Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR EM FACE DE MAGISTRADO - 0006926-94.2018.2.00.0000
Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
Requerido: SIRO DARLAN DE OLIVEIRA

 

 

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PAD. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. TJRJ. DESEMBARGADOR. PLANTÃO. CONCESSÃO DE LIMINAR EM HABEAS CORPUS A RÉU PRESO PREVENTIVAMENTE. RESOLUÇÃO CNJ N. 71/2009. REQUISITOS. URGÊNCIA. NÃO COMPROVAÇÃO. EXTENSÃO DE DECISÃO A 6 PROCESSOS CRIMINAIS DISTINTOS. DECISÃO TERATOLÓGICA. COMPETÊNCIA. PREVENÇÃO. JUIZ NATURAL. VIOLAÇÃO. PARENTESCO. FILHO. ADVOGADO DO PACIENTE. ALEGAÇÃO DE DESCONHECIMENTO. FALTA DE CAUTELA. INFRAÇÃO À LOMAN E AO CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA. APLICAÇÃO DA PENA DE APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR JULGADO PROCEDENTE.

I - Processo Administrativo Disciplinar instaurado em desfavor de Desembargador para apurar: (i) concessão de liminar em habeas corpus, durante o plantão judiciário, em favor de paciente anteriormente patrocinado por advogado filho do requerido; e (ii) violação da Resolução CNJ n. 71/2009, que dispõe sobre o regime de plantão judiciário. 

II - A Resolução CNJ n. 71/2009 disciplina as matérias passíveis de apreciação em plantão judiciário. Necessidade de o fato superveniente ao expediente regular caracterizar-se como urgente, sob pena de violação ao princípio do juiz natural.

III - Prolação de decisão teratológica. Liminar em habeas corpus para, por meio de uma única decisão, conceder prisão domiciliar a réu preso preventivamente em 6 processos distintos, com trâmite em juízos diversos.

IV - Fatos agravados ante a constatação de que o filho do requerido havia funcionado nos mesmos autos como advogado do paciente, e que havia anteriormente pleiteado a mesma medida judicial.

V - Elevada gravidade passível de repreensão, por afronta aos artigos 35, I, e VIII, da LOMAN e 1º, 4º, 5º, 8º, 15, 17, 19, 24, 25 e 37, do Código de Ética da Magistratura.

VI - Procedência das imputações. Aplicação da pena de aposentadoria compulsória.

 

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, julgou procedentes as imputações para aplicar ao Desembargador a pena de aposentadoria compulsória, com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, nos termos do voto da Relatora. Votou a Presidente. Ausentes, justificadamente, os Conselheiros Marcio Luiz Freitas e Marcos Vinícius Jardim Rodrigues. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário, 14 de março de 2023. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene (Relatora), Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Sustentaram oralmente: pelo Requerido, o Advogado Julio Matuch de Carvalho - OAB/RJ 98.885; e, pela Interessada Associação Nacional dos Magistrados Estaduais - ANAMAGES, o Advogado Cristovam Dionísio de Barros Cavalcanti Junior - OAB/MG 130.440.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR EM FACE DE MAGISTRADO - 0006926-94.2018.2.00.0000
Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
Requerido: SIRO DARLAN DE OLIVEIRA


 

 

RELATÓRIO

 

Trata-se de Processo Administrativo Disciplinar (PAD) instaurado pelo Conselho Nacional de Justiça contra SIRO DARLAN DE OLIVEIRA, Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ).

A instauração do PAD decorreu do julgamento da Reclamação Disciplinar n. 0006075-26.2016.2.00.0000, na sessão realizada em 14 de agosto de 2018, para apurar eventual infração aos artigos 35, I, e VIII, da LC n. 35/79, e 1º, 2º, 8º, 17 e 19 do Código de Ética da Magistratura Nacional (id. 3316016).

 Os fatos sob apuração, delimitados na Portaria PAD n. 9, de 28 de agosto de 2018 (id. 3223231), consistiram, inicialmente, em: (i) concessão de liminar em habeas corpus, durante o plantão judiciário, em favor de paciente anteriormente patrocinado por advogado filho do requerido; (ii) violação da Resolução CNJ n. 71/2009, que dispõe sobre o regime de plantão judiciário; e (iii) recebimento de vantagem econômica indevida pelo deferimento de liminar em habeas corpus, conforme se extraiu de depoimento prestado em acordo de colaboração premiada.

O Ministério Público Federal manifestou-se nos termos do art. 16 da Resolução CNJ n. 135/2011, oportunidade em que requereu: o compartilhamento do conteúdo do Inquérito n. 1.199/DF, em trâmite no Superior Tribunal de Justiça, sob a relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão; o envio de cópia integral deste PAD ao STJ; e expedição de ofício ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro para esclarecimentos sobre o processo MPRJ n. 2016.01083320 (id. 3355120), o que foi deferido (id. 3507227).

Após o cumprimento das diligências, o MPF apresentou rol de testemunhas e requereu, também, a expedição de ofício ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, para que identificasse o signatário da certidão juntada no id. 3477272 (id. 3562503), resposta que sobreveio aos autos no id. 3580264.

 Nas razões de defesa, o magistrado requerido sustentou: a inexistência de elementos, no plantão do dia 27/09/2016, indicativos do patrocínio anterior da causa por seu filho em cinco dos seis processos de origem do habeas corpus n. 0305965- 19.2016.8.19.0001; que o plantão judicial não oferecia condições, à época, de verificação de impedimento, suspeição, reiteração de pedido já apreciado no órgão de origem, prevenção; e inexistência de provas quanto à terceira acusação, sequer em relação ao recebimento de suposta vantagem econômica indevida (id. 3477269).

Em síntese, aduziu que as acusações são genéricas e que a concessão da liminar em HC em regime de plantão, para determinar prisão domiciliar a paciente para quem seu filho, anteriormente, havia advogado, não constitui ato ilícito, porque a causa de impedimento havia cessado. Afirmou, também, que os processos eram distribuídos de forma mecânica no plantão eletrônico, não havendo menção ao nome de seu filho nos documentos apresentados.

Sustentou, ainda, que a colaboração premiada em que se baseou a Reclamação (terceiro fato) não cumpriu os requisitos previstos no art. 4º da Lei n. 12.850/2013, por não revelar a existência de organização criminosa e não ter identificado a pessoa que teria atuado em nome do magistrado.

Manifestou-se contrariamente ao pedido do MPF de compartilhamento dos autos do Inquérito 1.199/DF em trâmite no STJ – investigação que afirmou não ter ciência quanto a sua instauração - dada a não submissão das provas lá existentes ao crivo do contraditório e da ampla defesa, porém afirmou que não se oporia a eventual compartilhamento caso fosse regularmente citado ou intimado no aludido inquérito.

Por fim, apresentou o rol de testemunhas (id. 3567566).

Sobreveio aos autos negativa de seguimento (id. 3481889) ao Mandado Segurança n. 36.055/DF, impetrado pelo requerido, no qual questionou a abertura deste PAD. Interposto Agravo Regimental contra a decisão retro, o STF negou provimento (id. 3570128).

As testemunhas da acusação foram ouvidas: Natalie Anselmo da Silva (id. 3749078, 3902999 a 3903001); Desembargador Sidney Rosa da Silva (ids. 3756710 a 3756713); Desembargador Joaquim Domingos de Almeida Neto (ids. 3756714, 3756827 a 3756829); Marcello Macedo (id. 3756830); Christian Guimarães Viana (id. 3790824, 3790826, 3790515, 3790821, 3790822 e 3790819).

Igualmente, foram inquiridas as da defesa: Juíza Andrea Maciel Pachá (id. 3901532); Desembargador Nagib Slaib Filho (id. 3901516 e 3901518); Desembargador Bernardo Moreira Garcez Neto (id. 3901519, 3901524); Claudio Sanmartin Perez (id. 3901525 a 3901528); Desembargador João Batista Damasceno (id. 3901533 e 3901534) e Desembargadora aposentada Kenarik Boujukian (id. 4013356, 4013351, 4033596 e 4092994).

Instaurou-se o Pedido de Providências n. 0000380-86.2019.2.00.0000, apensado a este PAD, para o compartilhamento do conteúdo do Inquérito n 1.199/DF, em trâmite no Superior Tribunal de Justiça, no qual foram juntados os documentos ali constantes e a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal contra o magistrado, por corrupção passiva (terceiro fato).

Após a produção das provas requeridas e ciência das partes em relação à integralidade da documentação juntada neste PAD e no PP 0000380-86.2019.2.00.0000, determinou-se o interrogatório do magistrado requerido (id. 4118416), o que foi devidamente realizado (ids. 4146658 a 4146664, 4147017 a 4147026 e 4147028).

Nas razões finais, o Ministério Público Federal opinou pela procedência das imputações, com aplicação da pena de aposentadoria compulsória (id. 4171347).

