Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0007017-48.2022.2.00.0000
Requerente: CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA
Requerido: EDER SIVERS

 


 

EMENTA  



 

RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. INFRAÇÃO DISCIPLINAR IMPUTADA A DESEMBARGADOR DO TRABALHO.  PUBLICAÇÕES NAS REDES SOCIAIS DO INSTAGRAM COM CONTEÚDO POLÍTICO-PARTIDÁRIO. VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO ART. 95, PARÁGRAFO ÚNICO, III da CF E NO ART. 35, VIII DA LOMAN E 1º, 2º, 7º, 13, 15, 16 E 37 DO CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA NACIONAL, BEM COMO DE DISPOSITIVOS DO PROVIMENTO 135/2022 DA CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA E DA RESOLUÇÃO 305/2019 DO CNJ. INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR, SEM AFASTAMENTO DO MAGISTRADO.    

1. A liberdade de expressão não constitui direito absoluto, e, no caso dos magistrados, deve se coadunar com o necessário à afirmação dos princípios da magistratura.  

2. Publicações feitas por magistrados em redes sociais, mesmo que privadas, devem observar o disposto no Provimento n. 135/2022 e na Resolução n. 305/2019.  

3. Configura infração disciplinar a conduta consistente em publicar mensagens nas redes sociais do Instagram que manifestam conteúdo político-partidário. 

4. Existência de elementos indiciários apontando afronta ao artigo 95, parágrafo único, III, da CF/88, ao art. 35, VIII da LC 35/79 (LOMAN), aos arts. 1°, 2°, 7°, 13, 15, 16 e 37 do Código de Ética da Magistratura, aos arts. 2º, IV, 3º, I, do Provimento n. 135 da Corregedoria Nacional de Justiça, bem como aos arts. 3º, II, “a” e “f”, e 4º, II, da Resolução n. 305 do CNJ.  

5. Os elementos indiciários autorizam a instauração de procedimento administrativo disciplinar (PAD) para que o Conselho Nacional de Justiça possa aprofundar as investigações, se necessário com a produção de novas provas, com vistas a analisar a concreta violação dos deveres funcionais por parte do magistrado, com respeito ao contraditório e ao devido processo legal, aplicando a sanção disciplinar cabível, se for o caso, sem o afastamento cautelar do magistrado. 

 

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, determinou a instauração de processo administrativo disciplinar em desfavor do magistrado, aprovando desde logo a portaria de instauração do PAD, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário Virtual, 10 de março de 2023. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão (Relator), Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Não votou o Excelentíssimo Conselheiro Marcio Luiz Freitas.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0007017-48.2022.2.00.0000
Requerente: CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA
Requerido: EDER SIVERS


RELATÓRIO


            O MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator): 

 

Cuida-se de Reclamação Disciplinar instaurada de ofício pelo CNJ em desfavor de EDER SIVERS, Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. 

Chegou ao conhecimento desta Corregedoria Nacional de Justiça denúncia em desfavor do mencionado Desembargador que teria publicado em rede social conteúdo de notícia falsa em desabono a candidato à Presidência da República.

Por meio da decisão de id 4913317, após informações prestadas pelo denunciado (id 4913328), determinei com fundamento no artigo 8º, caput, da Resolução CNJ n. 135 a instauração de Reclamação Disciplinar em desfavor do magistrado. 

Notificado para oferecer defesa prévia, o Desembargador reclamado apresentou a manifestação de id 4935337.

Aduz que a sua conta no Instagram é absolutamente privada e destinada a poucos conhecidos (212 pessoas) que compartilham dos mesmos princípios éticos, morais e de liberdade de expressão, não sendo dirigido a terceiros ou mesmo para influenciar quem quer que fosse no resultado das eleições. Que a postagem se limitou a reproduzir notícia tendo como fonte o portal de notícias “R7” sem qualquer comentário. Esclarece que tal notícia também foi veiculada através de outros portais de notícias da internet, o que tornou o fato público e notório, tendo se originado na interceptação telefônica da Polícia Federal na Operação Cravada, publicada no site da UOL, o que afastaria a alegação de notícia falsa ou “Fake News”.

Defende que “fake news” ou notícia falsa não é crime nem sua divulgação, por falta de lei que o defina, o que ofenderia aos princípios da legalidade e tipicidade.

Requer ao final o arquivamento imediato da Reclamação Disciplinar.

 É o relatório.  

 

 

 

 

Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO

Corregedor Nacional de Justiça

J6/F30 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR - 0007017-48.2022.2.00.0000
Requerente: CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA
Requerido: EDER SIVERS

 

 

 

VOTO  

 

O MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator): 

 

Inicialmente destaco que o magistrado goza de direito à liberdade de expressão, assegurado pela Constituição da República (art. 5º, IV), pelo Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (artigo 19) e pelo Pacto de San José da Costa Rica (artigo 13). 

Entretanto, a despeito de ampla, a liberdade de expressão não é absoluta. Sua própria enunciação costuma vir acompanhada de marcos restritivos. O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos dispõe que o direito à liberdade de expressão “implicará deveres e responsabilidades especiais” e “poderá estar sujeito a certas restrições”. O Pacto de San José da Costa Rica anda em linha semelhante. 

