Conselho Nacional de Justiça

Presidência

 

Autos: ATO NORMATIVO - 0009672-61.2020.2.00.0000
Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

 

ATO NORMATIVO. RESOLUÇÃO Nº 329/2020. PANDEMIA. AUDIÊNCIAS DE CUSTÓDIA. VIDEOCONFERÊNCIA. POSSIBILIDADE. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. ATO APROVADO.

1 - A não realização das audiências de custódia durante o período pandêmico consubstancia retrocesso, em descumprimento não só ao art. 7.5 da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) e ao art. 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos, como também às decisões do Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 5240/SP e da ADPF 347 MC/DF.

2 - O uso da videoconferência e de outros recursos tecnológicos de transmissão de sons e imagens em tempo real é incentivado pela legislação brasileira, conforme preconizam os arts. 185, §2º; 217; e 222, §3º; todos do Código de Processo Penal; bem como os arts. 236, §3º; 385, §3º; 453, §1º; 461, §2º; e 937 §4º; todos do Código de Processo Civil.

3 - A exigência da presença física, vista como dogma mesmo no contexto pandêmico, enseja, mais do que a já maléfica extrapolação dos prazos, a fatídica não realização das audiências de custódia, e culmina por prejudicar aqueles a quem se quer proteger, os presos.

4 – Primordial, nessa perspectiva, a efetivação de uma série de cautelas para assegurar que as audiências de custódia por videoconferência possam alcançar seus objetivos, coibindo-se qualquer tipo de tortura ou de maus-tratos na prisão. Assim, visando a prevenir eventuais abusos ou constrangimentos ilegais ao longo da oitiva, o preso deverá permanecer sozinho na sala durante a realização do ato, facultando-se a presença física no recinto de seu advogado ou defensor. É cediço que essa condição poderá ser certificada pelo próprio Juiz, pelo Ministério Público e pela Defesa, por meio do uso concomitante de mais de uma câmera no ambiente ou de câmeras 360 graus, de modo a permitir a visualização integral do espaço. Outrossim, também se mostra importante que haja uma câmera externa a monitorar a entrada do preso na sala e a porta desta, bem como que o exame de corpo de delito, a atestar a sua integridade física, seja realizado antes do ato.

5 – Imperioso o reconhecimento da possibilidade de se realizar as audiências de custódia por videoconferência, ainda que de forma excepcional e com cautelas específicas, em obediência ao disposto nos arts. 287 e 310 do CPP. Precedentes do STJ e STF. 

 

 ACÓRDÃO

O Conselho decidiu: I - por unanimidade, incluir em pauta o presente procedimento, nos termos do § 1º do artigo 120 do Regimento Interno; II - por maioria, aprovar a resolução, nos termos do voto do Relator. Vencidos os Conselheiros André Godinho, Tânia Regina Silva Reckziegel, Ivana Farina Navarrete Pena e Marcos Vinícius Jardim Rodrigues. Vencido, parcialmente, o Conselheiro Mário Guerreiro. Ausente, em razão da vacância do cargo, o representante do Ministério Público da União. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário, 24 de novembro de 2020. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura, Emmanoel Pereira, Luiz Fernando Tomasi Keppen, Rubens Canuto, Tânia Regina Silva Reckziegel, Mário Guerreiro, Candice L. Galvão Jobim, Flávia Pessoa, Ivana Farina Navarrete Pena, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, André Godinho, Maria Tereza Uille Gomes e Henrique Ávila. Sustentaram oralmente: pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, o Defensor Público Thiago de Luna Cury; pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, a Defensora Pública Mariana Castro de Matos; pela Associação para a Prevenção da Tortura, a Assessora Jurídica Sênior Sylvia Dias; pela Associação Direitos Humanos em Rede - Conectas Direitos Humanos, o Advogado Gabriel de Carvalho Sampaio, OAB SP 252.259; pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa Márcio Thomaz Bastos, o Advogado Augusto de Arruda Botelho, OAB SP 206.575. Manifestaram-se, nos termos do artigo 125, §8º, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça, a Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, Juíza Renata Gil, e o Presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil, Juiz Eduardo André Brandão de Brito Fernandes.

 

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX, PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (RELATOR):

 

Trata-se de procedimento de ato normativo que dispõe sobre a possibilidade de realização de audiências de custódia por videoconferência durante a pandemia, quando não for possível a sua realização, em 24 horas, de forma presencial.

É o relatório.

 

 

VOTO

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX, PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA:

 

No dia 30 de julho de 2020, o Conselho Nacional de Justiça, por apertada maioria, aprovou, em plenário virtual, a Resolução CNJ nº. 329/2020, regulamentando e estabelecendo critérios para a realização de audiências e outros atos processuais por videoconferência, em processos penais e de execução penal, durante o estado de calamidade pública, reconhecido pelo Decreto Federal nº 06/2020, em razão da pandemia mundial causada pelo COVID-19.

Nesse diapasão, o art. 19 do referido ato normativo estabeleceu que:

Art. 19. É vedada a realização por videoconferência das audiências de custódia previstas nos artigos 287 e 310, ambos do Código de Processo Penal, e na Resolução CNJ nº 213/2015.

Entretanto, razões pragmáticas tornam imperiosa a alteração do dispositivo, inclusive a duração prolongada e indefinida da pandemia.

Ab initio, cumpre fazer um breve escorço histórico das audiências de custódia, ou de apresentação, no Brasil. A Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), que ficou conhecida como "Pacto de San Jose da Costa Rica", promulgada no Brasil pelo Decreto 678/92, prevê em seu art. 7.5[1] que toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz. No mesmo sentido, é o disposto no art. 9.3[2] do Pacto dos Direitos Civis e Políticos, promulgado através Decreto nº 592/92. Há, ainda, previsão similar no art. 5.3[3] da Convenção Europeia de Direitos Humanos (CEDH). 

No julgamento da ADI 5240/SP, realizado em 20/08/15, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a legitimidade das audiências de custódia, validando o Provimento Conjunto nº 03/2015[4], que havia instituído as audiências de custódia no âmbito do TJSP. No referido acórdão, de minha relatoria, foi assentado que o Provimento não inovou na ordem jurídica, apenas explicitou conteúdo normativo já existente em diversas normas da CADH. Frisou-se que os tratados internacionais de direitos humanos de que o Brasil foi signatário são incorporados em nosso ordenamento jurídico com status de norma jurídica supralegal[5], razão pela qual há de se reconhecer que a CADH é norma hierarquicamente superior a qualquer lei ordinária, como é o caso do Código de Processo Penal, submetendo-se tão somente às normas constitucionais. Assim, indicou-se a adoção da referida prática da audiência de apresentação para todos os tribunais do país.

Logo em seguida, no julgamento da ADPF 347 MC/DF realizado em 09/09/2015, o plenário da Suprema Corte apreciou o pedido de liminar, não só reiterando a aplicabilidade imediata dos arts. 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, como determinando a todos os juízes e tribunais que passassem a realizar audiências de custódia, no prazo máximo de 90 dias, de modo a viabilizar o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária em até 24 horas contadas do momento da prisão[6]. Como resultado, os Estados que ainda não haviam implementado a audiência de custódia o fizeram incentivados pelo Conselho Nacional de Justiça[7], que publicou a Resolução CNJ 213/2015, regulamentando a apresentação de toda pessoa presa à autoridade judicial no prazo de 24 horas, in verbis:

RESOLUÇÃO 213, DE 15 DE DEZEMBRO DE 2015

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), no uso de suas atribuições legais e regimentais;

CONSIDERANDO o art. 9º, item 3, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas, bem como o art. 7º, item 5, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica);

CONSIDERANDO a decisão nos autos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 347 do Supremo Tribunal Federal, consignando a obrigatoriedade da apresentação da pessoa presa à autoridade judicial competente;

CONSIDERANDO o que dispõe a letra "a" do inciso I do art. 96 da Constituição Federal, que defere aos tribunais a possibilidade de tratarem da competência e do funcionamento dos seus serviços e órgãos jurisdicionais e administrativos;

CONSIDERANDO a decisão prolatada na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5240 do Supremo Tribunal Federal, declarando a constitucionalidade da disciplina pelos Tribunais da apresentação da pessoa presa à autoridade judicial competente;

...

Art. 1º Determinar que toda pessoa presa em flagrante delito, independentemente da motivação ou natureza do ato, seja obrigatoriamente apresentada, em até 24 horas da comunicação do flagrante, à autoridade judicial competente, e ouvida sobre as circunstâncias em que se realizou sua prisão ou apreensão.

...

Art. 13. A apresentação à autoridade judicial no prazo de 24 horas também será assegurada às pessoas presas em decorrência de cumprimento de mandados de prisão cautelar ou definitiva, aplicando-se, no que couber, os procedimentos previstos nesta Resolução.

 Mais recentemente, o Código de Processo Penal, por meio das alterações realizadas pela Lei nº. 13.964/19, passou a albergar expressamente a audiência de apresentação, nos seguintes termos:

Art. 287. Se a infração for inafiançável, a falta de exibição do mandado não obstará a prisão, e o preso, em tal caso, será imediatamente apresentado ao juiz que tiver expedido o mandado, para a realização de audiência de custódia.         (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019) 

...

Art. 310. Após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo máximo de até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, o juiz deverá promover audiência de custódia com a presença do acusado, seu advogado constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro do Ministério Público, e, nessa audiência, o juiz deverá, fundamentadamente:       (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019) 

I - relaxar a prisão ilegal; ou           (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011). 

II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou              (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011). 

III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.              (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011). 

...

§ 3º A autoridade que deu causa, sem motivação idônea, à não realização da audiência de custódia no prazo estabelecido no caput deste artigo responderá administrativa, civil e penalmente pela omissão.   (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) 

Imperioso destacar que as referidas audiências devem ser realizadas não só nos casos de prisão em flagrante, mas, também, quando ocorrer o cumprimento de mandados de prisão preventiva ou temporária, nos termos do art. 287 do CPP e do art. 13 da Resolução CNJ 213/2015.

Feito este breve introito, passa-se a examinar a vexata quaestio, isto é, a possibilidade, ainda que de forma excepcional, de realização da audiência de apresentação por meio de videoconferência durante a pandemia causada pelo COVID-19.

No ponto, saliente-se que o pragmatismo deve ser reconhecido como paradigma jurisdicional contemporâneo, alicerçando-se em três pilares: o antifundacionalismo, o contextualismo e o consequencialismo.

Com efeito, esta compreensão foi positivada no art. 20 (e seguintes) da LINDB, na redação dada pela Lei nº. 13.655/2018, e no art. 2º (e seguintes) de seu Regulamento (Decreto nº 9.830/2019):

Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.                    (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018) 

 

Art. 2º A decisão será motivada com a contextualização dos fatos, quando cabível, e com a indicação dos fundamentos de mérito e jurídicos.

O Direito é, por essência, multidisciplinar, não sendo um fim em si mesmo, mas um processo dinâmico com finalidades sociais. Nesse sentido, os juízes devem maximizar a normatividade do ordenamento jurídico e promover o bem-estar social. A Constituição é um documento vivo, em constante processo de significação e de ressignificação, cujo conteúdo se concretiza a partir das valorações atribuídas pela realidade fática a que ela pretende ser responsiva. Por sua vez, tais valorações são mutáveis, consoante as circunstâncias políticas, sociais e econômicas, o que repercute diretamente no modo como o juiz traduz os conflitos do plano prático para o plano jurídico, e vice-versa.

Dentro do marco do consequencialismo, a decisão mais adequada é aquela que, dentro dos limites semânticos da norma, promova os corretos e necessários incentivos ao aperfeiçoamento das instituições democráticas, e que se importe com a repercussão dos impactos da decisão judicial no mundo social.

Esse é, também, o escólio de Richard Posner, que ressalta o dever dos magistrados de examinar as consequências imediatas e sistêmicas que o seu pronunciamento produzirá na realidade social (POSNER, Richard. Law, Pragmatism and Democracy. Cambridge: Harvard University Press, 2003, p. 60-64).  

Nesse diapasão, o CPC/15, em seu art. 8º, consagra como norma fundamental do processo que “Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência”.

Ora, o ano de 2020 certamente será histórico pela pandemia[8] que consterna o mundo[9], no entanto, também, será um marco na transformação tecnológica da Justiça. Nesse sentido, as Resoluções nº 313[10], de 19/03/2020, e nº 314[11] do CNJ, de 20/04/2020, editadas em razão da crise, apontaram que a atividade jurisdicional tem natureza essencial e deve ser prestada de forma ininterrupta, sendo imperioso assegurar condições mínimas para sua continuidade durante a pandemia ao mesmo tempo em que se preserva a saúde de magistrados, agentes públicos, partes, advogados e usuários em geral. Assim, foi disponibilizada a todos os juízos e tribunais uma plataforma para realização de atos virtuais por meio de videoconferência[12], nos termos da Portaria CNJ nº 61[13], de 31/03/2020.

