Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: REVISÃO DISCIPLINAR - 0007042-42.2014.2.00.0000
Requerente: JAMIL AGUIAR DA SILVA
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO - TJMA

 


EMENTA: 

RECURSO ADMINISTRATIVO EM REVISÃO DISCIPLINAR. PAD JULGADO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. REGULARIDADE. AVALIAÇÃO DO CONJUNTO PROBATÓRIO. CONTRARIEDADE À EVIDÊNCIA DOS AUTOS NÃO DEMONSTRADA. PROPORCIONALIDADE. PRETENSÃO MERAMENTE RECURSAL. IMPROCEDÊNCIA.

1. A revisão disciplinar constitui procedimento administrativo autônomo, cabível quando patente a presença de vício ou ilegalidade, bem assim da falsidade dos elementos que fundamentaram a decisão do tribunal de origem, o que não se vislumbra no caso em apreço.

2. O procedimento de revisão disciplinar restringe-se ao exame das hipóteses do artigo 83 do Regimento Interno, sendo defeso realizar novo julgamento da causa quando não presentes quaisquer desses elementos, conforme entendimento já firmado neste Conselho.

3. Extrai-se dos autos a existência de conjunto probatório abundante no sentido da caracterização da infração disciplinar. Inexistência de desproporcionalidade na pena aplicada, que está em harmonia com o conjunto probatório.

4. Recurso Administrativo que se julga improcedente.

 

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário Virtual, 30 de março de 2021. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura, Emmanoel Pereira, Luiz Fernando Tomasi Keppen, Rubens Canuto, Tânia Regina Silva Reckziegel, Mário Guerreiro, Candice L. Galvão Jobim, Flávia Pessoa, Ivana Farina Navarrete Pena, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, André Godinho, Maria Tereza Uille Gomes e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Não votou, em razão da vacância do cargo, o representante do Ministério Público da União.

 

RELATÓRIO

 

Trata-se de Revisão Disciplinar - REVDIS proposta pelo Juiz de Direito Jamil Aguiar da Silva, em face de decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão – TJMA, que nos autos do Processo Administrativo Disciplinar nº 36.962/2011 concluiu pela aplicação da pena de “remoção compulsória”.

O referido procedimento disciplinar foi instaurado com a finalidade de investigar eventual omissão do magistrado na condução dos feitos de sua competência, enquanto Titular da 1ª Vara de Execução Penal da Comarca de São Luís/MA.

De acordo com a respectiva portaria acusatória, foram imputadas as seguintes condutas: “a) ausência de diligência do representado na condução de inúmeros pedidos de benefícios, caracterizando excesso de prazo; e b) afronta ao princípio da prudência exigido na condução dos processos judiciais, quando da questão de prorrogação da permanência do preso Jailton Sousa Ferreira em Presídio Federal”.

Em inicial apontamento, sustenta que a questão carcerária no Estado do Maranhão possui gravidade conhecida internacionalmente em razão do descaso do Poder Executivo na organização dos presídios, realidade que dificulta a atuação do Poder Judiciário no acompanhamento e execução da pena.

Como magistrado responsável pela execução penal dos internos do regime fechado e do semiaberto, o Requerente aduz que as dificuldades na tramitação dos feitos não decorreram apenas da atuação do Judiciário, mas de negligência da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária. Cita, ainda, a existência de inúmeros problemas no sistema eletrônico VECNJ, adotado para o registro e acompanhamento da execução penal. Em acréscimo, sustenta: a má qualidade da virtualização dos processos; a falta de informações adequadas no processo original; o travamento do sistema ou queda da internet; a pouca qualidade do sistema virtual de acompanhamento, dentre outros apontamentos.

De acordo com o Requerente, “o atraso processual se dava pela deficiência do número de servidores, problemas e dificuldades no sistema de processos virtuais (VEPCNJ) por ser contraproducente, travar, digitalização falha, falta de informações, além de problemas estruturais e de falta de informações dos estabelecimentos penais – o que justificava o alegado excesso de prazo”.