Uma limitação à liberdade de expressão deve ser compatível com o princípio democrático. Como leciona Catalina Botero Marino, então relatora especial para a liberdade de expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o escrutínio dessa compatibilidade é feito por meio de um teste tripartite (In COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Marco Jurídico Interamericano sobre o Direito à Liberdade de Expressão. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Washington: OEA, 2014 (disponível em: https://www.oas.org/pt/cidh/expressao/docs/publicaciones/20140519%20-%20PORT%20Unesco%20-%20Marco%20Juridico%20Interamericano%20sobre%20el%20Derecho%20a%20la%20Libertad%20de%20Expresion%20adjust.pdf.):  

“(1) a restrição deve ter sido definida de forma precisa e clara por meio de uma lei formal e material, (2) a restrição deve se orientar à realização de objetivos imperiosos autorizados pela Convenção Americana, e (3) a restrição deve ser necessária em uma sociedade democrática para o sucesso dos imperiosos fins buscados; estritamente proporcional à finalidade buscada; e idônea para alcançar o imperioso objetivo que procura realizar”. 

  

No específico caso dos servidores públicos, a relatora especial ainda aponta a existência de deveres próprios e gerais, relacionados à liberdade de expressão: dever de pronunciar-se em certos casos, em cumprimento de suas funções constitucionais e legais, sobre assuntos de interesse público; dever especial de constatação razoável dos fatos que fundamentam seus pronunciamentos; dever de assegurar-se de que os seus pronunciamentos não constituam violações dos direitos humanos; dever de assegurar-se de que seus pronunciamentos não constituam uma ingerência arbitrária, direta ou indireta, sobre os direitos daqueles que contribuem à deliberação pública mediante a expressão e difusão de seu pensamento; dever de assegurar-se de que os seus pronunciamentos não interfiram na independência e na autonomia das autoridades judiciais. 

Desse contexto recolhe-se que o ordenamento jurídico pode, na medida do indispensável à promoção dos valores de uma sociedade democrática, impor restrições à liberdade de expressão. Também são possíveis restrições peculiares aos servidores públicos, desde que compatíveis com o princípio democrático e proporcionais às funções por eles exercidas. 

No caso dos membros da magistratura, um regime peculiar de restrições se justifica em razão de seu mister. Aos juízes é entregue a tarefa de aplicar o direito, a partir de uma posição imparcial. Para em nome do povo, desempenhar sua tarefa de resolução de disputas, os magistrados precisam demonstrar em sua conduta a aptidão para ouvir e compreender os diversos pontos de vista em uma sociedade plural. Os Princípios de Bangalore de Conduta Judicial bem enunciam a necessária responsabilidade no exercício da liberdade de expressão pelo magistrado. Dispõe o item 4.6:  

“4.6 Um juiz, como qualquer outro cidadão tem direito à liberdade de expressão, crença, associação e reunião de pessoas, mas ao exercer tais direitos, deve sempre conduzir-se de maneira tal que preserve a dignidade do ofício judicante e a independência do Judiciário”. 

  

Os §§ 134 e 136 dos Comentários aos Princípios de Bangalore ilustram como o magistrado deve abordar as próprias responsabilidades ao exercer a liberdade de expressão. Ao ser investido no cargo, um juiz não abandona qualquer crença política anterior ou deixa de ter interesse em assuntos políticos”, mas “parcimônia é necessário para manter a confiança do público na imparcialidade e independência do Judiciário”. Cabe ao magistrado refrear o envolvimento no debate público se sua participação “poderia razoavelmente minar a confiança na sua imparcialidade” ou “expor desnecessariamente o juiz ao ataque político”, ou ainda “ser incoerente com a dignidade do ofício judicante”. A contenção se justifica porque a “verdadeira essência de ser juiz é ser hábil para abordar os vários problemas que são objetos de disputas de maneira objetiva e judicial”, e porque o “juiz deve ser visto pelo público como exibindo um tipo de abordagem desinteressada, imparcial, não-preconceituosa, de mente aberta e justa”. O comentário conclui: 

  

“Se um juiz entra na arena política e participa de debates públicos, expressa opiniões sobre assuntos controversos, entra em disputa com figuras públicas da comunidade ou critica publicamente o governo, ele não será visto como atuando judicialmente quando presidir como juiz em uma corte e decidir litígios a respeito dos quais tenha expressado opiniões em público, ou talvez mais importante, quando as figuras públicas ou departamentos do governo que ele tenha criticado anteriormente sejam partes ou litigantes ou até mesmo testemunhas em casos sob sua atuação” (Nações Unidas (ONU). Escritório Contra Drogas e Crime (Unodc). Comentários aos Princípios de Bangalore de Conduta Judicial / Escritório Contra Drogas e Crime; tradução de Marlon da Silva Malha, Ariane Emílio Kloth. – Brasília : Conselho da Justiça Federal, 2008). 

  

Para exercer com responsabilidade sua liberdade de expressão, a pessoa investida na magistratura deve guardar especial atenção aos valores que informem a atividade jurisdicional. Ao magistrado cabe cultivar, em sua vida profissional e em todas as suas relações interpessoais, as qualidades que demonstram aptidão para as elevadas funções nas quais foi democraticamente investido. 

No caso brasileiro, a própria Constituição da República traça balizas para a compatibilização da liberdade de expressão dos juízes com suas elevadas atribuições. Entre nós, os magistrados organizam e arbitram as eleições. Tendo isso em consideração, a Constituição restringe o importantíssimo direito ao exercício da liberdade de manifestação política, ao estabelecer que “aos juízes é vedado dedicar-se à atividade político-partidária” (art. 95, parágrafo único, III). 

A Lei Orgânica da Magistratura Nacional vai além, impondo dever de conduta irrepreensível na vida privada (art. 35, VIII, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional) e limitando a liberdade de manifestação crítica a órgãos do Poder Judiciário. Neste sentido, ao magistrado é vedado “manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério” (art. 36, III, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional). 