A revolução tecnológica, a exemplo das audiências virtuais, está permitindo a manutenção da atividade jurisdicional, e, até mesmo, o seu aperfeiçoamento, ao possibilitar que ela seja mais efetiva e ocorra em tempo razoável. Essa é uma inarredável tendência contemporânea, consubstanciando a promoção do acesso à Justiça Digital um dos eixos desta nossa gestão. Registre-se, nesse escopo, a Resolução CNJ 345, de 09/10/2020, que cria o “Juízo 100% Digital”, e a Resolução CNJ 341, de 07/10/2020, que determina aos tribunais brasileiros a disponibilização de salas para depoimentos em audiências por sistema de videoconferência.

Aliás, o próprio Conselho Nacional de Justiça havia publicado, em 8/10/2019, a Recomendação CNJ nº 55/2019, orientando os Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais Federais a promoverem investimentos voltados à plena adoção do sistema de videoconferência em atos processuais das ações penais, na forma da lei, inclusive durante sessões do Tribunal do Júri.

Entretanto, a Recomendação CNJ 62/2020, de 17/03/2020, permitiu a não realização das audiências de custódia durante a pandemia, nos seguintes termos:

Art. 8o Recomendar aos Tribunais e aos magistrados, em caráter excepcional e exclusivamente durante o período de restrição sanitária, como forma de reduzir os riscos epidemiológicos e em observância ao contexto local de disseminação do vírus, considerar a pandemia de Covid-19 como motivação idônea, na forma prevista pelo art. 310, parágrafos 3o e 4o, do Código de Processo Penal, para a não realização de audiências de custódia.

§ 1º Nos casos previstos no caput, recomenda-se que:

I – o controle da prisão seja realizado por meio da análise do auto de prisão em flagrante, proferindo-se decisão para:

a) relaxar a prisão ilegal;

b) conceder liberdade provisória, com ou sem fiança, considerando como fundamento extrínseco, inclusive, a necessidade de controle dos fatores de propagação da pandemia e proteção à saúde de pessoas que integrem o grupo de risco; ou

c) excepcionalmente, converter a prisão em flagrante em preventiva, em se tratando de crime cometido com o emprego de violência ou grave ameaça contra a pessoa, desde que presentes, no caso concreto, os requisitos constantes do art. 312 do Código de Processo Penal e que as circunstâncias do fato indiquem a inadequação ou insuficiência das medidas cautelares diversas da prisão, observado o protocolo das autoridades sanitárias.

II – o exame de corpo de delito seja realizado na data da prisão pelos profissionais de saúde no local em que a pessoa presa estiver, complementado por registro fotográfico do rosto e corpo inteiro, a fim de documentar eventuais indícios de tortura ou maus tratos.

§ 2º Nos casos em que o magistrado, após análise do auto de prisão em flagrante e do exame de corpo de delito, vislumbrar indícios de ocorrência de tortura ou maus tratos ou entender necessário entrevistar a pessoa presa, poderá fazê-lo, excepcionalmente, por meios telemáticos.

Ora, aceitar a não realização da audiência de custódia, em detrimento da sua consecução por videoconferência, consubstancia verdadeiro retrocesso, retomando-se a dinâmica processual que vigorava até 2015, em descumprimento ao art. 7.5 da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) e do art. 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos, e que só foi superada no âmbito nacional após o julgamento da ADI 5240/SP e da ADPF 347 MC/DF.

Curiosamente, contudo, o art. 8º, §2º da própria Recomendação CNJ 62/2020 admite a entrevista, por meios telemáticos, da pessoa presa quando houver indícios de tortura ou maus tratos. Ora, por que não se realizar a audiência de custódia por videoconferência?

A Recomendação supracitada foi alterada pela Recomendação CNJ 68/2020, de 17/06/2020, remanescendo a possibilidade de suspensão das audiências de custódia, por período que já supera 8 meses;

Art. 8-A. Na hipótese de o Tribunal optar pela suspensão excepcional e temporária das audiências de custódia, nos termos do artigo anterior, deverá adotar o procedimento previsto na presente Recomendação. (Incluído pela Recomendação nº 68, de 17.6.2020)

Como bem salientou o Conselheiro Luiz Fernando Tomasi Keppen durante o julgamento que aprovou a Resolução CNJ 329/2020:

Evidentemente que, em sua proposição ideal e em conformação ótima, o melhor seria a realização do ato sempre mediante a presença física do magistrado.  

Contudo, em estado de pandemia, em que, por duas Resoluções (313 e 314), o eg. CNJ orientou os órgãos jurisdicionais a praticarem o distanciamento social, recomendando aos magistrados e servidores, inclusive, o trabalho remoto a partir de suas residências, o que se tem no momento, é uma verdadeira “escolha de Sofia”, conformada na seguinte antinomia deliberativa: ou se realiza a audiência por meio da videoconferência, ou não se realiza audiência nenhuma.  

Entretanto, parece-me, que estaríamos, na verdade, diante de um falso dilema, pois não se pode compreender como a proposta de, pura e simplesmente, não realizar a audiência de custódia - com o único propósito de resguardar principiologicamente o purismo da proposta originária (audiência sempre com a presença física do juiz) - possa significar uma solução mais protetiva dos interesses do enclausurado, em tempo de pandemia.  

... 

Na hipótese, entre o tudo da solução ótima (audiência presencial) e o nada da inexistência de audiência, parece logicamente impossível negar que existe a solução prudente e intermediária, totalmente factível e recomendável, da audiência por videoconferência.  

À luz dessas premissas, imperioso reconhecer a possibilidade de se realizar as audiências de custódia por videoconferência, ainda que de forma excepcional, como forma de se possibilitar que essa seja efetivamente realizada no prazo de 24 horas, insculpido no CPP e na Resolução CNJ 213/2015.

Essa também foi a posição esposada pela Ministra do STF Carmen Lucia no julgamento do HC 184.215/GO, em 21 de maio de 2020, nos seguintes termos:

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. ROUBO MAJORADO. IMPETRAÇÃO CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. REITERAÇÃO DELITIVA. NÃO REALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA. EFEITOS. PRECEDENTES. SUSPENSÃO DE ATOS PRESENCIAIS. RESOLUÇÕES N. 313, 314 E 318 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. AUSÊNCIA DE TERATOLOGIA. HABEAS CORPUS AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO.

Na mesma linha, o Tribunal de Justiça de Goiás informa em seu sítio oficial que “já estava suspensa a realização de audiência de custódia presencialmente, mas mesmo por videoconferência, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio da resolução 313, de 19/3/20, estabeleceu exigências e restrições que não são possíveis de atender neste momento. Agora, os comunicados de prisão em flagrante serão encaminhados ao juízo criminal competente para decisão”. (https://www.tjgo.jus.br/index.php/institucional/centro-de-comunicacaosocial/17-tribunal/19443-tjgo-suspende-realizacao-de-audiencia-decustodia-mesmo-por-videoconferencia).

14. Assim, não se mostra possível acolher-se a pretensão de soltura ou de substituição da prisão preventiva por uma das medidas cautelares previstas no art. 319 do Código de Processo Penal, tampouco determinar-se a realização da audiência de custódia no prazo de vinte e quatro horas. ...

17. Pelo exposto, nego seguimento ao presente habeas corpus (§ 1º do art. 21 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal).

Comunique-se os termos desta decisão ao Presidente do Tribunal de Justiça de Goiás, a fim de que adote as providências necessárias à retomada das audiências de custódia, ainda que por videoconferência, pois tanto foi o decidido pelo Conselho Nacional de Justiça, não se podendo afastar a realização daquele ato pela ausência das medidas devidas pelo órgão judicial estadual.

(HC 184.815/GO – RELATORA MIN. CÁRMEN LÚCIA – 21/05/2020)

Noutra perspectiva, o Brasil é um país continental. A título de exemplo, o estado do Amazonas tem uma extensão territorial de 1.559.161,682 quilômetros quadrados, equivalendo ao território de quatro dos maiores países europeus somados: França, Espanha, Suécia e Grécia[14]. Se fosse considerado um país, o Amazonas seria um dos vinte maiores países do mundo[15]. Até mesmo os nossos menores Estados são maiores que alguns países.

Assim, ainda que se atribua eventual superioridade ao contato presencial, inegável que o contato virtual permite maior agilidade na realização da audiência de custódia, não se justificando que a audiência deixe de ser realizada em 24 horas para que ocorra com a presença física de todos em uma mesma sala.

Essa é também a posição de parte da doutrina:

Entre a não realização da audiência de custódia, por absoluta falta de meios, e a sua excepcional implantação por meio de videoconferência ou recurso similar, esta solução se apresenta muito mais benéfica aos direitos fundamentais, do que a manutenção desse estado contínuo de inconstitucionalidade progressiva hoje verificada, com a implantação efetiva das audiências de custódia ou de apresentação apenas nas Regiões Metropolitanas das Capitais e das grandes cidades, propiciando uma situação fática onde os indivíduos presos nas pequenas cidades do interior sejam afrontados em sua dignidade, ao serem tratados como “cidadãos de segunda categoria”. (OLIVEIRA, Gisele Souza de; JUNIOR, Samuel Meira Brasil; SOUZA, Sergio Ricardo de; SILVA, Willian. Audiência de Custódia: Dignidade Humana, Controle de Convencionalidade, Prisão Cautelar e outras alternativas. 4 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019.) 

Com efeito, dependendo da localidade em que ocorreu a prisão, demanda-se o transcurso de inúmeras horas apenas para transportar um preso até o Juízo competente, sem falar no dispêndio temporal necessário para a própria organização de operação desta monta, o que pode levar a extrapolação do prazo legal ou a sua não-realização, em especial em tempos de pandemia. Cumpre observar que a própria realização da audiência também exige todo um aparato de segurança, com o intuito de evitar fugas e resgates.

Na grande maioria das delegacias do País, como naquelas situadas em pequenas comarcas, sequer há um fluxo constante de presos, e o transporte e escolta de um custodiado pode demandar mais que o efetivo diário da unidade, prejudicando a atividade policial. Raciocínio análogo se aplica às unidades penitenciárias. Considerando o número diário de audiências, em cada Estado, forçoso admitir que há uma enorme perda de efetivo policial e penitenciário por dia em razão das prisões e audiências.

Lamentavelmente, a realidade revela, ainda, que a precariedade dos meios de locomoção e de infraestrutura, bem como a escassez de recursos humanos e financeiros em diversos órgãos do sistema de justiça e segurança, potencializam ainda mais as dificuldades apontadas.

Corroborando esse ponto, também não se pode ignorar que os custos ensejados pelo transporte e segurança de um único preso para realização de audiência presencial podem ser altíssimos, além da complexidade envolvida especialmente em tempos de pandemia, o que torna patente a superação dos supostos benefícios trazidos pela presença física. Vale dizer, visão e audição, que são os sentidos corporais utilizados no ato processual, não são substancialmente prejudicados em uma videoconferência.

Em tempos de pandemia e transformação tecnológica, não se pode tratar a apresentação física como um dogma e impossibilidades fáticas como meros detalhes, sob pena de o Direito de se tornar uma utopia e perder sua conexão com a sociedade, fim último de sua existência.

Aliás, a jurisprudência do STJ tem reconhecido a legitimidade do uso da videoconferência para evitar delongas na prestação jurisdicional, à luz dos problemas enfrentados pelo Poder Executivo na remoção e apresentação dos presos em juízo, além de apontar que é medida que contribui para a desburocratização, agilização e economia da Justiça:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO TENTADO. LESÃO CORPORAL CULPOSA. NULIDADE. DECISÃO QUE DESIGNOU O INTERROGATÓRIO DO RECORRENTE VIA VIDEOCONFERÊNCIA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. EFETIVO PREJUÍZO NÃO VISUALIZADO. AGRAVO IMPROVIDO.

1. Esta Corte Superior de Justiça possui assente jurisprudência no sentido de que, em obediência ao principio pas de nullité sans grief, que vigora plenamente no processo penal pátrio (art. 563 do Código de Processo Penal - CPP), não se declara nulidade de ato se dele não resulta demonstrado efetivo prejuízo para a parte.

2. O Magistrado de primeiro grau, em obediência ao disposto no § 2º do art. 185 da Lei n. 11.900/2009, apresentou fundamentação apta a justificar a necessidade da adoção do interrogatório do recorrente pelo sistema de videoconferência, notadamente para se evitar a delonga na prestação jurisdicional, considerando sobretudo os problemas constantes na escolta de réu preso. Precedentes desta Corte.

3. Não se verifica, na hipótese dos autos, a alegada nulidade, tendo em vista que o recorrente não logrou êxito em demonstrar efetivo prejuízo à sua defesa com a realização do interrogatório pelo sistema de videoconferência, tendo em vista que foi devidamente assistido por defensor público durante o referido interrogatório e, inclusive, nos atos processuais subsequentes, não se evidenciando, por conseguinte, prejuízo efetivo para a defesa.