O magistrado, pouco antes do término do prazo, apresentou manifestação em que requereu “acesso ao conteúdo das atas dos vídeos da audiência realizada entre o juiz e o pretenso colaborador, Sr. Crystian Guimarães Viana, funcionário da Câmara Municipal de Resende-RJ, bem como os vídeos relativos aos anexos que instruem os autos pertinentes” (terceiro fato). Pediu, também, que fosse renovado o prazo para a apresentação das razões finais, para si e para o Ministério Público (id. 4191823).

A diligência requerida foi indeferida pelo então relator, por entender que o requerido teve acesso a toda a documentação acostada aos autos, e porque lhe fora concedido o direito de participar ativamente da produção probatória (id. 4194660).

Decorrido o prazo para razões finais, o magistrado quedou-se inerte.

O PAD foi oportunamente submetido ao Plenário para prorrogação de prazo de instrução: ids. 3570209, 3681644, 3836982, 3944772, 4088681, 4193204 e 4327100.

Inseriu-se o feito na pauta da sessão plenária de 3 de agosto de 2021, para julgamento do mérito (id. 4406893).

A defesa postulou a retirada de pauta e reabertura do prazo para razões finais, em virtude da concessão da ordem de habeas corpus (HC 200.197), pelo STF, que determinou o trancamento da Ação Penal n. 951 (referente ao terceiro fato deste PAD), por reconhecer a nulidade das provas produzidas mediante acordo de colaboração premiada, em especial as gravações e diálogos realizados pelo colaborador Crystian Guimarães Viana e de todas as demais dela decorrentes (id. 4429018).

Acostou aos autos, ainda, a medida cautelar em mandado de segurança n. 38.009, que sustou a inclusão em pauta de julgamentos, em virtude da pendência de desentranhamento, neste PAD, das provas consideradas ilícitas e aqui compartilhadas (id. 4436016).

O feito foi retirado da pauta de julgamentos (id. 4436180).

A Associação Nacional dos Magistrados Estaduais – ANAMAGES requereu ingresso no feito (id. 4436882). O MPF manifestou-se pelo indeferimento do pedido (id. 4445724), e o magistrado requerido não se opôs (id. 4451664).

Deferiu-se o ingresso pleiteado pela ANAMAGES (id. 4471460).

 

Assumi a relatoria do feito nesta etapa processual.

 

Na decisão de id. 4703599, determinei: (i) desentranhamento do depoimento prestado por Crystian Guimarães Viana ("colaborador”); (ii) descarte integral da prova emprestada referente à Ação Penal n. 951/DF, trancada por determinação do STF, cujo inquérito n. 1.199/DF, que a lastrou, encontrava-se compartilhado no PP n. 0000380-86.2019.2.00.0000; (iii) juntada desta decisão no PP n. 0000380-86.2019.2.00.0000, bem como o desapensamento do aludido PP deste PAD; (iv) abertura de prazo para alegações finais, sucessivamente, ao Ministério Público Federal e à defesa.

Nas razões finais, o MPF considerou a pena de censura a adequada às condutas remanescentes (fatos 1 e 2), porém inaplicável ao requerido, nos termos do art. 42, parágrafo único, da LOMAN. Assim, manifestou-se pelo arquivamento (id. 4724263).

O magistrado ressaltou: a inexistência de impedimento, pois seu filho não mais patrocinava a causa; a impossibilidade de verificação, no plantão, de impedimentos e litispendência, por inexistência de ferramenta no sistema do tribunal; a distinção entre o objeto do HC no qual o requerido concedeu a liminar, e o HC anteriormente proposto nos mesmos autos por seu filho, enquanto advogado da causa; sua postura garantista e determinação de prisão em último caso; a grave enfermidade do paciente do HC, que veio a óbito posteriormente, em 2020, pela mesma causa que motivou a concessão da liminar pelo magistrado (id. 4746898).

A ANAMAGES pugnou pelo reconhecimento da prescrição da pena de censura, na linha do voto-vista proferido pela Min. Rosa Weber no PAD 0000036-08.2019.2.00.0000, j. em 21.09.2021, e invocou o precedente do CNJ contido na REVDIS n. 20, j. em 15.5.2007, no qual o Plenário decidiu que “promovido o juiz de direito para desembargador antes do encerramento do julgamento do procedimento disciplinar, na hipótese e de penas de advertência ou censura, correto o arquivamento ou a improcedência da representação, por impossibilidade de aplicação da penalidade” (id. 4750376).

É o relatório.

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR EM FACE DE MAGISTRADO - 0006926-94.2018.2.00.0000
Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
Requerido: SIRO DARLAN DE OLIVEIRA

 


 

VOTO

 

O Plenário do Conselho Nacional de Justiça instaurou, em 14 de agosto de 2018, o presente processo administrativo disciplinar para apurar 3 fatos imputados ao Desembargador SIRO DARLAN DE OLIVEIRA, assim descritos na Portaria PAD n. 9, de 28 de agosto de 2018 (id. 3223231):

I) concessão indevida de liminar em plantão noturno no dia 27/09/2016, nos autos do HC n. 0305965- 19.2016.8.19.0001, impetrado pelos advogados Carlos Eduardo Mota Ferraz e Adilson Câmara, que receberam substabelecimento de Renato Darlan Camurati de Oliveira, filho do magistrado e sabidamente advogado do paciente, Jonas Gonçalves da Silva, em vários outros processos, até o dia 29/6/2016, data do substabelecimento;

II) violação da Resolução CNJ n. 71/2009 quando do deferimento da referida liminar, uma vez que, em 10/5/2015, o advogado Renato Darlan Camurati de Oliveira impetrara o HC n. 0067819-61.2014.8.19.0000, de idêntico objeto, em favor do mesmo paciente, tornando, à época, preventa a 7ª Câmara Criminal, que denegou a ordem;

III) recebimento de vantagem econômica indevida pelo deferimento de liminar em habeas corpus em favor de Ricardo Abbud, conforme declaração prestada por Christian Guimarães Viana como acordo de colaboração premiada firmada nos autos do Processo n. 0012481- 30.2015.8.196.0045.

 

Na decisão por mim proferida em 5 de maio de 2022 (id. 4703599), determinei a supressão do terceiro fato das imputações contidas neste PAD, bem como o desentranhamento de toda a documentação recebida a título de prova emprestada, e o depoimento de Cryistian Guimarães Viana, arrolado pelo Ministério Público Federal. Isso porque, a terceira conduta acima descrita foi objeto de discussão judicial, que adiante explico.

Crystian Guimarães Viana, em acordo de colaboração premiada firmado nos autos do processo n. 0012481-30.2015.8.19.0045, afirmou que o desembargador requerido recebera a quantia de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) para a concessão de Habeas Corpus em favor de Ricardo Abbud (acórdão - abertura do PAD CNJ, id. 3316266, p. 7). Estes fatos vieram ao conhecimento do CNJ em decorrência de ofício recebido pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.

No âmbito criminal, tramitou no Superior Tribunal de Justiça o Inquérito n. 1.199/DF, que lastreou a abertura da ação penal n. 951/DF contra o desembargador requerido, pelo crime de corrupção passiva. Todavia, diante da atribuição de crime a desembargador, o STF entendeu que a homologação do acordo de colaboração premiada, realizada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, usurpou a competência do STJ.

Assim, no habeas corpus n. 200.197-RJ, o Relator, Ministro Edson Fachin, deferiu liminar, em 22/6/2021, para: i) reconhecer a ineficácia do acordo de colaboração premiada celebrado entre Crystian Guimarães Viana e o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, exclusivamente, em relação ao paciente [SIRO DARLAN]; ii) declarar a nulidade das provas obtidas mediante atos de colaboração envolvendo o paciente, em especial as gravações de diálogos realizados pelo colaborador Crystian Guimarães Viana e de todas as demais delas decorrentes; e iii) determinar o trancamento da APn 951/DF.  

No mandado de segurança n. 38.009, de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, confirmou-se a liminar, em 9/2/2022, “para conceder parcialmente a ordem e determinar a exclusão dos autos do PAD 0006926-94.2018.2.00.0000 das provas consideradas nulas no HC 200.197/RJ (art. 21, § 1°, do RISTF)” (grifo nosso).

Na fundamentação da decisão, constou, ainda, “somente o suposto recebimento de vantagem econômica indevida pelo deferimento de liminar em habeas corpus em favor de Ricardo Abbud guarda identidade com o objeto da Ação Penal 951/DF e, consequentemente, com a liminar deferida no HC 200.197/RJ. Os demais fatos e infrações atribuídas ao Magistrado, concernentes aos itens I e II da Portaria de instauração do PAD, por outro lado, são completamente alheios a tais questões” (p. 11), ou seja, os fatos I e II remanescem nestes autos e devem ser apreciados no mérito por este Colegiado.

Quanto ao depoimento prestado por Crystian Guimarães Viana neste PAD, entendi pela contaminação desta prova, pois a testemunha foi arrolada como consequência do depoimento prestado em sede de colaboração premiada conduzida pelo MPRJ, invalidada no STF.

