Conselho Nacional de Justiça

Gabinete do Conselheiro Pablo Coutinho Barreto

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0004642-40.2023.2.00.0000
Requerente: ANTÔNIO DE NEZ MARTINS
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA - TJSC

 


EMENTA: PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA. ART. 5º DA RESOLUÇÃO CM 3/2019. LIMITAÇÃO DO PARCELAMENTO DAS DESPESAS PROCESSUAIS. IMPOSSIBILIDADE. REGRA QUE EXCEDE PREVISÃO DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. AFRONTA À INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL DOS MAGISTRADOS. PRECEDENTE. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO.

 

1. Procedimento de Controle Administrativo em que se impugna o art. 5º da Resolução CM nº 3/2019 do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que disciplina o recolhimento da Taxa de Serviços Judiciais e das despesas processuais. 

2. Em que pese a autonomia administrativa dos Tribunais para editar atos normativos, não pode exceder as previsões legais e avançar sobre a independência dos magistrados. 

3. A limitação de parcelamento de despesas processuais em ato normativo secundário exorbita do poder regulamentar que lhe foi concedido, uma vez que o Código de Processo Civil não estabeleceu qualquer condicionante em seu art. 98, §6º. 

4. Processo Administrativo julgado procedente para declarar a nulidade do art. 5º da Resolução CM nº 3/2019 do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. 

 

 ACÓRDÃO

O Conselho, por unanimidade, decidiu pela reautuação do feito como procedimento de controle administrativo e, no mérito, julgou procedente o pedido para declarar a nulidade do art. 5º da Resolução CM nº 3/2019 do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, nos termos do voto do Relator. Presidiu o julgamento o Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário Virtual, 12 de abril de 2024. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luís Roberto Barroso, Luis Felipe Salomão, Caputo Bastos, José Rotondano, Mônica Autran, Alexandre Teixeira, Renata Gil, Daniela Madeira, Giovanni Olsson, Pablo Coutinho Barreto, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Daiane Nogueira e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Gabinete do Conselheiro Pablo Coutinho Barreto


Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0004642-40.2023.2.00.0000
Requerente: ANTÔNIO DE NEZ MARTINS
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA - TJSC


RELATÓRIO


O CONSELHEIRO PABLO COUTINHO BARRETO (Relator): 

Trata-se de Pedido de Providências formulado por Antônio de Nez Martins, em que questiona o art. 5º, da Resolução CM n.º 3/2019[1], do Conselho de Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (TJSC), que limita em três parcelas o pagamento das despesas processuais respectivas.  

O requerente alega que o mencionado dispositivo viola o art. 98, § 6º, do Código de Processo Civil (CPC)[2], como também a decisão deste Conselho Nacional de Justiça (CNJ) proferida nos autos do PCA n.º 0001800-92.2020.2.00.0000.

Aduz que ao restringir o pagamento das despesas processuais a três prestações, o Conselho de Magistratura do TJSC impede o exercício da independência funcional dos Magistrados e à garantia de acesso à justiça, porquanto o Código de Processo Civil não institui qualquer limitação ao parcelamento de despesas. Ao final, requer a nulidade do art. 5º Resolução CM n.º 3/2019.  

Instado a se manifestar, o TJSC informa da decisão de improcedência para pedido de mesma natureza no PCA n.º 0008172-23.2021.2.00.0000, bem como da edição da Resolução CM nº 11/2022, cujas modificações foram implementadas em decorrência desse procedimento de controle (id.5249243). 

Em manifestação, a área técnica do TJSC concluiu (id.5249244):  

1. Ao estabelecer limites para o parcelamento, o Conselho da Magistratura exerceu sua competência tributária concedida pelos art. 9º da Lei estadual n. 17.654/2018, encontrando respaldo no ordenamento jurídico tributário; e   

2. O entendimento de que o ente competente ao tributo não pode definir, e isso inclui limitar, a quantidade de parcelas para pagamento do crédito tributário infringe o pacto federativo, norma petrificada no texto constitucional.  

O requerente se manifesta acerca dos esclarecimentos prestados pelo TJSC na petição de id. 5249242 e aduz que a Resolução CM nº 11/2022, que altera a Resolução CM nº 11/2019, mantém a limitação ilegal de parcelas; que as informações prestadas não justificam a violação do artigo 98, §6º, do CPC; que o Conselho já decidiu matéria idêntica no PCA nº 0001800-92.2020.2.00.0000 (id.5251886). 

 É o relatório.

 



[1] Art. 5º. O parcelamento da Taxa de Serviços Judiciais por meio de boleto bancário fica limitado a 3 (três) parcelas, e cada parcela não poderá resultar em valor inferior à metade da quantia prevista para o mínimo das ações cíveis em geral estabelecido na Tabela do Anexo Único da Lei estadual n. 17.654/2018. 

