Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: REVISÃO DISCIPLINAR - 0007912-43.2021.2.00.0000
Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
Requerido: ALDO FERREIRA DA SILVA JUNIOR e outros

 

REVISÃO DISCIPLINAR. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL. DECISÃO DE ARQUIVAMENTO DE PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS APRESENTADO EM DESFAVOR DE MAGISTRADO. EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DE INFRAÇÃO DISCIPLINAR. CONTRARIEDADE ÀS EVIDÊNCIAS DOS AUTOS. PROCEDÊNCIA. INSTAURAÇÃO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR.

I – A Revisão Disciplinar comporta conhecimento sempre que cumprido o prazo constitucional para a proposição e indicada, em tese, uma das hipóteses previstas no art. 83 do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça (RICNJ), condições especificamente atendidas no procedimento sob exame.

II – O CNJ entende que não deve ser perquirido, no julgamento de revisões disciplinares, a correção ou não da deliberação originária a partir da retomada da discussão em si, mas que deva ser processada tão somente para verificar as estritas hipóteses de cabimento que, neste caso, esteve adstrita ao inc. I do art. 83, o qual tem por pressuposto a flagrante dissociação entre o conjunto probatório e o julgamento levado a efeito pelo Tribunal, situação constatada no presente procedimento.

III – O Plenário do CNJ possui entendimento pacífico sobre a admissibilidade formal de RevDis à decisão tomada em procedimento disciplinar preparatório à instauração de processo administrativo disciplinar, razão pela qual não há que se falar em reformatio in pejus.

IV – A superveniência da aposentadoria de magistrado não acarreta a perda de objeto do procedimento disciplinar em curso. Precedentes.

V – Avançando no mérito, constata-se flagrante dissociação entre o conjunto probatório e o julgamento levado a efeito pelo Tribunal de origem.

VI – Revisão Disciplinar que se julga procedente para determinar a desconstituição da decisão proferida pelo Órgão Pleno do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul e a instauração do competente processo administrativo disciplinar, sem afastamento cautelar, em face do Magistrado requerido, devendo tramitar no âmbito daquela Corte de Justiça, nos termos da Portaria aprovada.

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, julgou procedente a Revisão Disciplinar para determinar ao Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul a imediata abertura de processo administrativo disciplinar em desfavor do magistrado, aprovando desde logo a portaria de instauração, nos termos do voto do Relator. Votou a Presidente. Ausente, justificadamente, o Conselheiro Sidney Madruga. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário, 25 de abril de 2023. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson (Relator), João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello. Manifestou-se o Subprocurador-Geral da República Alcides Martins.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: REVISÃO DISCIPLINAR - 0007912-43.2021.2.00.0000
Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
Requerido: ALDO FERREIRA DA SILVA JUNIOR e outros

 

RELATÓRIO

 

Trata-se de REVISÃO DISCIPLINAR (REVDIS) instaurada de ofício pelo CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), em face da decisão colegiada proferida pelo ÓRGÃO PLENO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL (TJMS), que determinou o arquivamento do Pedido de Providências n. 066.152.0023/2018, instaurado naquela Corte de Justiça, em desfavor do Juiz de Direito ALDO FERREIRA DA SILVA JUNIOR.

A conduta funcional apreciada pelo TJMS e examinada pela Corregedoria Nacional de Justiça refere-se ao “fato de que ‘(...) Munir Jorge, parte na Ação de Inventário n. 0059271-15.2009.8.12.0001, teria pago R$ 100.000,00 (cem mil reais) ao magistrado Aldo para proferir decisão favorável’” (ID n. 4515955).

Realizadas as diligências, por não atingir o quórum determinado pelo §5º do art. 14 da Resolução CNJ n. 135, o Tribunal Pleno do TJMS, em 14/10/2020, não admitiu a instauração de Processo Administrativo Disciplinar e determinou o arquivamento do Pedido de Providências, que foi assim ementado: (ID n. 4516265):

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS (SINDICÂNCIA) – DENÚNCIA FORMULADA POR HERDEIRO, PARTE EM INVENTÁRIO, DE QUE TERIA PAGO IMPORTÂNCIA VULTOSA A MAGISTRADO, PRESIDENTE DO FEITO, POR INTERMÉDIO DE INTERPOSTAS PESSOAS (ADVOGADOS DO DENUNCIANTE) PARA OBTER DECISÃO FAVORÁVEL EM PROCESSO DE INVENTÁRIO (CORRUPÇÃO ATIVA/PASSIVA) - DENÚNCIA SEM PROVAS CONCRETAS DESMENTIDA POSTERIORMENTE PELO PRÓPRIO DENUNCIANTE E NEGADA PELOS ADVOGADOS, QUE AFIRMAM QUE OS VALORES PAGOS TRATAVAM-SE DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - MERA INSATISFAÇÃO DA PARTE COM A PRESTAÇÃO JURISDICIONAL - INEXISTÊNCIA DE PROVA DA AUTORIA DO ILÍCITO (CORRUPÇÃO PASSIVA) E DA MATERIALIDADE (EXISTÊNCIA) DOS FATOS - AUSÊNCIA DE PROVAS – REPRESENTAÇÃO ARQUIVADA

I - Segundo clássica e precisa noção jurídica encontradiça na doutrina, é através da sindicância que se colhem os indícios sobre a existência da infração funcional, sua autoria e o elemento subjetivo com que se conduziu o responsável. A ausência desses elementos, mesmo após encerrada a sindicância, com baixa dos autos em diligência, inviabiliza a abertura de procedimento administrativo que visa a permitir uma apuração preliminar sobre a existência de ilícito funcional.

II - Se, após a baixa em diligência dos autos, o denunciante e seus respectivos advogados negam tenha o magistrado incorrido em corrupção passiva (recebimento de dinheiro para agilizar andamento processual), circunstância que está em harmonia com o conjunto probatório, arquiva-se a Sindicância, em virtude da inexistência da prova da autoria do ilícito e da materialidade dos fatos.

III - Segundo a intelecção do art. 9º da Resolução n. 135 do CNJ, a ausência da formalização da denúncia, por escrito, com a confirmação da sua autenticidade, mesmo após a baixa dos autos em diligência, com essa finalidade específica, não autoriza a abertura do Processo Administrativo.

IV - O simples fato de o magistrado estar afastado do cargo por envolvimento em irregularidades funcionais, apurados em outros procedimentos administrativos, não autoriza a abertura de Processo Administrativo Disciplinar com base em acusação de prática de ilícito, sem o respaldo de provas quanto à autoria e materialidade dos fatos.

 

Discordando da conclusão do TJMS em relação ao arquivamento do Pedido de Providências, a Corregedoria Nacional de Justiça determinou a intimação do Magistrado para que, querendo, apresentasse defesa prévia à propositura da Revisão Disciplinar.

Após instrução, a Corregedoria Nacional submeteu a questão à consideração do Plenário do CNJ, que, por unanimidade, decidiu pela instauração da presente RevDis, a teor da certidão juntada ao ID n. 4515965.

O Acórdão foi assim ementado (ID n. 4515961):

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. INFORMAÇÕES EM CUMPRIMENTO AO DISPOSTO NO ART. 28 DA RESOLUÇÃO Nº 135/CNJ. APURAÇÃO. ÓRGÃO CENSOR LOCAL. ARQUIVAMENTO DA RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. POSSÍVEL INSUFICIÊNCIA DE ELEMENTOS PARA MANTER A DECISÃO DIANTE DA GRAVIDADE DAS CONDUTAS IMPUTADAS AO MAGISTRADO. REVISÃO DE PROCESSO DISCIPLINAR.

1. Em cumprimento ao disposto no art. 28 da Resolução nº 135/CNJ, foi determinada a instauração de Pedidos de Providências nos quais devem ser comunicadas à Corregedoria Nacional de Justiça as decisões de arquivamento dos procedimentos prévios de apuração, de instauração e os julgamentos dos procedimentos administrativos disciplinares relativos aos Magistrados vinculados a cada um dos Tribunais do país, à exceção do Supremo Tribunal Federal.