Particularmente no tocante ao problema da permanência de presos em presídio federal, aduz que esse fato ocorreu, também, em razão da total negligência do Poder Executivo, pois considera que os prazos processuais escoaram sem qualquer comunicação formal para solicitação da prorrogação. Nesse contexto, argumenta que sempre atuou de forma diligente na tentativa de melhorar a gestão da 1ª Vara de Execuções Penais de São Luís/MA, a despeito da negligência do Poder Executivo. Reconhece, contudo, que sua atuação não foi suficiente para minimizar as mazelas enfrentadas no âmbito do sistema prisional do Estado do Maranhão, que padece com inúmeros problemas de gestão.

Nesse sentido, reitera os seguintes argumentos, já apresentados e analisados pelo Tribunal de origem: a) a virtualização dos processos é deficiente e contraproducente; b) a 1ª Vara de Execução Penal, que tem jurisdição sobre presos do regime fechado e semiaberto, recebe um número elevado de trabalho e complexidade; e, c) a 1ª Vara de Execução Penal não possui servidores suficientes para a quantidade de trabalho, notadamente em comparação com a 2ª Vara de Execução Penal da capital, dentre outros.

A despeito da sua atuação à frente da 1ª Vara de Execuções Penais da Capital, o Requerente sustenta que a sanção administrativa disciplinar aplicada pelo TJMA, remoção compulsória, é contrária a evidência dos autos, pois considera que a imputada morosidade na tramitação dos processos de sua competência restou devidamente justificada. No entender do Requerente, a evidência probatória dos autos é contrária à conclusão do acórdão e, por isso, não havia como se julgar pela aplicação de penalidade por suposta morosidade processual.

Pelos fatos e fundamentos que apresenta, requer que o presente pedido de Revisão Disciplinar seja conhecido e julgado procedente, a fim de absolver o Requerente das imputações que lhe foram feitas nos autos do PAD nº 36.9622/2011.

A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) solicitou sua admissão nos autos, sob qualidade de terceira interessada (Id nº 1651878). O pedido foi deferido pela então Conselheira Gisela Gondin Ramos (Id nº 1709651).

Em continuação, o Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão apresentou manifestação de defesa por meio do Ofício nº 217/2015 (Id nº 1654013 e seguintes).

Regularmente notificada, a 

 Procuradoria-Geral da República (PGR) manifestou-se pelo indeferimento do pedido de Revisão Disciplinar. De acordo com a PGR, a presente revisão disciplinar não se enquadra em nenhuma das hipóteses previstas no artigo 83 do referido Regimento Interno (Id nº 2056174 e seguintes), pois a pretensão formulada possui caráter meramente recursal.

Notificado nos termos do Despacho Id nº 2040397, o Requerente apresentou razões finais.

Quando da inicial análise, por não vislumbrar os requisitos de admissibilidade da Revisão Disciplinar, previstos no artigo 83 do Regimento Interno deste Conselho, o pedido formulado na inicial foi julgado improcedente (Decisão Monocrática - Id nº 3660558).

Inconformado, o magistrado Jamil Aguiar da Silva interpôs recurso administrativo (Id nº 3672626), pelo qual solicita a reapreciação do caso pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça. Na oportunidade, reitera fundamentos semelhantes àqueles lançados na petição inicial.

Em suas contrarrazões, o TJMA defende a não apresentação de qualquer fato novo que possa infirmar o conteúdo da decisão monocrática atacada.

É o relatório. Passo ao voto.

 


 

 

 

VOTO

 

Nos termos do art. 115 do Regimento Interno do CNJ, conheço do recurso, porquanto tempestivo. Ato contínuo, passo ao exame das razões recursais apresentadas nos autos.

A decisão recorrida (Id nº 3660558) foi proferida nos seguintes termos:

 

“DECISÃO

(...)

Esta REVDIS deve ser conhecida, dado ter sido apresentada dentro do interregno de 1(um) ano, contado a partir do trânsito em julgado da decisão administrativa proferida pelo Tribunal Pleno do TJMA, nos autos do PAD 36.962/2011.