4. Agravo regimental improvido.

(AGRRHC 110019 – Relator REYNALDO SOARES DA FONSECA - STJ - QUINTA TURMA – Data 21/05/2019 - Data da publicação 03/06/2019)

 

PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. FURTO QUALIFICADO E ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. INTERROGATÓRIO REALIZADO POR VIDEOCONFERÊNCIA. MOTIVAÇÃO IDÔNEA E AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. NULIDADE AFASTADA.

1. "A realização de interrogatório por meio de videoconferência é medida que objetiva a desburocratização, agilização e economia da justiça, podendo ser determinada excepcionalmente nas hipóteses previstas no rol elencado no §2º do art. 185 do Código de Processo Penal" (RHC 80.358/RJ, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 14/03/2017, DJe 22/03/2017)

2. "A dificuldade enfrentada pelo Poder Executivo na remoção e apresentação dos presos em juízo constitui motivação suficiente e idônea para realização da audiência una de instrução por meio do sistema de videoconferência." (RHC 83.006/AL, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 18/05/2017, DJe 26/05/2017)

3. Por outro lado, conforme comando do art. 563 do CPP, nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não result ar prejuízo para a acusação ou para a defesa, e, no caso, não se apontou o prejuízo supostamente sofrido pelo acusado.

4. Recurso ordinário em habeas corpus improvido.

(RHC 96881- Relator REYNALDO SOARES DA FONSECA - STJ - QUINTA TURMA – Data 05/06/2018 - Data da publicação15/06/2018)

 

PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. ESTABELECIMENTO PRISIONAL. TRANSFERÊNCIA. NECESSIDADE DA INSTRUÇÃO CRIMINAL NÃO DEMONSTRADA. ISONOMIA COM OUTROS PRESOS QUE PARTICIPARÃO DA AUDIÊNCIA POR VIDEOCONFERÊNCIA. RECURSO EM HABEAS CORPUS PROVIDO.

1. A transferência para distante localidade, com afastamento do preso de sua família, exige especial motivação.

2. Tendo o magistrado definido que os acusados presos acompanharão as audiências de inquirição das testemunhas pelo sistema de videoconferência, torna-se ainda mais evidente que menos oneroso - ao Estado e ao paciente - será que também ele participe do ato por videoconferência no Recife, onde se encontra preso.

3. Recurso em habeas corpus provido para tornar sem efeito a ordem de transferência do paciente, que como os demais presos do feito deverá participar das audiências por videoconferência (de Recife), o que não impede nova e justificada decisão a respeito durante o processo.

(RHC 93825 – Relator NEFI CORDEIRO - STJ - SEXTA TURMA – Data 17/04/2018 - Data da publicação 27/04/2018)

 

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. INTERROGATÓRIO POR VIDEOCONFERÊNCIA POSTERIOR À LEI N. 11.900/2009. HISTÓRICO DE AGRESSÕES DE PARENTES DA VÍTIMA AO RÉU. CARÊNCIA DE AGENTES DE SEGURANÇA E DE POLICIAMENTO NO PRÉDIO DO FÓRUM. OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DA CELERIDADE PROCESSUAL. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. ALEGAÇÃO DE NULIDADE. INOCORRÊNCIA. OPORTUNIDADE DE ENTREVISTA RESERVADA ENTRE DEFESA E ACUSADO. TRANSMISSÃO SIMULTÂNEA DE IMAGEM DE PARTE A PARTE. NÃO DEMONSTRAÇÃO DE EFETIVO PREJUÍZO. WRIT NÃO CONHECIDO.

1. ...

 3. O atendimento a princípio da celeridade processual associado aos problemas de escolta são fundamentos idôneos para justificar a realização de audiência de instrução por videoconferência, dada a dificuldade de comparecimento do preso em Juízo, ainda que por problemas estruturais do Poder Executivo. Precedentes.

4. Esta Corte Superior de Justiça possui entendimento firmado no sentido de que, em obediência ao princípio pas de nullité sans grief, que vigora plenamente no processo penal pátrio (art. 563 do Código de Processo Penal - CPP), não se declara nulidade de ato se dele não resulta demonstrado efetivo prejuízo para a parte. No caso concreto, do teor da decisão do Juízo de primeiro grau, extrai-se que a Magistrada envidou todos os esforços no sentido de propiciar, mediante a videoconferência, entrevista reservada entre defesa e acusado, bem como de transmissão simultânea de imagem de parte a parte, de modo que não se identifica, na espécie, a demonstração de prejuízo indispensável ao reconhecimento de nulidade. Habeas corpus substitutivo não conhecido.

(HC 439740 – Relator JOEL ILAN PACIORNIK - STJ - QUINTA TURMA – Data 05/04/2018 - Data da publicação 18/04/2018)

 

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO. PLENÁRIO DO JÚRI. INTERROGATÓRIO REALIZADO POR MEIO DE VIDEOCONFERÊNCIA. MEDIDA ADEQUADAMENTE FUNDAMENTADA. OFENSA AO PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL E SEUS CONSECTÁRIOS. NÃO OCORRÊNCIA. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. RECURSO ORDINÁRIO NÃO PROVIDO. 

1. O art. 185, §2º, II, do Código de Processo Penal estabelece a possibilidade, por meio de decisão fundamentada, da realização do interrogatório do réu preso, por sistema de videoconferência, com a finalidade de viabilizar a sua participação no referido ato processual. 

2. A periculosidade do réu, somada à dificuldade enfrentada na remoção e apresentação dos presos em juízo, constitui motivação suficiente e idônea para realização do interrogatório do réu, no plenário Júri, por meio do sistema de videoconferência, assegurado o exercício da ampla defesa através de entrevista prévia com o seu defensor. 

3. O reconhecimento de nulidades no curso do processo penal reclama a efetiva demonstração do prejuízo à parte, sem a qual prevalecerá o princípio da instrumentalidade das formas positivado pelo art. 563 do CPP (pas de nullité sans grief). 

4.Recurso ordinário não provido. 

(RHC 83.318/RJ, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 27/06/2017, DJe 01/08/2017). 

Há de se registrar que na realização da audiência de custódia deve haver a participação do preso, do juiz, do membro do MP e da defesa, com prévia entrevista pessoal e reservada do preso com seu advogado ou Defensor Público.

Nesse sentido, muitas vezes o preso não pode contar com o advogado de sua confiança, sendo forçadamente assistido pela Defensoria Pública, em razão da inviabilidade de deslocamento físico daquele em tempo hábil para o local em que a audiência de custódia está se realizando, o que poderia ser superado com a admissão da realização, ainda que de maneira excepcional, da videoconferência.

De fato, as audiências virtuais podem libertar os advogados de amarras geográficas, permitindo que possam ser contratados por clientes de cidades distantes e até mesmo de outros estados, sem que isso importe em dispêndio temporal desarrazoado ou em um aumento significativo de custos. Como se não bastasse, permitem que os causídicos participem de múltiplas audiências em um mesmo dia, ainda que ocorram em comarcas distintas e distantes entre si.

No PL 6620/2016, que tramita na Câmara dos Deputados apensado ao PL-8045/2010 e que teve origem no PLS 554/2011, aprovado pelo Plenário do Senado, já há previsão autorizando a realização excepcional de audiências de custódia por videoconferência:

“Art. 306. A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente pela autoridade policial responsável pela lavratura do auto de prisão em flagrante ao juiz competente, ao Ministério Público, à Defensoria Pública, quando o autuado não indicar advogado, e à família do preso ou à pessoa por ele indicada.

...

§ 11. Excepcionalmente, por decisão fundamentada do juiz competente e ante a impossibilidade de apresentação pessoal do preso, a audiência de custódia poderá ser realizada por meio de sistema de videoconferência ou de outro recurso tecnológico de transmissão de som e imagem em tempo real, respeitado o prazo estipulado no § 10.

...”

A 1ª Jornada de Direito e Processo Penal, realizada pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal (CEJ/CJF), de 10 a 14 de agosto de 2020, sob a presidência da Ministra do STJ e atual Corregedora Nacional de Justiça Maria Thereza de Assis Moura, também já aprovou enunciado nesse sentido:

Enunciado 30 - Excepcionalmente e de forma fundamentada, nos casos em que se faça inviável a realização presencial do ato, é possível a realização de audiência de custódia por sistema de videoconferência.

Primordial destacar que o uso sistema de videoconferência ou de outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real não é, nem de longe, novidade no processo penal brasileiro. O artigo 185 do CPP, ao disciplinar o interrogatório do acusado, estipula que este deve ocorrer em sala do próprio presídio, como regra (caput[16]). Se assim não ocorrer, preconiza o §2º[17] do dispositivo que o interrogatório do réu preso seja realizado por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que presentes uma das finalidades ali insculpidas. Apenas se o interrogatório não ocorrer sob uma dessas duas modalidades, é que deverá ser requisitada a apresentação do réu preso em juízo, nos termos do §7º[18] do mesmo artigo. No dia-a-dia forense, contudo, esta última modalidade impera, quase que de forma absoluta, embora em descompasso com a ordem de preferência legalmente estabelecida.

Nesse passo, o art. 6º e 7º[19] da Resolução CNJ nº 105[20], de 06/04/2010, já dispunha que mesmo na hipótese em que o acusado, estando solto, quiser prestar o interrogatório, mas haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstância pessoal, o ato deverá, se possível, para fins de preservação da identidade física do juiz, ser realizado pelo sistema de videoconferência, sendo prestado na audiência una realizada no juízo deprecante.

Ora, não se mostra razoável admitir a realização de audiência de instrução criminal por videoconferência, oitiva de testemunhas e até interrogatório do réu, isto é, a própria produção de prova, com prolação de sentença condenatória e imposição de pena privativa de liberdade, e não se tolerar a realização de audiência de custódia por idêntico sistema, nem mesmo em tempos de pandemia.

Em outro giro, as audiências de custódia também devem ser realizadas nas prisões cautelares, nos termos do art. 287 do CPP, na redação dada pela Lei nº 13.964/2019, e do art. 8º, §13, da Resolução CNJ nº 213/2015. Cumpre trazê-los novamente à baila:

Art. 287. Se a infração for inafiançável, a falta de exibição do mandado não obstará a prisão, e o preso, em tal caso, será imediatamente apresentado ao juiz que tiver expedido o mandado, para a realização de audiência de custódia.         (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019) 

 

Art. 13. A apresentação à autoridade judicial no prazo de 24 horas também será assegurada às pessoas presas em decorrência de cumprimento de mandados de prisão cautelar ou definitiva, aplicando-se, no que couber, os procedimentos previstos nesta Resolução.

Parágrafo único. Todos os mandados de prisão deverão conter, expressamente, a determinação para que, no momento de seu cumprimento, a pessoa presa seja imediatamente apresentada à autoridade judicial que determinou a expedição da ordem de custódia ou, nos casos em que forem cumpridos fora da jurisdição do juiz processante, à autoridade judicial competente, conforme lei de organização judiciária local.

A hipótese insculpida no parágrafo único do art. 13 tem ensejado certa celeuma, já tendo dado azo, inclusive, a conflito de competência que foi dirimido pelo STJ:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PROCESSUAL PENAL. MANDADO DE PRISÃO PREVENTIVA. CUMPRIMENTO EM UNIDADE JURISDICIONAL DIVERSA. AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA. REALIZAÇÃO. COMPETÊNCIA. JUÍZO DA LOCALIDADE EM QUE EFETIVADA A PRISÃO. REALIZAÇÃO POR MEIO DE VIDEOCONFERÊNCIA PELO JUÍZO ORDENADOR DA PRISÃO. DESCABIMENTO. PREVISÃO LEGAL. INEXISTÊNCIA. CONFLITO CONHECIDO PARA DECLARAR COMPETENTE O JUÍZO SUSCITANTE.

1. A audiência de custódia, no caso de mandado de prisão preventiva cumprido fora do âmbito territorial da jurisdição do Juízo que a determinou, deve ser efetivada por meio da condução do preso à autoridade judicial competente na localidade em que ocorreu a prisão. Não se admite, por ausência de previsão legal, a sua realização por meio de videoconferência, ainda que pelo Juízo que decretou a custódia cautelar.

2. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da Vara da Seção Judiciária do Paraná, o Suscitante.

(CC 168.522/PR, Rel. Ministra LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 11/12/2019, DJe 17/12/2019)

Imperioso reconhecer que a realização de audiência de custódia por juízo diverso daquele que decretou a prisão cautelar esvazia sobremaneira a efetividade do instituto. Além de ser fundamental para inibir e, sobretudo, coibir práticas de tortura e maus tratos, a audiência de apresentação do preso também se destina à análise da necessidade de manutenção da segregação cautelar, com possível substituição da prisão por medidas diversas ou concessão da liberdade. Forçoso reconhecer que é de bom alvitre, eventualmente no interesse da própria defesa, que, em tais casos, a realização da audiência de custódia possa se dar pelo próprio juízo que decretou a prisão cautelar, ainda que por videoconferência.