De seu lado, o Código de Ética da Magistratura Nacional, aprovado por Resolução do Conselho Nacional de Justiça, estabelece os princípios do comportamento judicial. As manifestações públicas dos magistrados não podem fugir aos valores expressos no Código de Ética - independência, imparcialidade, transparência, integridade pessoal e profissional, diligência e dedicação, cortesia, prudência, sigilo profissional, conhecimento e capacitação e dignidade, honra e decoro. 

Os valores expressos no Código de Ética da Magistratura Nacional são coincidentes com padrões acolhidos pelos documentos que servem de orientação às melhores práticas dos juízes. Os Princípios de Bangalore de Conduta Judicial enunciam os valores da independência, imparcialidade, integridade, idoneidade, igualdade, competência e diligência. O Código Iberoamericano de Ética Judicial menciona independência, imparcialidade, motivação, conhecimento e capacitação, justiça e equidade, responsabilidade institucional, cortesia, transparência, segredo profissional, prudência, diligência e honestidade profissional. Em substância, os valores descritos nos mencionados diplomas são coincidentes. 

Em suas manifestações públicas, o magistrado deve observar esses princípios. Deve demonstrar imparcialidade, evitando “todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito” (art. 8º do Código de Ética da Magistratura Nacional), bem como lhe é vedado participar de atividade político-partidária a teor do artigo 7º do mesmo Código de Ética. Em homenagem à transparência, deve “evitar comportamentos que impliquem a busca injustificada e desmesurada por reconhecimento social, mormente a autopromoção em publicação de qualquer natureza” (art. 13 do Código de Ética da Magistratura Nacional). Para cultivar a integridade, precisa “comportar-se na vida privada de modo a dignificar a função, cônscio de que o exercício da atividade jurisdicional impõe restrições e exigências pessoais distintas das acometidas aos cidadãos em geral” (art. 16 do Código de Ética da Magistratura Nacional). Um imperativo de prudência lhe exige ter por meta “manter atitude aberta e paciente para receber argumentos ou críticas lançados de forma cortês e respeitosa” (art. 26 do Código de Ética da Magistratura Nacional). 

A Resolução n. 305/2019 do Conselho Nacional de Justiça, por sua vez, “estabelece os parâmetros para o uso das redes sociais pelos membros do Poder Judiciário” e prevê no seu artigo 3º, II e 4º, II:

 

Art. 3º A atuação dos magistrados nas redes sociais deve observar as seguintes recomendações:

II – Relativas ao teor das manifestações, independentemente da utilização do nome real ou de pseudônimo:

a)    evitar expressar opiniões ou compartilhar informações que possam prejudicar o conceito da sociedade em relação à independência, à imparcialidade, à integridade e à idoneidade do magistrado ou que possam afetar a confiança do público no Poder Judiciário;

b)    (...) 

f)   abster-se de compartilhar conteúdo ou a ele manifestar apoio sem convicção pessoal sobre a veracidade da informação, evitando a propagação de notícias falsas (fake news).

 

Art. 4º Constituem condutas vedadas aos magistrados nas redes sociais:

 [...]

II – emitir opinião que demonstre atuação em atividade político-partidária ou manifestar-se em apoio ou crítica públicos a candidato, lideranças políticas ou partidos políticos (art. 95, parágrafo único, inciso III, da Constituição Federal; art. 7º do Código de Ética da Magistratura Nacional);”

 

Outrossim, em setembro de 2022, a Corregedoria Nacional de Justiça editou o Provimento n. 135, que estabelece diretrizes sobre condutas e procedimentos dos magistrados e tribunais no período eleitoral e posteriormente a ele, vedando aos magistrados sob jurisdição do CNJ, investidos ou não em função eleitoral:

 

 “Art. 3º São vedadas aos magistrados sob jurisdição do CNJ, investidos ou não em função eleitoral:

 I - manifestações públicas, especialmente em redes sociais ou na mídia, ainda que em perfis pessoais próprios ou de terceiros, que contribuam para o descrédito do sistema eleitoral brasileiro ou que gerem infundada desconfiança social acerca da justiça, segurança e transparência das eleições;

II – associação de sua imagem pessoal ou profissional a pessoas públicas, empresas, organizações sociais, veículos de comunicação, sítios na internet, podcasts ou canais de rádio ou vídeo que, sabidamente, colaborem para a deterioração da credibilidade dos sistemas judicial e eleitoral brasileiros ou que fomentem a desconfiança social acerca da justiça, segurança e transparência das eleições.

§ 1º As vedações constantes neste artigo também se aplicam a magistrados afastados temporariamente da jurisdição por questões disciplinares ou postos em disponibilidade.

§ 2º É estimulado o uso educativo e instrutivo das redes sociais e de canais de comunicação, para fins de divulgação de informações que contribuam com a promoção dos direitos políticos e da confiança social na integridade dos sistemas de justiça e eleitoral brasileiros.

 

Portanto, há um conjunto de normas que limitam a liberdade de expressão dos magistrados, a iniciar pela Constituição da República, passando pela Lei Orgânica da Magistratura Nacional e  normas do Conselho Nacional de Justiça (Código de Ética da Magistratura Nacional, Provimento n. 135/2022 e Resolução n. 305/2019).