Por isso, para dar cumprimento à decisão do STF, determinei, em maior extensão, além do descarte integral da prova emprestada referente ao Inquérito n. 1.199/DF, que lastrou a Ação Penal n. 951/DF, e do desapensamento do PP 380-86/2019 deste PAD, também o desentranhamento do depoimento prestado por Crystian Guimarães Viana (ids. 3790822; 3790824; 3790826; 3790826; 3790828 e 3790821).

Remanesceram para apreciação, portanto, os fatos I e II delimitados na Portaria:

I - concessão indevida de liminar em plantão noturno do dia 27/9/2016, nos autos do HC n. 0305965-19.2016.8.19.0001, impetrado pelos advogados Carlos Eduardo Mota Ferraz e Adilson Câmara, que receberam substabelecimento de Renato Darlan Camurati de Oliveira, filho do magistrado e sabidamente advogado do paciente, Jonas Gonçalves da Silva, em vários outros processos, até o dia 29/6/2016, data do substabelecimento; 

II violação da Resolução CNJ n. 71/2009, quando do deferimento da referida liminar, uma vez que, em 10/5/2015, o advogado Renato Darlan Camurati de Oliveira impetrara o HC n. 0067819-61.2014.8.19.0000, de idêntico objeto, em favor do mesmo paciente, tornando à época, preventa a 7ª Câmara Criminal, que denegou a ordem.


Feitos esses esclarecimentos, prejudicada a preliminar suscitada pela defesa de inépcia da Portaria de abertura do PAD, por suposta imputação genérica contida no item III, dada a supressão do terceiro fato da apuração levada a efeito neste PAD.

Quanto ao prazo de 140 dias para o término da instrução, foram feitos pedidos de prorrogação de prazo, e oportunamente remetidos ao Plenário, por meus antecessores. Deixei de submeter o feito ao Colegiado para nova prorrogação, na linha do decidido no julgamento de mérito do PAD 0003379-07.2022.2.00.0000, pois a fase instrutória já estava finalizada quando assumi a relatoria. 

 Os principais documentos que instruem este PAD podem ser consultados de acordo com a tabela abaixo: 

   

Ato

 (PAD CNJ 0006926-94.2018.2.00.0000)

Id.

 (PJe CNJ)

Acórdão CNJ. Abertura do PAD, por unanimidade, sem afastamento das funções jurisdicionais.

J. em 16/08/2018. 

Id. 3316366, pp. 1/11

Certidão de Julgamento – abertura do PAD pelo CNJ

Id. 331641, p. 1

Portaria CNJ n. 9, de 28 de agosto de 2018 – abertura do PAD  

Id. 3316016

Petição ANAMAGES

Id. 4436882

Manifestação MPF

Id. 3998765, p. 1

 

Manifestação Defesa

Id. 3999410, p. 1/2

Termo de Audiência

Id. 3749078, p. 1/4

Id. 3901213, p. 1/4

Id. 3901214, p. 1/6

Id. 4013356, p. 1/2

Decisão que decreta o fim da instrução

Id. 4151528, p. 1/2

Razões Finais 1 MPF 

Id. 4724263, p. 1/16

Razões Finais Defesa

Transcorreu in albis

Decisão que determina o desentranhamento de documentos relativos aos fatos III do PAD, por força de decisão do STF

Id. 4703599

Razões Finais 2 MPF

Id. 4724263

Razões Finais Defesa 

Id. 4746898, p. 1/25

Razões Finais ANAMAGES 

Id. 4750376, p. 1/2 

 

Passo à análise dos fatos.

Consta da peça de lavra do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO), do Ministério Público do Rio de Janeiro, que a Delegacia de Repressão às Ações Criminosas (DRACO) deflagrou a operação denominada “Capa Preta”, relacionada à atuação de milícias em Duque de Caxias, após a denúncia promovida pelo MPRJ, em 21 de dezembro de 2010.

 A denúncia foi ofertada contra 34 réus, e apontava JONAS GONÇALVES DA SILVA como um dos líderes da milícia investigada (id. 3320416, pp. 2/5). Nos processos a que Jonas respondia, na 4ª vara criminal de Duque de Caxias, por homicídio, desdobramentos da operação Capa Preta, decretou-se, em novembro de 2013, sua prisão preventiva (id. 3320266, p. 2[1] e 5[2]; id. 3319966, p.1[3]; id. 3320416, p. 6[4]; id 3319816, p. 4[5]), sob os seguintes fundamentos (g.n):

 

Ademais há indícios que os denunciados participaram no extermínio de outros colabores da ação penal que levou à prisão os líderes da organização criminosa na modalidade milícia. Os indivíduos não identificados agiram em cumprimento das ordens emanadas por dois líderes da organização criminosa, os réus Jonas e Eder Fábio, conforme ficou demonstrado na operação Capa Preta, Que teriam determinado a morte da testemunha LUIZONALDO CHAVES DA SILVA já que este teria prestado relevante ajuda na ação penal pública Iniciada no Tribunal de Justiça. A decretação da prisão se impõe por conveniência da instrução criminal, tendo em vista que as testemunhas não foram ouvidas em Juízo e a permanência dos denunciados em liberdade poderia intimidar as mesmas, prejudicando a busca da verdade real, até porque se trata de grupo organizado que atua com excesso de violência e organização em suas ações. Frise-se também a gravidade do crime praticado, que apavora aqueles que vivem nesta cidade. Necessária, portanto, a prisão para garantia da ordem pública. A prisão processual, todavia, não está determinada pela probabilidade de condenação dos denunciados. Fundamenta-se na necessidade do encarceramento para que as provas sobre os fatos sejam adquiridas em um ambiente que favoreça o surgimento da verdade, já os denunciados atuam com extrema violência, conforme ficou demonstrado em sede policial. Como o fundamento da jurisdição criminal é a descoberta da verdade, nos limites éticos e técnicos possíveis, cumpre ao juiz preservar as condições de aquisição da prova, livrando-a de perturbações que comprometam a apuração dos fatos. As testemunhas devem depor sem se sentirem constrangidas. Assim, com razão o Ministério Público em sua promoção. Posto isso, presentes os requisitos do artigo 312, do Código de Processo Penal, DECRETO A PRISÃO PREVENTIVA DOS ACUSADOS JONAS GONÇALVES DA SILVA e ÉDER FÁBIO GONÇALVES DA SILVA. Expeçam-se mandados de prisão, devendo ser entregues para cumprimento à DHBF. Diante da complexidade do caso, determino o segredo de Justiça. Duque de Caxias, 14 de novembro de 2013.

ADRIANO LOUREIRO BINATO DE CASTRO

JUIZ DE DIREITO

(4ª Vara Criminal da Comarca de Duque de Caxias)

 

A petição de habeas corpus apresentada em favor de Jonas mencionou, além dos 5 decretos acima, prisão preventiva decretada por outro juízo (2ª vara Criminal de Duque de Caxias), no processo n. 078533-51.2013.8.19.0021, o qual o réu respondeu por coação no curso do processo:

Nesse mesmo contexto, também foi decretada a prisão preventiva do Paciente no bojo de uma ação penal por suposta coação no curso do processo, em tramitação na 2ª Vara Criminal de Duque de Caxias, ao argumento de que teria tentado influenciar determinada testemunha a depor favoravelmente à sua pessoa em uma das ações penais dos homicídios alhures mencionados, além de ser pretenso beneficiário de coações exercidas por terceiros sobre outras testemunhas. Esta ação penal já foi concluída em 1° Grau com prolação de sentença condenatória redigida pela magistrada Daniela Barbosa em desfavor do Paciente, que já interpôs recurso de apelação, ainda pendente de processamento (id. 3318316, p. 4) 

 

Em 27 de setembro de 2016, no plantão noturno, o desembargador SIRO DARLAN DE OLIVEIRA concedeu liminar no habeas corpus n. 0305965-19.2016.8.19.0001, para determinar a prisão domiciliar de Jonas Gonçalves da Silva, decisão que alcançou os cinco processos nos quais o paciente figurava como réu por homicídio, em trâmite na 4ª Vara (0006355-75.2011.8.19.0021; 0050297-26.2012.8.19.0021; 0023692-43.2012.8.19.0021; 0007653-68.2012.8.19.0021; 0077186-17.2012.8.19.0021 - id. 3320166, p. 46/48 e id. 3320216, p. 1), e, também, o processo 078533-51.2013.8.19.0021, com sentença condenatória proferida pelo juízo da 2ª vara criminal. Vejamos:

                                                                        [...]

(id. 3320166, pp. 46/48 e id. 3320216, p. 1)

 

A peça submetida ao desembargador plantonista foi subscrita pelos advogados Carlos Eduardo Mota Ferraz e Adilson Câmara (id. 3318316, pp. 2/13). Ocorre que, além de o caso não demandar a concessão da medida excepcional - como constou do acórdão que julgou o mérito do HC em tela, anulando a decisão proferida em plantão -, em violação à Resolução CNJ n. 71/2009, o filho do requerido, RENATO DARLAN CAMURATI DE OLIVEIRA, havia funcionado até poucos meses antes como advogado de Jonas nos processos criminais supramencionados.