[2] Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios têm direito à gratuidade da justiça, na forma da lei. [...] § 6º Conforme o caso, o juiz poderá conceder direito ao parcelamento de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento. 


 

Conselho Nacional de Justiça

Gabinete do Conselheiro Pablo Coutinho Barreto

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0004642-40.2023.2.00.0000
Requerente: ANTÔNIO DE NEZ MARTINS
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA - TJSC

 


 

VOTO

 

 

O CONSELHEIRO PABLO COUTINHO BARRETO (Relator):  

 

 Cuida-se de pedido de providências em que se formula pedido de nulidade do art. 5º da Portaria CM nº 3/2019 do TJSC, tendo em vista a limitação ilegal do parcelamento de despesas processuais, em confronto com determinado no art. 98, §6º, do CPC. 

Preliminarmente, determino a reautuação deste feito como PCA, tendo em vista que o feito se amolda à previsão do art.  91 do RICNJ[1]

 O requerente impugna a limitação de parcelamento de despesas processuais constantes do art. 5º da Resolução CM n.º 3/2019 do TJSC, cuja redação atual, dada pela Resolução CM n.º 11/2022, é a seguinte:

 

Art. 5º É permitido o parcelamento da Taxa de Serviços Judiciais, observadas as seguintes hipóteses e regras: (Redação dada pelo art. 1° da Resolução CM n. 11 de 11 de julho de 2022)

I - em até 3 (três) parcelas, quando o parcelamento for requerido antes do trânsito em julgado do processo judicial, observadas ainda as seguintes condições: (Redação dada pelo art. 1° da Resolução CM n. 11 de 11 de julho de 2022)

a) o valor das parcelas não poderá ser inferior à metade do valor mínimo previsto para as ações cíveis em geral, estabelecido na tabela do Anexo Único da Lei estadual n. 17.654, de 27 de dezembro de 2018; e (Acrescentado pelo art. 1° da Resolução CM n. 2 de 21 de fevereiro de 2022)

b) o inadimplemento de uma parcela implicará no vencimento das remanescentes, observado o disposto no art. 15 da Lei estadual n. 17.654, de 27 de dezembro de 2018. (Acrescentado pelo art. 1° da Resolução CM n. 2 de 21 de fevereiro de 2022)

II - em até 5 (cinco) parcelas, quando o parcelamento for requerido após o trânsito em julgado do processo judicial ou quando o débito tiver sido incluído em cobrança administrativa, observadas ainda as seguintes condições: (Redação dada pelo art. 1° da Resolução CM n. 11 de 11 de julho de 2022)

a) o valor da parcela não poderá ser inferior a R$ 100,00 (cem reais); (Acrescentado pelo art. 1° da Resolução CM n. 2 de 21 de fevereiro de 2022)

b) o parcelamento poderá considerar um ou mais débitos contra o mesmo contribuinte; (Acrescentado pelo art. 1° da Resolução CM n. 2 de 21 de fevereiro de 2022)

c) o não pagamento da primeira parcela implica a exclusão do parcelamento; e (Acrescentado pelo art. 1° da Resolução CM n. 2 de 21 de fevereiro de 2022)

d) o não pagamento de quaisquer das parcelas impede novo parcelamento considerando os mesmos débitos. (Acrescentado pelo art. 1° da Resolução CM n. 2 de 21 de fevereiro de 2022)

§ 1º Na hipótese prevista no inciso II do caput deste artigo, desde que preenchidos os requisitos estabelecidos, o requerimento de parcelamento formulado pelo contribuinte no portal do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina será automaticamente deferido. (Redação dada pelo art. 1° da Resolução CM n. 2 de 21 de fevereiro de 2022)

§ 2º As despesas processuais e as multas aplicadas no processo não são passíveis de parcelamento. (Redação dada pelo art. 1° da Resolução CM n. 2 de 21 de fevereiro de 2022)

§ 3º Em caso de parcelamento por meio de cartão de crédito: (Acrescentado pelo art. 1° da Resolução CM n. 2 de 21 de fevereiro de 2022)

I - não se aplicam os limites mínimos de que tratam a alínea "a" do inciso I e a alínea "a" do inciso II do caput deste artigo; (Acrescentado pelo art. 1° da Resolução CM n. 2 de 21 de fevereiro de 2022)

II - o número de parcelas não se restringe ao definido nos incisos I e II do caput deste artigo; e (Redação dada pelo art. 1° da Resolução CM n. 11 de 11 de julho de 2022)

III - os custos a serem ressarcidos pelo contribuinte, na forma dos incisos I e II do caput deste artigo, incluirão os juros eventualmente cobrados pela instituição financeira. (Acrescentado pelo art. 1° da Resolução CM n. 2 de 21 de fevereiro de 2022) (nosso o destaque) 

 

Como observado no texto do art. 5º da Resolução CM n.º 3/2019, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina estabeleceu uma série de regras que disciplinam o recolhimento de despesas processuais, as quais limitam o quantitativo de parcelas e seus valores mínimos, além da definição de outros critérios. 