 

Saliento que os diplomas normativos editados pelo CNJ pouco mais fazem do que aclarar aquilo que já decorre da Constituição da República e da Lei Orgânica da Magistratura Nacional. Tratam de fixar interpretação clara quanto a deveres que já existem.

Desse panorama, o que se recolhe é que a liberdade de expressão dos magistrados pode sim ser restringida, desde que na estrita medida do necessário à afirmação dos princípios da magistratura, e que as normas editadas pelo Conselho Nacional de Justiça se prestam a aclarar e desenvolver essas restrições.

Em suma, na conciliação entre a preservação da imagem do magistrado como agente político e a manifestação de pensamento do magistrado como pessoa física, deve prevalecer a cautela, a prudência, a discrição e a economia verbal. Tal entendimento parte da premissa mais básica a ser percebida, pelas partes litigantes, quando defrontados com o Estado-Julgador em suas causas: a imparcialidade.

Os princípios que regem a conduta dos Juízes se pautam na ética profissional, permeada pela confiança da sociedade no agente que atua em munus público. Daí advém a sua imparcialidade, de um lado, e os contornos de sua independência, de outro. Um juiz não só deverá ser isento de conexões inapropriadas e influências externas, mas também deve parecer livre delas, aos olhos da sociedade[1].

Doutra parte, imbuído da representação do Poder Estatal, é inegável que a voz do magistrado possui ímpar poder de influência e chamariz, calcado na confiança que o cidadão possui em decorrência da hierarquia da função. Na esteira do Código de Ética da Magistratura, a integridade de conduta do magistrado fora do âmbito estrito da atividade jurisdicional contribui para uma fundada confiança dos cidadãos na judicatura (art. 15), de modo que deve comportar-se na vida privada de modo a dignificar a função, cônscio de que o exercício da atividade jurisdicional impõe restrições e exigências pessoais distintas das acometidas aos cidadãos em geral (art.16).

A observância desses princípios éticos, como o próprio Código acima citado já direciona, extrapola o momento em que o magistrado exerce sua atividade jurisdicional, até porque a imagem de agente representante do Estado e do Poder Judiciário como um todo não se esvai fora do expediente forense. A expressão de tal imagem pelo Juiz se dá das mais variadas formas, sendo as mídias sociais, no momento atual, inegável instrumento que se torna porta-voz da imagem do magistrado e a mensagem que este pretende passar à sociedade em representação do Poder Judiciário.

 Nesse sentido, destaco a manifestação do Ministro Barroso, nos autos do Mandado de Segurança n. 35.793/DF-MC, publicado no DJe em 6 de setembro de 2018, já mencionada em outras decisões deste Conselho Nacional de Justiça em referência ao regramento concernente ao então vigente Provimento CNJ n.71, de 13 de junho de 2018, antecessor da Resolução CNJ 305/2019, verbis:

“[...] Hoje, mundo real e virtual se completam em uma única esfera pública. As fotos, os comentários, as opiniões publicadas nesses canais são assuntos de conversas entre todos os grupos de relacionamento: seja com colegas, servidores da sua unidade judiciária ou pessoas da sua família. Logo, se juiz é juiz 24 horas por dia, 7 dias por semana, é importante lembrar que nas mídias digitais também são vistos como o que de fato são: membros de um poder constituído. Portanto, as plataformas podem ser ótimos veículos para compartilhamento de boas práticas, opiniões assertivas e dados deste poder. Porém, por outro lado, podem manchar uma imagem já consolidada em decorrência do compartilhamento de determinada posição. O fim dos limites estritos entre a vida pública e privada da era digital faz com que a conduta de um magistrado se associe, ainda que de forma indireta, ao Poder Judiciário. Magistrados não se despem da autoridade do cargo que ocupam, ainda que longe do exercício da função. Quando um juiz se manifesta, acima de “Joãos”, “Marias” ou “Josés” estão membros do Poder Judiciário falando e moldando a percepção que se tem do órgão que integram. Dessa forma, a defesa de um espaço amplo para essas manifestações em redes sociais é potencialmente lesiva a independência e imparcialidade do Judiciário”.

 

Prossegue o Ministro em sua análise, concluindo que:

 

“[...] Em um cenário político polarizado como o atual, a admissão de uma irrestrita e incondicionada liberdade comunicativa aos magistrados, tal como pretendido pelos impetrantes, incentiva a desestabilização institucional do país. Mais do que isso, inserem o Poder Judiciário nas disputas e lutas da sociedade e o distanciam de sua missão de resguardar a ordem constitucional e pacificar com isenção os conflitos que lhe são submetidos. Na moderna interpretação jurídica, não é possível sustentar a existência de norma sem interação entre texto e realidade. O resultado do processo interpretativo e seu impacto sobre a realidade não podem ser desconsiderados: é preciso saber se o produto da incidência da norma sobre o fato realiza a Constituição. A constatação de que a liberdade irrestrita de manifestação em redes sociais fomenta o cenário de divisão e conflito confirma a adequação da interpretação da Corregedoria Nacional de Justiça sobre manifestações político-partidárias em ambiente digital”.

 

É inegável que o veículo das redes sociais é mecanismo potente de influência, incitação de condutas e estilos de vida, na realidade digital em que vivemos. Abarca potencial até mesmo de incitar crimes, podendo levar a acontecimentos indesejáveis e extremamente graves, como se viu recentemente.

Diante do poder de influência das mídias sociais, em um momento como o presente, em que se reafirmam os pilares da democracia, toda a conduta que possa representar a violação de princípios éticos claramente estabelecidos deve ser coibida. Nesse contexto, o exercício do papel do Conselho Nacional de Justiça, em garantir que o Poder Judiciário contribua para a paz e o reflexo da democracia em atenção aos seus princípios éticos, é providência que se impõe, por meio do aprofundamento da apuração das condutas que possam atentar contra tais princípios.