A defesa alegou, em síntese, que o requerido não tinha conhecimento do patrocínio anterior da causa por seu filho, bem como que durante o plantão não dispunha de recursos para tal verificação, e afirmou, ainda, que Renato Darlan havia substabelecido os poderes a outros advogados, meses antes da liminar concedida, fazendo cessar a causa de impedimento.

Todavia, a apuração dos fatos conduziu a outras conclusões, como passarei a expor.

A carência de ferramentas avançadas para a consulta processual foi suscitada pela defesa como óbice à verificação, durante o plantão, da atuação do filho do requerido na causa. Os documentos encartados aos autos confirmam, de fato, que o sistema utilizado no plantão noturno não contava com todas as funcionalidades disponíveis no horário regular do expediente.

O presidente do tribunal, desembargador Milton Fernandes de Souza, informou que “durante o período de plantão, somente é possível consultar manualmente alguns dados dos processos, como movimentação, autuação, partes, petições e árvore de documentos” (id. 3318866, p. 5). Na mesma linha, a testemunha da defesa, Desembargador Nagib Slaib Filho, presidente do Comitê de Governança da Tecnologia da Informação do TJRJ, afirmou que o plantonista geralmente não conseguia acessar o sistema, nem o DCP, nem EJUD, e que “o plantão para o magistrado do Rio de Janeiro é um voo cego”, pois tem que atender à demanda sem acesso aos autos (id. 3901516).

Na certidão de id. 3477272, afirma-se que “o Plantão Judiciário da Capital não tem acesso ao Sistema de Distribuição de 2ª instância, não possuindo assim condições e atribuição administrativa para verificar e certificar se o Desembargador de Plantão está impedido ou não de exercer suas funções jurisdicionais em algum processo”. Diz o documento, ainda, que “os servidores do plantão judiciário utilizam o sistema de informática DCP/1ª instância na sua rotina de trabalho para pesquisarem se há feitos distribuídos em nome das partes no TJRJ”.

Contudo, inobstante esses relatos sobre dificuldades que o plantonista possa encontrar, ante a menção aos citados documentos na inquirição, a testemunha Joaquim Domingos de Almeida Neto, Desembargador do TJRJ, assim afirmou: “o que o Tribunal está informando é que o cartório que faz o processamento durante o plantão é que tem uma visão limitada do sistema. Senão não teria como eu despachar, sem ter a visão plena do processo” (id. 3756827).

Ou seja, essa aludida visão limitada não se aplicava aos magistrados plantonistas, que tinham a sua disposição meios de consultar os impedimentos registrados no sistema existente.

Com efeito, os depoimentos prestados pelos Desembargadores Sidney Rosa da Silva e Joaquim Domingos de Almeida Neto, atuantes na jurisdição criminal, sinalizam que a mera consulta ao site do Tribunal pelo Magistrado plantonista dava acesso a todas as partes e pessoas que funcionaram nos processos, sempre ressaltando que, ainda que o plantão judiciário se desse pela via mecânica, prudentemente, o plantonista conseguia verificar as informações necessárias, tais como, repetição de pedido anterior e impedimentos, inclusive dos processos com aposição de sigilo (ids. 3756710, 3756711 e 3756714).

O desembargador Sidney Rosa disse que sempre teve preocupação em verificar se podia atuar em determinados feitos, em virtude de seu filho ser Promotor de Justiça e a esposa, Procuradora. Respondeu que fazia verificação manual, com a estrutura de seu gabinete (id. 3756710) e que repetidas vezes consultou informações no próprio site do tribunal, onde é possível verificar todo o andamento processual (id. 3756711). Já o desembargador Nagib Slaib Filho disse que ele, e do mesmo modo seus assessores, buscavam no google se constava alguma informação relacionada aos fatos levados no plantão (id. 3901516).

Além de deixar claro, em seu depoimento, que as restrições ou limitações de consulta mencionada por outras testemunhas não se aplicam ao Desembargador responsável pelo plantão, constou também no voto proferido pelo Desembargador Joaquim Domingos de Almeida Neto, no julgamento que cassou a liminar proferida pelo Desembargador Siro Darlan, a constatação do parentesco (id. 3320516, pp. 4/5 – g.n):

Indo um pouco além, quando se consulta no próprio sistema do Tribunal, utilizado para o lançamento quotidiano das nossas decisões, os 2º e 3º processos (0050297-26.2012.8.19.0021 e 0023692-43.2012.8.19.0021) estão vinculados aos Habeas Corpus número 0067860-28.2014.8.19.0000 e 0067859-43.2014.8.19.0000, respectivamente, que têm como impetrantes os seguintes causídicos, SANDRA REGINA DA SILVA DE ALMEIDA, OAB/RJ 62.708 e RENATO DARLAN CAMURATI DE OLIVEIRA, OAB/RJ 177.329, este último filho do prolator da decisão.

 

Em seu interrogatório, afirmou Siro Darlan que seu filho já não era advogado do paciente, pois havia feito substabelecimento, e, se soubesse que em algum momento Renato tivesse atuado como advogado, teria declarado seu impedimento (vídeo/interrogatório - id. 4146660, a partir de 3’15’’).

Perguntado sobre o substabelecimento realizado pelo seu filho (Renato Darlan) ao advogado Carlos Eduardo Motta Ferraz, em 28/6/2016, para atuar em face de Jonas, respondeu: 

eu repito a resposta, eminente presidente, que, em regime de plantão, essa informação não me é acessível. E eu também não sei informar para vossa excelência quando foi esse substabelecimento. Não tenho conhecimento, porque todas as relações de trabalho dos advogados – seja meu filho, ou não -, me são desconhecidas, absolutamente desconhecidas. Eu recebo os advogados com toda a gentileza e urbanidade, que me procuram para requerer os pedidos em nome de seus pacientes. Eu não os conheço, não sei quem são. Como diz o eminente Ministro Marco Aurélio, “eu não vejo capa”, portanto eu não leio nome de quem está na capa do processo, seja ele paciente, seja ele advogado. Eu julgo apenas os fatos (vídeo/interrogatório - id. 4146660, a partir de 0:20’’).

 

Embora o requerido tenha informado ao tribunal, no ano de 2014, a necessidade de registro de impedimentos em virtude de seu filho atuar como advogado (id. 3318216, p. 2), e comprovado, nestes autos, registros de sua lavra (em outros processos), nos quais expressamente apontou o impedimento em decorrência de Renato patrocinar a causa (id. 3318216, pp. 3/4), essa postura é contraditória à afirmação tecida no interrogatório deste PAD, na qual o requerido afirma que não sabia em quais processos seu filho atuava.

Afinal, sabia ou não sabia que o filho advogava na esfera criminal? Registrava impedimentos em todos os processos patrocinados pelo filho, ou apenas em alguns? Qualquer resposta a essas indagações acarreta consequências igualmente reprováveis para o caso concreto.


Antes de ingressar no exame da decisão liminar proferida pelo magistrado requerido no habeas corpus n. 0305965-19.2016.8.19.0001, faço um breve resgate aos fatos antecedentes à concessão da medida, para a melhor compreensão da situação em tela.

Os advogados Sandra Regina da Silva de Almeida e Renato Darlan Camurati de Oliveira receberam mandato do réu Jonas Gonçalves, em 14 de abril de 2014 (id. 3320316, p. 14), para defendê-lo em qualquer juízo ou tribunal, especialmente, junto ao juízo da 4ª vara criminal de Duque de Caxias (Tribunal do Júri):

 

Há farta documentação nos autos que comprova atuação prévia de Renato Darlan nos 5 processos contemplados com a decisão liminar proferida pelo requerido no habeas corpus n. 0305965-19.2016.8.19.0001. Inclusive, o eminente Corregedor Nacional de Justiça, ao votar pela instauração do presente PAD, fez menção às assinaturas de Renato Darlan Camurati de Oliveira que constavam nos processos em questão (id. 3316266):

“Constata-se a atuação do referido causídico ao consultar as cópias juntadas aos presentes autos, nas quais constam a assinatura de Renato Darlan Camurati de Oliveira em cada um dos processos acima referidos:

1) 023692-43.2012.8.19.0021: Id 2050816, fl. 9; e Id 2050821, fl. 6, 12, 14, 15.

2) 077186-17.2012.8.19.0021: Id 2050821, fl. 22; e Id 20500842, fls. 4, 6 e 7.

3) 0050297-26.2012.8.19.0021: Id 2050842, fl. 13.

4) 006355-75.2011.11.819.0021: Id 2050847, fl. 4.

5) 07653-68.2012.8.19.0021: Id 2050855, fl. 13”.