Prestigia-se, nesse diapasão, a identidade física do juiz, consagrada no processo penal pátrio desde a reforma instituída pela Lei 11.719/2008, e que hoje se agrega ao princípio do juiz natural. Nesse sentido, é a jurisprudência do STJ:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. DIREITO DOS RÉUS ACOMPANHAREM, POR VIDEOCONFERÊNCIA, AUDIÊNCIA DE OITIVA DE TESTEMUNHAS REALIZADA PRESENCIALMENTE PERANTE O JUÍZO NATURAL DA CAUSA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO JURÍDICA. RECURSO DESPROVIDO.

1. A utilização da videoconferência prestigia o princípio da identidade física do juiz (art. 399, § 2º, do CPP) e atende a recomendações tanto do Conselho Nacional de Justiça (Plano de Gestão para o funcionamento de Varas Criminais e de Execução Penal – item 3.8.3.2.1.3.2 e Resolução n. 105/2010) quanto do Conselho da Justiça Federal (Provimento n. 13, de 15/03/2013) que tem por escopo facilitar e agilizar o funcionamento da justiça, em busca de uma prestação jurisdicional mais célere e efetiva, em consonância com a garantia da razoável duração do processo inscrita no inc. LVIII do art. 5º da CF/88.

2. Não há direito subjetivo dos recorrentes em acompanharem por sistema de videoconferência audiência de inquirição de testemunhas realizada presencialmente perante o Juízo natural da causa, por ausência de previsão legal (artigos 185, §§§ 2º, 8º e 9º, 222, §3º, do CPP), regulamentar (Resolução n. 105/2010 do CNJ e Provimento n. 13/2013 do CJF) e principiológica (identidade física do juiz e duração razoável do processo).

3. Recurso Ordinário em habeas corpus a que se nega provimento.

(RHC 77580 / RN – Relator Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA - QUINTA TURMA - Data do Julgamento 02/02/2017 - Data da Publicação/Fonte DJe 10/02/2017)

Vale salientar, ainda, que Resolução CNJ nº 254, de 04/09/2018, alterou a Resolução CNJ nº 213, de 15/12/2015, prevendo a possibilidade de a vítima de violência doméstica e familiar contra a mulher estar presente na audiência de custódia, o que também pode ser facilitado pela admissão excepcional da videoconferência:

Art. 8º Na audiência de custódia, a autoridade judicial entrevistará a pessoa presa em flagrante, devendo:

...

 § 6º Na hipótese do § 5º, a autoridade policial será cientificada e se a vítima de violência doméstica e familiar contra a mulher não estiver presente na audiência, deverá, antes da expedição do alvará de soltura, ser notificada da decisão, sem prejuízo da intimação do seu advogado ou do seu defensor público. (Incluído pela Resolução nº 254, de 4.9.18)

Retomando os alicerces pragmáticos, a exigência da presença física, vista como dogma mesmo no contexto pandêmico, vem ensejando, como consequência, mais do que a já maléfica extrapolação dos prazos, a fatídica não realização das audiências de custodia, prejudicando àqueles a quem queríamos proteger, os presos.

Crucial reconhecermos que a dilação do prazo para realização da apresentação de um custodiado não atende aos interesses deste, que remanescerá mais tempo sofrendo os males do cárcere, quiçá quando a audiência simplesmente não se realiza, impedindo que seja ouvido, ainda que por videoconferência, pelo juiz que poderá lhe conceder a desejada liberdade ou substituir a prisão por medidas cautelares diversas, bem como tomar providências contra eventual tortura, abuso ou maus tratos.

Não se desconhece o teor da Nota Técnica CNJ 0004468-46.2014.2.00.0000, relatada pelo conselheiro Márcio Schiefler e aprovada na 42ª Sessão Virtual, na qual se apontou que a eficácia das audiências de custódia pode ser comprometida se o prazo para apresentação do preso perante a autoridade judicial for ampliado para 72 horas e se o uso de videoconferências for autorizado, mas há de se reconhecer que a não realização da audiência de custódia é ainda mais gravosa para o preso e tem sido essa a consequência imediata da proibição de sua realização por videoconferência no contexto pandêmico.

Aliás, o próprio Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do CNJ, em 26/07/2018, sob a coordenação da Juíza Auxiliar Maria de Fátima Alves da Silva, havia se manifestado favoravelmente ao substitutivo do PLS 554/2011, aprovado pelo Senado Federal e encaminhado à Câmara dos Deputados:

“De fato, a possibilidade de realização da audiência de custódia por meio de videoconferência demanda interpretação integrada e visão da prática, especialmente no que concerne à realidade dos estados maiores e a logística para deslocamentos dos presos, sobretudo os de alta periculosidade. ...

Deveras, a utilização do sistema de videoconferência, observado o caráter excepcional (última ratio) e guardado o regramento do Código de Processo Penal e as diretrizes da Resolução CNJ 213/2015, revela-se eficaz para alcançar os objetivos propostos para a audiência de custódia, porquanto o preso em flagrante não será privado do contato com o juiz; a análise em questão não será meramente burocrática”.

Cabe registrar que o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária publicou a Resolução CNPC nº 03, de 05 de março de 2020[21], também de relatoria do Conselheiro Márcio Schiefler, recomendando o emprego de videoconferência nas audiências criminais em todos os foros e ramos Poder Judiciário:

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA CRIMINAL E PENITENCIÁRIA (CNPCP), no uso de suas atribuições legais (art. 64 da Lei 7.210, de 11 de julho de 1984 - Lei de Execução Penal) e regimentais (arts. 1° e 20 do Regimento Interno do CNPCP), e:

...

CONSIDERANDO a jurisprudência do Conselho Nacional de Justiça, segundo a qual regras infralegais naturalmente não podem impedir a normatização da videoconferência, nem que os órgãos do Poder Judiciário decidam fundamentadamente, observada a distribuição de competências estabelecida pela Constituição da República (NTEC - Nota Técnica - 0004468-46.2014.2.00.0000 - Relator(a): Cons. Márcio Schiefler Fontes - 42ª Sessão - j. 15/02/2019);

CONSIDERANDO que o Plano Nacional de Política Criminal e Penitenciária, aprovado pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária na reunião de 7 de novembro de 2019, propõe "estabelecer como regra, deixando que as exceções sejam decididas pelo juiz da causa, que as audiências de presos recolhidos em estabelecimentos prisionais sejam preferencialmente por meio de videoconferência";

CONSIDERANDO que as audiências por videoconferência contribuem para oferecer maior segurança à população e aos agentes públicos durante a dilação probatória, por evitar o deslocamento dos presos, notadamente daqueles envolvidos em organizações criminosas (art. 1° da Lei 12.850, de 2 de agosto de 2013);

CONSIDERANDO a necessidade de o Poder Público implementar política de estímulo ao uso da videoconferência nos procedimentos criminais, com o objetivo de otimizar a aplicação dos recursos públicos com escolta e transporte de presos, além de suprimir possibilidades de fuga;

CONSIDERANDO que o Departamento Penitenciário Nacional tem proporcionado expressiva ampliação do uso, em audiências judiciais, de sistema de videoconferência no Sistema Penitenciário Federal, além de oferecer à Justiça dos Estados equipamentos e treinamento correspondente; , resolve:

Art. 1° Propor, como diretriz de política criminal, o emprego de videoconferência nas audiências criminais em todos os foros e ramos do Poder Judiciário.

Art. 2° Recomendar aos órgãos do Poder Judiciário que regulamentem e incentivem o uso de sistema de videoconferência em seus respectivos âmbitos de jurisdição.

Parágrafo único. Ao dar publicidade a esta Resolução, o CNPCP abrirá espaço aos Tribunais para compartilhamento de experiências.

Art. 3° Recomendar ao Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) que:

I - intensifique as iniciativas de difusão de equipamentos para uso de videoconferência em audiências judiciais;

II - avalie, também para fins de aplicação dos recursos da Fundo Penitenciário Nacional, a utilização dos sistemas de videoconferência.

Parágrafo único. O CNPCP apoiará a difusão das iniciativas do DEPEN que assegurem soluções adequadas de tecnologia da informação e comunicação, de forma a promover a melhoria contínua dos processos de trabalho e a otimizar a aplicação dos recursos públicos.

Art. 4° Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

Consigne-se, também, que a vedação aposta no artigo 19, que ora se pretende alterar, foi impugnada em uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI 6527) promovida pela Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB, já tendo a AGU se manifestado, inclusive, pela procedência do pedido.

Sepultando qualquer dúvida, gize-se que o uso da videoconferência e de outros recursos tecnológicos de transmissão de sons e imagens em tempo real é incentivado pela legislação brasileira. Há previsões expressas nesse sentido no âmbito do processo penal, a exemplo do art. 185, §2º; 217; e 222, §3º), bem como no processo civil, conforme arts. 385, §3º; 453, §1º; 461, §2º; e 937 §4º, todos do CPC.

Como se não bastasse, há cláusula geral insculpida no art. 236, §3º, também do CPC/15, devendo ser reconhecida a possibilidade de sua aplicação, de forma supletiva e subsidiária, não só a processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, conforme preconiza o art. 15 do mesmo diploma, mas também a processos criminais[22], por força do disposto no art. 3º do CPP. Cabe trazê-la à baila:  

 CPC

TÍTULO II
DA COMUNICAÇÃO DOS ATOS PROCESSUAIS

CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES GERAIS

 Art. 236. Os atos processuais serão cumpridos por ordem judicial.

...

§ 3º Admite-se a prática de atos processuais por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real.

Mostra-se grave, portanto, a injusta denegação, àquele que sofreu prisão em flagrante, do seu direito de ser conduzido, “sem demora”, à presença da autoridade judiciária competente, eis que a realização da audiência de custódia tem por finalidade essencial proteger, de um lado, a integridade física e moral da pessoa custodiada e, de outro, preservar o “status libertatis” daquele que se acha cautelarmente privado de sua liberdade.

No mesmo diapasão, saliente-se que a vedação à realização da audiência de custódia por meio de videoconferência, que constaria do §1º do art. 3º-B do CPP, foi vetada da Lei nº. 13.964/19.

Portanto, considerando a inexistência de óbices legais à apresentação virtual, bem como a duração prolongada e indefinida da pandemia, imperioso reconhecer a possibilidade de realização das audiências de custódia por videoconferência, quando não for possível a sua realização de forma presencial no prazo de 24 horas, insculpido no CPP e na Resolução nº. CNJ 213/2015.

Reitere-se, por oportuno, que a não realização das audiências de custódia durante esse período acarreta, como temos sustentado, prejuízo muito maior a milhares de presos, consubstanciando retrocesso, com o retorno para a dinâmica processual que vigorava até 2015, em descumprimento ao art. 7.5 da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) e ao art. 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos, e que só foi superada no âmbito nacional após o julgamento da ADI 5240/SP e da ADPF 347 MC/DF.

Com o intuito de assegurar que a apresentação virtual alcance as finalidades almejadas pela audiência de custódia, maximizando a sua utilidade e resguardando o preso, acolho desde já proposições feitas pelos Conselheiros Luiz Fernando Tomasi Keppen e Maria Tereza Uille Gomes no julgamento do procedimento de ato normativo 0004117-63.2020.2.00.0000.

Com efeito, primordial a tomada de uma série de cautelas para assegurar que as audiências de custódia possam alcançar seus objetivos. Nesse sentido, com o intuito de evitar que a presença de um agente das forças de segurança na sala possa inibir o preso de narrar adequadamente as circunstâncias de sua prisão, imperativo que a sua oitiva, por videoconferência, ocorra com privacidade, devendo permanecer sozinho na sala durante a realização do ato. Tal condição, essencial para o êxito do ato, poderá ser certificada pelo próprio Juiz, Ministério Público e Defesa, por meio do uso concomitante de mais de uma câmera no recinto em que se encontrar o preso, permitindo a visualização integral do ambiente.

Outrossim, também se mostra importante que haja uma câmera externa a monitorar a entrada do preso na sala e a porta desta, bem como que o exame de corpo de delito, a atestar a sua integridade física, seja realizado momentos antes do ato.

Corroborando essa iniciativa, há de se facultar a presença física do advogado ou defensor na sala em que se encontrar o preso, durante a audiência, para prevenir qualquer tipo de abuso ou constrangimento ilegal. Ademais, as salas destinadas para a realização de atos processuais por sistema de videoconferência poderão ser fiscalizadas pelos corregedores e pelos juízes, bem como pelo Ministério Público, Defensoria Pública e Ordem dos Advogados do Brasil, nos termos previstos também para o interrogatório por videoconferência (art. 185, §6º do CPP).

Por certo, também deve ser garantido o direito de entrevista prévia e reservada entre o preso e advogado ou defensor, seja presencialmente ou por videoconferência, telefone ou qualquer outro meio de comunicação.

Em outro giro, além de assegurada a participação do Ministério Público, há de se permitir a propositura do acordo de não persecução penal nas hipóteses previstas no artigo 28-A do Código de Processo Penal, fomentando-se a Justiça consensual e permitindo a minimização das privações de liberdade, o que se torna ainda mais relevante, se é que é possível, em tempos pandêmicos.

