Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0005591-35.2021.2.00.0000
Requerente: CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA
Requerido: JOSÉ EULÁLIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA

 

 

EMENTA 

 

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. JUIZ DE DIREITO. ARQUIVAMENTO DA APURAÇÃO NA CGJ-MA. ATOS PRATICADOS NO EXERCÍCIO DA JURISDIÇÃO. INDÍCIOS DE VIOLAÇÃO DOS DEVERES DE CUMPRIR COM EXATIDÃO OS ATOS DE OFÍCIO E AGIR DE FORMA PRUDENTE E CAUTELOSA NA CONDUÇÃO DOS LITÍGIOS.  INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR, SEM AFASTAMENTO DO MAGISTRADO.  

 

1. É dever do magistrado agir com a devida cautela e prudência na condução de litígios, além de cumprir e fazer cumprir, com exatidão, deveres legais e atos de ofício.

2. Caso em que constatada a prolação, por magistrado de Vara Cível, de sentença em que autorizado o saque de quantia de mais de um milhão de reais – sem que observadas, a princípio, as regras sobre o procedimento anterior à concessão de alvará judicial e a incompetência absoluta do Juízo da Vara Cível para decidir questões inerentes a inventário –, mesmo após advertido acerca da tramitação em Vara de Sucessões de processo de declaração de herança jacente e acerca da natureza pública dos recursos.  

3. Havendo indícios de afronta pelo magistrado requerido aos deveres de diligência e prudência (art. 35, I, da LOMAN c/c arts. 1º, 20, 24 e 25 do Código de Ética da Magistratura Nacional), indica-se a necessidade de instauração de processo administrativo disciplinar.  

4. Processo administrativo disciplinar instaurado.  

 

 

 ACÓRDÃO

Após o voto do Conselheiro Mário Goulart Maia (Vistor), o Conselho, por unanimidade, decidiu pela instauração de processo administrativo disciplinar em desfavor do magistrado, aprovando desde logo a portaria de instauração do PAD, nos termos do voto do Relator. Votou a Presidente. Ausente, circunstancialmente, o Conselheiro Richard Pae Kim. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber. Plenário, 28 de março de 2023. Presentes à sessão os Excelentíssimos Senhores Conselheiros Rosa Weber, Luis Felipe Salomão (Relator), Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene, Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

Conselho Nacional de Justiça

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0005591-35.2021.2.00.0000
Requerente: CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA
Requerido: JOSÉ EULÁLIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA


RELATÓRIO 

O MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator):   

1. Cuida-se de Pedido de Providências instaurado nos termos da Portaria CNJ 34 de 13/9/2016, a fim de cumprir o disposto nos artigos 9º, § 3º; 14, § § 4º e 6º; 20, § 4º; e 28 da Resolução CNJ n. 135, de 13/7/2011, em virtude de comunicação pela Corregedoria-Geral de Justiça do Estado do Maranhão do arquivamento, pelo Plenário do TJAM, de Reclamação Disciplinar formulada em desfavor do magistrado José Eulálio Figueiredo de Almeida, titular da 8ª Vara Cível de São Luís/MA. 

Segundo consta dos autos, foi formulada na origem representação por Daniel Ribeiro da Silva contra o ora requerido por supostas irregularidades na condução do processo 0802749-03.2020.8.10.0001, em especial no que diz respeito à expedição de alvará em favor de Maylton Campos de Sousa, no valor de R$ 1.053.781,55 (um milhão, cinquenta e três mil, setecentos e oitenta e um reais e cinquenta e cinco centavos), embasado em escritura pública de inventário e partilha amigável lavrada pela Serventia Extrajudicial de Presidente Médici, com amparo em certidão de óbito supostamente falsa. 

De acordo com o requerente – curador especial da herança deixada por Yeda de Medeiros Campos, designado nos autos do processo de Herança Jacente 0801495-97.2017.8.10.0001 que tramita na Vara de Interdições e Sucessões do Termo Judiciário de São Luís/MA –, a despeito de haver sido comunicado da existência anterior do referido processo, o magistrado reclamado determinou a liberação dos valores acima citados. Destacou, ainda, que o processo 0802749-03.2020.8.10.0001 tramitou em segredo de justiça, apesar de não estar incluído nas hipóteses legais para tanto, o que dificultou, sobremaneira, o acesso aos autos e ao teor das decisões. 

O Pleno do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, por maioria, julgou improcedente a Reclamação Disciplinar 0000063-49.2020.2.00.0810 e determinou o seu arquivamento, nos termos da seguinte ementa (Id 4427141, p. 42): 

 

RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. ABERTURA DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. FATOS QUE NÃO CONFIGURAM INFRAÇÃO DISCIPLINAR. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. MATÉRIA AFETA À SEARA JURISDICIONAL. ARQUIVAMENTO.

I. Não se constata lastro probatório nos autos a apontar o desvio de conduta da parte reclamada, mas apenas descontentamento da parte reclamante sobre o que foi discutido nos autos, não se constatando nenhuma falta funcional do magistrado que justifique a instauração de processo administrativo disciplinar;

II. A reclamação disciplinar não é meio idôneo a contrastar matéria submetida a apreciação judicial. Trata-se de instrumento voltado ao controle do cumprimento dos deveres funcionais pelos membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados;

III. Reclamação Disciplinar julgada improcedente.

 

O Desembargador Paulo Sérgio Velten Pereira, relator, votou pela abertura do Processo Administrativo Disciplinar sem afastamento das funções judicantes e o encaminhamento de cópia dos autos ao Ministério Público estadual para demais providências. Votaram no mesmo sentido os Desembargadores Maria Francisca Gualberto de Galiza, José Gonçalo de Sousa Filho, José de Ribamar Castro, Ricardo Tadeu Bugarin Duailibe, Raimundo José Barros de Sousa, José de Ribamar Froz Sobrinho e Jamil de Miranda Gedeon Neto.

Entendeu o relator, em suma, que o magistrado José Eulálio Figueiredo de Almeida teria demonstrado falta de prudência e cautela na condução do processo e na determinação do levantamento de vultosa quantia, mesmo pendente fundada suspeita de fraude na escritura pública de inventário e partilha, lavrada com base em certidão de óbito que se apontou como falsa.

Nesse sentido, consignou que o requerido, embora tenha tomado conhecimento inequívoco da existência do processo de inventário, bem como da possível tentativa de fraude no pedido de saque, determinou o levantamento de mais de um milhão de reais das contas da falecida, sem buscar a verdade dos fatos e deixando de observar regras procedimentais e de competência absoluta.