 

Ainda no ano de 2014 (às 17h56min do dia 16/12/2014 – id. 3320016, lateral direita), os advogados Renato Darlan e Sandra Almeida impetraram o habeas corpus n. 0067819-61.2014.8.19.0000, ora denominado HC 1, em favor do réu Jonas Gonçalves da Silva, com o fim de revogar a prisão preventiva decretada nos autos do processo n. 0077186-17.2012.8.19.0021 ou a sua conversão em domiciliar (Id. 3319966, p. 21 e 3320016, pp. 1/26).

No que se refere ao estado de saúde, instruiu-se o HC em comento com documentações consistentes em solicitações de exames, como sangue, urina, raio-x, radiografias, e pedido urgente (8/12/2014) para realização de exames laboratoriais e raio-x pré-operatórios, acrescido da constatação de hérnia de disco (id. 3320016, pp. 27/44).

O pedido liminar formulado no HC 1 foi indeferido, em 8/1/2015, pela desembargadora Márcia Perrini Bodart, relatora (id. 3320016, p. 47). Julgado pela 7ª Câmara Criminal, na sessão de 10/3/2015, o colegiado denegou a ordem, por unanimidade, nos termos do voto da relatora (id. 3320316, pp. 1/3).

 Nas razões de defesa deste PAD, afirma-se que “não tinha como o Requerido ter ciência da impetração anterior [HC 1], nem da prevenção, porque, sendo impedido, nele não atuou” (id. 3477269, p. 8). 

Entretanto, a consulta ao extrato processual do HC 1 demonstra que, após a publicação do acórdão, o desembargador Siro Darlan, na qualidade de Presidente da 7ª Câmara Criminal, proferiu despacho, em 29/2/2016:

 

 

O requerido, inusitadamente, alega desconhecer que seu filho, advogado desde o ano de 2014, era um dos patronos do então vereador de Duque de Caxias e policial militar reformado, Jonas Gonçalves – réu em ação penal de grande repercussão no Estado do Rio de Janeiro. Todavia, o desconhecimento não pode ser tomado como verdadeiro, pois consta dos autos manuseio do HC 1 pelo requerido, no ano de 2016, ainda que para a prolação de despacho de mero expediente. Vale dizer, pelo menos a partir de 29 de fevereiro de 2016, chegou ao seu conhecimento o patrocínio do HC 1, em favor de Jonas, pelo advogado Renato Darlan, seu filho.

Disse também a defesa que, à época da impetração do habeas corpus n. 0305965-19.2016.8.19.0001 (item 1 da Portaria), em 27/9/2016, Renato Darlan não mais figurava como patrono de Jonas. Para comprovar a alegação, a defesa referenciou, em todas as suas alegações, a existência de substabelecimento sem reservas a outros advogados, em junho de 2016, antes, portanto, da liminar concedida no plantão, assim indicando os ids. correspondentes:

Em 11/10/2017 (id. 3318366, p. 7, item 17 c/c id. 3318166, p. 3);

Em 6/12/2017 (id. 3317616, p. 9, item 34 c/c id. 3317416, p. 3);

Em 4/11/2018 - defesa prévia no PAD (id. 3477270, pp. 3 e 4 deste PAD, fazendo referência ao id. 3320266, p. 16 e id. 3320316, p. 8).

 

Todavia, o citado substabelecimento, que comprovaria a inexistência de vínculo entre o paciente Jonas e o advogado Renato Darlan, demonstra, na realidade, que os advogados Sandra Regina da Silva de Almeida e Fabrício Mercandelli Ramos de Almeida substabeleceram os poderes, sem reservas, aos advogados Carlos Eduardo Motta Ferraz, Rosana Miranda Nogueira e Rafael Lyons:

 

 O que se pode inferir, portanto, é a vigência da procuração anteriormente outorgada por Jonas a Renato Darlan, o que vai ao encontro da afirmação da defesa, em sede de alegações finais, quando informa que “jamais substabeleceu poderes aos advogados impetrantes” (id. 4746898, pp. 8/9):

16. Como dito, a primeira imputação da Portaria de Instauração do PAD consiste na suposta concessão indevida de liminar em Plantão Judiciário pelo Desembargador requerido, por ocasião de Habeas Corpus, impetrado por advogados que teriam recebido um substabelecimento de seu filho, advogado.

17. Contudo, o filho do requerido, Renato Darlan Camurati de Oliveira, JAMAIS SUBSTABELECEU PODERES AOS ADVOGADOS IMPETRANTES do citado Habeas Corpus, sendo essa uma premissa completamente inverídica, data venia.

18. O que houve, em verdade, foi a ocorrência, 3 (três) meses antes da impetração do citado Habeas Corpus, da renúncia aos poderes anteriormente recebidos, em razão, pura e simplesmente, da cisão entre sócios do escritório de advocacia anteriormente integrado pelo filho do Desembargador requerido.

 

                   De outro lado, saliente-se que a suposta renúncia aos poderes – que não foi provada nos autos -, em junho de 2016, em nada afastaria uma situação concretamente verificada, qual seja, em parte das ações penais que ensejaram a impetração do habeas corpus n. 0305965-19.2016.8.19.0001 (item 1 da Portaria), cujos números foram expressamente consignados na petição submetida ao plantão, havia referência, no site do tribunal, a processos relacionados (na segunda instância), patrocinados pelo advogado Renato Darlan.

Merece especial atenção o fato de que, conforme previa o art. 29 da Resolução TJ/OE/RJ n. 33/2004, a Presidência do Tribunal publicava semestralmente edital para habilitação dos Desembargadores que se voluntariassem para o plantão (id. 3319216), e, mensalmente, veiculava a lista dos magistrados plantonistas, com a designação de um desembargador por dia de plantão (id. 3318866, p. 5).

À época dos fatos, o desembargador requerido não deveria participar, necessariamente, dos plantões, pois a obrigatoriedade recaía apenas sobre desembargadores mais modernos. Há elementos para se deduzir, portanto, que a pretensa renúncia ao mandato - que não foi provada nos autos pela defesa -, em data próxima ao plantão do magistrado requerido, pretendeu o afastamento temporário do filho do desembargador Siro Darlan, voluntário que era para o serviço do plantão.

Tamanha foi a perplexidade gerada pela liminar concedida no plantão, por desembargador que se voluntariou ao serviço, que o colegiado, ao julgar o mérito do HC em tela, aprovou proposta de encaminhamento de ofício à Presidência do TJRJ, para a mudança da sistemática então vigente. Disse o desembargador Joaquim Domingos de Almeida Neto em seu depoimento:

Na declaração de voto eu peço que se oficie a presidência do tribunal para que mude a sistemática de plantão, porque naquela época o que vigia: estavam escalados para o plantão os 35 desembargadores mais modernos, e se alternavam no plantão, e abriu-se aos desembargadores que quisessem fazer. O desembargador Siro era/é dos mais antigos do tribunal, presidente da minha Câmara, e era voluntariado para fazer o plantão, então não estaria entre os 35 mais modernos que estariam obrigados a fazer plantão, em revezamento

Depois disso, foi mudada a sistemática do plantão para que não houvesse mais ingresso voluntário, mas que todos os desembargadores dessem plantão, e aí reduz muito o número de plantões dado por desembargador.

(Id. 3756714, a partir de 5’02”)

 

Mas não é só. 

Causa espécie no exame da prova constatar que o magistrado requerido deferiu parcialmente a liminar para revogar prisões cautelares decretadas em 6 processos criminais distintos, que inclusive tramitavam em varas diferentes (2ª e 4ª varas de Duque de Caxias), sem qualquer análise das condições em que foram decretadas tais prisões ou dos graves fatos que ensejaram cada feito. Ressalte-se que, independentemente de qualquer dificuldade de consulta processual inerente ao plantão, constou da inicial essa informação, de maneira expressa:

(trechos da inicial)

“Aponta-se como AUTORIDADES COATORAS os Juízes Titulares da 2ª e 4ª Varas Criminais de Duque de Caxias/RJ” (id. 3318316, p. 2);

 

“Nesse diapasão, eis o cenário processual que impede a liberdade do Paciente:

A)   0006355-75.2011.8.19.0021

HOMICÍDIO – 4ª VARA CRIMINAL/CAXIAS

B)   0050297-26.2012.8.19.0021

HOMICÍDIO – 4ª VARA CRIMINAL/CAXIAS

C)   0023692-43.2012. 8.19.0021

HOMICÍDIO – 4ª VARA CRIMINAL/CAXIAS

D)   0007653-68-.2012. 8.19.0021

HOMICÍDIO – 4ª VARA CRIMINAL/CAXIAS

E)   0077186-17.2012. 8.19.0021

HOMICÍDIO – 4ª VARA CRIMINAL/CAXIAS

F)   0078533-51.2013.8.19.0021

COAÇÃO - 2ª VARA CRIMINAL/CAXIAS”

                  (id. 3318316, p. 4)

 

Deveras, é regra rudimentar no processo penal que cada decreto de prisão preventiva pode constituir um ato coator a ensejar uma impetração de habeas corpus. Jamais um único habeas corpus pode enfrentar, a uma só vez, seis decretos de prisão distintos, que originaram processos múltiplos em diversas varas criminais.