Por fim, faço singela homenagem ao Ministro Celso de Mello, que se aposentou no dia 13 de outubro do corrente ano, trazendo à baila trecho de seu voto no HC 188.888/MG, seguido pela unanimidade da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, em julgamento realizado no dia 06 de outubro de 2020:

Nem se diga que a situação extraordinária em que se encontra nosso País, atingido pela Pandemia da COVID-19, poderia constituir motivo justificador da denegação, em desfavor daquele que sofreu prisão em flagrante, do seu ineliminável direito público subjetivo à realização da audiência de custódia, pois o descumprimento, pelo Poder Público, da obrigação que assumiu, no plano internacional (e também doméstico), de promover esse ato de essencial relevo importaria em gravíssima ofensa  liberdade jurídica da pessoa sob custódia estatal.

A solução que se preconiza para superar esse problema – que se mostra altamente detrimentoso ao “status libertatis” daquele que foi preso em flagrante – reside na utilização excepcional do sistema de videoconferência.

....

Vê-se, portanto, que inexiste, em nosso sistema jurídico, norma de caráter legal que proíba a utilização, nas audiências de custódia, do sistema de videoconferência, sendo importante considerar que resoluções de natureza meramente administrativa não podem invadir nem dispor sobre matéria sujeita ao domínio normativo da lei, especialmente quando tais atos de índole infralegal, ao estabelecerem cláusulas vedatórias que inibem o exercício de um direito fundamental, frustram, injustamente, a realização de procedimento – a audiência de custódia – destinado a proteger o estado de liberdade individual daquele que vem a sofrer prisão em flagrante.

(STF. HC 188.888/MG. 2ª Turma. Relator Min. Celso de Mello – 06/10/2020)

Ante o exposto, submeto ao Egrégio Plenário a presente proposta de Resolução, nos exatos termos da minuta de ato normativo em anexo, e voto por sua aprovação.

 

 

Ministro LUIZ FUX

Presidente

 

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

 

 

RESOLUÇÃO No  357, DE  26 DE NOVEMBRO DE 2020.

 

  

Dispõe sobre a realização de audiências de custódia por videoconferência quando não for possível a realização, em 24 horas, de forma presencial.

 

 

 

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), no uso de suas atribuições legais e regimentais;

 CONSIDERANDO o art. 9o, item 3, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas, e o art. 7o, item 5, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica);

 CONSIDERANDO a decisão prolatada na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5240 do Supremo Tribunal Federal, declarando a constitucionalidade da disciplina pelos tribunais da apresentação da pessoa presa à autoridade judicial competente, bem como a decisão nos autos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 347 do Supremo Tribunal Federal, consignando a obrigatoriedade da apresentação da pessoa presa à autoridade judicial competente;

 CONSIDERANDO as disposições insculpidas no art. 287 e 310 do Código de Processo Penal, na redação dada pela Lei no 13.964/2019, determinando a realização de audiência de custódia, após a lavratura de prisão em flagrante ou cumprimento de mandado de prisão, e o veto ao 1o do art. 3o-B do mesmo diploma;

 CONSIDERANDO que a apresentação da pessoa presa à autoridade judicial é o meio mais eficaz para prevenir e reprimir a prática de tortura no momento da prisão, assegurando, portanto, o direito à integridade física e psicológica das pessoas submetidas à custódia estatal;

 CONSIDERANDO o disposto no art. 185, §§2o a 9o, e no art. 222, § 3o, do Código de Processo Penal, com redação dada pela Lei no 11.900/2009, os quais permitem a utilização do sistema de videoconferência para a inquirição de testemunhas e, excepcionalmente, para a realização de interrogatório ou de outros atos processuais que dependam da participação da pessoa presa;

 CONSIDERANDO a Resolução CNJ no 105/2010, que dispõe sobre a documentação dos depoimentos por meio de sistema audiovisual e realização de interrogatório e inquirição de testemunhas por videoconferência;

 CONSIDERANDO a Resolução CNJ no 213/2015, que dispõe sobre a apresentação de toda pessoa presa à autoridade judicial no prazo de 24 horas;

 CONSIDERANDO o estado de calamidade pública, reconhecido pelo Decreto Federal no 06/2020, em razão da pandemia mundial por Covid-19.

 CONSIDERANDO a Resolução no 03/2020 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, recomendando o emprego de videoconferência nas audiências criminais em todos os foros e ramos Poder Judiciário;

 CONSIDERANDO a Recomendação CNJ no 55/2019, orientando os Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais Federais a promoverem investimentos voltados à plena adoção do sistema de videoconferência em atos processuais das ações penais, na forma da lei, inclusive durante sessões do Tribunal do Júri;

 CONSIDERANDO a Portaria CNJ no 61/2020, disponibilizando a todos os juízos e tribunais plataforma para realização de atos virtuais por meio de videoconferência;

 CONSIDERANDO a Recomendação CNJ no 62/2020 e a Recomendação CNJ no 68/2020, permitindo a não realização das audiências de custódia durante a pandemia;

 CONSIDERANDO a Resolução no 329/2020, que regulamenta e estabelece critérios para a realização de audiências e outros atos processuais por videoconferência, em processos penais e de execução penal;

 CONSIDERANDO o Enunciado 30 da 1ª Jornada de Direito e Processo Penal, realizada pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal (CEJ/CJF), de 10 a 14 de agosto de 2020, sob a presidência da Ministra Maria Thereza de Assis Moura, do Superior Tribunal de Justiça, e atual Corregedora Nacional de Justiça; 

 CONSIDERANDO a deliberação do Plenário do CNJ na 322ª Sessão Ordinária, realizada em 24 de novembro de 2020, nos autos do Ato Normativo no 0009672-61.2020.2.00.0000;

 

RESOLVE:

 Art. 1o O art. 19 da Resolução CNJ no 329/2020 passa a vigorar com as seguintes alterações:

 

“Art. 19. Admite-se a realização por videoconferência das audiências de custódia previstas nos artigos 287 e 310, ambos do Código de Processo Penal, e na Resolução CNJ no 213/2015, quando não for possível a realização, em 24 horas, de forma presencial.

§ 1o Será garantido o direito de entrevista prévia e reservada entre o preso e advogado ou defensor, tanto presencialmente quanto por videoconferência, telefone ou qualquer outro meio de comunicação.

§ 2o Para prevenir qualquer tipo de abuso ou constrangimento ilegal, deverão ser tomadas as seguintes cautelas:

I – deverá ser assegurada privacidade ao preso na sala em que se realizar a videoconferência, devendo permanecer sozinho durante a realização de sua oitiva, observada a regra do § 1o e ressalvada a possibilidade de presença física de seu advogado ou defensor no ambiente;

II – a condição exigida no inciso I poderá ser certificada pelo próprio Juiz, Ministério Público e Defesa, por meio do uso concomitante de mais de uma câmera no ambiente ou de câmeras 360 graus, de modo a permitir a visualização integral do espaço durante a realização do ato;

III – deverá haver também uma câmera externa a monitorar a entrada do preso na sala e a porta desta; e

IV – o exame de corpo de delito, a atestar a integridade física do preso, deverá ser realizado antes do ato.

§ 3o A participação do Ministério Público deverá ser assegurada, com intimação prévia e obrigatória, podendo propor, inclusive, o acordo de não persecução penal nas hipóteses previstas no artigo 28-A do Código de Processo Penal. 

§ 4o As salas destinadas para a realização de atos processuais por sistema de videoconferência poderão ser fiscalizadas pelas corregedorias e pelos juízes que presidirem as audiências”. (NR)     

 

Art. 2o Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

  

 

Ministro LUIZ FUX

Presidente do Conselho Nacional de Justiça



[1] Artigo 7.  Direito à liberdade pessoal [...] 5. Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo.  Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.

[2]  Art. 9. [...] 3. Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os atos do processo e, se necessário for, para a execução da sentença.

[3] Art. 5º. Direito à liberdade e à segurança: 1. Toda a pessoa tem direito à liberdade e segurança. Ninguém pode ser privado da sua liberdade, salvo nos casos seguintes e de acordo com o procedimento legal: [...] 3. Qualquer pessoa presa ou detida nas condições previstas no parágrafo 1, alínea c), do presente artigo deve ser apresentada imediatamente a um juiz ou outro magistrado habilitado pela lei para exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada num prazo razoável, ou posta em liberdade durante o processo. A colocação em liberdade pode estar condicionada a uma garantia que assegure a comparência do interessado em juízo.

[4] Art. 1º Determinar, em cumprimento ao disposto no artigo 7°, item 5, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (pacto de San Jose da Costa Rica), a apresentação de pessoa detida em flagrante delito, até 24 horas após a sua prisão, para participar de audiência de custódia. [...]

Art. 3º A autoridade policial providenciará a apresentação da pessoa detida, até 24 horas após a sua prisão, ao juiz competente, para participar da audiência de custódia.

§ 1º O auto de prisão em flagrante será encaminhado na forma do artigo 306, parágrafo 1º, do Código de Processo Penal, juntamente com a pessoa detida.

[...]

Art. 5º O autuado, antes da audiência de custódia, terá contato prévio e por tempo razoável com seu advogado ou com Defensor Público.

Art. 6º Na audiência de custódia, o juiz competente informará o autuado da sua possibilidade de não responder perguntas que lhe forem feitas, e o entrevistará sobre sua qualificação, condições pessoais, tais como estado civil, grau de alfabetização, meios de vida ou profissão, local da residência, lugar onde exerce sua atividade, e, ainda, sobre as circunstâncias objetivas da sua prisão.

§ 1º Não serão feitas ou admitidas perguntas que antecipem instrução próprio de eventual processo de conhecimento.

§ 2º Após a entrevista do autuado, o juiz ouvirá o Ministério Público que poderá se manifestar pelo relaxamento da prisão em flagrante, sua conversão em prisão preventiva, pela concessão de liberdade provisória com imposição, se for o caso, das medidas cautelares previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal.

§ 3º A seguir, o juiz dará a palavra ao advogado ou ao Defensor Público para manifestação, e decidirá, na audiência, fundamentadamente, nos termos do artigo 310 do Código de Processo Penal, podendo, quando comprovada uma das hipóteses do artigo 318 do mesmo Diploma, substituir a prisão preventiva pela domiciliar.

[...] Art.

7º O juiz competente, diante das informações colhidas na audiência de custódia, requisitará o exame clinico e de corpo de delito do autuado, quando concluir que a perícia é necessária para a adoção de medidas, tais como: I – apurar possível abuso cometido durante a prisão em flagrante, ou a lavratura do auto; II - determinar o encaminhamento assistencial, que repute devido.

Disponível em: http://www.conjur.com.br/dl/regulamentacao-audiencia-custodia.pdf, acesso em 06 out. 2020.

[5] RE 349.703/RS, Relator Min. Carlos Britto, Relator p/ Acórdão:  Min. Gilmar Mendes, Julgamento:  03/12/2008, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, DJe de 5/6/2009: PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL EM FACE DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS. INTERPRETAÇÃO DA PARTE FINAL DO INCISO LXVII DO ART. 5O DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988. POSIÇÃO HIERÁRQUICO-NORMATIVA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. Desde a adesão do Brasil, sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de adesão. Assim ocorreu com o art. 1.287 do Código Civil de 1916 e com o Decreto-Lei n° 911/69, assim como em relação ao art. 652 do Novo Código Civil (Lei n° 10.406/2002). ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. DECRETO-LEI N° 911/69. EQUIPAÇÃO DO DEVEDOR-FIDUCIANTE AO DEPOSITÁRIO. PRISÃO CIVIL DO DEVEDOR-FIDUCIANTE EM FACE DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. A prisão civil do devedor-fiduciante no âmbito do contrato de alienação fiduciária em garantia viola o princípio da proporcionalidade, visto que: a) o ordenamento jurídico prevê outros meios processuais-executórios postos à disposição do credor-fiduciário para a garantia do crédito, de forma que a prisão civil, como medida extrema de coerção do devedor inadimplente, não passa no exame da proporcionalidade como proibição de excesso, em sua tríplice configuração: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito; e b) o Decreto-Lei n° 911/69, ao instituir uma ficção jurídica, equiparando o devedor-fiduciante ao depositário, para todos os efeitos previstos nas leis civis e penais, criou uma figura atípica de depósito, transbordando os limites do conteúdo semântico da expressão "depositário infiel" insculpida no art. 5º, inciso LXVII, da Constituição e, dessa forma, desfigurando o instituto do depósito em sua conformação constitucional, o que perfaz a violação ao princípio da reserva legal proporcional. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

[6] CUSTODIADO – INTEGRIDADE FÍSICA E MORAL – SISTEMA PENITENCIÁRIO – ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL – ADEQUAÇÃO. Cabível é a arguição de descumprimento de preceito fundamental considerada a situação degradante das penitenciárias no Brasil. SISTEMA PENITENCIÁRIO NACIONAL – SUPERLOTAÇÃO CARCERÁRIA – CONDIÇÕES DESUMANAS DE CUSTÓDIA – VIOLAÇÃO MASSIVA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS – FALHAS ESTRUTURAIS – ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL – CONFIGURAÇÃO. Presente quadro de violação massiva e persistente de direitos fundamentais, decorrente de falhas estruturais e falência de políticas públicas e cuja modificação depende de medidas abrangentes de natureza normativa, administrativa e orçamentária, deve o sistema penitenciário nacional ser caraterizado como “estado de coisas inconstitucional”. FUNDO PENITENCIÁRIO NACIONAL – VERBAS – CONTINGENCIAMENTO. Ante a situação precária das penitenciárias, o interesse público direciona à liberação das verbas do Fundo Penitenciário Nacional. AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA – OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA. Estão obrigados juízes e tribunais, observados os artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, a realizarem, em até noventa dias, audiências de custódia, viabilizando o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária no prazo máximo de 24 horas, contado do momento da prisão. (STF. Plenário. ADPF 347 MC/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 9 set. 2015, Info 798).