Concluiu, assim, pela existência de indícios da prática de falta funcional pelo requerido, propondo a instauração de Processo Administrativo Disciplinar, delimitando a imputação aos seguintes fatos: (I) falta de prudência e cautela na análise do pedido de levantamento de mais de R$ 1 milhão de reais, embora advertido sobre a possível fraude na escritura pública; (II) descompromisso do Reclamado com a busca da verdade real, notadamente quanto à validade da referida escritura pública, fato sobre o qual tomou conhecimento por duas vezes antes de proferir sentença e autorizar o saque do valor acima mencionado; (III) inobservância de regras cogentes sobre o procedimento para concessão de alvará judicial em casos que tais, notadamente quanto à incompetência absoluta do Juízo da Vara Cível para decidir questões inerentes ao Inventário.

Em voto divergente, que foi acolhido pela maioria do Tribunal Pleno (Desembargadores Antônio José Vieira Filho, Luiz Gonzaga Almeida Filho, Tyrone José Silva, João Santana Sousa, Marcelino Chaves Everton, Jaime Ferreira de Araújo, Anildes de Jesus Bernardes Chaves Cruz, Antônio Guerreiro Júnior e Jorge Rachid Mubárack Maluf), concluiu o Desembargador Josemar Lopes Santos pela ausência de indícios de desvio funcional pelo magistrado, ressaltando que não compete à Corregedoria o exame de insurgência contra atos de natureza eminentemente jurisdicional.  

Salientou, outrossim, que a escritura pública constitui, até prova em contrário, documento idôneo expedido por serventia extrajudicial, haja vista conter selo oficial, sinal público da tabeliã registradora e constar dos apontamentos do site do TJ/MA como documento verdadeiro. Destacou que o reclamante apenas solicitou sua habilitação no processo 0802749-03.2020.8.10.0001 após tomar conhecimento da sentença e do levantamento de valores, mesmo tendo conhecimento do trâmite da ação, o que foi prontamente atendido pelo magistrado requerido.

No mais, asseverou que o levantamento de valores não foi feito em sede de tutela liminar de urgência, mas somente após a prolação de sentença de mérito, e que a existência de um processo de inventário, tramitando perante a Vara Única de Sucessões, não tem, por si só, o condão de suspender a tramitação de um feito cognitivo em curso em outra Vara Cível.

Diante de possível discordância para com o desfecho adotado pelo Órgão Colegiado na origem e considerando a possibilidade de que houve afronta aos deveres de diligência e de prudência pelo magistrado, a Corregedoria Nacional de Justiça determinou a intimação pessoal do magistrado para apresentação de defesa prévia, por suposta ofensa, em tese, ao art. 35, I, da LOMAN e aos artigos 1º, 20, 24 e 25 do Código de Ética.

Devidamente intimado a manifestar-se acerca da pretensa proposição direta de Processo Administrativo Disciplinar após o decurso de seu prazo, com ou sem manifestação (Id. 4445910), o magistrado requerido apresentou defesa prévia, tendo aduzido em extensa petição de 130 laudas que, diversamente do que fora consignado pelo Corregedor-Geral de Justiça do Estado do Maranhão, ao proferir voto-vista que não foi acolhido pela maioria do Pleno do TJMA, o valor que havia sido bloqueado em decisão liminar somente foi liberado pelo magistrado após a prolação da sentença de mérito, obedecido o devido processo legal.

Enfatizou que apenas tomou conhecimento da existência de suposta fraude do documento (obituário) que ensejou a lavratura da escritura pública com a interposição do recurso de Apelação pelo curador da herança Daniel Ribeiro da Silva (autor da Reclamação Disciplinar na Corregedoria local) em 22/10/2020, após prolatada a sentença em 18/6/2020.

Pontuou que, na própria decisão liminar, determinou, por cautela e prudência, ofício ao cartório extrajudicial de Presidente Médici para informar sobre a existência da escritura pública juntada com a petição inicial.

Além disso, consignou que “a contestação oferecida pelo Banco do Brasil S/A (Id 31579457) não trouxe esclarecimento pertinente sobre o fato controvertido na Reclamação Disciplinar, como alegou data venia o desembargador Corregedor-Geral de Justiça do TJMA em seu voto vencido” (Id 4491040, p. 40).

Esclareceu que, apesar de ter sido comunicado da existência de valor bloqueado à disposição da 8ª Vara Cível de São Luís/MA sem determinação de levantamento, o Juiz titular da 1ª Vara de Sucessões da Capital, bem como o curador da herança Daniel Ribeiro da Silva – embora intimado três vezes por aquele juízo – mantiveram-se inertes, sem solicitar o encaminhamento do valor bloqueado para o juízo sucessório e sem que o reclamante requeresse a sua habilitação nos autos do processo 0802749-03.2020.8.10.0001 perante a 8ª Vara Cível para reivindicar direito sobre o objeto do litígio, quer como curador da herança, quer em outra condição.

Dessa forma, argumentou que, como o feito em curso na 8ª Vara Cível de São Luís/MA, da qual é titular, possui objeto da lide diverso do processo que tramita na 1ª Vara de Sucessões da Capital e não houve, naqueles autos, pedido de suspensão ou mesmo de habilitação, o processo tramitou normalmente até a resolução do mérito do pedido, com a prolação da sentença.

Enfatizou que somente três meses após a prolação da sentença é que o autor da Reclamação Disciplinar na Corregedoria local habilitou-se nos autos, como terceiro interessado, interpondo Recurso de Apelação, e  que anteriormente não foi suscitado incidente de falsidade documental, não havendo como aquele magistrado perceber eventual fraude ou irregularidade na documentação apresentada, até porque a escritura pública juntada constitui documento idôneo expedido por serventia extrajudicial de delegação estatal, constando inclusive dos apontamentos do próprio site oficial do TJMA.

No entender do magistrado ora requerido, houve falta de diligência do reclamante, que não buscou se habilitar no processo em trâmite na 8ª Vara Cível em fase anterior à prolação da sentença, o que impossibilitou com que o magistrado que tomasse conhecimento, antes da prolação da sentença, dos fatos alegados pelo Reclamante.

Sustentou que, conforme demonstram certidões cartorárias juntadas pelo magistrado em sua defesa prévia na Corregedoria local, o reclamante, na condição de terceiro interessado, nunca procurou as Secretarias Física e Virtual da 8ª Vara Cível, para habilitar-se no processo, não havendo tampouco provas de que tenha encaminhado alguma mensagem para o e-mail institucional daquela unidade jurisdicional solicitando sua habilitação ou para o WhatsApp do magistrado.