Excepcionalmente, reservando entendimento pessoal quanto à matéria, em razão da necessidade de ser dado tratamento equânime a diversos atores, bem como à decisão anterior, proferida neste feito pela antiga Relatoria (Id 1709651), autorizando o ingresso da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), DEFIRO o pedido de intervenção veiculado pela Associação dos Magistrados do Maranhão (AMMA). Pontuo, contudo, que:

I) o Magistrado Jamil Aguiar da Silva, Autor, é titular de capacidade postulatória e, em acréscimo prudente, está, nesta REVDIS, devidamente representado por advogado;

II) discutem-se, nestes autos, direito e interesse de caráter nitidamente individual (punição disciplinar aplicada a um Magistrado, por razões específicas) e não direitos e interesses coletivos; e

III) o pedido de admissão apresentado pela AMMA não está instruído com elementos sequer indiciários dos benefícios, que eventualmente poderiam advir, aos Magistrados vinculados ao TJMA, de eventual participação daquela entidade representativa especificamente neste procedimento.

Estabelecido este registro, entendo que pretensão inicial destes autos não merece acolhida.

Os parâmetros para a análise de Revisão Disciplinar, delineados no artigo 83 do Regimento Interno do CNJ, em regulamentação ao disposto no artigo 103-B, §4º, da Constituição Federal, são os seguintes:

Art. 83. A revisão dos processos disciplinares será admitida:

I - quando a decisão for contrária a texto expresso da lei, à evidência dos autos ou a ato normativo do CNJ;

II - quando a decisão se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;

III - quando, após a decisão, surgirem fatos novos ou novas provas ou circunstâncias que determinem ou autorizem modificação da decisão proferida pelo órgão de origem.

(...)”

Do trecho transcrito, constata-se que foi atribuída, à revisão disciplinar, feição análoga à da revisão criminal, com cabimento limitado a hipóteses bastante restritas. No âmbito do CNJ, a Revisão Disciplinar: a) é procedimento administrativo autônomo, que não tem natureza recursal (REVDIS 0005031-06.2015.2.00.0000, Conselheiro Valdetário Andrade Monteiro, j.  06/11/2018); e b) não se presta ao reexame de matéria valorada, de forma adequada, pelo Tribunal de origem (REVDIS 0005148-60.2016.2.00.0000, Conselheiro Valdetário Andrade Monteiro, j. 28/09/2018).

Por sua clareza, reproduzo trecho, trazido a estes autos pelo Ministério Público Federal (Id 2054085, folha 5/9), da decisão proferida pelo Excelentíssimo Senhor Ministro Asfor Rocha, então Corregedor Nacional de Justiça e Relator da RD 2007.10.000.01138-2, julgada em 24/06/2008:

“(...)

O instituto da revisão disciplinar não é um recurso em espécie propriamente dito que possibilite a renovação do julgamento. Logo, não cabe ao órgão revisor apreciar livremente a prova produzida nos autos, mas sim verificar se o julgado teve, ou não, amparo em circunstâncias contidas nos autos. Assim como ocorre com o instituto da revisão criminal, a admissibilidade do petitório fundado nessa hipótese deve destacar que a decisão não se amparou em qualquer elemento apurado, estando, ainda, em desacordo com todos os outros justificadores de solução diversa. NILO BATISTA, em Decisões Criminais Comentadas, ao definir decisum contrário à evidência dos autos, afirma que não basta que a prova que o ampare se firme em qualquer prova: é mister que a prova que o ampare seja oponível, formal e logicamente, às provas que militem em sentido contrário. Conforme registrei quando do exame de admissibilidade do petitório revisional, havendo vertentes alternativas, fundadas pelo conjunto de prova, não se pode qualificar de manifestamente contrária à prova dos autos a decisão que se filia a uma das versões conclusivas. Imperiosa a demonstração do antagonismo ao conjunto probatório carreado, situação, com efeito, inocorrente na espécie. No mesmo sentido deve ser o entendimento da hipótese de decisão contrária à lei. Para tal subsunção, insuficiente a má interpretação dos dispositivos reputados violados, exigindo-se que o julgado tenha sido proferido em sentido contrário ao disposto expressamente no texto legal, de forma a contrariar sua matéria, objeto e finalidade.