[7] Conforme Termo de Cooperação Técnica n. 007/2015, celebrado entro o CNJ, o Ministério da Justiça e o Instituto de Defesa do Direito de Defesa, bem como termos de adesão dos judiciários e executivos estaduais disponíveis em: https://www.cnj.jus.br/tcot-007-2015/, último acesso em 06 out. 2020.

[8] A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu que a disseminação do COVID-19 já configurava uma pandemia em 11 de março de 2020, e em 07 de outubro já existiam mais de 36 milhões de casos confirmados e de 1 milhão mortes no mundo, sendo só no Brasil mais de 4.978.531 casos confirmados e 147.759 mortes.

[9] A Organização Mundial da Saúde – OMS reconheceu, em 11/03/2020, que a disseminação do COVID-19 configura pandemia, conforme amplamente noticiado pela imprensa ao redor do mundo. No Brasil, o Ministério da Saúde declarou Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN) em 03/02/2020, conforme Portaria MS n° 188/2020 c/c Decreto n° 7.616/2011 c/c Lei nº 13.979/2020. 

[10] Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3249, último acesso em 06 out. 2020.

[11] Disponível em:  https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3283, último acesso em 06 out. 2020.

[12] Disponível em: www.cnj.jus.br/plataformavideoconfencia-nacional/, último acesso em 06 out. 2020.

[13]Disponível em:  https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3266, último acesso em 06 out. 2020.

[14] Conforme dados constantes no sítio eletrônico do Estado do Amazonas. Disponível em:  http://www.amazonas.am.gov.br/o-amazonas/dados/, último acesso em 06 out. 2020.

[15] Conforme dados disponibilizados em:   https://www.worldometers.info/geography/largest-countries-in-the-world/, último acesso em 06 out. 2020.

[16] Art. 185. O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado.

[17] § 2o  Excepcionalmente, o juiz, por decisão fundamentada, de ofício ou a requerimento das partes, poderá realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que a medida seja necessária para atender a uma das seguintes finalidades:

I - prevenir risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita de que o preso integre organização criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o deslocamento;

II - viabilizar a participação do réu no referido ato processual, quando haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstância pessoal;

III - impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima, desde que não seja possível colher o depoimento destas por videoconferência, nos termos do art. 217 deste Código;

IV - responder à gravíssima questão de ordem pública.

[18] § 7o  Será requisitada a apresentação do réu preso em juízo nas hipóteses em que o interrogatório não se realizar na forma prevista nos §§ 1o e 2o deste artigo.

[19] Art. 6º Na hipótese em que o acusado, estando solto, quiser prestar o interrogatório, mas haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstância pessoal, o ato deverá, se possível, para fins de preservação da identidade física do juiz, ser realizado pelo sistema de videoconferência, mediante a expedição de carta precatória.

Parágrafo único. Não deve ser expedida carta precatória para o interrogatório do acusado pelo juízo deprecado, salvo no caso do caput.

Art. 7º O interrogatório por videoconferência deverá ser prestado na audiência una realizada no juízo deprecante, adotado, no que couber, o disposto nesta Resolução para a inquirição de testemunha, asseguradas ao acusado as seguintes garantias:

I - direito de assistir, pelo sistema de videoconferência, a audiência una realizada no juízo deprecante;

II - direito de presença de seu advogado ou de defensor na sala onde for prestado o seu interrogatório;

III - direito de presença de seu advogado ou de defensor na sala onde for realizada a audiência una de instrução e julgamento;

IV - direito de entrevista prévia e reservada com o seu defensor, o que compreende o acesso a canais telefônicos reservados para comunicação entre o defensor ou advogado que esteja no presídio ou no local do interrogatório e o defensor ou advogado presente na sala de audiência do fórum, e entre este e o preso.

[20] https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/166

[21] Disponível em: https://www.in.gov.br/web/dou/-/resolucao-n-3-de-5-de-marco-de-2020-246767725, último acesso em 06 out. 2020.

[22] Registre-se, nesse sentido, o enunciado 03 da I Jornada de Processo Civil do CJF.

 

 

VOTO CONVERGENTE

 

Trata-se de procedimento de ato normativo que dispõe sobre a possibilidade de realização de audiências de custódia por videoconferência durante a pandemia, quando não for possível a sua realização, em 24 horas, de forma presencial.

Em outras ocasiões já havia me manifestado pela possibilidade de realização de videoconferência em audiência de custódia, em especial no julgamento do processo ATO 0004488-27.2020.2.00.0000, em que se discutia o teor do art. 8-A da Recomendação CNJ n. 62/2020.

Reitero o que disse outrora que, em termos ideias, meu entendimento se perfilha no sentido da preferência pela realização da audiência de custódia sempre mediante a presença física do magistrado e do preso. Essa tem sido, inclusive, a posição jurisprudencial mantida pelo CNJ desde o início da edição da Resolução CNJ n. 213/2015 que dispõe sobre a apresentação de toda pessoa presa à autoridade judicial no prazo de 24 horas.

Em estado de pandemia, as condições me parecem diversas. O CNJ orientou os órgãos jurisdicionais a praticarem o distanciamento social, recomendando aos magistrados e servidores, inclusive, o trabalho remoto a partir de suas residências por meio das Resoluções ns. 313 e 314. O artigo 6º da Resolução CNJ n. 313/2020, autoriza os Tribunais a regulamentarem as sessões virtuais, incluídas aí as audiências realizadas pelos juízes.

Contudo, a autorização para a realização de audiência de custodia por videoconferência é medida necessária, antes de tudo, à proteção da integridade física e da dignidade do preso em tempos conturbados, como os que estamos vivendo. A pura e simples suspensão das audiências de custódia no período me parece muito mais deletéria do que permitir a sua realização por meio virtual.

Ainda que não seja a solução ótima, configura solução possível que maximiza os direitos e garantias individuais do preso provisório. Além disso, tudo o mais se pode garantir, inclusive a presença física de defensor ou do representante da OAB.

Entendo que não se pode usar a proteção do princípio da dignidade do preso contra ele mesmo, pois a dignidade humana não é um valor abstrato, sem consideração às condições reais em que de fato vivem as pessoas nas suas relações recíprocas.

No mesmo sentido do que aqui sustentado é a decisão monocrática da Exma. Ministra Cármen Lúcia, do E. Supremo Tribunal Federal, proferida no HC n. 184815/GO, de 21 de maio de 2020, citando as já referidas Resoluções CNJ n. 313, 314 e 318/2020, já citado pelo voto do Exmo. Relator.

Ante o exposto, parabenizando pela corajosa proposta trazida à votação pelo Exmo. Presidente, acompanho V. Exa. no sentido de seja alterado o artigo 19 da Resolução nº 329, de 30 de julho de 2020, conforme proposta contida no voto do Relator.

 

É como voto.

 

LUIZ FERNANDO TOMASI KEPPEN

Conselheiro

 

 

 

 

 

VOTO CONVERGENTE

 

A EXMA. SRA. CONSELHEIRA MARIA TEREZA UILLE GOMES: Trata-se de Ato Normativo instaurado pela Presidência do CNJ, com vistas a revisão da Resolução CNJ nº 329/2020, que regulamenta e estabelece critérios para a realização de audiências e outros atos processuais por videoconferência, em processos penais e de execução penal, durante o estado de calamidade pública, reconhecido pelo Decreto Federal nº 06/2020, em razão da pandemia mundial por Covid-19.

Apesar da previsão de realização de audiências por videoconferências, referido normativo previu, em seu art. 19, a impossibilidade de realização de audiências de custódia através dessa sistemática eletrônica.

 Art. 19. É vedada a realização por videoconferência das audiências de custódia previstas nos artigos 287 e 310, ambos do Código de Processo Penal, e na Resolução CNJ nº 213/2015.

Durante a votação do Ato Normativo que ensejou a aprovação da Resolução CNJ nº 329/2020, votei com ressalvas em relação a esse ponto, juntando, inclusive, na oportunidade, declaração de voto parcialmente divergente. 

 Consignei o seguinte[1]:

“Os impactos atuais da pandemia exigem respostas rápidas do Poder Judiciário e a adoção de alternativas tecnológicas na condução dos processos, neste momento, exsurge como solução adequada para permitir a continuidade da prestação jurisdicional, a prevenção ao contágio pelo novo coronavírus e, ao mesmo tempo, salvaguardar e garantir a tutela de direitos fundamentais.  

Com essas considerações, antecipo o meu voto pela aprovação da Resolução, com pequena ressalva, pelas razões que passo a expor. 

O registro é pontual e diz respeito ao artigo 19, que estabelece:

Art. 19. É vedada a realização por videoconferência das audiências de custódia, previstas nos artigos 287 e 310, ambos do Código de Processo Penal, e na Resolução CNJ nº 213/2015.

O Código de Processo Penal foi alterado em razão da Lei Anticrime (Lei 13.964/2019), artigos 287 e 310, e incluiu a previsão expressa da realização da audiência de custódia, bem como, deu nova redação ao artigo 28-A ao mitigar o princípio da obrigatoriedade e facultar ao Ministério Público, nas infrações penais praticadas sem violência ou grave ameaça, a possibilidade de propor acordo de não persecução penal.  

A inclusão da audiência de custódia no Código de Processo Penal e a mitigação do princípio da obrigatoriedade do oferecimento de denúncia para infrações penais com pena mínima inferior a 4 anos são considerados pontos positivos na garantia dos direitos humanos a serem destacados na Lei 13.964/19.

In verbis:

“Art. 287. Se a infração for inafiançável, a falta de exibição do mandado não obstará a prisão, e o preso, em tal caso, será imediatamente apresentado ao juiz que tiver expedido o mandado, para a realização de audiência de custódia.         (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)” 

 

“Art. 310. Após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo máximo de até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, o juiz deverá promover audiência de custódia com a presença do acusado, seu advogado constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro do Ministério Público, e, nessa audiência, o juiz deverá, fundamentadamente:       (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)       (Vigência)

I - relaxar a prisão ilegal; ou           (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou              (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança”.       

 

“Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente:    (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)       (Vigência)

I - reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo;     (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)       (Vigência)

II - renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime;     (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)       (Vigência)

III - prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal);          (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)       (Vigência)

IV - pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; ou       (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)       (Vigência)

V - cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada.      (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)       (Vigência)”.

Já antes da vigência da nova redação processual, a implementação da audiência de custódia era aplicada em razão do disposto na Convenção Americana de Direitos Humanos, disciplinada, em âmbito nacional, pela Resolução CNJ 213/2015 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

O Supremo Tribunal Federal, em duas ações de controle concentrado, decidiu pela constitucionalidade da audiência, e destacou sua importância no combate ao estado de coisas inconstitucional em que se encontra o sistema prisional brasileiro – ADI 5240 e ADPF 347.

Parte da ementa do acórdão da medida cautelar na ADPF 347, julgada pelo Plenário do STF, sob relatoria do ministro Marco Aurélio, merece destaque:

[...]AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA – OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA. Estão obrigados juízes e tribunais, observados os artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, a realizarem, em até noventa dias, audiências de custódia, viabilizando o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária no prazo máximo de 24 horas, contado do momento da prisão. (ADPF 347 MC, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 09/09/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-031  DIVULG 18-02-2016  PUBLIC 19-02-2016).

A pandemia COVID trouxe significativo impacto à ordem jurídica, em especial, ao ordenamento jurídico processual e de execução penal. Registro o entendimento de que o ideal é que a audiência de custódia seja realizada, presencialmente, como determina expressamente o Código de Processo Penal.

Contudo, enquanto tal não se faz possível em razão das regras de segurança para movimentação de presos, durante o período de COVID, entendo, s.m.j., que a melhor alternativa é a de recomendar a realização da audiência de custódia, por videoconferência, com as seguintes condicionantes:

a)     garantia da presença do advogado ou defensor público na sala de videoconferência do presídio para prevenir qualquer tipo de abuso ou constrangimento ilegal em relação a pessoa do encarcerado;

b)    caso o advogado ou defensor não possa estar presente por alguma razão na sala de videoconferência, que manifeste, ter contatado o cliente ou assistido e que não existe objeção na realização do ato por videoconferência no período de pandemia;

c)      intimação prévia e obrigatória do representante do Ministério Público para comparecimento e participação da audiência de custódia, como determina o CPP, inclusive, facultando-lhe o uso da palavra para, querendo, propor por ocasião da audiência de custódia, o acordo de não persecução penal nas hipóteses previstas no artigo 28-A do Código de Processo Penal, que faculta ao Ministério Público a não obrigatoriedade do oferecimento de denúncia, cuja medida, pode contribuir para a redução do risco de contaminação Covid nos estabelecimentos penais”.