2. Na hipótese dos autos, o acervo probatório encartado indica que o magistrado teria obtido vantagem pessoal (R$ 100.000,00 – cem mil reais) para prolatar decisão a contento de um dos herdeiros de ação de inventário.

3. Destarte, verifica-se a possível existência de indícios que apontam a suposta prática de infrações disciplinares, os quais caracterizam violação, em tese, do dever de cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições e os atos de ofício, circunstâncias que vão de encontro à decisão de arquivamento, afrontando o disposto no art. 35, I, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN), bem como da não observância das regras de imparcialidade, transparência e prudência, previstas nos arts. 8º, 24, 25 e 37 do Código de Ética da Magistratura, que devem nortear a conduta de todos os magistrados.

4. Conclusão pela necessidade de instauração, de ofício, de revisão de processo disciplinar, nos termos dos artigos 82 e 86 do RICNJ.

 Em seguida, os autos foram distribuídos à então Conselheira Flávia Pessoa, minha antecessora, que determinou a intimação da Presidência do TJMS para que apresentasse manifestação, sobretudo acerca da existência e andamento de apuração criminal relativa ao fato em discussão nestes autos (ID n. 4517516).

Em 22/11/2021, a Corte sul-mato-grossense comunicou que tramitam em face do Magistrado Aldo Ferreira da Silva Junior as ações penais de n. 1600855-05.2020.8.12.0000 e n. 1600856- 87.2020.8.12.0000, nas quais as denúncias já foram recebidas, e a de n. 1600857- 72.2020.8.12.0000, ainda pendente de julgamento (ID n. 4546812).

Informou que, além das ações penais ora relacionadas, também foram instaurados em face do referido Magistrado os Processos Administrativos Disciplinares (PADs) n. 066.158.0002/2019 e n. 066.158.0008/2019.

Nesse cenário, considerando o lapso temporal transcorrido desde as informações prestadas, determinei, em 8/6/2022, que o TJMS fosse intimado para apresentar informações atualizadas sobre os aludidos feitos (ID n. 4743503).

Em resposta, o TJMS encartou aos autos os documentos identificados pelos IDs n. 4762102 a 4762347, juntando as certidões circunstanciadas e os extratos processuais das ações penais que tramitam contra o Magistrado Requerido.

No documento de ID n. 4762327, consta o Acórdão do PAD n. 066.158.0002/2019, no qual acordaram os Desembargadores do Tribunal Pleno do TJMS, por maioria, em 23/2/2022, aplicar a pena de aposentadoria compulsória ao Requerido.

Encartado, também, Acórdão proferido no PAD n. 066.158.0008/2019, no qual aplicada, igualmente, a pena de aposentadoria compulsória ao Requerido, na mesma data, qual seja, 23/2/2022 (ID n. 4762332). O Magistrado opôs embargos de declaração contra essa decisão, rejeitados em 4/5/2022 (ID n. 4762345). Certificado o trânsito em julgado do aludido PAD no ID n. 4762347.

Em seguida, a Procuradoria-Geral da República foi intimada para apresentar razões finais, nos termos do art. 87, parágrafo único, do RICNJ (ID n. 4767866), oportunidade na qual teceu as seguintes considerações (ID n. 4819307):

“(...) sobre a questão de mérito, temos que a decisão do tribunal estadual é contrária à evidência dos autos, havendo indícios da prática de infrações disciplinares. 

Na espécie, extrai-se dos autos que há informações, acompanhadas de documentos, que corroboram a narrativa de que o requerido teria supostamente recebido valores para proferir decisão favorável a Munir Jorge, mormente comprovantes de depósito bancário em nome de 4 (quatro) advogados, que, segundo o comunicante, seriam destinados ao pagamento de propina ao magistrado.

Há registro, ainda, de que “Armando Suarez Garcia afirmou que, em conversa com Munir Jorge, seu cliente, este teria lhe dito que o juiz continuava parado com o processo apesar de 100 mil reais dados a ele”.

Verifica-se que o suposto acerto teria acontecido com a “realização de 4 (quatro) depósitos no valor de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) cada, em 4 (quatro) contas distintas, de titularidade de causídicos que patrocinavam Munir Jorge nos autos do Inventário n. 0059271-15.2009.8.12.0001, quais sejam, Leonardo Costa da Rosa, Marcelo Alfredo Araújo Kroetz, Stefano Alcova Alcântara, e Marcos Paulo Pinheiro da Silva”, afirmando-se no voto vencido39 que os depósitos foram efetuados na data de 7.10.2016 e, “no mesmo dia, foi proferida decisão pelo magistrado representado, deferindo o pedido de suspensão das obras realizadas a mando de um dos herdeiros do processo de inventário”.

Outrossim, a decisão de instauração da revisão disciplinar apontou que “depreende-se dos fatos narrados e depoimentos prestados que há uma sequência lógica, que a princípio não parece ser fantasiosa, de que Munir Jorge agiu com o fim de obter decisão favorável na ação de inventário n. 0059271-15.2009.8.12.0001, cujo andamento apresentava-se letárgico, sob o custo de R$ 100.000,00 (cem mil reais), que teriam sido pagos ao magistrado a título de vantagem pessoal, por intermédio de depósitos realizados nas contas bancárias de 4 advogados, depósitos esses que ocorreram no mesmo dia em que proferida a esperada decisão por Munir Jorge”.

(...)

Logo, o cenário delineado nos autos revela indícios de infração disciplinar praticada pelo magistrado.

(...)

Assim, “havendo justa causa, isto é, um lastro probatório mínimo indicativo de possível infração disciplinar e de sua autoria, o procedimento deve necessariamente ser instaurado, uma vez que o exercício do poder disciplinar não constitui mera faculdade da Administração Pública, mas verdadeiro poder-dever decorrente da indisponibilidade do interesse público”.

 

Após, sobrevieram as razões finais do Magistrado Requerido, das quais se extrai o excerto (ID n. 4865889):

“1) Impossibilidade de Instauração de Revisão Disciplinar – Rol Taxativo – Art. 83 do RICNJ:

(...)

Desde logo, é de suma importância consignar que, apesar dos fundamentos esposados pela i. Min. Maria Thereza de Assis Moura, quando da instauração da presente Revisão Disciplinar (ID 4515961), não há falar, no caso em apreço, em contrariedade à evidência dos autos apta a ensejar a abertura de revisão por esse d. Conselho (inciso I do art. 82 do RICNJ).

(...)

Nesse sentido, como bem pontuado pelo E. TJMS, nos autos do PP n.º 066.152.0023/2018, sob Relatoria do n. Des. Claudionor Miguel Abss Duarte, o próprio denunciante e seus respectivos advogados, em suas oitivas, negaram que o defendente tenha incorrido em corrupção passiva, fato que está em plena harmonia com o conjunto probatório do presente feito (ID 4516265 – f. 1/23).

(...)

Inexistem quaisquer provas/indícios de que o defendente tenha cometido a infração disciplinar apontada, mas tão somente conjecturas que, por si só, não podem ensejar a instauração da presente Revisão Disciplinar, com fulcro no inciso I do art. 83 do RICNJ. Devem haver evidências e não apenas conjecturas e ilações desprovidas de qualquer prova objetiva.

(...)

2) Impossibilidade de Reformatio in Pejus – Caráter Recursal – Reexame de Provas:

Caso superada a preliminar arguida, o que não se espera, convém destacar que não há como se dar prosseguimento à presente Revisão Disciplinar também sob a máxima do Non Reformatio In Pejus, na medida em que já determinado o arquivamento da representação pelo Tribunal Pleno do E. TJMS, ante a ausência de provas de autoria e de materialidade (ID 4516265 – f. 1/23).

(...)

Do mesmo modo, frisa-se que a Revisão Disciplinar não possui caráter recursal, não podendo referida via ser aberta com o único intuito de realizar nova análise do conjunto fático-probatório dos autos, a fim de conferir interpretação diversa da adotada pelo Tribunal local.