(...)”

No caso concreto delineado nestes autos, dentre os 27 (vinte e sete) membros do Tribunal Pleno do TJMA, os 16 (dezesseis) que estiveram presentes à Sessão Plenária Administrativa Extraordinária realizada no dia 27/11/2013, decidiram, nos termos do voto do Desembargador Relator e de parecer da Procuradoria Geral da Justiça, modificado em sessão - à unanimidade (Id 1657299, folha 47/114):

I) pela aplicação, ao Autor desta REVIDIS, da pena de remoção compulsória, da 1ª Vara de Execução Penal da Comarca de São Luís; e

II) pelo retorno, do magistrado removido às atividades judicantes, tão logo surgisse, em momento futuro, uma Vara na Comarca da Ilha de São Luís.

A decisão colegiada, proferida pelo TJMA, recebeu a seguinte ementa:

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR INSTAURADO CONTRA MAGISTRADO. NEGLIGÊNCIA NO CUMPRIMENTO DOS DEVERES DO CARGO. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 35, I, II E III DA LOMAN, SECUNDADO PELO ART. 85 DO CÓDIGO DE DIVISÃO E ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIAS DO ESTADO DO MARANHÃO. REMOÇÃO COMPULSÓRIA.

1. De acordo com o art. 35, I, II e III da LOMAN, é dever do juiz cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício; não exceder, injustificadamente, os prazos para sentenciar ou despachar; e determinar as providências necessárias para que os atos processuais se realizem nos prazos legais.

2. Verificada a ocorrência de negligência por parte do magistrado, consubstanciada no acúmulo de processos pendentes de apreciação, o caso revela a pertinência da aplicação da pena disciplinar de remoção compulsória.

Não há, nesta REVDIS, indícios de que a penalidade de remoção compulsória, aplicada ao Juiz Jamil Aguiar da Silva, tenha sido resultante de contrariedade a texto expresso de Lei, à ato normativo do CNJ ou às provas existentes e avaliadas, nos autos do PAD 36.962/2011, pelo Ministério Público Estadual e por 16 (dezesseis) Desembargadores, todos, cientes quanto às condições de recursos humanos e materiais disponíveis aos Órgãos Judiciários vinculados ao TJMA.

A instrução deste procedimento revisional não suscitou e/ou demonstrou a falsidade de depoimentos, de exames e/ou de documentos e não revelou fatos novos.

Registre-se que, dentre os pressupostos de admissibilidade da Revisão Disciplinar, não figuram os fatos, provas ou circunstâncias, existentes ao tempo do julgamento que se pretenda revisar, e que, integral ou parcialmente, tenham sido ignorados e/ou não tenham sido, em tempo e modo, na origem, apreciados e/ou valorados.

Neste sentir, não se trasmudam em novos os fatos, provas ou circunstâncias conhecidas, efetiva ou potencialmente, por testemunhas, pelo Ministério Público e/ou por membros do Tribunal Pleno do TJMA, à época do julgamento que o autor desta REVDIS pretende modificar tão somente por terem recebido, em quaisquer outros procedimentos, de quaisquer outros agentes, interpretações e/ou registros diversos ao entendimento firmado na decisão administrativa que foi proferida em 27/11/2013, nos autos do PAD 36.962/2011.

Em conclusão, não vislumbro, nestes autos, razões adequadas à revisão da interpretação que foi ofertada pelo Tribunal Pleno do TJMA, em 27/11/2013, para solução do caso concreto, a partir da análise do acervo probatório e contexto pertinentes aos autos do PAD 36.962/2011.

Por todo o exposto, ausentes os requisitos de admissibilidade da Revisão Disciplinar previstos no artigo 83 do Regimento Interno, JULGO IMPROCEDENTE o pedido e determino arquivamento liminar deste procedimento, nos termos do art. 25, X c/c XII, do RICNJ.

Publique-se. Intimem-se. Em não havendo recurso, arquivem-se os autos.

À Secretaria Processual, para as providências.

