 anos que frequento o Tribunal gaúcho, dele recebi a distinção de fazer-me uma vez seu advogado perante o STF, e em seu seio encontrei juízes notáveis. Um deles chamava-se Isaac Soibelman Melzer. Não era cristão e, ao que sei, o crucifixo não o impediu de ser o modelar juiz que foi e que me apraz lembrar em homenagem à sua memória. Outrossim, não sei se a retirada do crucifixo vai melhorar o quilate de algum dos menos bons.

Por derradeiro, confesso que me surpreende a circunstância de ter sido uma ONG de lésbicas que tenha obtido a escarninha medida em causa. A propósito, alguém lembrou se a mesma entidade não iria propor a retirada de “Deus” do preâmbulo da Constituição nem a demolição do Cristo que domina os céus do Rio de Janeiro durante os dias e todas as noites.[1]

Penso ser desnecessário acrescentar qualquer outra consideração às sábias palavras do antigo advogado, senador e magistrado da Suprema Corte, que acima transcrevi, senão apenas lamentar que tenhamos de gastar tempo, esse insumo tão caro e valioso a todos os envolvidos no conflagrado sistema judicial brasileiro, na tarefa de solucionar uma questão como a presente.

Concluo que procede o pedido de providências, nos termos propostos. Dou-lhe provimento para tornar sem efeito o ato administrativo impugnado.

Brasília, 22 de outubro de 2013.

 

 

Conselheiro FLAVIO SIRANGELO



[1] Paulo Brossard, “Tempos apocalípticos”, Jornal ZERO HORA, Porto Alegre, 12/03/2012.

 

Brasília, 2014-04-23. 

Conselheiro Relator