Tanto é assim que, distribuído posteriormente o habeas corpus n. 0305965-19.2016.8.19.0001 à relatoria do Desembargador Sidney Rosa da Silva, no primeiro contato com os autos, assim consignou o julgador quanto ao absurdo jurídico:  

 

Trata-se de Habeas corpus cujo pedido trata de prisões cautelar em mais de um juízo, o que se torna juridicamente impossível, ante as prevenções e competências. Há nos autos menção de ter sido deferida liminar no Plantão Judiciário para todos os processos, o que também seria um absurdo jurídico (id. 3320216, p. 5).

 

 

 

Em 10/10/2016, a 7ª Câmara Criminal declarou a nulidade da decisão proferida pelo desembargador Siro Darlan no plantão de 27/9/2016. No voto condutor do julgamento, o desembargador Sidney Rosa da Silva, relator, bem pontuou a teratologia da decisão sob exame:

 

Nesse contexto evidenciado no quadro fático deste caso concreto, tem-se claramente que a decisão proferida pelo Desembargador no Plantão Judiciário é inteiramente descortinada das regras legais e processuais, estando, por essa tônica, eivada de nulidade absoluta.

Acresça-se a tudo isso, que não bastassem as desordens da medida liminar deferida e na exata composição da mencionada decisão judicial, tem-se, ainda, que o pleito dos Impetrantes soerguido com a bandeira de que o Paciente vem sofrendo ilegalmente um constrangimento por se encontrar preso visa atingir múltiplos processos numa única ação de Habeas Corpus, que como já afirmado acima, esses processos são distintos e com prevenção declarada a outros órgãos julgadores fracionários deste Egrégio Tribunal de Justiça Estadual.

Não se pode por intermédio deste Habeas Corpus postular numa única decisão judicial a obtenção de um provimento jurisdicional que tem por finalidade precípua o afastamento da prisão preventiva que foi decretada em desfavor do Paciente nos diversos processos criminais e juízes, cujos trâmites já foram, até mesmo, submetidos a análise de Câmaras Criminais diferentes” (Id. 3477273).

 

 

 

Além da teratologia da decisão proferida, que demonstra absoluto desapreço à técnica processual, a mera alegação de agravamento do quadro de saúde do paciente não é suficiente para a adoção de medidas no contexto excepcional do plantão judicial. É preciso que se demonstre, concretamente, situação urgente que sobreveio ao período regular do expediente, a fim de que o princípio constitucional do juiz natural não seja violado. Afinal, é mister consignar que tais documentos, se novos fossem, deveriam ter sido submetidos aos juízes de primeiro grau, titulares das varas em que os processos respectivos tramitavam, o que não ocorreu na espécie, caracterizando-se, assim, a impetração per saltum, vedada pelas Cortes Superiores.

 

                  Especificamente, instruiu-se o HC 0305965-19.2016.8.19.0001 com os seguintes documentos médicos, nesta ordem:

 

Declaração Médica Oficial da PMRJ, de 22/9/2016, com o seguinte conteúdo: “declaro que o sargento da PM, 60 anos de idade, tem sido atendido por crises hipertensivas recorrentes e medicado. Já foi internado com crises piores de hipertensão e deve ter acompanhamento por especialistas frequente. Já foi submetido a 2 cirurgias de hérnia umbilical e 1 inguinal. Apresenta estado depressivo e tem sido acompanhado para tentar melhorar” (id. 3317366, pp. 3/4) 

Atestado médico particular, de 27/9/2016, com o seguinte conteúdo: “atesto para os devidos fins que o paciente JONAS GONÇALVES DA SILVA encontra-se detido no Batalhão Prisional de Niterói e pela análise de seus exames, foi constatada por mim a necessidade de tratamento específico particular, que segundo familiares não está ocorrendo, podendo causar a piora do quadro, com consequente chance de óbito” (id. 3317366, pp. 5/6)

Guia de encaminhamento, subscrita por médico do Hospital Central da Polícia Militar, subscrito em 17/11/2014, assinalada como de natureza urgente, em que solicita exames como hemograma completo e glicose, tendo hérnia como justificativa (id. 3317366, pp. 8/9)

E-mail, enviado em 26/4/2016 por escalahcpm@gmail.com para custodia_up@pmerj.rj.gov.br , no qual solicita escolta ao preso, tendo em vista a realização de cirurgia eletiva de hérnia incisional no dia 29/4/2016. Afirma, ainda, que o paciente permanecerá internado por 72 horas após o término da cirurgia (id. 3317366, p. 10)

Requisição de parecer, em 18/6/2015, com encaminhamento ao serviço de cardiologia, em que solicita avaliação (id. 3317366, p. 11)

Requisição de parecer de risco cirúrgico, em 22/7/2015, com encaminhamento ao serviço de cardiologia/clínica médica. No mesmo arquivo, consta parecer, de 17/8/2015, com liberação para cirurgia. (id. 3317366, p. 12)

Imagem do corpo humano, com marcações. Timbre da Polícia Militar, sem data (id. 3317366, pp. 13/15)

 

 

       No caso dos autos, a parte juntou duas declarações médicas que, além de terem sido emitidas em momento prévio à excepcionalidade do plantão noturno (22/9/2016 e 27/9/2016 – id. 3320166, pp. 24 e 26), indicavam a necessidade “de tratamento específico particular, que, segundo  familiares, não está ocorrendo, podendo causar a piora do quadro, com consequente chance de óbito", mas nada diziam a respeito de necessidade de intervenção médica imediata, a justificar a concessão da liminar no plantão.

       Ainda, o atestado médico particular lavrado no dia da impetração (27/9/2016) deixa claro que o paciente sequer foi avaliado. Disse o médico no documento acerca de Jonas: “encontra-se detido no Batalhão Prisional de Niterói e pela análise de seus exames, foi constatada por mim a necessidade de tratamento específico particular, que segundo familiares não está ocorrendo” (id. 3317366, pp. 4/5).

        À época dos fatos, a redação da Resolução CNJ n. 71/2009 orientava do seguinte modo (g.n):

 

Art. 1º. O Plantão Judiciário, em primeiro e segundo graus de jurisdição, conforme a previsão regimental dos respectivos tribunais ou juízos destina-se exclusivamente ao exame das seguintes matérias:

[...]

f) medida cautelar, de natureza cível ou criminal, que não possa ser realizado no horário normal de expediente ou de caso em que da demora possa resultar risco de grave prejuízo ou de difícil reparação.

[..]

§ 1º. O Plantão Judiciário não se destina à reiteração de pedido já apreciado no órgão judicial de origem ou em plantão anterior, nem à sua reconsideração ou reexame ou à apreciação de solicitação de prorrogação de autorização judicial para escuta telefônica.

 

 

Inobstante o requerido tenha mencionado, ao proferir a decisão liminar concessiva da prisão domiciliar, que o paciente estava “acometido de grave enfermidade consoante atestado médico”, a petição inicial do habeas corpus mencionado indicava que o paciente era portador de “doenças crônicas graves, notadamente hipertensão aguda e má circulação sanguínea extrema”, além de um “forte quadro de depressão”. O tratamento médico suscitado indicava a necessidade de acompanhamento e intervenção com continuidade, o que certamente não iria se iniciar na madrugada. 

A análise dos fatos não envolve, portanto, a visão mais libertária do julgador ou de contrariedade ao cárcere, como invocado pela defesa, e sim a constatação de que foi proferida uma decisão judicial absolutamente divorciada da técnica processual e dos requisitos legais para tanto, em afronta aos normativos deste Colegiado, como apontado alhures.

Outrossim, no habeas corpus n. 0305965-19.2016.8.19.0001 (item 1 da Portaria) houve reiteração de pedido de liminar em habeas corpus ou colocação em prisão domiciliar sob os mesmos fundamentos (estado de saúde) anteriormente analisados e rechaçados, no mérito, pela 7ª Câmara Criminal, por ocasião do julgamento do HC 1.

Reitere-se, ainda, que os 6 processos alcançados pela liminar tramitavam em varas distintas (2ª e 4ª varas), com juízes naturais que não foram previamente instados pelas partes para avaliar a situação de saúde do réu diante dos novos documentos anexados ao habeas corpus. A defesa optou por ingressar com o pedido diretamente no plantão do Desembargador Siro Darlan, e a decisão proferida pelo plantonista configurou análise per saltum, o que é vedado na sistemática consolidada no STJ.

Nessa perspectiva, entendo caracterizado o cometimento de falta funcional na concessão da decisão liminar proferida nos autos do habeas corpus n. 0305965-19.2016.8.19.0001, no plantão noturno de 27 de setembro de 2016. 


Passo à dosimetria da sanção disciplinar.