De início, assiste razão ao requerente quanto à ilegalidade do art. 5º da Resolução CM nº 3/2019, pois, não obstante a autonomia administrativa dos Tribunais para editar atos normativos, não pode exceder as previsões legais e avançar sobre a independência dos magistrados.

Quando o ato normativo secundário estabelece limite ao parcelamento das despesas processuais, exorbita do poder regulamentar que lhe foi concedido, uma vez que o Código de Processo Civil não  estabeleceu qualquer condicionante:

                                                                                                      CPC

 Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei.  

[...]

 § 5º A gratuidade poderá ser concedida em relação a algum ou a todos os atos processuais, ou consistir na redução percentual de  despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento.

§ 6º Conforme o caso, o juiz poderá conceder direito ao parcelamento de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento. (nosso o destaque)


 Em síntese, o CPC não instituiu qualquer limite ao parcelamento das despesas processuais e, quando quis, o fez de maneira expressa, a exemplo da disposição constante em seu art. 916[2]. Desse modo, a imposição da limitação infringe a independência funcional do magistrado, impedindo-o de sopesar, no caso concreto, as peculiaridades de cada caso.

Ademais, o Plenário já se manifestou quanto à matéria em debate e decidiu, no PCA n.º 0001800- 92.2020.2.00, pela declaração de nulidade do normativo impugnado quanto à restrição de parcelamento de despesas processuais, cuja ementa transcrevo:

 

RECURSO ADMINISTRATIVO. PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA PARAÍBA. ART. 2º, CAPUT, DA PORTARIA CONJUNTA 2/2018 E ART. 387 DO PROVIMENTO CGJ/PB 49/2019. LIMITAÇÃO PRÉVIA DO PARCELAMENTO DAS DESPESAS PROCESSUAIS. IMPOSSIBILIDADE. REGRA QUE EXCEDE PREVISÃO DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. AFRONTA À INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL DOS MAGISTRADOS E À GARANTIA DO ACESSO À JUSTIÇA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

1. Recurso administrativo contra decisão que declarou a nulidade do art. 2º, caput, da Portaria Conjunta 2/2018 do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba e do art. 387 do Provimento CGJ/PB 49/2019 da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado, que limitavam o parcelamento das despesas processuais a 6 prestações e ao valor mínimo de R$ 30,00 por parcela.

2. Tratando-se de restrição que não encontra ressonância no Código de Processo Civil e avança sobre a independência funcional dos magistrados, notadamente em matéria que tem o propósito de assegurar o acesso à justiça, mostra-se imperioso o controle deste Conselho a fim de declarar a nulidade do ato normativo impugnado.

3. Ausência de elementos ou fatos novos hábeis a reformar a decisão monocrática combatida.

 4. Recurso desprovido.(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0001800-92.2020.2.00.0000 - Rel. MÁRIO GUERREIRO - 80ª Sessão Virtual - julgado em 12/02/2021 ). (nosso o destaque)

Nesse julgamento, foi impugnado artigo de portaria de Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba que também fixava limites para o parcelamento de despesas processuais, sendo julgado procedente o pedido de nulidade do normativo atacado à unanimidade.

Não obstante o apontamento do Tribunal de Justiça de Santa Catarina do julgamento proferido no âmbito do PCA nº 0008172-23.2021.2.00.0000, trata-se de decisão monocrática isolada que se encontra desalinhada ao precedente unânime deste Conselho, a saber o PCA n.º 0001800- 92.2020.2.00. 

 Ante o exposto, julgo procedente o pedido para declarar a nulidade do art. 5º da Resolução CM nº 3/2019 do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina.

É como voto.

 Determino a reautuação deste feito como PCA.

 Após as comunicações de praxe, arquivem-se os autos.

 

 

Pablo Coutinho Barreto

Conselheiro Relator

 



[1] Art. 91. O controle dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário será exercido pelo Plenário do CNJ, de ofício ou mediante provocação, sempre que restarem contrariados os princípios estabelecidos no art. 37 da Constituição, especialmente os de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União e dos Tribunais de Contas dos Estados. 

[2] Art. 916. No prazo para embargos, reconhecendo o crédito do exequente e comprovando o depósito de trinta por cento do valor em execução, acrescido de custas e de honorários de advogado, o executado poderá requerer que lhe seja permitido pagar o restante em até 6 (seis) parcelas mensais, acrescidas de correção monetária e de juros de um por cento ao mês.