Esclareceu que o advogado, ao apresentar a inicial, cadastrou o feito como de segredo de justiça, no sistema PJe, não tendo sido apresentada petição das partes integrantes da relação processual, nem do reclamante Daniel Ribeiro da Silva, para suspender o sigilo ou o segredo de justiça.

No mais, alegou que não há indícios de tenha atuado com parcialidade, má-fé, dolo, imprudência ou objetivo escuso, muito menos sem cautela, que a questão tem natureza eminentemente jurisdicional e que, tendo havido a interposição de recurso de apelação por Daniel Ribeiro da Silva, na condição de terceiro interessado nos autos do Processo 0802749-03.2020.8.10.0001, seria evidente a perda de objeto do presente expediente.  

Foi deferido o ingresso da Associação dos Magistrados do Maranhão- AMMA e da Associação de Magistrados Brasileiros- AMB- na condição de terceiras interessadas (Id. 455031 e Id. 4663769), com a apresentação de  memoriais por meio da petição de Id. 467119.

 

É o relatório.

 

 

 

Conselho Nacional de Justiça

 

Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0005591-35.2021.2.00.0000
Requerente: CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA
Requerido: JOSÉ EULÁLIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA

 

 

VOTO 

 

O MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO, CORREGEDOR NACIONAL DE JUSTIÇA (Relator):  

     

Compete ao Conselho Nacional de Justiça, nos termos do art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal, o controle do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo à Corregedoria Nacional de Justiça, consoante previsão do art. 8º, III, c/c o art. 69 do RICNJ, propor ao Plenário a instauração de processo administrativo disciplinar quando houver indício suficiente de infração disciplinar atribuída a magistrado. 

Na espécie, consoante relatado, foi formulada na origem representação por Daniel Ribeiro da Silva contra o magistrado José Eulálio Figueiredo de Almeida, titular da 8ª Vara Cível de São Luís/MA, por supostas irregularidades na condução do processo 0802749-03.2020.8.10.0001, em especial no que diz respeito à expedição de alvará em favor de Maylton Campos de Sousa, no valor de R$ 1.053.781,55 (um milhão, cinquenta e três mil, setecentos e oitenta e um reais e cinquenta e cinco centavos), embasado em escritura pública de inventário e partilha amigável lavrada pela Serventia Extrajudicial de Presidente Médici, com amparo em certidão de óbito supostamente falsa. 

De acordo com o requerente – curador especial da herança deixada por Yeda de Medeiros Campos, designado nos autos do processo de Herança Jacente 0801495-97.2017.8.10.0001 que tramita na Vara de Interdições e Sucessões do Termo Judiciário de São Luís –, a despeito de ter sido comunicado da existência anterior deste processo, o magistrado reclamado determinou a liberação dos valores acima citados. Destacou, ainda, que o processo 0802749-03.2020.8.10.0001 tramitou em segredo de justiça, apesar de não estar incluído nas hipóteses legais para tanto, o que dificultou, sobremaneira, o acesso aos autos e ao teor das decisões.

Após apuração dos fatos pela Corregedoria Geral de Justiça do Estado do Maranhão, o Pleno do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, por maioria, julgou improcedente a Reclamação Disciplinar 0000063-49.2020.2.00.0810 e determinou o seu arquivamento. 

O Desembargador Paulo Sérgio Velten Pereira, relator, votou pela abertura do Processo Administrativo Disciplinar sem afastamento das funções judicantes e o encaminhamento de cópia dos autos ao Ministério Público estadual para demais providências. Votaram no mesmo sentido os Desembargadores Maria Francisca Gualberto de Galiza, José Gonçalo de Sousa Filho, José de Ribamar Castro, Ricardo Tadeu Bugarin Duailibe, Raimundo José Barros de Sousa, José de Ribamar Froz Sobrinho e Jamil de Miranda Gedeon Neto.

Conforme pontuado, entendeu o relator, em suma, que o magistrado José Eulálio Figueiredo de Almeida teria demonstrado falta de prudência e cautela na condução do processo e na determinação do levantamento de vultosa quantia, mesmo pendente fundada suspeita de fraude na escritura pública de inventário e partilha, lavrada com base em certidão de óbito que se apontou como falsa. 

Nesse sentido, consignou que o requerido, embora tenha tomado conhecimento inequívoco da existência do processo de inventário, bem como da possível tentativa de fraude no pedido de saque, determinou o levantamento de mais de um milhão de reais das contas da falecida, sem buscar a verdade dos fatos e deixando de observar regras procedimentais e de competência absoluta. 

Salientou, ainda, que o levantamento de valores não foi feito em sede de tutela liminar de urgência, mas apenas somente após a prolação de sentença de mérito, e que a existência de um processo de inventário, tramitando perante a Vara Única de Sucessões, não tem, por si só, o condão de suspender a tramitação de um feito cognitivo em curso em outra Vara Cível. 

Concluiu, assim, pela existência de indícios da prática de falta funcional pelo requerido, propondo a instauração de Processo Administrativo Disciplinar, delimitando a imputação aos seguintes fatos: (I) falta de prudência e cautela na análise do pedido de levantamento de mais de R$ 1 milhão de reais, embora advertido sobre a possível fraude na escritura pública; (II) descompromisso do Reclamado com a busca da verdade real, notadamente quanto à validade da referida escritura pública, fato sobre o qual tomou conhecimento por duas vezes antes de proferir sentença e autorizar o saque do valor acima mencionado; (III) inobservância de regras cogentes sobre o procedimento para concessão de alvará judicial em casos que tais, notadamente quanto à incompetência absoluta do Juízo da Vara Cível para decidir questões inerentes ao Inventário.

A título de ilustração, cumpre transcrever trechos do voto proferido pelo Desembargador Paulo Sérgio Velten Pereira, cuja fração de interesse ressalto, em ratificação à necessidade de aprofundamento da apuração: 

  

Nesta fase processual não está em discussão se o Reclamado efetivamente praticou alguma falta funcional, mas se há indícios capazes de autorizar a abertura do PAD. Trata-se de mero juízo de admissibilidade da acusação.

Nesse contexto, a documentação carreada aos autos pelo Reclamante revela que Maylton Campos de Sousa falsificou uma certidão de óbito de Yeda de Medeiros Campos e, com esse documento, obteve ardilosamente no Tabelionato de Notas de Presidente Médici uma escritura pública de inventário extrajudicial e partilha, que lhe proporcionou levantar a quantia de R$ 1.053.781,55 (um milhão cinquenta e três mil setecentos e oitenta e um reais e cinquenta e cinco centavos) das contas bancárias da falecida. Os autos comprovam ainda que, embora advertido pelo Juízo da 1ª Vara de Sucessões da Capital e pelo próprio Banco do Brasil acerca da tramitação do Proc. nº 0801495-97.2019.8.10.0001 (declaração de herança jacente) e da possível tentativa de fraude, o Reclamado determinou a expedição do alvará pleiteado pelo suposto herdeiro, violando, em tese, os deveres de prudência e diligência previstos nos arts. 1º, 20, 24 e 25 do Código de Ética da Magistratura, bem como a própria Lei 6.858/80, que dispõe sobre o levantamento, pelos herdeiros legais ou sucessores, de quantias recebidas em vida pelo de cujus.