A jurisprudência do Conselho Nacional de Justiça é pacífica quanto ao descabimento de sanções disciplinares diante da irresignação das partes com o teor de decisões judiciais, ou, até mesmo, de erros de julgamento ou de procedimento, os quais devem ser debatidos com os meios processuais disponíveis na legislação (Pedido de Providências 0001847-95.2022.2.00.0000 - Rel. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA - 106ª Sessão Virtual - julgado em 27/05/2022; Pedido de Providências 0003557-53.2022.2.00.0000 - Rel. LUIS FELIPE SALOMÃO - 111ª Sessão Virtual - julgado em 09/09/2022; Reclamação Disciplinar - 0000784-74.2018.2.00.0000 - Rel. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA - 275ª Sessão Ordinária - julgado em 07/08/2018). 

Entretanto, em não raras vezes, os deveres e vedações impostos aos magistrados são violados exatamente no exercício da função judicante, que não está imune ao controle correcional, para verificação da disciplina judiciária. 

É bem verdade que se trata de árdua tarefa, por demandar a aferição da tênue linha divisória entre a independência funcional e o excesso, o abuso, a teratologia, esses passíveis de reprimenda disciplinar. Todavia, a aridez do tema jamais serviu de óbice a que este Conselho determinasse a apuração ou impusesse sanções, mesmo as mais gravosas, quando presentes os elementos que configuram faltas funcionais, ainda que materializadas por meio da atuação jurisdicional.  

Vejamos:  

 

No PAD n. 0006814-57.2020.2.00.0000, o Plenário aplicou pena de CENSURA a magistrado que determinou a soltura do preso, sem possuir competência para tanto (CNJ - PAD - Processo Administrativo Disciplinar - 0006814-57.2020.2.00.0000 - Rel. MARCOS VINÍCIUS JARDIM RODRIGUES - 333ª Sessão Ordinária - julgado em 15/06/2021);

  

No PAD n. 0005003-77.2011.2.00.0000, o Plenário aplicou pena de DISPONIBILIDADE a magistrada que proferiu decisão em plantão judiciário, determinando a liberação da quantia de cerca de R$ 13 milhões de reais, relativa à execução de astreintes, sem a prévia oitiva do executado e sem o oferecimento de caução idônea, dada a natureza teratológica do decisum (CNJ - PAD - Processo Administrativo Disciplinar - 0005003-77.2011.2.00.0000  - Rel. MARIA CRISTINA IRIGOYEN PEDUZZI - 181ª Sessão Ordinária - julgado em 17/12/2013). 

No PAD n. 0005448-95.2011.2.00.0000, o Plenário aplicou pena de APOSENTADORIA COMPULSÓRIA por decisão que, em ação de usucapião especial de coisa móvel (dinheiro), com apenas 4 (quatro) páginas e 2 (dois) extratos bancários, determinou-se, em liminar inaudita altera pars, que determinada instituição financeira se abstivesse de movimentar R$ 2.307.777.919,43 (dois bilhões, trezentos e sete milhões, setecentos e setenta e sete mil, novecentos e dezenove reais e quarenta e três centavos), numerário que supostamente havia sido depositado na conta do autor há mais de 3 (três) anos, mesmo diante da advertência do esquema fraudulento no qual se baseava o pedido de usucapião. CNJ - PAD - Processo Administrativo Disciplinar - 0005448-95.2011.2.00.0000 - Rel. ANDRÉ LUIZ GUIMARÃES GODINHO - 264ª Sessão Ordinária - julgado em 12/12/2017).

 

Esses precedentes, assim como os fatos examinados neste PAD, envolveram a análise de decisões isoladas de magistrados – vale dizer, sem reiteração. E em cada caso, a proporcionalidade da pena foi observada após a valoração das condutas praticadas e no contexto em que se deram. 

Aqui, analisa-se uma única decisão teratológica que desrespeitou a disciplina normativa regulamentadora dos plantões judiciais no quesito da urgência (Resolução CNJ n. 71/2009), e, ainda, violou a mais elementar técnica processual ao conceder benefício examinando processos distintos, em trâmite em juízos diversos e em fases processuais também diversas, desconsiderando as peculiaridades de cada ação penal, as regras de prevenção, o juiz natural, uma vez caracterizada a reiteração de habeas corpus já apreciado pela Turma competente, que denegara a ordem. 

Essa constatação, por si só, já seria merecedora de reprimenda, ainda mais quando se leva em consideração tratar-se de experiente desembargador, que ingressou na magistratura nos idos de 1980, e era, inclusive, Presidente de Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. 

Mas há mais. 

Adicionam-se a este fato as seguintes circunstâncias:  

- Renato Darlan era um dos advogados de Jonas Gonçalves, policial militar e ex-vereador de Duque de Caixas. Tratava-se de processo de grande visibilidade e com ampla repercussão no Estado do Rio de Janeiro, notadamente pelo desdobramento da chamada operação Capa Preta, que descortinara a atuação de milícia, amplamente divulgada na mídia; 

- Renato Darlan iniciou as atividades advocatícias em processos com tramitação no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em fevereiro de 2014 (id. 3318216, p. 2). Por mais que o requerido não soubesse de todas as causas em que seu filho atuava, o exercício recente da advocacia (há apenas 2 anos) indica que uma singela consulta processual acusaria os processos nos quais Renato Darlan atuava; 

- Há exemplos nos autos de situações em que o requerido informou expressamente ao tribunal, para fins de impedimento/suspeição, o número de determinado processo em que Renato Darlan figurava como patrono, assim como a advogada Sandra Regina da Silva de Almeida (id. 3318216, pp. 3/4); mas no habeas corpus n. 0305965-19.2016.8.19.0001, impetrado no plantão do dia 27/9/2016, deliberadamente ignorou a consulta ao site do tribunal; 

- Renato Darlan já havia formulado perante a Câmara competente, em favor do mesmo paciente Jonas, pedido semelhante ao pleiteado pelos advogados no plantão do dia 27/9/2016, coincidentemente plantão do desembargador Siro Darlan (HC 1 – id. 3319966, p. 21 e id. 3320016, pp. 01/26);

- Em fevereiro de 2016, o requerido, na qualidade de Presidente da 7ª Câmara Criminal, proferiu despacho de mero expediente no HC 1, impetrado por seu filho em favor do paciente Jonas Gonçalves, e, ao menos naquela data, teve contato com a informação de que seu filho era um dos advogados; 

- O substabelecimento juntado aos autos em junho de 2016 não comprova o afastamento do filho do requerido da causa, e sim dos advogados Sandra e Fabrício. E, ainda que Renato Darlan tenha renunciado aos poderes em junho de 2016 – fato não provado pela defesa -, a proximidade com a data da concessão da liminar permitiria o compartilhamento de informações ainda muito recentes a respeito do processo, de modo que o magistrado plantonista não deveria apreciar o pedido; 

- O requerido prestava serviço de plantão de maneira voluntária. A listagem com o nome dos desembargadores que se alterariam diariamente no plantão era publicada mensalmente. O habeas corpus n. 0305965-19.2016.8.19.0001, em favor do paciente Jonas, foi impetrado justamente no dia do plantão do pai de um dos advogados que atuava no feito, magistrado plantonista que não apenas apreciou o pedido, como revogou a prisão preventiva e deferiu parcialmente a liminar para conceder prisão domiciliar - e, em total contradição, segundo o relator do HC, expediu alvará de soltura - a réu preso por envolvimento com crimes graves e integrante de milícia, segundo as denúncias apresentadas pelo Ministério Público; 

- O alegado posicionamento libertário do julgador o conduziu a conceder prisão domiciliar abrangendo 6 processos que tramitavam em varas distintas, sem que a matéria relativa ao estado de saúde do preso tivesse sido submetida anteriormente aos juízes titulares daquelas varas, sem prévia consulta ao site do tribunal para colher informações elementares sobre os processos - como o impedimento para atuar naquele caso concreto, ou a gravidade dos fatos que determinaram a decretação da prisão -, e sem a comprovação de urgência a justificar a concessão da decisão no plantão, ultrapassando as regras normativas, e em descumprimento da técnica processual; 

- O plantão ocorreu na noite de terça-feira, sem proximidade com feriados ou recessos, de modo que o pedido poderia aguardar o início do expediente, para exame pelo juiz natural. 

 

Nestes autos, por conseguinte, a decisão teratológica - por si só, gravíssima -, é somada a uma multiplicidade de outros elementos. E todos os elementos arrecadados são circundados pelo vínculo de parentesco entre o magistrado requerido e o advogado Renato Darlan, impedimento que objetivamente acarreta a quebra da imparcialidade.  

A imparcialidade é a base que orienta a prestação jurisdicional adequada. Ao quebrá-la, os efeitos são vistos não apenas pelas partes, como também por todos os jurisdicionados, que diminuem a confiança no Poder Judiciário como um todo.  