(...)

3) Ausência de Interesse – Aposentadoria:

Por fim, caso superadas as demais preliminares, o que não se espera, convém destacar que, diante da aposentadoria superveniente do defendente, não subsiste o imprescindível interesse jurídico (pretensão punitiva) na revisão do v. acórdão do E. TJMS que determinou o arquivamento do PP n.º 066/152.0023/2018.

(...)

Ao ensejo, destaca-se que, embora tenha sido recebida a denúncia nos autos da Ação Penal n.º 1600857-72.2020.8.12.0000, em trâmite perante o Órgão Especial do E. TJMS, será demonstrado, ao longo da instrução daquele feito, que o defendente jamais recebeu qualquer quantia ou favor em troca de decisões.

Assim, restando demonstrada a ausência de interesse jurídico no caso em apreço (pretensão punitiva), deve ser determinado o arquivamento do feito ou, caso assim não entenda V. Ex.ª, julgada improcedente a presente Revisão Disciplinar.

 

Nesse contexto pugna para que seja deferida a produção de prova testemunhal, bem como de outras que se fizerem necessárias, nos termos do art. 87, caput¸ do RICNJ, com posterior reabertura/devolução do prazo para apresentação de defesa complementar, após o findar da instrução, sob pena de inobservância aos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal.

Requer, ao final, sejam acolhidas as preliminares arguidas, determinando-se o arquivamento do feito ou, caso assim não entenda, a improcedência da presente Revisão Disciplinar.

É o relatório.

 

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: REVISÃO DISCIPLINAR - 0007912-43.2021.2.00.0000
Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
Requerido: ALDO FERREIRA DA SILVA JUNIOR e outros

 

VOTO

O CONSELHEIRO GIOVANNI OLSSON (Relator):  

 

1. DO CONHECIMENTO

De início, cumpre registrar que a Constituição da República não faz qualquer outra exigência para o conhecimento de revisões disciplinares de juízes e membros de Tribunais além da relativa ao prazo para o início do procedimento revisional[1].

Na mesma linha está o Regimento Interno do CNJ (RICNJ)[2].

Não obstante, o RICNJ estabelece, na forma do art. 83, as hipóteses de admissibilidade da Revisão Disciplinar (RevDis)[3].

Assim, para o conhecimento da RevDis, este Conselho deve estar adstrito, exclusivamente, à verificação quanto ao cumprimento do prazo constitucional para a proposição e à indicação, em tese, do atendimento de uma ou mais hipóteses previstas no art. 83 do RICNJ.

Posto isto, em relação à condicionante temporal, cumpre registrar que o presente procedimento foi proposto de forma tempestiva, uma vez que o prazo constitucional de menos de um ano foi rigorosamente observado, conforme analisado pelo Plenário do CNJ quando da decisão da instauração da presente RevDis (ID n 4515961).

Ademais, é oportuno consignar que o Plenário do CNJ tem entendimento pacífico sobre a admissibilidade formal de RevDis à decisão tomada em procedimento disciplinar preparatório à instauração de processo administrativo disciplinar (PAD), propriamente dito, a saber:

 

REVISÃO DISCIPLINAR. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. ARQUIVAMENTO DE SINDICÂNCIA. VEÍCULO OFICIAL. USO ABUSIVO. DECISÃO CONTRÁRIA ÀS PROVAS DOS AUTOS. NÃO OCORRÊNCIA. AUTORIZAÇÃO DO PRESIDENTE DO TRIBUNAL. BOA-FÉ. IMPROCEDÊNCIA DA REVISÃO DISCIPLINAR.

1. Pedido de revisão disciplinar em face de decisão do Tribunal Pleno do Tribunal de Justiça de Minas Gerais determinou o arquivamento de Sindicância, indeferindo, dessa forma, o pedido de instauração de procedimento administrativo disciplinar contra o magistrado requerido.

2. Instrução do feito originário isenta de vícios.

3. Decisão amparada em farto conjunto probatório testemunhal e documental.

4. Juiz de Vara de Conflitos Agrários foi orientado pelo Presidente do Tribunal a utilizar o veículo oficial de forma excepcional, em vista da situação de risco a que o magistrado estava exposto.

5. Uso abusivo de veículo oficial não resta configurado diante da evidente boa-fé do magistrado.

6. Processo em que não se verifica contrariedade à lei, a ato normativo do CNJ ou à evidência dos autos.

7. Improcedência do pedido de revisão disciplinar.

(CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0003923-68.2017.2.00.0000 - Rel. FERNANDO MATTOS - 275ª Sessão Ordinária - julgado em 07/08/2018).

 

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. INFORMAÇÕES EM CUMPRIMENTO AO DISPOSTO NO ART. 28 DA RESOLUÇÃO Nº 135/CNJ. APURAÇÃO. CORREGEDORIA DO TRT DA 4ª REGIÃO. ARQUIVAMENTO DA RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. POSSÍVEL INSUFICIÊNCIA DE ELEMENTOS PARA MANTER A DECISÃO DIANTE DA GRAVIDADE DAS CONDUTAS IMPUTADAS AO JUIZ REQUERIDO. REVISÃO DE PROCESSO DISCIPLINAR.

1. Em cumprimento ao disposto no art. 28 da Resolução nº 135/CNJ, devem ser comunicadas à Corregedoria Nacional de Justiça as decisões de arquivamento dos procedimentos prévios de apuração, de instauração e os julgamentos dos procedimentos administrativos disciplinares relativos aos Magistrados vinculados a cada um dos Tribunais do país, à exceção do Supremo Tribunal Federal.

2. No julgamento da reclamação disciplinar, o Órgão Especial do TRT da 4ª Região arquivou a reclamação disciplinar proposta em desfavor do juiz requerido.

3. Embora tenham sido verificados indícios de violação aos deveres de cumprimento com independência, serenidade e exatidão das disposições legais e os atos de ofício, manutenção de uma conduta irrepreensível na vida pública e particular, de prudência, de imparcialidade, de integridade profissional e pessoal, da dignidade, da honra e do decoro pelo magistrado, o Tribunal local arquivou a reclamação disciplinar.

4. Na hipótese dos autos, constatou-se que o requerido possivelmente deferiu duas medidas liminares em sede de mandado de segurança autuado na origem sob o número 0000145-81.2014.5.04.0211, nos dias 14 e 21/03/2014, mediante o percebimento de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), para assegurar a manutenção dos vendedores ambulantes do “Camelódromo de Torres” em área pertencente à municipalidade local.

5. A decisão do juiz requerido supostamente desrespeitou decisão judicial transitado em julgado na Justiça Comum, a qual determinava a desocupação da área litigiosa.

6. A decisão proferida pelo Órgão Especial do TRT da 4ª Região apresenta possível insuficiência de elementos para manter o arquivamento da reclamação disciplinar, diante da gravidade das condutas imputadas ao juiz reclamado, que, a princípio, mostram-se contrárias ao Código de Ética da Magistratura Nacional e à LOMAN.

7. Conclusão pela necessidade de instauração, de ofício, de revisão de processo disciplinar para verificação da necessidade de instauração de procedimento administrativo disciplinar em face do requerido, nos termos dos arts. 82 e 86 do RICNJ.

 (CNJ - PP - Pedido de Providências - Corregedoria - 0005950-92.2015.2.00.0000 - Rel. Min. NANCY ANDRIGHI - 13ª Sessão Virtual - julgado em 24/05/2016). Grifou-se

 

É certo que, nem no processo penal, cujo bem jurídico tutelado é ainda mais sensível, a decisão de arquivamento de inquérito policial por falta de justa causa não faz coisa julgada material, muito menos a decisão de arquivamento de procedimento administrativo fará.

Assim, não há que se falar em reformatio in pejus decorrente do arquivamento da representação pelo Tribunal Pleno do TJMS e posterior instauração, de ofício, de revisão de processo disciplinar pelo CNJ, razão pela qual conheço da Revisão Disciplinar.