Aos fatos.

Yeda de Medeiros Campos, ex-Procuradora de Justiça aposentada, faleceu em 19/11/2009 sem deixar herdeiros conhecidos.

Em 19/1/2017, Maria Aline Castro Souza, doméstica que alegava possuir créditos trabalhistas devidos pela falecida, ingressou com pedido de abertura do inventário, com fundamento no art. 616 VI do CPC.

Como, todavia, os supostos créditos não foram documentalmente comprovados, o Juízo da Vara de Sucessões e Interdições, após conceder prazo para emenda da inicial, proferiu sentença concluindo pela ilegitimidade ativa da requerente. Ato contínuo, diante do permissivo legal insculpido no art. 738 do CPC, declarou a herança jacente e nomeou curador o ora Reclamante, Daniel Ribeiro da Silva.

O processo seguiu em tramitação normal, com publicação de editais e todas as formalidades de praxe, não se encontrando finalizado.

Em 20/1/2020 - três anos após o início do Processo de Inventário - Maylton Campos de Sousa ingressou, na 8ª Vara Cível da capital, com Pedido de Tutela Antecipada em Caráter Antecedente contra o Banco do Brasil (BB), sob segredo de justiça, pleiteando a liberação do valor de R$ 1.053.781,55 (um milhão cinquenta e três mil setecentos e oitenta e um reais e cinquenta e cinco centavos) depositado em nome de Yeda de Medeiros Campos, alegando, em suma, que embora tenha se apresentado à instituição financeira como único herdeiro da de cujus o BB não quis efetuar a liberação da quantia a que supostamente teria direito (Processo nº 0802749-03.2020.8.10.0001).

Após regularização da petição inicial, o Reclamado determinou, em sede cautelar, que o Banco do Brasil providenciasse, em 10 dias, a transferência e o depósito da importância supra para uma conta judicial à disposição do Juízo da 8ª Vara Cível da Capital.

Em 4/3/2020, o Juízo da Vara de Sucessões e Interdições, provocado pelo curador da herança jacente, oficiou à 8ª Vara Cível reportando a existência do Processo nº 0801495-97.2017.8.10.0001, referente ao Inventário dos bens deixados por Yeda de Medeiros Campos, conforme se observa a seguir:

Em 1º/6/2020, o BB ofereceu contestação contra o pedido formulado por Maylton na 8ª Vara Cível, e assim como o Juízo da Vara de Sucessões e Interdições, também informou sobre a existência e tramitação do Inventário Judicial, anexando, entre os vários documentos pertinentes à referida Ação, cópia da verdadeira certidão de óbito da de cujus, deduzindo, ainda, as seguintes alegações, verbis:

[...]

 

Vê-se, então, que existe uma ação de inventário aberta sobre o espólio da Sra. Yeda de Medeiros Campos, de cujus, com propositura em 19/01/2017. E, a presente ação se funda em escritura pública de inventário e partilha do espólio da referida de cujus firmada em 30/11/2019, com propositura em 28/01/2020. Note-se que temos duas ações versando sobre o mesmo espólio, que se encontram em varas distintas. 

A parte autora em atenção ao ofício da 1ª Vara de Interdição e Sucessões que informa a existência do processo nº 0801495-97.2017.8.10.0001, afirmou que desconhecia a existência de tal processo e que realizará sua habilitação nos autos referidos autos. Muito embora, a parte autora tenha afirmado que irá realizar sua habilitação nos referidos autos, até a presente data (01/06/2020), não a efetivou. Além disso, a ação da 1ª Vara de Interdição e Sucessões refere-se sobre o espólio da Sra. YEDA DE MEDEIROS CAMPOS, ou seja, versa sobre todos os bens, direitos e dívidas da de cujus, e não apenas sobre determinados bens como sustenta o autor em sua defesa, possuindo inventariante devidamente nomeado, conforme anexo. 

[...] 

Vê-se, então, Exa., que há muito tempo uma Escritura Pública de Inventário, por si só, possui força e validade suficiente para demonstrar a verdade real, deixando sérias dúvidas sobre os documentos apresentados, fazendo-se necessário adequada investigação, para apurar-se quem efetivamente é herdeiro e sucessor da Sra. YEDA DE MEDEIROS CAMPOS e, JAMAIS, liberar-se valores, DE FORMA INCONTROVERSA, ante o elevado risco de irreversibilidade, que fere de morte o artigo 300 do CPC. (grifos nossos) 

 

Como visto acima, o Reclamado tomou conhecimento inequívoco da existência do Processo de Inventário, bem como da possível tentativa de fraude no pedido de saque da referida importância, uma vez que a escritura pública de inventário e partilha, em que pese dotada de presunção relativa de veracidade, foi lavrada com base em certidão de óbito falsa.

Com efeito, fosse o Reclamado mais diligente e cauteloso na verificação dos documentos apresentados, constataria as várias contradições entre as informações contidas na Ação sob sua responsabilidade e a certidão de óbito verdadeira, juntada pelo Banco do Brasil na contestação apresentada ao mesmo processo (ID 31580164), a saber:

[...]

A respeito do local de sepultamento, o Reclamante diligenciou junto ao Cemitério Parque da Saudade (que consta da certidão de óbito falsa), vindo a obter declaração com o seguinte teor: “Declaramos para os devidos fins que a Sra. Yeda de Medeiros Campos não está sepultada neste cemitério. A Administração” (ID 200671).

Além disso, a Certidão de Óbito falsa indica que o assento teria sido lavrado no Ofício da 3ª Zona do Registro Civil de Pessoas Naturais desta capital, porém a referida serventia, também a requerimento do ora Reclamante, expediu certidão informando “NÃO CONSTAR assento de óbito em nome de Yeda de Medeiros Campos, falecida em 23 de março de 2016”.

A propósito, o assento de óbito da de cujus foi lavrado no Cartório da 2ª Zona do RCPN, e não no da 3ª Zona.

Todos esses fatos encontram-se devidamente comprovados nos presentes autos.