Do exposto resulta que, mesmo em redes sociais privadas, o magistrado deve se abster de manifestações que envolvam questões de natureza político ou partidária, porque a palavra do magistrado, em razão de seu cargo, tem maior alcance na formação de opinião. Aliado a isso, tem-se que o impacto das redes digitais na forma de comunicação e circulação de informações é imenso.

Nesse sentido, vale destacar que, na recente decisão do Ministro Luís Roberto Barroso, nos autos do MS 35.793, constou: 

“A nova realidade das campanhas eleitorais no Brasil, acompanhada desse movimento mundial de transferência às redes sociais da estratégia de mobilização política faz com que as manifestações de magistrados em redes sociais, favoráveis ou contrárias a candidatos e partidos, possam ser entendidas como exercício de atividade político partidária.” 

 

No caso concreto, o magistrado, pelo que se extrai de uma análise preliminar, não observou a cautela exigida e ultrapassou os limites de sua liberdade de expressão ao publicar em sua rede social do Instagram conteúdo de notícia dita falsa em desabono a candidato à Presidência da República (id 4913325), a qual foi repostada e nomeada pelo magistrado como "Nunca foi fácil uma escolha!", com os complementos #brasilacimadetudodeusacimadetodos", #bolsonaro2022 e #tarcisio10.  Noto que o magistrado não apenas repostou a notícia como também emitiu comentário de que “nunca foi tão fácil uma escolha!”, além de fazer menção expressa a um dos candidatos do certame, bem como à sua legenda partidária por meio de número de identificação.

A Constituição Federal, ao vedar que o magistrado se dedique à atividade político partidária (art. 95, I), elegeu bens jurídicos a serem tutelados e que justificam a restrição de conduta imposta aos magistrados. O principal bem jurídico tutelado é, evidentemente, o Estado Democrático de Direito.

Vale dizer, é a vigência do Estado Democrático de Direito que faz nascer para o cidadão a confiança no Poder Judiciário. Na contramão disso, a conduta individual do magistrado com conteúdo político-partidário arruína a confiança da sociedade em relação à credibilidade, à legitimidade e à respeitabilidade da atuação da Justiça, atingindo o próprio Estado de Direito que a Constituição objetiva resguardar.

É nessa linha de intelecção que este Conselho Nacional de Justiça vem entendendo a extensão da vedação a que o magistrado se dedique à atividade político-partidária (CF, art. 95, inciso I).

Desde a edição do Provimento n. 71/2018 pela Corregedoria Nacional, entende-se que a “vedação de atividade político-partidária aos membros da magistratura não se restringe à prática de atos de filiação partidária, abrangendo a participação em situações que evidenciem apoio público a candidato ou a partido político” (art. 2º, § 1º).

Além disso, é assegurado que o magistrado exerça “o direito de expressar convicções pessoais” sobre questões dessa natureza, “desde que não seja objeto de manifestação pública que caracterize, ainda que de modo informal, atividade com viés político-partidário” (art. 2º, § 2º).

O Supremo Tribunal Federal foi instado a se manifestar sobre a constitucionalidade desse ato normativo, tendo o relator concluído que “[o] Provimento nº 71/2018 interpretou de maneira razoável e adequada o sentido da Constituição na matéria e é relevante para balizar a conduta dos seus destinatários” (MS 35793 MC / DF, Relator Min. ROBERTO BARROSO, 04.09.2018).

Na mesma linha, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que a liberdade de expressão dos membros da magistratura “precisa ser ponderada com os deveres funcionais respectivos, de modo a não envolver indevidamente a instituição em debates políticos” (Pet 9068, Relator(a): NUNES MARQUES, Segunda Turma, julgado em 08/04/2021).

Saliento que o magistrado é a personificação do Poder Judiciário e nunca se despe da autoridade do cargo que ocupa, mesmo que fora do exercício de sua função ou em suas redes sociais privadas. Por isso, ao publicar mensagens de forma independente e sem observar o regramento a que é submetido, o magistrado viola o seu dever funcional.

Vale registrar que o Provimento 135 do CNJ (que dispõe sobre a manifestação de membros do Poder Judiciário em redes sociais) foi publicado em setembro de 2022 e a postagem foi feita pelo magistrado quando já em vigor a referida norma, sendo exigível que o aplicador do direito tome conhecimento do aludido Provimento e adote postura compatível.

Ademais, nem se diga que sua página do Instagram é restrita e que suas publicações não atingiram terceiros, mas apenas os “amigos” cadastrados, pois mesmo que a repostagem tenha ficado restrita a só divulgação de notícias com conteúdo político acompanhada de comentário por ele incluído já pode caracterizar violação aos deveres da magistratura em especial a expressa vedação de envolvimento em discussões político-partidárias de qualquer natureza (art. 95, parágrafo único, inciso III, da CF).

   A questão quanto ao fato de se tratar ou não de fake news não afasta a infração funcional evidenciada, na medida em que reside, primordialmente, no comentário feito pelo próprio magistrado, e não no conteúdo em si da reportagem sobre a qual comentou.

 Portanto, a conduta narrada e delimitada pode se amoldar, em tese, a dispositivos legais contidos na Constituição Federal, na Lei Complementar n. 35 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional-LOMAN), ao Código de Ética da Magistratura Nacional e na Resolução n. 135/CNJ.