 

2. DA SUPOSTA AUSÊNCIA DE INTERESSE DIANTE DA APOSENTADORIA COMPULSÓRIA SUPERVENIENTE DO MAGISTRADO 

O Magistrado Requerido argui que não subsiste o imprescindível interesse jurídico (pretensão punitiva) na revisão do Acórdão do TJMS que determinou o arquivamento do PP n. 066/152.0023/2018, diante de sua aposentadoria superveniente.

Não assiste razão ao Requerido.

Da análise detida dos autos, verifica-se que os atos ilícitos examinados nesta RevDis são diversos daqueles apreciados nos PADs n. 066.158.0002/2019 e n. 066.158.0008/2019.

A conduta funcional averiguada nestes autos refere-se ao fato de que Munir Jorge, parte na Ação de Inventário n. 0059271-15.2009.8.12.0001, teria pago R$ 100.000,00 (cem mil reais) ao Magistrado Aldo para proferir decisão favorável.

 

Já no PAD n. 066.158.0002/2019 (grifou-se), no qual aplicada a pena de aposentadoria compulsória, conforme se extrai do Voto ID n. 4762327, a questão central examinada “diz respeito à suspeita de recebimento de vantagens indevidas pelo magistrado requerido para deferir a venda de uma propriedade rural denominada ‘Fazenda Boa Vista’, que compunha o espólio de bens de Sidnei Tomás de Oliveira e Silva, nos autos do inventário nº 0039567-45.2011.8.12.0001, bem como da natureza da relação entre o magistrado Aldo Ferreira da Silva Júnior e a pessoa de Jesus Silva Dias. Por fim, visa ainda analisar a relação entre o magistrado e a pessoa de Fernando Peró Corrêa Paes, nomeado nos autos nº 0101173-84.2005.8.12.0001, n. 0011518-29.1990.8.12.0001, 0807370-91.2017.8.12.0001, como inventariante dativo”.

Por outro lado, da leitura do relatório do PAD n. 066.158.0008/2019 (grifou-se), em que o Tribunal Pleno do TJMS, por unanimidade, também aplicou a pena de aposentadoria compulsória ao Magistrado, extrai-se de seu objeto a imputação ao Requerido das condutas de (ID n. 4762332):

1. praticar infrações administrativas e criminais que apontam indícios de que o magistrado, valendo-se de seu cargo e de sua posição de Juiz Titular da 5ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Campo Grande, agiu, em associação criminosa com sua esposa Emmanuelle Alves Ferreira da Silva, bem como com Delcinei de Souza Custódio, José Geraldo Tadeu de Oliveira e Ronei de Oliveira Pécora, para prática dos delitos de estelionato, associação criminosa, falsificação de documento público, falsificação ideológica, uso de documento falso e falsa identidade em prejuízo de Salvador José Monteiro de Barros.

(...)

2. receber em sua conta pessoal e utilizar valores oriundos do fraudulento processo executivo n° 0845159-61.2016.8.12.0001 para realização, em proveito próprio, de vários pagamentos a terceiros, alguns antes mesmo do vencimento, destacando-se a transferência para o advogado Wilson Tavares de Lima, pessoa com quem mantinha relacionamento íntimo de amizade, já que ele foi sua testemunha no casamento civil, bem como mantinham relações negociais, notadamente empréstimo de valores significativos.

3. prevalecer-se de seu cargo e de sua posição de titular da 5ª Vara de Sucessões de Campo Grande para receber vantagem ilícita oriunda do dinheiro ilegalmente levantado nos autos da ação executiva n. 0845159-61.2016.8.12.0001;

4. ocultar informações em suas declarações de imposto de renda, com a finalidade de sonegar imposto e ocultar patrimônio.

 

Nesse cenário, de acordo com o Enunciado Administrativo n. 19 deste Conselho, “a superveniência da aposentadoria de magistrado não acarreta a perda de objeto do procedimento disciplinar em curso”.

Com efeito, de acordo com o entendimento pacífico desta Casa, a aplicação de sanção administrativa de aposentadoria compulsória não constitui causa de extinção de punibilidade disciplinar relativamente a outros atos ilícitos que sejam objeto de apuração em feitos distintos, subsistindo o dever da autoridade administrativa de apurar eventuais infrações praticadas por agentes públicos no exercício das suas atribuições, senão vejamos:

RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. INSTRUMENTO PREPARATÓRIO. CONSTATAÇÃO DE EVENTUAIS IRREGULARIDADES PRATICADAS POR MAGISTRADO NA SUA VIDA PRIVADA. APRESENTAÇÃO DE PEDIDO DE APOSENTADORIA COM O OBJETIVO DE EVITAR AÇÃO CORRECIONAL. SUSPENSÃO DO PEDIDO DE APOSENTADORIA. INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR PARA APROFUNDAMENTO DAS INVESTIGAÇÕES SEM A NECESSIDADE DE INSTAURAÇÃO DE PRÉVIA SINDICÂNCIA. PRESCRIÇÃO. AFASTAMENTO. PRINCÍPIO DA ACTIO NATA. ANÁLISE NAS INSTÂNCIAS FISCAL E PENAL. INDEPENDÊNCIA. CONDUTA INCOMPATÍVEL COM AS FUNÇÕES DE MAGISTRADO. INDÍCIOS DE VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA MORALIDADE, INTEGRIDADE E IDONEIDADE ANTE AS SUSPEITAS DA PRÁTICA DE NEGÓCIOS JURÍDICOS SIMULADOS, FRAUDE AO FISCO E LAVAGEM DE CAPITAIS. INDÍCIOS DE EVOLUÇÃO PATRIMONIAL INCOMPATÍVEIS COM OS RENDIMENTOS AUFERIDOS. AFASTAMENTO CAUTELAR. POSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS.

I – Patente o propósito de ilidir ação correicional em apresentação pelo reclamado de pedido de aposentadoria voluntária, quando já designada sessão que pode decidir pela instauração do processo administrativo disciplinar. Deferimento do requerimento do Ministério Público Federal, para suspender a tramitação do pedido de aposentadoria voluntária, que se impõe. A aposentadoria do magistrado, quando já avançadas as investigações, seja em momento anterior ou posterior à instauração do processo administrativo, não constitui “causa extintiva de punibilidade disciplinar”.

II – Quando na apuração procedida no âmbito da Reclamação Disciplinar exsurgem elementos suficientes à propositura do processo administrativo disciplinar, a sindicância, como procedimento preparatório, mostra-se prescindível, evitando-se maiores retardos na investigação principal.

III – Alegação de prescrição afastada. A obrigação de o membro do Poder Judiciário entregar à Corregedoria local a declaração até 30 dias após o término do prazo de entrega de declaração ao Fisco, não faz iniciar, para este Conselho, o prazo prescricional previsto no art. 24 da Resolução 135/2010. Aplicação do princípio da actio nata, segundo a qual a prescrição e a decadência só começam a correr quando o titular do direito invocado (pretensão punitiva da Administração) toma conhecimento do fato e da extensão de suas consequências.

IV – A independência entre as instâncias fiscal, penal e administrativa viabiliza a investigação isolada nas três esferas. Apuração administrativa que se faz sob a perspectiva ético-disciplinar, visando, acaso confirmada a violação aos deveres de idoneidade, integridade e moralidade, a aplicação da sanção pertinente.

V – Demonstração de fundados indícios da prática de negócios jurídicos simulados no intuito de apresentar justificativas para uma evolução patrimonial incompatível com os rendimentos do cargo. Condutas atentatórias aos princípios da moralidade, integridade e idoneidade.

VI – Instauração de processo administrativo disciplinar, com afastamento do investigado das funções inerentes ao cargo, enquanto durar a tramitação do feito, com consequente suspensão do pedido de aposentadoria voluntária até a manifestação do Plenário do Conselho Nacional de Justiça acerca dos fatos investigados.