O uso do cargo para, de alguma forma, fornecer benefícios a parentes, é rechaçado pelo CNJ desde antes da edição da Súmula Vinculante 13. O órgão de controle já havia exarado, no ano de 2005, o Enunciado Administrativo n. 1, à luz da Resolução CNJ n. 7/2005, para afastar a prática do nepotismo no Poder Judiciário.

Do ano de 2005 até a presente data, o CNJ vem aperfeiçoando suas orientações, a fim de que a nefasta prática de uso da magistratura com motivação espúria seja efetivamente extirpada do Poder Judiciário brasileiro.

Recentemente, o Plenário do CNJ instaurou revisão disciplinar e determinou o afastamento das funções, por entender ser aparentemente insuficiente e desproporcional a pena de censura aplicada na origem a magistrado que concedeu liberdade provisória ao próprio filho (CNJ - PP - Pedido de Providências - Corregedoria - 0002447-53.2021.2.00.0000 - Rel. LUIS FELIPE SALOMÃO - 360ª Sessão Ordinária - julgado em 22/11/2022).

Anteriormente, o Plenário aplicou a pena de aposentadoria compulsória a desembargadora que usou do cargo para exercer influência sobre a custódia do próprio filho (CNJ - PAD - Processo Administrativo Disciplinar - 0009550-19.2018.2.00.0000 - Rel. LUIZ FERNANDO TOMASI KEPPEN - 325ª Sessão Ordinária - julgado em 23/02/2021).

Esses exemplos demonstram o quão grave é a conduta praticada pelo magistrado requerido que, além de proferir decisão tida como um “absurdo jurídico” pelos próprios pares e juízes naturais do feito ora analisado, contemplou paciente anteriormente defendido pelo seu próprio filho.

Vê-se que a conduta do Magistrado afrontou princípios expressos do Código de Ética da Magistratura, a saber, a independência, a imparcialidade e a prudência, descritos nos artigos 1º, 4º, 5º, 8º, 15, 17, 19, 24, 25 e 37, ao conceder indevida liminar em habeas corpus durante o plantão judiciário.

Descumpriu, também, os artigos 35, I, e VIII, da LOMAN:

 

Art. 35 - São deveres do magistrado:

 

I - Cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício;


[...]

 

VIII - manter conduta irrepreensível na vida pública e particular. 

 

 

 

Entendo, portanto, estar evidenciada a atuação parcial do magistrado requerido, a receber a reprovação por parte deste Conselho, em face da violação aos artigos 35, I, e VIII, da LOMAN e 1º, 4º, 5º, 8º, 15, 17, 19, 24, 25 e 37, do Código de Ética da Magistratura,  bem como aos termos da Resolução CNJ n. 71/2009.

Pela gravidade dos fatos praticados, e, à luz dos precedentes deste Conselho, cabível a aplicação da pena de aposentadoria compulsória, nos termos do art. 56 da LOMAN:

 

LOMAN

Art. 56 - O Conselho Nacional da Magistratura poderá determinar a aposentadoria, com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, do magistrado:


I - manifestadamente negligente no cumprimento dos deveres do cargo;

Il - de procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções;

III - de escassa ou insuficiente capacidade de trabalho, ou cujo proceder funcional seja incompatível com o bom desempenho das atividades do Poder Judiciário. 

 

 

O art. 24 da Resolução 135 assim dispõe sobre o cálculo de prescrição das penas disciplinares:

Art. 24. O prazo de prescrição de falta funcional praticada pelo magistrado é de cinco anos, contado a partir da data em que o tribunal tomou conhecimento do fato, salvo quando configurar tipo penal, hipótese em que o prazo prescricional será o do Código Penal.

§ 1º A interrupção da prescrição ocorre com a decisão do Plenário ou do Órgão Especial que determina a instauração do processo administrativo disciplinar.

§ 2º O prazo prescricional pela pena aplicada começa a correr nos termos do § 9º do art. 14 desta Resolução, a partir do 141º dia após a instauração do processo administrativo disciplinar. (Alterada conforme retificação publicada no DJ-e n. 144, de 04 de agosto de 2011)

 

Como se extrai da leitura da norma supracitada, do conhecimento dos fatos até a instauração do PAD, a Administração possui prazo de 5 anos para deliberar a respeito da abertura ou não de processo disciplinar (prescrição em abstrato). Esse prazo é alterado, unicamente, se o fato imputado também configurar tipo penal.

Já no que se refere à prescrição da pena, evidencia-se que, uma vez instaurado o PAD, a partir do dia 141 da instauração começa a correr o prazo de prescrição da pena em concreto.

Ante a lacuna, tanto na LOMAN quanto na Resolução 135/2011, a respeito dos prazos prescricionais, o CNJ passou a adotar, por analogia, o art. 132 da Lei 8112/1990, lei de caráter administrativo, na linha do que autoriza o art. 26 da Resolução 135/2011, que assim afirma:

art. 26. Aplicam-se aos procedimentos disciplinares contra magistrados, subsidiariamente, e desde que não conflitem com o Estatuto da Magistratura, as normas e os princípios relativos ao processo administrativo disciplinar das Leis n. 8.112/90 e n. 9.784/99.

 

Foi assim que o Plenário assentou a contagem, por ocasião do julgamento do PAD n. 0005696-90.2013.2.00.0000, Relatora para o acórdão Conselheira Ministra Nancy Andrighi, 229ª Sessão Ordinária, 12.4.2016:

Ocorre que a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LC 35/79) não possui normas específicas dispondo a respeito de prescrição da pretensão punitiva concernente às penalidades que prevê como aplicáveis aos magistrados, de modo que este Conselho Nacional tem adotado subsidiariamente, na forma do permissivo do art. 26 da Res. CNJ 135/2011, as regras constantes na Lei 8.112/90, sobretudo aquelas previstas em seus arts. 142 e 143. Nesse sentido, encontram-se precedentes do STF (MS 25.191, Rel. Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, 14/12/2007) e do CNJ (PP 4880-45.2012, Rel. Eliana Calmon, 04/09/2012).

Pode-se desenhar, nesse contexto, o seguinte quadro sintético a respeito dos prazos a serem observados em cada espécie de penalidade: 

 PENALIDADE 

PRAZO PRESCRICIONAL 

Advertência 

180 dias 

Censura 

2 anos 

Remoção compulsória 

2 anos 

Disponibilidade 

5 anos 

Aposentadoria compulsória 

5 anos 

 

 Como se vê, a pena de aposentadoria compulsória possui prazo prescricional de 5 anos, notadamente quando se considera imputação de falta disciplinar que não configura crime, e sim infração meramente administrativa.

Na espécie, não há imputação de crime ao requerido, porquanto o Supremo Tribunal Federal trancou a ação penal alusiva ao suposto crime de corrupção passiva a ele imputado. Remanesceu a imputação relativa, unicamente, à infração administrativa atinente à prolação de decisão teratológica em plantão, em processo anteriormente patrocinado pelo filho do requerido.

Desse modo, vê-se que os ditames do Código de Processo Penal devem ser afastados da aferição da pena, pois a lacuna existente no regramento disciplinar de magistrados é suprida pela invocação do art. 132 da Lei n. 8112/1990.

O PAD em comento foi instaurado em 14 de agosto de 2018 (data da sessão de julgamento). O dia 141 se deu em 2 de janeiro de 2019, data que corresponde ao primeiro dia da contagem do prazo prescricional de 5 anos inerente à pena de aposentadoria compulsória.

 

Nessa contagem contínua, sem qualquer interrupção de prazo desde sua abertura, o prazo de 5 anos decorreria em 1° de janeiro de 2024. Logo, a pena de aposentadoria compulsória não se encontra prescrita.

 

Ante exposto, julgo procedentes as imputações e aplico a pena de aposentadoria compulsória, com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, ao Desembargador SIRO DARLAN DE OLIVEIRA.

 Dê-se ciência ao requerido, ao Ministério Público Federal e ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.


 É como voto.

 

Conselheira Salise Sanchotene

Relatora



[1] id. 3320266, p. 2, referente ao processo 0050297-26.2012.8.19.0021 - 4ª vara criminal da comarca de Duque de Caxias, juiz Adriano Loureiro Binato de Castro– 14/11/2013

[2] id. 3320266, p. 5, referente ao processo 0023692-43.2012.8.19.0021 - 4ª vara criminal da comarca de Duque de Caxias, juiz Adriano Loureiro Binato de Castro – 14/11/2013

[3] id. 3319966, p. 1, referente ao processo 0077186-17.2012.8.19.0021 - 4ª vara criminal da comarca de Duque de Caxias, juiz Adriano Loureiro Binato de Castro– 14/11/2013

[4] id. 3320416, p. 6; referente ao processo 0006355-75.2011.8.19.0021 - 4ª vara criminal da comarca de Duque de Caxias, juiz Adriano Loureiro Binato de Castro – 14/11/2013

[5] id 3319816, p. 4; referente ao processo 0007653-68.2012.8.19.0021- 4ª vara criminal da comarca de Duque de Caxias, juiz Adriano Loureiro Binato de Castro - 5/11/2013