Como se percebe, o Reclamado foi no mínimo descuidado ao sentenciar o processo em 18/6/2020 (pouco mais de quinze dias depois da contestação do BB), determinando o levantamento de mais de um milhão de reais das contas da falecida, sem ao menos mandar apurar as fundadas suspeitas de tentativa de fraude levantadas pelo Banco do Brasil, réu na referida ação.

Embora a escritura pública apresentada goze de presunção de veracidade, em razão da fé pública inerente à atividade notarial, sabe-se que essa presunção é meramente relativa, podendo ser afastada mediante prova em sentido contrário. E o Reclamado, como visto anteriormente, foi explicitamente provocado a se manifestar sobre esse fato, porém nada despachou a esse respeito, limitando-se na sentença - proferida poucos dias depois da juntada desses documentos - a enfatizar a força probante da escritura e que nenhum empecilho poderia o Banco do Brasil ter criado para o levantamento dos valores pelo autor da ação.

[...]

Repita-se, conquanto advertido acerca da possibilidade de a escritura pública ter sido obtida mediante fraude, o Reclamado não fez o menor esforço para buscar a verdade real, o que pode caracterizar, além de uma injustificada ausência de cautela e prudência de sua parte, uma atuação parcial do Reclamado, na medida em que conscientemente deixou de buscar a verdade dos fatos (arts. 8º e 10 do Código de Ética da Magistratura).

Mas não é só.

Toda ação é identificada por seus elementos (partes, pedido e causa de pedir), independentemente do nome que a parte lhe dê.

No Processo que resultou no saque de mais de R$ 1 milhão, embora o autor tenha formulado o pedido a título de Tutela Antecipada requerida em Caráter Antecedente, o que se buscava, na verdade, era o levantamento de valores creditados na conta bancária da de cujus na condição de herdeiro.

Para esse tipo de postulação, o ordenamento jurídico prevê um procedimento próprio na Lei 6.858/80, que dispõe em seu art. 1º: “Os valores devidos pelos empregadores aos empregados e os montantes das contas individuais do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e do Fundo de Participação PIS-PASEP, não recebidos em vida pelos respectivos titulares, serão pagos, em quotas iguais, aos dependentes habilitados perante a Previdência Social ou na forma da legislação específica dos servidores civis e militares, e, na sua falta, aos sucessores previstos na lei civil, indicados em alvará judicial, independentemente de inventário ou arrolamento”.

Essa era a norma que deveria ter norteado a atuação   do Reclamado no caso em exame, embora não invocada na petição inicial, afinal iura novit curia, ou seja, o juiz conhece o Direito.

O caso, nem de longe, envolvia relação consumerista, como alegado pelo Reclamado em sua defesa, já que o autor Maylton Campos de Sousa não mantinha com o Banco do Brasil qualquer relação contratual, pelo contrário, apresentou-se, repita-se, como sucessor da de cujus, pretendendo receber, nesta condição, valores depositados e não recebidos em vida pela ex-Procuradora.

Sucede que o Juízo materialmente competente para decidir sobre pedidos dessa natureza é a Vara de Sucessões, Interdição e Alvarás, conforme previsto no art. 9º XXVII e XVIII da LC 14/91 (Código de Divisão e Organização Judiciárias do Estado do Maranhão). Ou seja, o Reclamado, além da falta de prudência e cautela na condução do processo, mormente após ser advertido da tentativa de fraude, deixou de observar regra de competência absoluta prevista em nosso Código de Divisão e Organização Judiciárias.

[...]

Ademais, é comezinho que, uma vez instaurado o Inventário Judicial, todas as questões fáticas e jurídicas que envolvem a herança devem, em princípio, ser decididas pelo respectivo Juízo das Sucessões, remetendo-se às instâncias ordinárias apenas aquelas que demandem instrução probatória, o que verdadeiramente não era o caso do Processo movido por Maylton Campos de Sousa junto à 8ª Vara Cível, titularizada pelo Reclamado, que buscava, com base em prova documental pré constituída, o levantamento de quantia depositada em nome da de cujus.

É o que diz expressamente o art. 612 do novo CPC (que repete o art. 948 do CPC/73), ao tratar sobre o procedimento Do Inventário e da Partilha, litteris: [...]

Assim é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: [...]

 Como se vê, o Reclamado, mesmo ciente da existência da tramitação do Inventário dos bens deixados por Yeda de Medeiros Campos processou e julgou ação que notoriamente não lhe competia, e ainda assim autorizou o saque de vultosa quantia em dinheiro.

Decerto que não cabe, neste procedimento administrativo, decretar a anulação da sentença por incompetência absoluta do Reclamado. O próprio Reclamado devia ter remetido os autos à Vara competente quando informado pelo Juízo das Sucessões sobre a existência do Inventário, que também solicitou do Reclamado providência no sentido de evitar a prolação de decisões conflitantes.

Ora, que providência seria essa? Não tenho dúvidas de que a única providência cabível era a remessa dos autos do Processo nº 0802749-03.2020.8.10.0001 ao Juízo do Inventário, a meu ver competente para decidir, inclusive, sobre a legitimidade sucessória do suposto herdeiro.

Nada disso foi observado pelo Reclamado, que não teve, data maxima venia, atuação compatível com o que se espera de um magistrado experiente e laborioso.

Por fim, trago ao conhecimento de Vossas Excelências alguns fatos que também me chamaram atenção neste procedimento preliminar: (i) após a sentença e habilitação do Reclamante nos autos do Processo julgado pelo Reclamado, o antigo advogado de Maylton Campos de Sousa renunciou ao mandato em razão da suposta fraude cometida por seu cliente (ID 223032); e (ii) o curador da herança de Yeda de Medeiros Campos, ora Reclamante, após finalmente conseguir se habilitar nos autos (o que se deu após a sentença, levantamento da quantia e do sigilo processual) interpôs a apelação, a qual até hoje não foi encaminhada ao Tribunal de Justiça porque o Reclamado tem dificultado o processamento do recurso ao exigir prova de hipossuficiência do espólio para efeito de concessão da gratuidade judiciária o que me parece evidente, na medida em que todo o dinheiro de Yeda de Medeiros Campos foi sacado de suas contas bancárias por ordem dele próprio (ID 37538947 do Processo nº 0802749-03.2020.8.10.0001).

Também aqui o Reclamado usurpa competência de outro juízo, no caso, do relator do recurso de apelação no Tribunal (no caso, a Des.ª Ângela Salazar, já preventa em razão de AI interposto), [...]

 Todos os fatos aqui relatados revelam, no entendimento deste Corregedor, indícios da prática de falta funcional pelo Reclamado, quer pela ausência de cautela e de prudência na determinação do levantamento de vultosa quantia, mesmo pendente fundada suspeita de fraude na escritura pública, quer pela inobservância de regras procedimentais e de competência de observância obrigatória pelo magistrado.