(CNJ - RD - Reclamação Disciplinar - 0004547-59.2013.2.00.0000 - Rel. FRANCISCO FALCÃO - 176ª Sessão Ordinária - julgado em 08/10/2013). Grifou-se

 

Desse modo, não há que se falar em ausência de interesse diante da aposentadoria superveniente do Magistrado.

 

3. DA NÃO OCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO E DA POSSIBILIDADE, EM TESE, DE INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

Muito embora não tenha sido arguida como preliminar pelo Magistrado requerido, insta perquirir sobre a eventual ocorrência de prescrição, a fim de avaliar se a movimentação da máquina judiciária seria inócua no caso concreto.

Releva destacar que, até a instauração do PAD, via de regra, a prescrição conta-se pelo prazo de 5 (cinco) anos e não pela pena hipoteticamente apurada, nos termos do que prescreve o art. 24 da Resolução CNJ n. 135. A única exceção se dá quando a falta “configurar tipo penal”.

Assim, o cálculo da prescrição em abstrato deve observar o prazo de 5 (cinco) anos contados da data em que os fatos se tornaram conhecidos pela Administração. A exceção, portanto, reside no enquadramento do fato como tipo penal, hipótese em que o prazo prescricional será o do Código Penal.

No caso concreto, tem-se que, em 22/11/2018, Juízes Auxiliares da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul (CGJ/MS) comunicaram ao Corregedor fatos relatados no decorrer da inspeção na 5ª Vara de Família e Sucessões da comarca de Campo Grande dando conta de supostas práticas de crimes cometidos pelo magistrado Aldo Ferreira da Silva Júnior (ID n. 4516238).

Em 6/12/2018, a CGJ/MS encaminhou ao CNJ “cópia da representação pela instauração de Processo Administrativo Disciplinar com determinação de afastamento preventivo, em face do Juiz de Direito Aldo Ferreira da Silva Junior, formulada perante o Conselho Superior da Magistratura” (ID n. 4516331).

A instrução deste procedimento também traz a informação de que a ação penal n. 1600857-72.2020.8.12.0000, que tramita no TJMS, ainda pendente de julgamento, imputa aos réus, dentre eles o magistrado requerido crime de associação criminosa[4], corrupção passiva[5] e outros, supostamente praticados no âmbito de processos de inventário em que Aldo Ferreira da Silva atuava como Juiz titular (ID n. 4546813, página 24).

Diante disso, tendo em conta que a pena máxima para os crimes investigados pode superar 12 (doze) anos de reclusão, o prazo prescricional é de 20 (vinte) anos, a teor do que prescreve o art. 109, I, do Código Penal[6].

Destarte, no caso submetido à análise, não há falar em prescrição em abstrato. 

Com efeito, a regra estabelecida parece não deixar dúvidas: uma vez capitulada a infração administrativa como crime, o prazo prescricional terá por parâmetro a lei penal. Nesse sentido, entendeu o Supremo Tribunal Federal:

Agravo regimental em mandado de segurança. 2. Conselho Nacional de Justiça. 3. Processo Administrativo Disciplinar. 4. Prescrição. 5. Infrações disciplinares tipificadas como ilícitos penais. 6. Apuração. Aplicação dos prazos prescricionais penais. 7. Agravo regimental desprovido.

 (AG.REG. EM MANDADO DE SEGURANÇA 34.605, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, Sessão Virtual de 8.2.2019 a 14.2.2019) (grifei)

 

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. CONDUTA TAMBÉM TIPIFICADA COMO CRIME. PRAZO PRESCRICIONAL. 1. Capitulada a infração administrativa como crime, o prazo prescricional da respectiva ação disciplinar tem por parâmetro o estabelecido na lei penal (art. 109 do CP), conforme determina o art. 142, § 2º, da Lei nº 8.112/1990, independentemente da instauração de ação penal. Precedente: MS 24.013, Rel. para o acórdão Min. Sepúlveda Pertence. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.”

(RMS 31506 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 3/3/2015, Processo Eletrônico DJe-059, divulgado em 25/3/2015, publicado em 26/3/2015) (grifei)

 

Nesse cenário, a data de 22/11/2018 deve ser considerada como a de conhecimento dos fatos pela primeira das autoridades competentes[7], dando início ao curso do prazo prescricional de 20 (vinte) anos, cujo término ainda não ocorreu, tendo transcorridos apenas 4 (anos) anos.   

Portanto, acaso demonstrada, na análise de mérito, efetiva contrariedade da decisão proferida pelo TJMS à evidência dos autos, o PAD poderá ser instaurado, uma vez que a pretensão punitiva da Administração não foi fulminada pela prescrição. 

 

4. DO MÉRITO

O art. 83 do RICNJ, ao regulamentar o artigo 103-B, § 4º, V, da Constituição da República, prescreve as hipóteses taxativas de cabimento da revisão de processos disciplinares em desfavor de Magistrados:

i) decisão contrária a texto expresso da lei, à evidência dos autos ou a ato normativo do CNJ;

ii) decisão que se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;

iii) quando, após a decisão, surgirem fatos novos ou novas provas ou circunstâncias que determinem ou autorizem modificação da decisão proferida pelo órgão de origem.

Pois bem.

No caso sob exame, o pedido de revisão deve ser acolhido.

O Pedido de Providências originário foi arquivado por ausência de quórum para a instauração do PAD, considerando-se que, “se, após a baixa em diligência dos autos, o denunciante e seus respectivos advogados negam tenha o magistrado incorrido em corrupção passiva (recebimento de dinheiro para agilizar andamento processual), circunstância que está em harmonia com o conjunto probatório, arquiva-se a Sindicância, em virtude da inexistência da prova da autoria do ilícito e da materialidade dos fatos” (ID n. 4516265).

Cabe destacar, a princípio, que “o processo de revisão disciplinar não se presta à ampla reapreciação da prova produzida no processo disciplinar e apreciada na instância administrativa competente. A revisão disciplinar não se destina a proporcionar novo julgamento substituto do anterior, com reapreciação de todo o acervo probatório. A sua finalidade é corrigir a decisão proferida em processo disciplinar, nas restritas hipóteses previstas no artigo 89 do RICNJ (sic), que guarda similitude com as hipóteses previstas no artigo 621 do CPP.” (REVDIS n. 0000912-41.2011.2.00.0000, José Adonis Callou de Araújo Sá, 130ª Sessão Ordinária, j. 5.7.2011).

Nesse contexto, o CNJ vem consolidando sua jurisprudência no sentido de não perquirir acerca da correção ou não da deliberação originária a partir da retomada da discussão em si, mas tão somente sob o enfoque das estritas hipóteses de cabimento (Revisão Disciplinar n. 0007748-20.2017.2.00.0000, Relator Conselheiro Fernando Mattos, 287ª Sessão Ordinária, j. 26.3.2019; Revisão Disciplinar n. 0003590-87.2015.2.00.0000, Relatora Conselheira Daldice Santana, 47ª Sessão Extraordinária, j. 29/5/2018). 

Assim, conforme inúmeras vezes decidiu esta Casa, o pedido revisional fundado no art. 83, inciso I, do RICNJ, tem como pressuposto a flagrante dissociação entre o conjunto probatório e o julgamento, o que, desde já, afirmo que houve no caso analisado.

Com efeito, a teor do quanto destacado até aqui e após minuciosa averiguação dos registros consignados nos autos, constata-se que, ao arquivar o Pedido de Providências originário, o TJMS apontou que “segundo a intelecção do art. 9º da Resolução n. 135 do CNJ, a ausência da formalização da denúncia, por escrito, com a confirmação da sua autenticidade, mesmo após a baixa dos autos em diligência, com essa finalidade específica, não autoriza a abertura do Processo Administrativo”, de modo que “o simples fato de o magistrado estar afastado do cargo por envolvimento em irregularidades funcionais, apurados em outros procedimentos administrativos, não autoriza a abertura de Processo Administrativo Disciplinar com base em acusação de prática de ilícito, sem o respaldo de provas quanto à autoria e materialidade dos fatos” (ID n. 4516265).