Isso porque a Constituição Federal dispõe que:

Art. 95. Os juízes gozam das seguintes garantias:



Parágrafo único. Aos juízes é vedado:

III - dedicar-se à atividade político-partidária.



A Lei Complementar nº 35 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional-LOMAN) regulamenta que:

Art 35. São deveres do magistrado:

VIII - manter conduta irrepreensível na vida pública e particular.

Também estabelece o Código de Ética da Magistratura:

Art. 1º O exercício da magistratura exige conduta compatível com os preceitos deste Código e do Estatuto da Magistratura, norteando-se pelos princípios da independência, da imparcialidade, do conhecimento e capacitação, da cortesia, da transparência, do segredo profissional, da prudência, da diligência, da integridade profissional e pessoal, da dignidade, da honra e do decoro.



Art. 2º Ao magistrado impõe-se primar pelo respeito à Constituição da República e às leis do País, buscando o fortalecimento das instituições e a plena realização dos valores democráticos.



Art. 7º A independência judicial implica que ao magistrado é vedado participar de atividade político-partidária.



Art. 13. O magistrado deve evitar comportamentos que impliquem a busca injustificada e desmesurada por reconhecimento social, mormente a autopromoção em publicação de qualquer natureza.



Art. 15. A integridade de conduta do magistrado fora do âmbito estrito da atividade jurisdicional contribui para uma fundada confiança dos cidadãos na judicatura.



Art. 16. O magistrado deve comportar-se na vida privada de modo a dignificar a função, cônscio de que o exercício da atividade jurisdicional impõe restrições e exigências pessoais distintas das acometidas aos cidadãos em geral.



Art. 37. Ao magistrado é vedado procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções.

 

O Conselho Nacional de Justiça, por meio da Resolução n. 305/2019, instituiu que:



Art. 3º A atuação dos magistrados nas redes sociais deve observar as seguintes recomendações:



II – Relativas ao teor das manifestações, independentemente da utilização do nome real ou de pseudônimo:


a) evitar expressar opiniões ou compartilhar informações que possam prejudicar o conceito da sociedade em relação à independência, à imparcialidade, à integridade e à idoneidade do magistrado ou que possam afetar a confiança do público no Poder Judiciário;

f) abster-se de compartilhar conteúdo ou a ele manifestar apoio sem convicção pessoal sobre a veracidade da informação, evitando a propagação de notícias falsas (fake news).



Art. 4º Constituem condutas vedadas aos magistrados nas redes sociais:


(...)

II – emitir opinião que demonstre atuação em atividade político-partidária ou manifestar-se em apoio ou crítica públicos a candidato, lideranças políticas ou partidos políticos (art. 95, parágrafo único, inciso III, da Constituição Federal; art. 7º do Código de Ética da Magistratura Nacional);



 

Dessa forma, entendo pela existência de indícios suficientes do cometimento de infração disciplinar pelo Magistrado EDER SIVERS, Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 15.ª Região, fato que evidencia a necessidade de instauração de Processo Administrativo Disciplinar em seu desfavor onde devem ser apuradas as circunstâncias em que as condutas foram praticadas.   

Em suma, existem elementos indiciários apontando afronta aos artigos 95, parágrafo único, III, da CF/88, ao art. 35, VIII da LC 35/79 (LOMAN), aos arts. 1°, 2°, 7°, 13, 15, 16 e 37 do Código de Ética da Magistratura, ao arts. 2º, IV e 3º, I, do Provimento n. 135 da Corregedoria Nacional de Justiça, bem como aos arts. 3º, II, “a” e “f”, 4º, II, da Resolução n. 305 do CNJ.

Consoante dispõe o Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça, no exercício de suas atribuições constitucionais, o Corregedor Nacional de Justiça poderá determinar, desde logo, “as medidas que se mostrem necessárias, urgentes ou adequadas” (art. 8º, inciso IV), assim como “requisitar das autoridades fiscais, monetárias e de outras autoridades competentes informações, exames, perícias ou documentos, sigilosos ou não, imprescindíveis ao esclarecimento de processos ou procedimentos submetidos à sua apreciação” (art. 8º, inciso V).

Quanto à atuação do Corregedor Nacional de Justiça no exercício de sua competência instrutória, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a constitucionalidade do dispositivo acima citado, no que concerne à requisição de dados bancários e fiscais às autoridades competentes, mediante decisão fundamentada e baseada em indícios concretos da prática do ato.

Nesse sentido, confira-se o recente precedente:

 