 

Como bem alinhavado no voto do Ministro Presidente, a necessidade da realização da audiência de custódia está presente em inúmeros instrumentos internacionais dos quais o Brasil é signatário. Convenção Americana dos Direitos Humanos (CADH), Pacto dos Direitos Civis e Políticos e Convenção Europeia de Direitos Humanos (CEDH).

No âmbito interno, alguns normativos garantem aos acusados a realização da audiência de custódia (ADI 5240, APDF 347, Resolução CNJ 213/2015, Art. 287 e 310, ambos do CPP).

A realização da audiência de custódia decorre do princípio da legalidade, motivo pelo qual sua realização não pode ser afastada.

Tem a audiência de custódia, portanto, dupla finalidade, lato sensu:

1) garantia de que o preso não foi [ou não seja] submetido a maus tratos;

2) análise da situação específica da pessoa presa de modo a avaliar a necessidade de manutenção da prisão.

 

Possibilitar que o acautelado fique preso sem antes passar pela audiência de custódia afronta diretamente a lei e os documentos internacionais, além de ser mais prejudicial ao acusado do que permitir que tal audiência se realize por videoconferência. Até porque, nessa modalidade, o preso pode ser acompanhado de defensor público ou privado.

É imprescindível se assegurar o escopo pretendido com as audiências de custódia de verificação das condições da prisão, constatação da existência e abusos e maus tratos e aferição das condições sociais e individuais da pessoa encarcerada. Todos esses elementos demandam que, como regra, as audiências de custódia sejam feitas de forma presencial.

A presença física e o contato próximo da Magistrada ou Magistrado com a pessoa presa asseguram maior efetividade na análise de todas essas situações.

Contudo, como já asseverado, os impactos atuais da pandemia exigem respostas rápidas do Poder Judiciário e a adoção de alternativas tecnológicas na condução dos processos, neste momento, exsurge como solução adequada para permitir a continuidade da prestação jurisdicional, a prevenção ao contágio pelo novo coronavírus e, ao mesmo tempo, salvaguardar e garantir a tutela de direitos fundamentais. 

Esse cenário provoca a reflexão quando a possibilidade de se admitir que em hipóteses extremas e excepcionais, a audiência seja realizada por videoconferência.

É necessário se ter conta, ademais, o fato de que o Brasil é um país de dimensões continentais, com realidades díspares e situações geográficas bastante diferenciadas. A distância física entre comarcas, subseções e sedes de fóruns pode inviabilizar o traslado das pessoas detidas em tempo hábil, a fim de que seja apresentada à autoridade responsável.

Mesmo em cenário anterior ao advento da pandemia, há casos em que a única forma de se assegurar que a apresentação do preso seja feita dentro do prazo de 24 horas é a utilização de tecnologias como a videoconferência.

Destaca-se, por exemplo, situações de regime extraordinário de plantão, em que o magistrado plantonista responde por mais de uma cidade em determinada região, recebendo autos de prisão em flagrante simultâneos.

Em tais casos, devem ser observadas as condicionantes já mencionadas.

Além disso, da realização da audiência de custódia surge outro instrumento importante: a eventual possibilidade de formulação de acordo de não persecução penal.

Dessa forma, ainda que, como regra, a audiência de custódia deva ser realizada sob a forma presencial, sua realização de forma excepcional na modalidade eletrônica garante a prevalência e a efetivação dos direitos humanos da pessoa detida, e ainda pode viabilizar que crimes de menor potencial ofensivo – mas que mais encareceram no país – sejam objeto de acordo.

Assim, entendo indispensável a revisão do art. 19, da Resolução CNJ nº 329/2020, nos moldes do voto do Presidente.

É como voto.

Brasília, data registrada no sistema.

 

Maria Tereza Uille Gomes

Conselheira



[1] ATO NORMATIVO 0004117-63.2020.2.00.0000 – Id 4043953 (Acórdão).

 

 

Autos: ATO NORMATIVO – 0009672-61.2020.2.00.0000

Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ

 

 

 

VOTO DIVERGENTE

 

 

Trata-se de procedimento de Ato Normativo que dispõe sobre a possibilidade de realização de audiências de custódia por videoconferência durante a pandemia, quando não for possível a sua realização, em 24 horas, de forma presencial.

Como bem registrado no voto do Exmo. Ministro Luiz Fux, no dia 30 de julho de 2020, este Conselho Nacional, ao aprovar a Resolução CNJ nº. 329/2020, regulamentando e estabelecendo critérios para a realização de audiências e outros atos processuais por videoconferência, em processos penais e de execução penal, durante o estado de calamidade pública, reconhecido pelo Decreto Federal nº 06/2020, em razão da pandemia mundial causada pelo COVID-19, estabeleceu, no art. 19 do citado normativo, que:

 É vedada a realização por videoconferência das audiências de custódia previstas nos artigos 287 e 310, ambos do Código de Processo Penal, e na Resolução CNJ nº 213/2015.

Nesta oportunidade, o Exmo. Ministro Presidente deste órgão de controle, em longa e judiciosa fundamentação, sustenta que “razões pragmáticas tornam imperiosa a alteração do dispositivo, inclusive a duração prolongada e indefinida da pandemia”.

Inicialmente, registre-se que, como bem pontuado pelo eminente Relator, a constitucionalidade da norma que ora se pretende modificar, qual seja, o art. 19 da Resolução CNJ n. 329/2020, é objeto da ADI 6527, promovida pela Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB, que se encontra sob a relatoria do Exmo. Min. Nunes Marques e que já conta com pedidos de habilitação de instituições diversas como amici curiae, espaço em que a questão poderá ser discutida de forma democrática, conferindo maior legitimidade a eventual alteração modificação do texto. Desse modo, ante a patente judicialização prévia do tema, a atuação desse Conselho Nacional fica obstatada, devendo-se aguardar a manifestação definitiva da Corte Suprema. Nesse sentido, o Enunciado Administrativo nº 16:

A judicialização anterior da causa na qual se discutem atos administrativos praticados pelos tribunais, pendente de apreciação ou julgamento de mérito, impede o exame da mesma matéria por este Conselho Nacional de Justiça.

 

Importante pontuar, também, que não houve autorização do STF para a realização das audiências de custódia por videoconferência. Há um acórdão isolado e não unânime da 2ª Turma do STF no HC 186.421/SC, no qual, ao conceder a ordem de ofício para declarar a ilegalidade de uma conversão de flagrante de ofício pelo magistrado, o então Ministro Celso de Mello se posicionou pela possibilidade excepcional de realização da audiência de custódia por videoconferência na pandemia, tendo sido designado relator do acórdão o Ministro Edson Fachin, em razão da aposentadoria do relator originário (art. art. 38, IV, b, do RISTF). A discussão quanto ao mérito da questão da videoconferência se dará no âmbito da ADI 6527.

Caso superada a questão da judicialização prévia, pedindo respeitosas vênias, ouso discordar do encaminhamento proposto, pelos fundamentos que passo a expor.

A matéria da possibilidade de audiências de custódia por videoconferência já foi enfrentada, e vedada, por este Conselho Nacional em outras oportunidades. Administrativamente, ainda em novembro do ano passado, o então Presidente do CNJ, Exmo. Ministro Dias Toffoli, deferiu medida liminar na Reclamação para Garantia das Decisões (RGD) nº 8866-60.2019 para suspender resolução que permitia a realização da audiência de custódia por videoconferência no Estado de Santa Catarina. Por relevantes, transcrevo alguns trechos da decisão, referendada, por unanimidade, pelo Plenário do CNJ, em 13 de dezembro de 2019:

De outro lado, sem olvidar da reconhecida importância da ferramenta ora em análise para o trâmite dos procedimentos judiciais [videoconferência], sua utilização para as audiências de custódia aparentemente contrasta com os princípios e as garantias constitucionais que a institucionalização deste procedimento buscou preservar.

Para o caso, importa registrar que a audiência de custódia é ato processual que se consubstancia na apresentação imediata da pessoa presa em flagrante delito perante à autoridade judiciária. Constitui instrumento capaz de qualificar a prisão, otimizar o procedimento persecutório e assegurar direitos às pessoas submetidas à custódia do Poder Público.

(...)

Nos autos da Nota Técnica nº 0004468-46.2014.2.00.0000, cuja relatoria coube ao então Conselheiro Márcio Schiefler Fontes, para avaliação da temática ora em apreço (audiência de custódia por videoconferência) e em cuja avaliação da proposta formulada, contou-se com relevante participação do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF), foi assentado, expressamente:

Conforme se constata da Resolução CNJ nº 213/2015, a condução imediata da pessoa presa à autoridade judicial é o meio mais eficaz para prevenir e reprimir a prática de tortura no momento da prisão, assegurando, portanto, o direito à integridade física e psicológica das pessoas submetidas à custódia estatal, previsto no art. 5.2 da Convenção Americana de Direitos Humanos e no art. 2.1 da Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes”(grifo não original).

O DMF considerou que a apresentação pessoal do preso é fundamental para inibir e, sobretudo, coibir, as indesejadas práticas de tortura e maus tratos, eis que a “’transmissão de som e imagem’ não tem condições de remediar as vantagens que o contato e a relação direta entre juiz e jurisdicionado proporciona”.

 

Também no ano de 2019, o STJ assentou o entendimento no sentido da incompatibilidade da audiência de custódia com o sistema de videoconferência:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PROCESSUAL PENAL. MANDADO DE PRISÃO PREVENTIVA. CUMPRIMENTO EM UNIDADE JURISDICIONAL DIVERSA. AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA. REALIZAÇÃO. COMPETÊNCIA. JUÍZO DA LOCALIDADE EM QUE EFETIVADA A PRISÃO. REALIZAÇÃO POR MEIO DE VIDEOCONFERÊNCIA PELO JUÍZO ORDENADOR DA PRISÃO. DESCABIMENTO. PREVISÃO LEGAL.

INEXISTÊNCIA. CONFLITO CONHECIDO PARA DECLARAR COMPETENTE O JUÍZO SUSCITANTE.

1. A audiência de custódia, no caso de mandado de prisão preventiva cumprido fora do âmbito territorial da jurisdição do Juízo que a determinou, deve ser efetivada por meio da condução do preso à autoridade judicial competente na localidade em que ocorreu a prisão. Não se admite, por ausência de previsão legal, a sua realização por meio de videoconferência, ainda que pelo Juízo que decretou a custódia cautelar.

2. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da Vara da Seção Judiciária do Paraná, o Suscitante.

 

(CC 168.522/PR, Rel. Ministra LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 11/12/2019, DJe 17/12/2019)

 

Registro que, já analisando a questão sob a ótica das modificações na prestação jurisdicional em razão da pandemia atualmente enfrentada, quando da edição da Resolução CNJ nº. 329/2020, manifestei-me expressamente em sessão no sentido de que, tal qual registrado naquela oportunidade pelo voto condutor, “...audiência de custódia por videoconferência não é audiência de custódia e não se equiparará ao padrão de apresentação imediata de um preso a um juiz, em momento consecutivo a sua prisão”.

Oportuno aqui transcrever o disposto no Pacto de San Jose da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos – CADH), que, em seu art. 7º, item 5, dispõe expressamente que “Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais”. Da mesma forma, o art. 9º, item 3, do Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP), dispõe que “Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais”. 

A nosso sentir, a utilização do verbo “conduzir” traduz uma ideia de deslocamento, transportar de um local a outro, e deixa pouca margem de dúvida quanto à necessidade da apresentação física da pessoa à autoridade judicial.

Oportuno destacar, também, a regra atualmente prevista no Código de Processo Penal para a matéria, com as modificações implementadas pela Lei n. 13.964/2019:

Art. 310. Após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo máximo de até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, o juiz deverá promover audiência de custódia com a presença do acusado, seu advogado constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro do Ministério Público, e, nessa audiência, o juiz deverá, fundamentadamente (...) 

 

Vale ressaltar que “existe um abismo semântico que separa a expressão ‘presença’ da ‘ausência’, efetivada na prática com as audiências virtuais[1]. Tanto é assim, que mesmo nesse momento de pandemia, em eventos que estão ocorrendo em meio híbrido, por exemplo, tornou-se comum registrar que algumas participações ocorrem de modo presencial (fisicamente) e outras por meio virtual (remotamente). Ou seja, a expressão “conduzir à presença de um juiz” utilizada na norma busca deixar claro que a pessoa deve ser apresentada fisicamente ao magistrado, no mesmo local e não por meio remoto.