Ocorre que o art. 8º da Resolução CNJ n. 135 dispõe que o Corregedor-Geral deve promover, de ofício, a apuração dos fatos, ao ter notícia de irregularidades atribuídas a Magistrados, o que torna prescindível a existência da denúncia escrita prevista no art. 9º da mencionada Resolução.

Nesse contexto, muito embora o denunciante Munir Jorge, em resposta à acusação da Ação Penal n. 1600857-72.2020.8.12, ter afirmado que “nunca houve qualquer negociação ou discussão a respeito de pagamento de valores para obtenção de decisão judicial”, o entendimento predominante do STF e do STJ é no sentido de que os efeitos da decisão tomada em processo penal deverão repercutir sobre o administrativo somente quando estiverem demonstradas a inexistência material do fato e a negativa de autoria (STF - MS 32806, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª T., DJe 29/2/2016/ STJ - RMS 39.186, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., DJe 7/3/2013).

Nesse sentido, o voto vencido no referido Pedido de Providências registrou que “a ação penal não se comunica com o processo administrativo disciplinar, tendo em vista a independência das instâncias que assegura a investigação dos fatos na esfera administrativa, ainda que tenha havido retratação da denúncia ou mesmo arquivamento do processo penal”. Assim, a ausência de denúncia no processo penal não obsta a instauração do processo administrativo disciplinar. Salientou, ainda, que “é perfeitamente possível que o Corregedor-Geral de Justiça, ao tomar conhecimento de irregularidades atribuídas a magistrados de primeiro grau, promova de ofício a instauração do procedimento administrativo disciplinar, não havendo a necessidade de existência de denúncia escrita prevista no art. 9ª, da Resolução n. 135/2011, do CNJ” (ID n. 4516265).

Além disso, a decisão de instauração da Revisão Disciplinar apontou que constou do voto do Corregedor-Geral de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, no qual se propôs a abertura do PAD contra o Requerido que “depreende-se dos fatos narrados e depoimentos prestados que há uma sequência lógica, que a princípio não parece ser fantasiosa, de que Munir Jorge agiu com o fim de obter decisão favorável na ação de inventário n. 0059271-15.2009.8.12.0001, cujo andamento apresentava-se letárgico, sob o custo de R$ 100.000,00 (cem mil reais), que teriam sido pagos ao Magistrado Requerido a título de vantagem pessoal, por intermédio de depósitos realizados nas contas bancárias de quatro advogados, depósitos esses que ocorreram no mesmo dia em que proferida a esperada decisão por Munir Jorge” (IDs n. 4515961/4516265):

"[...] No dia designado, o denunciante, Munir Jorge, declarou, em suma, que: (i) primeiramente conversou com o Juiz Fábio, o qual chamou o juiz Fernando para ouvir a denúncia que tinha a fazer; (ii) depois, foi convidado pelo juiz José Andrade para ser ouvido, e essa conversa teria sido gravada, o que descobriu depois, dizendo que não concordava; (iii) reclamou muito da conduta do juiz Aldo na condução do inventário que não andava, dizendo que ele "sentava no processo"; (iv) sempre ouviu que o juiz Aldo "gostava de dinheiro" e é corrupto, mas não sabe esclarecer quem afirmava tal frase; (v) o juiz Aldo tinha para o seu caso "uma tabela de valores para interromper a obra", 200 ou 150 mil, inclusive 20 mil reais para negar o pedido e poder recorrer; (vi) não sabe quem apresentou a tabela, mas acha que foi o advogado Leonardo; (vii) conversou com o advogado Armando, seu principal advogado, sobre a tabela, e ele ficou muito irritado, não sabendo se ele e o advogado Leonardo tiveram problemas em razão disso; (viii) o valor total de R$ 100.000,00 depositados refere-se ao pagamento de honorários advocatícios do processo de inventário, porque até então só tinha efetuado o pagamento das custas processuais; (ix) o valor foi depositado para 4 advogados, R$ 25.000,00 cada um, a pedido deles; (x) não se recorda ter recebido do advogado Marcelo mensagens via whatsapp após os depósitos, informando que a decisão favorável havia sido prolatada; (xi) afirmou que não pagou nenhum valor para obter a decisão favorável.

 

Ouvidos no mesmo dia 21.1.2020, os advogados Marcelo Alfredo Araújo Kroetz, Leonardo Costa da Rosa, Stefano Alcova Alcântara, Marcos Paulo Pinheiro da Silva e Armando Suarez Garcia, afirmaram o que se segue: (i) Munir Jorge contratou o escritório para serviços em processo de inventário, e quem mais tratava com ele eram os advogados Leonardo e Armando; (ii) o advogado Leonardo se desentendeu com Munir em razão de acordo não celebrado em ação de sonegados, a partir de quando o advogado Armando passou a ter muito mais contato com o referido cliente; (iii) a contratação inicial se deu na modalidade pro labore, no valor de R$ 15.000,00; no entanto, advieram outras situações que demandaram ajuizamento de outras ações, como prestação de contas, sonegados, e foi necessário, portanto, um novo acerto de honorários vinculados ao êxito da causa; (iv) o valor recebido pelos 4 advogados (R$ 25.000,00 cada) seria o pagamento destes honorários de êxito, até porque já havia resultado positivo na ação de sonegados, sendo mencionado um benefício em favor de Munir da ordem de R$ 3.000.000,00 ou mais; (v) os patronos que receberam os depósitos de R$ 25.000,00 disseram que o dinheiro lhes serviu para pagamento de despesas do escritório (Marcelo e Leonardo), e a parte referente aos patronos Stefano e Marcos, para adquirirem parte na sociedade advocatícia; (vi) o patrono Armando não fazia parte da sociedade advocatícia, sendo sua remuneração diferenciada, daí porque não ter recebido parte dos honorários retromencionados.

 

Destaque-se das oitivas resumidamente reportadas acima que o advogado Armando Suarez Garcia afirmou que, em conversa com Munir Jorge, seu cliente, este teria lhe dito que o juiz continuava parado com o processo apesar de 100 mil reais dado a ele.

 

Ora, do mencionado depoimento prestado pelo principal patrono de Munir Jorge, qual seja, o advogado Armando Suarez Garcia, assim como dos demais elementos colacionados nos autos, é possível verificar a existência de indícios de que o ora representado incorreu na prática de grave infração disciplinar.

 

Nada obstante o denunciante tenha modificado a sua versão dos fatos e os demais depoentes tenham negado a prática de crime de corrupção ativa, o que, diga-se, era absolutamente esperado, sobressai-se do depoimento do advogado Armando Suarez Garcia que em conversa com Munir Jorge, este teria lhe afirmado que foi dado 100 mil reais ao juiz Aldo, ora representado, razão pela qual este Corregedor se convenceu ainda mais de que os indícios corroboram a necessidade de abertura de PAD para instrução e colheita de provas, com a finalidade de averiguar as graves irregularidades ora apontadas, sobretudo porque há necessidade de quebra de sigilos o que só pode ocorrer no âmbito do processo administrativo disciplinar.

 

Outrossim, é certo que não há como exigir que seja formalizada denúncia por escrito em face de magistrado, sobretudo no caso em apreço, porquanto tratam-se advogados que teriam oferecido vantagem indevida ao juiz representado, visando a obtenção de decisão favorável ou mesmo impulso processual de feito que estava paralisado há muito tempo.

 

Como afirmado inicialmente, não merece acolhimento o pedido de arquivamento feito às fls. 1.133-1.1134, com base no documento colacionado às fls. 1.135-1.142, no qual Munir Jorge, em resposta à acusação da ação penal n. 1600857-72.2020.8.12.0000, afirma que "nunca houve qualquer negociação ou discussão a respeito de pagamento de valores para obtenção de decisão judicial", tendo em vista se tratar de mera repetição do que declarou na oitiva realizada em 21.1.2020, qual seja, a negativa de pagamento de valor para o requerido para obter decisão favorável.