Brasília, data registrada pelo sistema.

 

Conselheiro André Godinho

Relator”

 

 

Conforme assinalado na decisão recorrida, não se vislumbra na presente Revisão Disciplinar indícios de que a sanção disciplinar aplicada ao magistrado Jamil Aguiar da Silva tenha contrariado texto expresso de lei, ato normativo do CNJ ou mesmo as provas existentes e devidamente avaliadas nos autos do PAD nº 36.962/2011 pelo TJMA.

Igual orientação foi apresentada pela Procuradoria Geral da República (PGR), que após escorreita avaliação asseverou que o presente pedido de revisão não se enquadra em nenhuma das hipóteses regimentas.

Como cediço, a revisão de procedimentos disciplinares possui assento junto ao art. 103-B, § 4º, inciso V, da Constituição Federal[1]. Importante posição no ordenamento jurídico deriva do fato de que a Administração Pública, quando atua na sua competência disciplinar, visa apurar infrações e impor sanções na exata correspondência com os fatos imputados.

O Regimento Interno do CNJ (RICNJ), por sua vez, dispõe que a admissão do procedimento de Revisão Disciplinar está sujeita ao preenchimento dos requisitos estabelecidos nos artigos 82 e 83, de seguinte teor:

 

Art. 82. Poderão ser revistos, de ofício ou mediante provocação de qualquer interessado, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano do pedido de revisão.

Art. 83. A revisão dos processos disciplinares será admitida:

I - quando a decisão for contrária a texto expresso da lei, à evidência dos autos ou a ato normativo do CNJ;

II - quando a decisão se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;

III - quando, após a decisão, surgirem fatos novos ou novas provas ou circunstâncias que determinem ou autorizem modificação da decisão proferida pelo órgão de origem.

 

 

No tocante ao requisito da tempestividade, o julgamento que resultou na decisão contra a qual se insurge o Requerente ocorreu no dia 27 de novembro de 2013 junto ao órgão colegiado do TJMA, e referido acórdão somente foi publicado no DJe no dia 09 de dezembro de 2013. A presente Revisão Disciplinar, por sua vez, foi proposta em 08 de dezembro de 2014, portanto, dentro do prazo regimental.

No exame de mérito, o Requerente alega que a decisão proferida pelo Plenário do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão – TJMA seria contrária à evidência dos autos, situação que se enquadraria, em tese, no inciso I do artigo 83 do Regimento Interno.

O magistrado entende que a penalidade aplica – remoção compulsória – não condiz com os elementos fáticos e de direito construídos no procedimento disciplinar. Em síntese, argumenta que a imputada morosidade no curso dos processos judiciais de sua competência, enquanto titular da 1ª Vara de Execuções Penais da Comarca de São Luís/MA, decorreu de atos e situações devidamente justificadas. Apesar de reconhecer a irregularidade imputada, atribui sua responsabilidade ao Poder Executivo, a quem compete o encarceramento dos réus presos; bem ainda ao sistema de informática utilizado para registro dos dados.

Na análise dos autos, não se vislumbra, data venia, razão suficiente para a revisão da decisão proferida pelo órgão censor local, que demonstrou ter atuado de acordo com sua legítima competência e em estrita observância aos elementos de prova colhidos.

Após longa instrução processual, o magistrado Jamil Aguiar da Silva foi punido pelo TJMA em razão da ausência de operosidade durante o período em que esteve à frente da 1ª Vara de Execução Penal da Comarca de São Luís/MA, mesmo depois de inúmeros diligências e cobranças realizadas pela Corregedoria local, em prejuízo ao direito de inúmeros réus presos. No mérito, após avaliação das evidências apresentadas, o TJMA pontuou que por maiores que sejam os percalços enfrentados pelo magistrado houve desídia por parte da autoridade judicial, extrapolando o conceito de excesso “justificado” de prazo.

Essa foi a conclusão confirmada à unanimidade pelos desembargadores que participaram do respectivo julgamento.