EMENTA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 8º, V, DO REGIMENTO INTERNO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. ATRIBUIÇÕES DO CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA. REQUISIÇÃO DE DADOS SIGILOSOS EM PROCESSOS OU PROCEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS DE SUA COMPETÊNCIA. ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL. CONHECIMENTO PARCIAL QUANTO A DADOS BANCÁRIOS E FISCAIS. NORMA FORMALMENTE CONSTITUCIONAL À LUZ DO ART. 5º, § 2º, DA EC Nº 45/2004. HIPÓTESE DE TRANSFERÊNCIA DE SIGILO QUE SE COMPATIBILIZA COM O DESENHO INSTITUCIONAL DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA E A PROTEÇÃO DA PRIVACIDADE DOS AGENTES PÚBLICOS FISCALIZADOS PELO ÓRGÃO, OBSERVADAS AS DEVIDAS GARANTIAS. PROCEDÊNCIA PARCIAL, NA PARTE CONHECIDA. INTERPRETAÇÃO CONFORME. 1. Controvérsia constitucional sobre a atribuição, do Corregedor Nacional de Justiça, de "requisitar das autoridades fiscais, monetárias e de outras autoridades competentes informações, exames, perícias ou documentos, sigilosos ou não, imprescindíveis ao esclarecimento de processos ou procedimentos submetidos à sua apreciação, dando conhecimento ao Plenário" (art. 8º, V, Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça). 2. Cognoscibilidade da ação. I. Rejeitada preliminar de conhecimento parcial, no que concerne às "autoridades fiscais", por ausência de impugnação de todo o complexo normativo. Conquanto o art. 198, § 1º, II, CTN, também preveja o compartilhamento de informações fiscais com autoridades administrativas, a norma contestada se apresenta ao mesmo tempo subjetivamente mais específica e objetivamente mais ampla, a justificar o reconhecimento da existência de interesse de agir em sua impugnação autônoma. II. Restringido, de ofício, o objeto da ação ao que especificamente impugnado, a requisição de dados fiscais e bancários às autoridades competentes. Precedentes. 3. Norma formalmente constitucional, editada com respaldo no art. 5º, § 2º, da EC nº 45/2004, que confere competência ao Conselho Nacional de Justiça, mediante resolução, para disciplinar seu funcionamento e definir as atribuições do Corregedor, enquanto não normatizada a matéria pelo Estatuto da Magistratura. Competência transitória atribuída pelo Poder Constituinte derivado ao CNJ para evitar vácuo normativo a inviabilizar a implementação da arquitetura institucional do controle interno do Poder Judiciário. Resolução que, no ponto, encontra amparo direto na Constituição Federal e equivale à normatização pelo Estatuto da Magistratura. 4. Atribuição requisitória que, prima facie, colide com o direito à privacidade, à intimidade, à vida privada e à proteção de dados (art. 5º, X e XII, CRFB) resulta constitucional, por se tratar de hipótese de transferência de sigilo justificada diante do papel institucional do CNJ e do Corregedor Nacional de Justiça. O controle interno do Poder Judiciário coaduna-se com os valores republicanos e com a necessidade de manter a idoneidade do exercício do poder que é a jurisdição (ADI 3367). 5. Consoante interpretação jurídica definida por este Supremo Tribunal Federal, ainda que os sigilos bancário e fiscal tenham estatura constitucional, não há direitos absolutos em atenção a outros valores públicos: RE 601314 (Tema nº 225 da Repercussão Geral), ADIs 2386, 2390, 2397 e 2859 e RE 1055941 (Tema nº 990 da Repercussão Geral). Quanto a agentes públicos, enquanto exercem função pública, é relativizada a inacessibilidade a dados da vida patrimonial de maneira ainda mais ampla, forte no art. 13 da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992), no art. 29 da Lei 5.010/1966 e na Lei nº 8.730/1993. 6. Ao assentar a constitucionalidade das hipóteses de transferência de sigilo examinadas, considerou, este Plenário do STF, a existência de garantias ao contribuinte que tem seus dados bancários ou fiscais compartilhados. Atribuição requisitória que se sustenta, do ponto de vista constitucional, na hipótese de existência de processo devidamente instaurado para averiguação de conduta de pessoa determinada. Em particular, no caso do Corregedor Nacional de Justiça, para apuração de infrações de sua competência, em desfavor de sujeito certo, e mediante decisão fundamentada e baseada em indícios concretos. 7. A Corregedoria Nacional de Justiça é órgão destacado, pela Constituição Federal, na arquitetura do CNJ e do controle interno do Poder Judiciário e da magistratura nacional. O arranjo institucional permite perceber atribuições próprias que visam a densificar o papel constitucional de concretização dos valores republicanos, o que afasta a alegação de inconstitucionalidade na atribuição requisitória por decisão singular do Corregedor, e não do Plenário. 8. Ação conhecida apenas no que concerne à requisição de dados bancários e fiscais às autoridades competentes, e, na parte conhecida, julgado parcialmente procedente o pedido, para, em interpretação conforme a Constituição (art. 5º, X, XII e LIV, CRFB), estabelecer que a requisição dos dados bancários e fiscais imprescindíveis, nos moldes do art. 8º, V, do Regimento Interno do CNJ, é constitucional em processo regularmente instaurado para apuração de infração por sujeito determinado, mediante decisão fundamentada e baseada em indícios concretos da prática do ato. (ADI 4709, Relator(a): ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 30/05/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-112 DIVULG 08-06-2022 PUBLIC 09-06-2022)

 

O poder geral de cautela utilizado no exercício do papel constitucional do Conselho Nacional de Justiça tem sido largamente aplicado ao longo de apurações sobre possíveis infrações funcionais de magistrados, na esteira do artigo 15 da Resolução CNJ 135/11, o qual permite, em ação bem mais contundente que o bloqueio de URLs ou perfis, o afastamento do magistrado, in totum, do próprio exercício de suas funções judicantes, além de, ainda mais contundente e extensiva, impedi-lo do uso de seu local de trabalho e do usufruto de qualquer prerrogativa decorrente do cargo, inclusive da utilização de bens ligados a tal exercício, como os veículos oficiais  (“ Art. 15: § 1º O afastamento do Magistrado previsto no caput poderá ser cautelarmente decretado pelo Tribunal antes da instauração do processo administrativo disciplinar, quando necessário ou conveniente a regular apuração da infração disciplinar. § 2º Decretado o afastamento, o magistrado ficará impedido de utilizar o seu local de trabalho e usufruir de veículo oficial e outras prerrogativas inerentes ao exercício da função”).