 

Acrescento, ademais, que a ação penal não se comunica com o processo administrativo disciplinar, tendo em vista a independência das instâncias que assegura a investigação dos fatos na esfera administrativa, ainda que tenha havido retratação da denúncia ou mesmo arquivamento do processo penal.

 

[...]

 

Conforme já analisado, Munir Jorge, parte (herdeiro) na Ação de Inventário n. 0059271-15.2009.8.12.0001, afirmou a 4 (quatro) magistrados, que durante o trâmite do referido processo um dos herdeiros de Kalil Jorge iniciou a construção de edificação em um dos imóveis componentes do acervo herdado, o que levou o comunicante a peticionar nos autos pugnando pelo embargo da referida obra.

 

Diante do longo lapso sem a apreciação do pleito em comento, o comunicante solicitou aos seus causídicos, Leonardo Costa da Rosa e Marcelo Alfredo Araújo Kroetz, que conversassem com o magistrado da causa, ora representado, para que este analisasse a peça de embargo.

 

Ato contínuo, em razão da ineficácia do pedido (a petição não fora apreciada), o comunicante insistiu com seus advogados para que voltassem a falar com o julgador, ocasião em que o advogado Leonardo Rosa lhe disse que "o magistrado Aldo Ferreira da Silva Júnior gosta de dinheiro e que, se ele quisesse, poderia ver a possibilidade de pagar para que fosse prolatada uma decisão" (f. 13).

 

O comunicante, desta feita, "não vendo outra solução, autorizou o advogado a ir falar com o juiz Aldo, após o que retornou o advogado dizendo que o juiz havia cobrado a quantia de R$ 100.000,00 (cem mil reais) para decidir favoravelmente a ele" (f. 13).

 

Tendo o comunicante achado alto o valor ora exigido, "pediu para que seus advogados voltassem a falar com o juiz para ver se poderiam resolver de algum outro jeito, ocasião em que o juiz Aldo Ferreira teria cobrado a quantia de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) para indeferir o pedido de embargo da obra, o que o autorizaria a recorrer para o TJ e tentar uma solução favorável" (f. 13).

 

Não vislumbrando outra alternativa, o comunicante aceitou pagar o montante de R$ 100.000,00 (cem mil reais) para ter uma decisão favorável.

 

O acerto aconteceu com a realização de 4 (quatro) depósitos no valor de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) cada, em 4 (quatro) contas distintas, de titularidade de causídicos que patrocinavam Munir Jorge nos autos do Inventário n. 0059271-15.2009.8.12.0001, quais sejam, Leonardo Costa da Rosa, Marcelo Alfredo Araújo Kroetz, Stefano Alcova Alcântara, e Marcos Paulo Pinheiro da Silva, conforme observa-se dos documentos de fls. 17-20.

 

Insta salientar que os depósitos suprarreferidos foram efetuados na data de 7.10.2016.

 

No mesmo dia, foi proferida decisão pelo magistrado representado, deferindo o pedido de suspensão das obras realizadas a mando de um dos herdeiros do processo de inventário. [...]" (destaques do original)

 

Assim, extrai-se dos autos que há informações acompanhadas de documentos, que corroboram a narrativa de que o Requerido teria supostamente recebido valores para proferir decisão favorável a Munir Jorge, mormente comprovantes de depósito bancário em nome de quatro advogados, que, segundo o comunicante, seriam destinados ao pagamento de propina ao Magistrado (ID n. 4516295).

Dessa forma, tem-se que a decisão do Tribunal local é contrária às evidências dos autos, havendo indícios de infrações disciplinares a serem apuradas.

 Nesse contexto, não se mostrando razoável a decisão de arquivamento prolatada pelo TJMS, faz-se necessária aprofundada apuração, mediante a instauração de processo administrativo disciplinar, sem afastamento cautela, haja vista a superveniente aposentadoria do magistrado.

No caso em apreço, nota-se violação, em tese, dos seguintes dispositivos:

LOMAN

Art. 35 - São deveres do magistrado: 

(...)

 

I - Cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício;

 

CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA NACIONAL

Art. 1º O exercício da magistratura exige conduta compatível com os preceitos deste Código e do Estatuto da Magistratura, norteando-se pelos princípios da independência, da imparcialidade, do conhecimento e capacitação, da cortesia, da transparência, do segredo profissional, da prudência, da diligência, da integridade profissional e pessoal, da dignidade, da honra e do decoro.

(...)

Art. 5º Impõe-se ao magistrado pautar-se no desempenho de suas atividades sem receber indevidas influências externas e estranhas à justa convicção que deve formar para a solução dos casos que lhe sejam submetidos.

Art. 6º É dever do magistrado denunciar qualquer interferência que vise a limitar sua independência. 

Art. 8º O magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito.

(...)

Art. 24. O magistrado prudente é o que busca adotar comportamentos e decisões que sejam o resultado de juízo justificado racionalmente, após haver meditado e valorado os argumentos e contra-argumentos disponíveis, à luz do Direito aplicável.

Art. 25. Especialmente ao proferir decisões, incumbe ao magistrado atuar de forma cautelosa, atento às conseqüências que pode provocar.

(...)

Art. 37. Ao magistrado é vedado procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções.

 

Registre-se que o objetivo da presente RevDis não é a declaração de culpa ou a imposição de sanção, mas a determinação de instauração de processo administrativo disciplinar, diante da cristalina identificação de indícios suficientes de condutas que, em tese, configuram infrações funcionais e do arquivamento prematuro das apurações pelo órgão censor local, motivo pelo qual não há que se falar em ofensa ao devido processo legal e a seus princípios correlatos.

Concluiu-se, assim, que a decisão de arquivamento do TJMS foi de encontro às evidências dos autos, justificando-se a instauração de processo administrativo disciplinar, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.

Por oportuno, julga-se conveniente que o processo administrativo disciplinar tenha seu regular trâmite na origem.

Além de encontrar fundamento na regra estabelecida no art. 88 do RICNJ[8], a tramitação e o julgamento do PAD no âmbito do TJMS se justificam pela proximidade do Órgão com a matéria, facilidade de instrução e possibilidade de controle e posterior revisão pelo CNJ. Nesse sentido:

 

REVISÃO DISCIPLINAR. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO. DECISÃO COLEGIADA DE ARQUIVAMENTO DE RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR INSTAURADA EM DESFAVOR DE MAGISTRADO. EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DE INFRAÇÃO DISCIPLINAR. CONTRARIEDADE ÀS EVIDÊNCIAS DOS AUTOS. PROCEDÊNCIA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE. DETERMINAÇÃO DE INSTAURAÇÃO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR.

I – A Revisão Disciplinar proposta de ofício, a teor de autorização expressa contida no art. 86 do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça (RICNJ), comporta conhecimento, uma vez que as condicionantes estabelecidas nos artigos 82 e 83 do mesmo diploma foram devidamente analisadas pelo Plenário do CNJ quando de sua instauração.

II – Uma vez preenchidos os requisitos regimentais, não há falar em juízo recursal e/ou em utilização indevida da revisional como sucedâneo recursal.

III – O prazo decadencial estabelecido no art. 103-B, § 4º, inciso V, da Constituição Federal, replicado no art. 82 do RICNJ, é para a instauração da revisão disciplinar e não para a instauração de processo administrativo disciplinar.

IV – No caso submetido à análise, a pretensão punitiva da Administração não foi fulminada pela prescrição, uma vez que, desde a data de conhecimento dos fatos pela primeira das autoridades competentes até o presente momento, não transcorreu o prazo de 5 (cinco) anos.  

V – O CNJ entende que não deve ser perquirido, no julgamento de revisões disciplinares, a correção ou não da deliberação originária a partir da retomada da discussão em si, mas que deva ser processada tão somente para verificar as estritas hipóteses de cabimento que, neste caso, esteve adstrito ao inc. I do art. 83 do Regimento Interno, o qual tem por pressuposto a flagrante dissociação entre o conjunto probatório e o julgamento levado a efeito pelo Tribunal.