Cite-se ementa do respectivo julgado:

 

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR INSTAURADO CONTRA MAGISTRADO. NEGLIGÊNCIA NO CUMPRIMENTO DOS DEVERES DO CARGO. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 35, I, II E III DA LOMAN, SECUNDADO PELO ART. 85 DO CÓDIGO DE DIVISÃO E ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIAS DO ESTADO DO MARANHÃO. REMOÇÃO COMPULSÓRIA.

1. De acordo com o art. 35, I, II e III da LOMAN, é dever do juiz cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício; não exceder, injustificadamente, os prazos para sentenciar ou despachar; e determinar as providências necessárias para que os atos processuais se realizem nos prazos legais.

2. Verificada a ocorrência de negligência por parte do magistrado, consubstanciada no acúmulo de processos pendentes de apreciação, o caso revela a pertinência da aplicação da pena disciplinar de remoção compulsória.

 

 

Observado o transcurso integral da sessão de julgamento do referido procedimento administrativo disciplinar (Id nº 1604776 e seguintes), verifica-se que o feito foi objeto de amplo e regular debate entre os membros do colegiado, os quais avaliaram todo o conjunto probatório dos autos para só então apresentarem suas conclusões.

Foi assegurado em todo o curso do processo o exercício do contraditório e da ampla defesa, norteadores do devido processo legal.

No exame do mérito e das razões que ensejaram a condenação do magistrado pelo Tribunal de origem, também não se observa qualquer falha ou irregularidade suficiente a justificar a revisão pelo Conselho Nacional de Justiça.  

A imputada morosidade processual restou constata em diversos processos judiciais de competência do magistrado apenado. A insatisfação com o retardamento dos feitos foi objeto de inúmeros reclamos apresentados pelas partes interessadas, advogados e pela própria Secretaria de Estado de Justiça e Administração Penitenciária, tendo esta última destacado um “quantitativo elevado de presos provisórios que aguardam uma decisão judicial, bem como cerca de 2.600 (dois mil e seiscentos) pedidos de benefícios diversos feitos pela Defensoria Pública do Estado para a Vara de Execução Penal e Ministério Público”. Foi avaliado, ainda, relação de inúmeros processos com excesso de execução, além de outra lista com vários processos conclusos para despacho/decisão com prazo bastante elevado.

Constatada a realidade caótica na tramitação dos feitos e mesmo ciente das dificuldades enfrentadas, o TJMA concluiu que:

 

“Todavia, por maiores que sejam os percalços enfrentados pelo magistrado representado e por mais justificáveis que sejam parte de seus reclamos, não se pode deixar de concluir que, ao menos à época dos fatos apurados no presente processo administrativo, houve, sim, certa desídia por parta da autoridade judicial, extrapolando o conceito de excesso ‘justificado’ de prazo.

Sem dúvida, a conduta do magistrado, quanto ao particular, violou os ditames do art. 35, I, II e III, reproduzido pelo art. 85 do Código de Divisão e Organização Judiciárias do Estado do Maranhão, adiante transcritos:

‘LC 35/79 – Art. 35. São deveres do magistrado:

I - Cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício;

II - não exceder injustificadamente os prazos para sentenciar ou despachar;

III - determinar as providências necessárias para que os atos processuais se realizem nos prazos legais”.

(grifo não no original)

 

 

Irrefragável, portanto, que a decisão objurgada está em consonância com as provas coligidas durante a instrução do processo administrativo disciplinar, inexistindo contrariedade à lei, à evidência dos autos ou a ato normativo do CNJ.

Como se denota, os fatos são incontroversos e as condutas foram exaustivamente analisadas pelo colegiado do TJMA, cujos desembargadores entenderam por sua subsunção às vedações legais, não estando o CNJ autorizado a se imiscuir no juízo valorativo para alterar a conclusão jurídica a que o Tribunal chegou, fundada em razoável interpretação.

Esclareça-se, por fim, que a revisão disciplinar constitui procedimento administrativo autônomo, no qual os requisitos estão taxativamente dispostos no regramento interno respectivo. Essa medida revisional se aproxima da revisão criminal ou da ação rescisória cível, constituindo instrumento de exceção, cabível quando patente a presença de vício ou ilegalidade, bem assim da falsidade dos elementos que fundamentaram a decisão do tribunal de origem, o que não se vislumbra no caso em apreço.