Ante o exposto, presentes indícios suficientes da prática de falta funcional pelo Reclamado, voto pela instauração de Processo Administrativo Disciplinar (PAD), o que faço com esteio no art. 30 IX c/c art. 173, parágrafo único, ambos do Regimento Interno deste Tribunal, bem como no art. 8º, parágrafo único c/c art. 12 e seguintes da Resolução 135/2011, do Conselho Nacional de Justiça, delimitando a imputação aos seguintes fatos: (i) falta de prudência e cautela na análise do pedido de levantamento de mais de R$ 1 milhão de reais, embora advertido sobre a possível fraude na escritura pública; (ii) descompromisso do Reclamado com a busca da verdade real, notadamente quanto à validade da referida escritura pública, fato sobre o qual tomou conhecimento por duas vezes antes de proferir sentença e autorizar o saque do valor acima mencionado; (iii) inobservância de regras cogentes sobre o procedimento para concessão de alvará judicial em casos que tais, notadamente quanto à incompetência absoluta do Juízo da Vara Cível para decidir questões inerentes ao Inventário. 

 

Em voto divergente, que foi acolhido pela maioria do Tribunal Pleno (Desembargadores Antônio José Vieira Filho, Luiz Gonzaga Almeida Filho, Tyrone José Silva, João Santana Sousa, Marcelino Chaves Everton, Jaime Ferreira de Araújo, Anildes de Jesus Bernardes Chaves Cruz, Antônio Guerreiro Júnior e Jorge Rachid Mubárack Maluf), concluiu o Desembargador Josemar Lopes Santos pela ausência de indícios de desvio funcional pelo magistrado, ressaltando que não compete à Corregedoria o exame de insurgência contra atos de natureza eminentemente jurisdicional.

Conforme relatado, o voto condutor do aresto no TJMA esposou entendimento no sentido de que a escritura pública constitui, até prova ao contrário, documento idôneo expedido por serventia extrajudicial, haja vista conter selo oficial, sinal público da tabeliã registradora e constar dos apontamentos do próprio site do TJ/MA como documento verdadeiro.

Destacou, outrossim, que o reclamante apenas solicitou a sua habilitação no processo 0802749-03.2020.8.10.0001 após tomar conhecimento da sentença e do levantamento de valores, mesmo tendo conhecimento do trâmite da ação, o que foi prontamente atendido pela autoridade judiciária reclamada.

Além disso, asseverou que o levantamento de valores não foi feito em sede de tutela liminar de urgência, mas apenas somente após a prolação de sentença de mérito, e que a existência de um processo de inventário, tramitando perante a Vara Única de Sucessões, não tem, por si só, o condão de suspender a tramitação de um feito cognitivo em curso em outra Vara Cível.

Confiram-se os fundamentos do voto proferido pelo Desembargador Josemar Lopes Santos (Id 4427141, p. 45/50):

 

“ [...]

Feitas tais considerações e, após detida análise dos autos, constato a ausência de indícios de prática de atos pelo magistrado a ensejar a abertura de processo administrativo disciplinar, diante da falta de demonstração de possível quebra de deveres éticos, funcionais e se tratar de descontentamento do reclamante em relação a decisão afeta à seara jurisdicional e que deve ser resolvida através dos instrumentos processuais disponíveis em nosso ordenamento jurídico, e não em procedimento disciplinar.

Isso porque, a escritura pública apresentada pelo Senhor Maylton Campos de Souza que o habilita como herdeiro único da falecida Yeda de Medeiros Sousa, constitui, até que se prove o contrário, documento idôneo expedido por serventia extrajudicial, haja vista conter selo oficial, sinal público da tabeliã registradora e consta dos apontamentos do próprio site do TJ/MA como documento verdadeiro.

O ordenamento jurídico brasileiro fortaleceu a validade, a eficácia e o valor probante do documento público lavrado de forma legítima por notário, tabelião e oficial de registro, ao conferir-lhe fé pública por previsão do art. 3º da Lei nº 8.935/1994 (art. 3º da Lei nº 8.935/1994. Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro), de tal forma que, não havendo prova que os contraponham, não se pode concluir pela sua falsidade.

Além do mais, a falsificação de documento pode ser suscitada por meio da arguição de falsidade, nos termos do art. 430 e seguintes do Código de Processo Civil, o que não foi feito no presente caso.

Ademais, a parte reclamante apenas solicitou sua habilitação no processo nº 0802749-03.2020.8.10.0001 após tomar conhecimento da sentença de mérito e do levantamento de valores, mesmo tendo conhecimento do trâmite da referida ação, o que foi prontamente atendido pela autoridade judiciária reclamada.

Por oportuno, necessário frisar que o levantamento de valores não foi feito em sede de tutela liminar de urgência, mas apenas somente após a prolação de sentença de mérito, julgando procedente o pedido do autor. Ressalte-se que a existência de um processo de inventário, tramitando perante a Vara Única de Sucessões, não tem, por si só, o condão de suspender a tramitação de um feito cognitivo em curso em outra Vara Cível, visto que, do rito estrito do inventário não se discutem questões de alta indagação, como a legitimidade de herdeiros, sucessores, credores, validade de escrituras, matérias que devem ser levadas às vias ordinárias, tal como foi feito pelo autor da ação distribuída perante a 8ª Vara Cível.

Portanto, entendo que não existe lastro probatório nos autos a apontar o desvio de conduta da parte reclamada, mas apenas descontentamento da parte reclamante sobre o que foi discutido nos autos, não se constatando nenhuma falta funcional do magistrado que justifique a instauração de processo administrativo disciplinar.

Frise-se, ainda, que, havendo equívocos ou não na atuação jurisdicional do reclamado, tal análise será feita por esta Corte Estadual de Justiça no julgamento do recurso de apelação e, caso seja constatada conduta incompatível com os deveres da Magistratura, o órgão julgador poderá oficiar a Corregedoria Geral de Justiça acerca da atuação do magistrado.

Ora, a reclamação disciplinar não é meio idôneo a analisar matéria submetida a apreciação judicial, mas instrumento voltado ao controle do cumprimento dos deveres funcionais dos membros e dos órgãos do Poder Judiciário.

Digo isso porque não cabe, na via correicional, a emissão de valores sobre o mérito das decisões de primeiro grau, em respeito à independência funcional do magistrado, importando, tão somente, em saber se se trata de decisão motivada, sob pena de inviabilizar o exercício do munus público, sem qualquer interferência ou pressão externa.