VI – Avançando no mérito, constata-se flagrante dissociação entre o conjunto probatório e o julgamento levado a efeito pelo Tribunal de origem, havendo indícios suficientes de cometimento de falta funcional pelo Magistrado requerido.

VII – Em situações como a analisada, deve prevalecer o princípio in dubio pro societate. Precedentes.

VIII – Revisão Disciplinar que se julga procedente para determinar a desconstituição da decisão proferida pelo Órgão Pleno do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão e a instauração do competente processo administrativo disciplinar, sem afastamento cautelar, em face do Magistrado requerido, devendo tramitar no âmbito daquela Corte de Justiça, nos termos da Portaria aprovada.

(CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0001932-81.2022.2.00.0000 - Rel. GIOVANNI OLSSON - 4ª Sessão Ordinária de 2023 - julgado em 28/03/2023 – grifo nosso)

 

REVISÃO DISCIPLINAR. TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DA PARAÍBA. TRE/PB. RESOLUÇÃO CNJ N. 135/2011. MAGISTRADO. SENTENÇA. CASSAÇÃO DE MANDATO DE PREFEITO. FLUÊNCIA DO PRAZO RECURSAL. DIÁLOGO TELEFÔNICO COM A PARTE SOBRE A DECISÃO PROFERIDA. GRAVAÇÃO.  ORIENTAÇÃO SOBRE ESTRATÉGIAS RECURSAIS. PAD NÃO INSTAURADO NA ORIGEM. DECISÃO CONTRÁRIA À EVIDÊNCIA DOS AUTOS. ART. 83, I, RICNJ. PROCEDÊNCIA DA REVISÃO DISCIPLINAR. ABERTURA DE PAD.

1. Revisão disciplinar proposta com o objetivo de impugnar decisão tomada pelo Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba que, ao avaliar diálogo realizado entre o magistrado sentenciante e a parte prejudicada, deliberou pela não abertura de PAD.

2. Presentes os indícios do cometimento de falta funcional, a instauração de processo administrativo disciplinar para apuração dos fatos é medida que se impõe.

3. A idoneidade da gravação realizada por um dos interlocutores deve ser discutida no curso do processo administrativo disciplinar, assim como eventual perícia nos áudios apresentados.

4. A suposta orientação do magistrado à parte prejudicada a respeito de estratégias recursais e indicação de fragilidades da sentença proferida revela indícios de falta funcional.

5. O positivo histórico funcional do juiz deve ser sopesado na dosimetria de eventual penalidade a ser aplicada, não podendo servir de óbice à apuração de fatos incontroversos.

6. Abertura de PAD. Determinação ao Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba. Art. 88, RICNJ.

7. Procedência da Revisão Disciplinar.

(CNJ - REVDIS - Processo de Revisão Disciplinar - Conselheiro - 0007273-93.2019.2.00.0000 - Rel. SALISE SANCHOTENE - 357ª Sessão Ordinária - julgado em 04/10/2022 – grifo nosso)

 

5. CONCLUSÃO

Ante o exposto, nos termos dos arts. 83, I, e 88 do RICNJ, julgo procedente a Revisão Disciplinar para determinar:

i) a desconstituição da decisão proferida pelo Órgão Pleno do TJMS no Pedido de Providências n. 066.152.0023/2018;

ii) a instauração de processo administrativo disciplinar, sem afastamento cautelar do cargo, em face do Juiz de Direito Aldo Ferreira da Silva Junior, por violação, em tese, dos deveres impostos no art. 35, incisos I e VIII, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, bem como pela não observância das regras de independência, imparcialidade, prudência, dignidade, honra e decoro, previstas nos arts. 1º, 5º, 8º, 24, 25 e 37 do Código de Ética da Magistratura Nacional; e

iii) a tramitação do processo administrativo disciplinar no Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, nos termos da Portaria anexa.

É como voto.

Comuniquem-se as partes.

Brasília, data registrada no sistema.

 

Conselheiro GIOVANNI OLSSON

Relator

 

 

 

ANEXO

 

PORTARIA Nº xx– PAD, DE xx DE xx DE 2023.

 

A PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, no uso de suas atribuições constitucionais e regimentais,

CONSIDERANDO que o Conselho Nacional de Justiça detém competência para, nos termos do art. 88 do Regimento Interno, determinar a instauração de processo administrativo disciplinar;

CONSIDERANDO o disposto no §5º do art. 14 da Resolução CNJ n. 135, as disposições pertinentes da Lei Complementar n. 35, de 14 de março de 1979 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional), da Lei n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990 (Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União), da Lei n. 9.784, de 29 de janeiro de 1999, e do Regimento Interno deste Conselho;

CONSIDERANDO a decisão tomada pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça no julgamento da Revisão Disciplinar n. 0007912-43.2021.2.00.0000, na XXª Sessão Ordinária realizada em xx de xx de 2023;

RESOLVE:

Art. 1º Instaurar processo administrativo disciplinar, sem afastamento cautelar do cargo, em face de Aldo Ferreira da Silva Júnior para apurar a violação, em tese, dos deveres impostos no art. 35, inciso I, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, bem como pela não observância das regras de transparência, imparcialidade e prudência previstas nos arts. 8º, 24, 25 e 37 do Código de Ética da Magistratura Nacional, em razão de, supostamente, ter recebido de Munir Jorge, parte na Ação de Inventário n. 0059271-15.2009.8.12.0001, a quantia de R$ 100.000,00 (cem mil reais) para proferir decisão favorável.

Art. 2º Determinar que a Secretaria Processual do CNJ dê ciência ao Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul da decisão tomada pelo Conselho Nacional de Justiça, e da instauração do processo administrativo disciplinar, sem afastamento cautelar do cargo.

Art. 3º Determinar que o processo administrativo disciplinar instaurado deverá tramitar naquela Corte de Justiça, nos termos da presente Portaria.

 

MINISTRA ROSA WEBER

Presidente do Conselho Nacional de Justiça



[1] Art. 103-B. O Conselho Nacional de Justiça compõe-se de 15 (quinze) membros com mandato de 2 (dois) anos, admitida 1 (uma) recondução, sendo:

(...)

§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:

(...)

V - rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano;

 

[2] Art. 82. Poderão ser revistos, de ofício ou mediante provocação de qualquer interessado, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano do pedido de revisão.

 

[3] Art. 83. A revisão dos processos disciplinares será admitida:

I – quando a decisão for contrária a texto expresso da lei, à evidência dos autos ou a ato normativo do CNJ;

II – quando a decisão se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;

III – quando, após a decisão, surgirem fatos novos ou novas provas ou circunstâncias que determinarem ou autorizem modificação da decisão proferida pelo órgão de origem.

 

[4] Associação Criminosa

Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.

 

[5] Corrupção passiva

Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 10.763, de 12.11.2003)

§ 1º - A pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.

 

[6] Art. 109.  A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1º do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: (Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010).

 I - em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze;

 

[7] Em precedente recente, este Conselho decidiu que “em caso de competência concorrente, o prazo prescricional é único e possui como termo inicial a data em que a primeira das autoridades que dispõem de competência para a instauração do processo disciplinar tomar ciência do fato, o que, gize-se, melhor se coaduna com a natureza jurídica do instituto da prescrição e sua finalidade de proteção da segurança jurídica”. (CNJ - PAD - Processo Administrativo Disciplinar - 0006920-87.2018.2.00.0000 - Rel. MÁRIO GUERREIRO - 60ª Sessão Extraordinária - julgado em 28/9/2021)


[8] Art. 88. Julgado procedente o pedido de revisão, o Plenário do CNJ poderá determinar a instauração de processo administrativo disciplinar, alterar a classificação da infração, absolver ou condenar o juiz ou membro de Tribunal, modificar a pena ou anular o processo.