O Comitê de Direitos Humanos é o órgão que exerce função interpretativa internacional por meio da edição de comentários gerais, que, em nome do princípio da boa-fé, devem ser observados pelos Estados contratantes na implementação interna do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP).  No que diz respeito ao supratranscrito artigo 9.3, peço licença para transcrever trecho do Comentário Geral n. 35:

O indivíduo deve comparecer fisicamente perante o juiz ou outro oficial autorizado por lei a exercer poder judicial. A presença física dos detidos na audiência dá a oportunidade de investigar o tratamento que eles receberam sob custódia e facilita a transferência imediata para um centro de detenção provisória se a continuidade da detenção for ordenada. Assim, serve como salvaguarda do direito à segurança pessoal e da proibição da tortura e de tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Na audiência que se segue, e em audiências subsequentes em que o juiz avalia a legalidade ou necessidade da detenção, o indivíduo tem direito a assistência jurídica, que deve, em princípio, ser do advogado de sua escolha.[2] (grifos nossos)

 

Em relação a essa questão, lembre-se que, como previsto nos considerandos da Resolução CNJ nº 213/2015, a audiência de custódia “...é o meio mais eficaz para prevenir e reprimir a prática de tortura no momento da prisão, assegurando, portanto, o direito à integridade física e psicológica das pessoas submetidas à custódia estatal, previsto no art. 5.2 da Convenção Americana de Direitos Humanos e no art. 2.1 da Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes”.  

Se é assim, para que as audiências de custódia cumpram seu papel como tal, se mostra imprescindível a sua realização de forma presencial, quando o Juiz terá todas as condições de aferir as condições em que efetuada a prisão, bem assim constatar eventuais violações sofridas pelo preso. O ato é, pois, incompatível com o instrumento da videoconferência.

Oportuno lembrar que, à época da regulamentação das audiências de custódia por esse Conselho Nacional, muito foi debatido sobre a importância do ato para a investigação de casos de tortura e mitigação de indevida violência policial, derivada de problemas estruturais que assolam nossa sociedade, tais como o racismo e a seletividade no momento da prisão[3].

Recentemente, no último dia 10 de novembro, este Conselho Nacional editou o “Manual de Prevenção e Combate à Tortura e Maus-tratos para Audiência de Custódia”. Transcrevemos, por oportuno, trecho do prefácio desse documento, em que Juan Méndez, Ex-Relator Especial da ONU sobre Tortura (2010-16), e Barbara Bernath, Secretária Geral da Associação para a Prevenção da Tortura (APT), destacam:

As audiências de custódia constituem uma das mais importantes políticas públicas implantadas no Brasil para enfrentar graves violações de direitos humanos, como a prisão arbitrária e a tortura. Com sua implantação, o Poder Judiciário vem dar cumprimento a uma obrigação imposta pelo direito internacional dos direitos humanos e pôr fim a uma mora que se estendia por mais de 25 anos.

Um dos principais objetivos das audiências de custódia é o de verificar a ocorrência de tortura e maus-tratos que decorram do ato da prisão. A pesquisa global “Does Torture Prevention Work?” encomendada pela Associação para a Prevenção da Tortura (APT), concluiu que as garantias do devido processo legal durante as primeiras horas da custódia policial constituem as medidas mais eficazes para inibir a tortura. Em 2017, o Relator e ex Relatores Especiais da ONU sobre a Tortura se uniram para alertar que é no momento da abordagem policial e durante as primeiras horas após o ato de prisão que se dá o maior risco da prática de abusos, agressões e tortura.

Infelizmente, o Brasil não configura uma exceção a essa preocupante realidade. Dados difundidos por várias entidades ao longo dos últimos anos, inclusive citados nesta publicação, demonstram a grave prevalência da violência policial no país, que afeta majoritariamente a população negra e jovem, e que ocorre rotineiramente no momento da prisão e do interrogatório, conforme observado na última visita da Relatoria Especial da ONU sobre Tortura ao país em 2015.

As audiências de custódia constituem um momento privilegiado, e talvez único, para se realizar tal verificação. Além de visibilizar ilegalidades e abusos cometidos na atuação policial, viabiliza a coleta de um relato quase imediato sobre o ocorrido, e possibilita a documentação de eventuais indícios e evidências materiais, antes que as mesmas possam vir a desaparecer.[4]

 

Assim, as audiências, além de um espaço de escuta qualificada, são também um momento de fiscalização pelo Poder Judiciário da atividade policial e prevenção de eventuais abusos, humanizando as práticas de segurança pública. 

Registro aqui a gentil contribuição técnica da Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil no Estado da Bahia (OAB/BA) acerca da presente proposta registrando que “a audiência de custódia realizada virtualmente é ato viciado na gênese, pois vilipendia a própria essência do ato formal que é a apresentação do custodiado ao magistrado encarregado de realizar o ato de controle de legalidade da prisão”. Além disso, “a virtualização dos atos judiciais deve encontrar limites quando puser em risco o conjunto de garantias individuais do acusado, conforme insculpido na Constituição Federal e nos Tratados internacionais ratificados pelo Brasil”, dado que “não podemos, a pretexto de promover maior eficiência e celeridade, subverter garantias que nos alçam a um maior patamar de processo penal democrático”.

E, em tal manifestação, a OAB/BA aponta um caminho para as audiências de custódia nesse momento de retomada das atividades presenciais, ainda que com limitações e respeitadas as regras de distanciamento e seguranças sanitárias, qual seja, a modificação do procedimento e a centralização dos trabalhos em um Núcleo de Prisão em Flagrantes, de modo a adequar o cumprimento das regulamentações afetas ao tema.

Tal solução não é nova e já foi validada por este Conselho Nacional de Justiça. No julgamento do PCA 6865-73.2017, dentre outras medidas adotadas pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, foi validada a atuação de magistrados nas Centrais de Audiências de Custódia. À época da instrução e julgamento do referido procedimento, tivemos a oportunidade de conhecer presencialmente o trabalho realizado em uma dessa centrais, localizada na Cadeia Pública José Frederico Marques, em Benfica.

A iniciativa do Tribunal de instalar a central em um complexo penitenciário foi resultado do convênio firmado com a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap), concretizada no Estado do Rio de Janeiro em 2015, modificando a forma de realização das audiências de custódia que, anteriormente, eram realizadas em uma unidade no Fórum Central, ao lado do Plantão Judiciário.

Na Central de Audiências de Custódia foram instaladas cinco salas para a efetiva realização das audiências, além de salas para advogados e para representantes da Defensoria Pública e do Ministério Público, concentrando os trabalhos em um só local, o que proporcionou economia significativa aos cofres públicos, dado que não há necessidade de deslocamento do preso e de aparato policial de escolta para apresentação a um juiz. Recentemente, em razão da pandemia, o espaço foi reformado e as antigas cinco salas foram transformadas em três, garantindo o distanciamento necessário entre os presentes. Também estão sendo distribuídos equipamentos de proteção individual, além do estabelecimento de um novo protocolo de limpeza após cada sessão.

Registre-se, ainda, que na data de ontem, conforme noticiado em diversos veículos de comunicação, mais de 70 organizações e movimentos encaminharam ofício a este Conselho Nacional manifestando-se pela não revisão do art. 19 da Resolução CNJ 329/2020, sustentando que “longe de instituir regra que permitiria o desvirtuamento do instituto, o CNJ cumpriu seu dever e prerrogativa de reforçar o papel das audiências de custódia como meio de controle da porta de entrada do sistema prisional e instrumento fundamental de prevenção e combate à tortura”.

No longo arrazoado apresentado, as entidades signatárias destacam que “após o período mais crítico da pandemia no Brasil, diversos estados já retomaram a realização de audiências de custódia – presenciais, como é exigido pela essência do instituto, o que foi viabilizado pela observância rígida dos protocolos sanitários. Tais experiências podem e devem ser consideradas no estabelecimento de diretrizes nacionais para a retomada segura”.

Dados do atualizados indicam que a audiência de custódia já foi retomada regularmente, de modo presencial, em nove unidades da federação: Amapá, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Pará, Rio de Janeiro, Roraima e Sergipe. De acordo com dados do Sistema de Audiência de Custódia (SISTAC), durante o período da pandemia até novembro de 2020, já foram realizadas aproximadamente 8.300 audiências de custódia em todo o país, contando com todas as medidas de biossegurança adequadas para a realização da solenidade com garantia à saúde de todos. Trata-se, portanto, de uma realidade de retorno, com segurança, ao procedimento regular da audiência de custódia em 1/3 do país.

Assim, se no momento em que a pandemia estava mais aguda, optou esse Conselho Nacional por não autorizar a realização de audiências de custódia por videoconferência, dada a incompatibilidade, mesmo em momentos de exceção, da realização de tal ato em meios virtuais, não há razão para a modificação de tal regra quando as atividades presenciais, respeitados todos os protocolos, já estão sendo retomadas.

Desse modo, em razão da importância das audiências de custódia para efetivação do disposto em normas internacionais das quais o Brasil é signatário, em especial no que diz respeito à verificação de torturas e maus tratos dos custodiados por ocasião de sua prisão, a fim de evitar verdadeiro retrocesso quanto à garantia de integridade física dos sujeitos sob custódia do Estado, essencial que tal ato seja realizado de modo presencial.

Registre-se que a adoção de centrais de audiência de custódia, tal qual implantadas no Estado do Rio de Janeiro, ou dos núcleos de prisão em flagrantes, na linha do modelo adotado no Estado da Bahia, é o caminho adequado que pode ser viabilizados para dar efetividade para prática do ato de forma presencial e concentrada, otimizando custos e reduzindo deslocamentos nesse momento de pandemia, respeitando a ideia inerente ao instituto, consubstanciada na apresentação física da pessoa custodiada ao juiz.

Ademais, por meio da Portaria n. 190/2020, foi instituído, no âmbito deste Conselho Nacional, o Grupo de Trabalho denominado “Observatório dos Direitos Humanos do Poder Judiciário”. Entre seus objetivos, destacam-se, dentre outros:

 II – Municiar a atuação do Poder Judiciário na formulação de políticas, projetos e diretrizes destinados à tutela dos direitos humanos;

(...)

IV – Elaborar estudos e pareceres sobre demandas que envolvam questões estratégicas de direitos humanos.

(...)

VII – Propor ao Plenário do Conselho Nacional de Justiça medidas que considere pertinentes e adequadas para o aprimoramento da tutela dos direitos humanos no âmbito do Poder Judiciário.

Desse modo, dada a relevância do tema, entendemos que eventual modificação da regulamentação no que diz respeito à realização das audiências de custódia sem a presença física do custodiado, deveria ser objeto de análise e manifestação prévia do referido “Observatório dos Direitos Humanos do Poder Judiciário”.

Por todo exposto, pedindo uma vez mais vênias ao Exmo. Ministro Presidente do CNJ, apresento divergência propondo:

a) inadmissibilidade da presente proposta em razão da prévia judicializacao no STF;

b) suspensão do presente procedimento, com remessa do tema para manifestação do “Observatório dos Direitos Humanos do Poder Judiciário” na forma do art. 3º, II, IV, VII, da Portaria nº 190/2020;

c) no mérito, caso superados os itens anteriores, pela rejeição do ato normativo ora proposto, por não atender às funções previstas para as audiências de custódia nos tratados internacionais em que o Brasil é signatário (recepcionados pelo nosso ordenamento constitucional) e por ausência de permissão legal, com a manutenção integral da redação do art. 19 da Resolução CNJ n. 329/2020, determinando o retorno das audiências de custódia de modo presencial em todos os Estados da Federação, observadas as medidas necessárias para prevenção de contágio pelo novo Coronavírus - COVID 19, nos termos dispostos pela Resolução CNJ n. 322/2020.

É como VOTO.

Conselheiro André Godinho

 



[1] ALMEIDA. Luiz Henrique. As audiências de custódia por videoconferência e o jeitinho brasileiro. Disponível em <http://www.justificando.com/2017/05/31/as-audiencias-decustodia-e-o-jeitinho-brasileiro/>, Acesso em 23 nov 2020

[2] COMENTÁRIOS GERAIS DOS COMITÊS DE TRATADOS DE DIREITOS HUMANOS DA ONU. Disponível em <https://www.defensoria.sp.def.br/dpesp/repositorio/0/Coment%C3%A1rios%20Gerais%20da%20ONU.pdf>, Acesso em 23 nov 2020.

[3] Projeto de audiências de custódia perde sentido sem investigação de tortura, afirmam ONGs na CIDH. Disponível em <http://www.justificando.com/2015/10/21/projeto-de-audiencias-de-custodia-perde-sentido-sem-investigacao-de-tortura-afirmam-ongs-na-cidh/>, Acesso em 22 nov 2020.

[4] Brasil. Conselho Nacional de Justiça. Manual de prevenção e combate à tortura e maus-tratos para audiência de custódia. Conselho Nacional de Justiça, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime ; coordenação de Luís Geraldo Sant’Ana Lanfredi ... [et al.]. Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2020. Disponível em <https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/11/manual_de_tortura-web.pdf>, Acesso em 24 nov.2020.