De mais a mais, o Conselho Nacional de Justiça possui inúmeras decisões em que se manifesta contrário a abertura de Processo Administrativo Disciplinar por entender que as questões discutidas no processo devem ser resolvidas no próprio âmbito jurisdicional, sendo vedado ao órgão correcional do Tribunal apreciar matéria decidida exclusivamente na via judicial, como no caso dos autos, in verbis:

[...]

Portanto, não constato pela narrativa processual atuação fraudulenta ou mesmo antiética a ensejar a abertura de processo administrativo disciplinar em face do magistrado reclamado.

Forte nessas razões, considerando que a Reclamação Disciplinar não é a via adequada para insurgência contra atos de natureza eminentemente jurisdicional e não restando demonstrado pelo reclamante qualquer conduta que, minimamente, importe em infração disciplinar pelo reclamado, julgo IMPROCEDENTE a presente Reclamação Disciplinar e determino o seu ARQUIVAMENTO”.  

Do exposto, verifica-se que o voto acompanhado pela maioria dos desembargadores integrantes do Pleno seguiu o entendimento de que não se constatou falta funcional do magistrado que justificasse a instauração de processo administrativo disciplinar.

Em defesa prévia, os principais argumentos apresentados pelo magistrado requerido (Id 4491040) circunscrevem-se, em suma, à indicação da natureza jurisdicional dos atos praticados, e do fato de que o expediente manejado pelo reclamante pretende, em verdade, a reforma da decisão proferida. Afirma, ainda, que a quantia não havia sido liberada antes da sentença de mérito, mas tão somente determinado o seu depósito em sede de tutela de urgência e que, em relação à fraude havida no documento cartorário, somente teve ciência em sede de apelação.

 

No caso, da análise detida dos autos, verifica-se que o arquivamento da Reclamação Disciplinar pelo TJMA mostra-se, em princípio, contrário à evidência dos fatos constatados no procedimento, que indicam afronta aos deveres de diligência e de prudência pelo magistrado.

O entendimento do Tribunal de Justiça foi no sentido de que o magistrado reclamado simplesmente fez cumprir o inventário extrajudicial, o qual foi documentado por instrumento dotada de fé pública.

Ao que se apurou, o inventário extrajudicial seria fraudulento. No entanto, não me parece que este seja o foco das possíveis infrações funcionais a merecer a apuração por este Conselho, considerada a fé-pública que, a princípio, envolve o documento expedido pelo órgão notarial.

Contudo, ainda que se conceda que a percepção da fraude não era evidente no momento em que adotadas as decisões questionadas, o fato é que isso não resume a possível conduta incauta do juiz.

O magistrado reclamado liberou alvará da monta de mais de um milhão de reais (I) em ação para o qual, ao menos aparentemente, não era competente, (II) ignorando advertência de que os recursos eram públicos. São esses os pontos que me levam a entender pela presença de indícios suficientes para recomendar a instauração de processo administrativo disciplinar.

Inobstante, a uma primeira vista, tais circunstâncias possam apontar para matéria de cunho jurisdicional, os detalhes do caso revelam a necessidade de apuração mais acurada da questão, mormente em se considerando que, ainda que por fatos diversos, o mesmo reclamado responde por suposta ausência de prudência também no PP 0002121-20.2020.2.00.0000, que também se refere a possível conduta imprudente envolvendo cálculos em execução de grande monta.

Quanto à competência, houve a liberação de valores que já estavam sendo disputados em juízo especializado. Tramitava, na 1ª Vara de Interdições e Sucessões do Termo Judiciário de São Luís, o Processo n. 0801495-97.2017.8.10.0001, no qual a herança fora declarada jacente em 27/4/2017.O magistrado jurisdicionava um juízo não especializado (8ª Vara Cível) e recebeu a ação em questão posteriormente – apenas em 2020.

A ação distribuída ao reclamado dispunha sobre o patrimônio do espólio – depósitos bancários deixados pela autora da herança. Portanto, o espólio tinha claro interesse jurídico na demanda. A rigor, deveria figurar no polo passivo, em litisconsórcio necessário com a instituição financeira. Logo, na forma do art. 48 do CPC, ao menos aparentemente, a competência era da Vara especializada em sucessões. Independentemente da intepretação acerca do dispositivo legal, a existência do debate, já travado em outra esfera, determinaria, ao menos, conduta mais prudente por parte do magistrado.

Ademais, o magistrado fora advertido da existência da ação de herança jacente. Em 4/3/2020, o juízo da 1ª Vara de Interdições e Sucessões do Termo Judiciário de São Luís esclareceu que a ação estava em fase de publicação de edital para habilitação de herdeiros e pugnou por providências para que “não haja decisões divergentes” (Id 4491129).

O Corregedor-Geral de Justiça do Maranhão chegou à mesma conclusão, em seu voto, afirmando que o “Juízo materialmente competente para decidir sobre pedidos dessa natureza é a Vara de Sucessões, Interdição e Alvarás, conforme previsto no art. 9º XXVII e XVIII da LC 14/91 (Código de Divisão e Organização Judiciárias do Estado do Maranhão)”.

Em suas decisões, o magistrado não analisou a questão da competência. Mencionou o processo da 1ª Vara de Interdições e Sucessões apenas para argumentar que a herança não fora reclamada.

Igualmente digno de registro é o fato de que o magistrado ignorou a advertência de que os recursos possuíam natureza pública. Em sua contestação, o Banco do Brasil esclareceu que o “a principal razão” pela qual “não efetuou o pagamento à representante da parte autora” foi que os valores “foram indevidamente creditados na mencionada conta pelo Estado do Maranhão após o falecimento da de cujus”. Esclareceu que o saldo positivo era composto “BASICAMENTE, POR PROVENTOS CREDITADOS PELO ESTADO DO MARANHÃO APÓS O FALECIMENTO DA SRA. YEDA DE MEDEIROS CAMPOS”, circunstância que não foi enfrentada na decisão do requerido.

Ressalto, finalmente, que a decisão de liberação de valores foi proferida pelo magistrado,  enquanto pendente recurso de apelação verificando-se, em consulta atualizada ao sistema de acompanhamento processual do tribunal que houve determinação recente de suspensão do feito, encontrando-se em fase de reestabelecimento de prazo para contrarrazões e análise de pedido voltado ao juízo de origem.

É importante salientar que, para que a inobservância do dever de prudência pelo magistrado não pressupõe, necessariamente, o elemento volitivo intencional na conduta, bastando que, na condução dos processos e demais misteres afetos à função judicante, se verifique a ausência de diligência mínima e esperada no exercício da função estatal. Nesse sentido:

PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. MAGISTRADO. TJPI. REITERADA NEGLIGÊNCIA. EXCESSO DE PRAZO NO JULGAMENTO DOS PROCESSOS. CONFISSÃO SOBRE UMA DAS CONDUTAS DESCRITAS NA PORTARIA. PENA DE CENSURA.