Inobstante a previsão expressa do procedimento a ser observado e limites a tais providências decorrentes de seu poder geral de cautela, o Conselho Nacional de Justiça já decidiu reiteradamente acerca da possibilidade de extensão de efeitos deste poder para além dos expressamente previstos nas normas de regência, tendo por parâmetro de proporcionalidade e razoabilidade à ampliação citada a mácula à credibilidade do Poder Judiciário. Nesse sentido: PAD 0006920-87.2018.2.00.0000, Rel. Cons. Mário Guerreiro, 84ª Sessão Virtual, 16/04/2021;  RD nº 0002489-20.2012.2.00.0000, Rel. Cons. Francisco Falcão, 175ª Sessão, 23/09/2013; RD nº 0001755-69.2012.2.00.0000, Rel. Cons. Eliana Calmon, 147ª Sessão, 21/05/2012; SIND nº 0002524-82.2009.2.00.0000, Rel. Cons. Gilson Dipp, 110ª Sessão, 17/08/2010.

No caso em tela, contudo, a suspensão do perfil do Reclamado nas redes sociais neste momento não se mostra necessária, na medida em que não mais se localizaram perfis do Reclamado após a instauração do presente expediente. Nada obsta, contudo, que tal providência seja revista e necessária, caso se tenha notícias de reiteração da conduta ou criação de outros perfis com postagens similares a que deu azo à presente apuração.

Pelos mesmos motivos, não vislumbro a necessidade de afastamento das funções durante o processo.

 

Ante o exposto, julgo procedente a Reclamação Disciplinar para, nos termos do artigo 13 da Resolução CNJ n. 135, do artigo 8º, III, e 69 do RICNJ, propor a INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR em desfavor de EDER SIVERS, Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, a ser distribuído a um Conselheiro Relator, a quem competirá ordenar e dirigir a instrução respectiva.

O enquadramento legal apontado a partir da delimitação fática da acusação é apenas preliminar, ficando postergado ao momento do julgamento do PAD eventual capitulação definitiva.

É como voto.   



Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO

Corregedor Nacional de Justiça 

J6/F30 

 

 

 

PORTARIA N.       , DE                    DE  2023.

 

Instaura processo administrativo disciplinar em desfavor de magistrado, sem afastamento das funções nesta fase.

 

 

A PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, usando das atribuições previstas nos arts. 103-B, § 4º, III, da Constituição Federal, e 6º, XIV, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e

CONSIDERANDO a competência originária e concorrente do Conselho Nacional de Justiça para processar investigações contra magistrados independentemente da atuação das corregedorias e tribunais locais, expressamente reconhecida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal na apreciação da liminar na ADI n. 4.638/DF;

CONSIDERANDO o disposto no § 5º do art. 14 da Resolução CNJ n. 135, de 13 de julho de 2011, e as disposições pertinentes da Lei Complementar n. 35, de 14 de março de 1979 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional), da Lei n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990 (Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União), da Lei n. 9.784, de 29 de janeiro de 1999, e do Regimento Interno do CNJ;

CONSIDERANDO que foi instaurado pedido de providências para apurar suposta falta disciplinar praticada por EDER SIVERS, Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 15.ª Região, que teria feito diversas publicações com conteúdo político-partidário em suas redes sociais no Facebook;

CONSIDERANDO a decisão proferida pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça no julgamento da Reclamação Disciplinar n. 0007017-48.2022.2.00.0000, durante a 3ª Sessão Virtual de 2023, realizada no período de 2 de março a 10 de março de 2023, que reconheceu a existência de elementos indiciários apontando afronta aos artigos 95, parágrafo único, III, da CF/88, ao art. 35, VIII, da LC 35/79 (LOMAN), aos arts. 1°, 2°, 7°,13, 15, 16 e 37 do Código de Ética da Magistratura, ao art. 3º, I do Provimento n. 135 da Corregedoria Nacional de Justiça, bem como aos arts. 3º, II, “a” e “f”, e 4º, II, da Resolução n. 305 do CNJ;                        

 

RESOLVE:

 

Art. 1º Instaurar processo administrativo disciplinar em desfavor de EDER SIVERS, Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 15.ª Região, por violação do artigo 95, parágrafo único, III, da CF/88, do art. 35, da LC 35/79 (LOMAN), dos arts. 1°, 2°, 7°, 13, 15, 16 e 37 do Código de Ética da Magistratura, do art. 3º, I, do Provimento n. 135 da Corregedoria Nacional de Justiça, bem como dos arts. 3º, II, “a” e “f”, e 4º, II, da Resolução n. 305 do CNJ. 

Art. 2º Determinar que a Secretaria do CNJ dê ciência ao Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região acerca do teor da decisão tomada pelo Conselho Nacional de Justiça e da abertura de processo administrativo disciplinar objeto desta portaria, sem o afastamento do magistrado de suas funções jurisdicionais e administrativas.

Art. 3º Determinar a livre distribuição do processo administrativo disciplinar entre os Conselheiros, nos termos do art. 74 do RICNJ.

 

Ministra ROSA WEBER

 Presidente do Conselho Nacional de Justiça

 

 



[1] Nações Unidas (ONU). Escritório Contra Drogas e Crime (Unodc). Comentários aos Princípios de Bangalore de Conduta Judicial / Escritório Contra Drogas e Crime ; tradução de Marlon da Silva Malha, Ariane Emílio Kloth. – Brasília : Conselho da Justiça Federal, 2008, p.53.