Restringe-se ao exame das hipóteses do artigo 83 do Regimento Interno, sendo defeso realizar novo julgamento da causa quando não presentes quaisquer desses elementos, conforme entendimento já firmado neste Conselho.

Precedentes do Plenário neste sentido:

 

REVISÃO DISCIPLINAR. ART. 83, I DO RICNJ. DECISÃO CONTRÁRIA A TEXTO DE LEI. DECISÃO FUNDAMENTADA. ENTENDIMENTO RAZOÁVEL. PRECEDENTES STJ E STF. PRETENSÃO MERAMENTE RECURSAL. DESCABIMENTO.

1.      O CNJ tem entendimento consolidado no sentido de que a Revisão Disciplinar não se presta para a veiculação de pretensão recursal contra toda e qualquer decisão dos Tribunais em matéria disciplinar, mas é instrumento autônomo de impugnação da coisa julgada administrativa, devendo estar calcada nas hipóteses do art. 83 do RICNJ.

2.      Decisão do Tribunal devidamente fundamentada e que veicula entendimento razoável harmônico com precedentes dos Tribunais Superiores acerca do direito à liberdade sindical.

 3.      Recurso conhecido e improvido.

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0003814-59.2014.2.00.0000 - Rel. GISELA GONDIN RAMOS - j. 04/08/2015). (grifo não no original)

 

EMENTA. REVISÃO DISCIPLINAR. MATÉRIA DECIDIDA. PRETENSÃO MERAMENTE RECURSAL. DESCABIMENTO. HIPÓTESES DE ADMISSIBILIDADE. NÃO PREENCHIMENTO.  INADMISSIBILIDADE.

1. A Revisão Disciplinar se assemelha à Revisão Criminal, de modo que não se presta para o reexame de matéria decidida anteriormente, uma vez que, por revestir natureza de pedido autônomo com o qual se busca a desconstituição da coisa julgada administrativa, não se trata de recurso nem muito menos o Conselho Nacional de Justiça, em sua missão constitucional, se apresenta como instância recursal dos processos disciplinares.

2. A decisão transitada em julgado exarada em processo disciplinar, desde que escorada em razoável interpretação jurídica, não pode ser impugnada por meio de Revisão Disciplinar sob o argumento de que se manifesta contrária a texto de lei (art. 83, I, primeira parte, do RICNJ), que é a hipótese dos autos, na qual se pretende rediscutir a adequação da pena de disponibilidade com vencimentos proporcionais, ao argumento de prescritos fatos que teriam sido levados em consideração para a aplicação da mencionada sanção, uma vez que, conforme a decisão do Órgão Especial, na dosagem da pena, não se tomou como parâmetro a existência de reincidência técnica, senão a reiteração da prática de fatos reputados graves e incompatíveis com o exercício da judicatura, a recomendar, no mais provável prognóstico de que o magistrado não deixaria de continuar a cometer, no desempenho de suas funções, tão habituais ações, o seu afastamento da Magistratura. 

3. Revisão Disciplinar que não se conhece.

(CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0003350-74.2010.2.00.0000 - Rel. WALTER NUNES DA SILVA JÚNIOR - 111ª Sessão - j. 31/08/2010). (grifo não no original)

 

 

 

Não configurada, portanto, quaisquer das hipóteses de cabimento previstas no artigo 83, incisos I, II e III, do Regimento Interno deste Conselho Nacional de Justiça para revisão da decisão administrativa proferida pelo TJMA no PAD nº 36.962/2011, em sua regular competência.

Por tais fundamentos, conheço do presente recurso, porquanto tempestivo, e no mérito, nego-lhe provimento, mantendo a decisão recorrida por seus próprios fundamentos, com os acréscimos acima destacados.

É como voto.

Brasília/DF, data registrada em sistema.

 

Conselheiro André Godinho

Relator



[1] CF – “Art. 103-B (...) § 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura: (...) V - rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano”;