1 Atitudes negligentes do magistrado comprovadas, em ofensa ao art. 35, I, II e VII da LOMAN, combinado com o art. 20 do Código de Ética da Magistratura, por não impulsionar os processos, excedendo nos prazos para julgá-los.

2 Embora o magistrado tenha corrigido parte da atitude desidiosa que lhe é atribuída, o que se julga aqui é a diretriz da sua conduta, o seu fazer profissional, que deve infundir confiança na sociedade em geral, sendo inadmissíveis deslizes que façam supor não serem diligentes e seguras suas atitudes.

3 Ao requerido é aplicável a pena de censura em razão da reiteração da conduta negligente, representada pela caracterização de, pelo menos, duas condutas tipificadas no processo.(CNJ - PAD - Processo Administrativo Disciplinar - 0004481-16.2012.2.00.0000 - Rel. EMMANOEL CAMPELO - 177ª Sessão Ordinária - julgado em 22/10/2013 ).

A questão, aqui, toma contornos peculiares na medida em que se observa certa conduta não episódica do magistrado atinente a ignorar cautelas mínimas concernentes a valores envolvidos em alvará de grande vulto e concernentes a recursos de natureza não estritamente privada, a exemplo do que também se apura no PP 0002121-30.2020.2.00.0000.

Por fim, a jurisprudência do Conselho Nacional de Justiça é no sentido de que a Reclamação Disciplinar é instrumento preparatório, limitado à verificação de indícios de irregularidades eventualmente praticadas e que, existindo, serão integralmente apreciados no Procedimento Administrativo a ser instaurado.  

Nesse sentido, veja-se, naquilo que interessa, a ementa dos seguintes julgados: 

   

“RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. INSTRUMENTO PREPARATÓRIO. DENÚNCIAS TRAZIDAS PELOS RECLAMANTES SOMADAS A OUTROS FATOS COLIGIDOS PELA CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA. INDEPENDÊNCIA JUDICIAL - EXCESSOS POR PARTE DO MAGISTRADO NO EXERCÍCIO DESTA PRERROGATIVA. INDICATIVO DE VIOLAÇÕES DOS DEVERES FUNCIONAIS. INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR PARA APROFUNDAMENTO DAS INVESTIGAÇÕES. DESNECESSIDADE DE INSTAURAÇÃO DE PRÉVIA SINDICÂNCIA. DECRETAÇÃO DE AFASTAMENTO PREVENTIVO. 

I - Os fatos trazidos a conhecimento deste Conselho somente poderão ser integralmente apreciados no processo administrativo a ser instaurado, sendo certo que o atual procedimento, por sua natureza de mero instrumento preparatório, limita-se à verificação da existência de indícios de irregularidades eventualmente praticadas. 

II - Compete a este Conselho instaurar o processo administrativo disciplinar exatamente para apurar os fatos, garantindo ao Reclamado a mais ampla defesa e contraditório [...]." (VOTO DA MIN. ELIANA CALMON, CNJ – RD – Reclamação Disciplinar – 0002489-20.2012.2.00.0000 – Rel. FRANCISCO FALCÃO – 175ª Sessão – 23/9/2013) 

  

“RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. DISPENSA DE SINDICÂNCIA. LEGITIMAÇÃO ORDINÁRIA CONCORRENTE. APURAÇÃO EXCLUSIVA PERANTE O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA.  INDEPENDÊNCIA ENTRE AS INSTÂNCIAS PENAL E ADMINISTRATIVA. SINDICÂNCIA. INSTRUMENTO PREPARATÓRIO. DESNECESSIDADE DE OBSERVAÇÃO DE FORMALIDADES. INDICATIVOS DE VIOLAÇÕES AOS DEVERES FUNCIONAIS. INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. 

[...] 

VI – Os fatos trazidos a conhecimento deste Conselho somente poderão ser integralmente apreciados no processo administrativo a ser instaurado, sendo certo que o atual procedimento, por sua natureza de mero instrumento preparatório, limita-se à verificação da existência de indícios de irregularidades eventualmente praticadas. 

VII - Não há como se afastar, nesta fase, as afirmações postas na reclamação disciplinar, sendo certo que as provas terão análise definitiva no processo disciplinar. [...] 

XI – A averiguação de fatos que não são objeto do presente expediente deve ser realizada por meio de instrumentos próprios, não servindo para afastar a instauração de processo administrativo disciplinar. 

[...] 

XIII - Havendo indicativos de graves violações aos deveres funcionais praticadas por Desembargadores e Magistrados do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, com a adoção de postura incompatível com o exercício da magistratura, consubstanciando, em tese, violação à Lei Complementar nº 35/79 – LOMAN, mostra-se necessária a instauração de processo administrativo disciplinar, a fim de que sejam esclarecidos os fatos e aplicadas as penalidades eventualmente cabíveis.” (CNJ – RD – Reclamação Disciplinar – 0000795-55.2008.2.00.0000 – Rel. Gilson Dipp – 78ª Sessão – j. 10/2/2009)

 

Dessarte, verifica-se na espécie a existência de indícios que apontam a suposta prática de infrações disciplinares pelo magistrado requerido, os quais caracterizam afronta, em tese, ao art. 35, I, da LOMAN e aos artigos 1º, 20, 24 e 25 do Código de Ética da Magistratura Nacional.

Por isso, não obstante os fundamentos da decisão proferida pela Pleno do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, é de todo recomendável submeter a questão ao Plenário, visando à instauração de processo administrativo disciplinar para efetiva apuração dos fatos. 

Por fim, no que toca à análise acerca da necessidade de afastamento do magistrado do exercício de sua função, assim prevê o art. 15 da Resolução 135/2011, verbis: 

Art. 15. O Tribunal, observada a maioria absoluta de seus membros ou do Órgão Especial, na oportunidade em que determinar a instauração do processo administrativo disciplinar, decidirá fundamentadamente sobre o afastamento do cargo do Magistrado até a decisão final, ou, conforme lhe parecer conveniente ou oportuno, por prazo determinado, assegurado o subsídio integral.

§ 1º O afastamento do Magistrado previsto no caput poderá ser cautelarmente decretado pelo Tribunal antes da instauração do processo administrativo disciplinar, quando necessário ou conveniente a regular apuração da infração disciplinar.
 

  

Não por acaso, indica o §1º do referido normativo a “necessidade e conveniência” para aferição acerca do cabimento da medida. Ainda que se saiba ser medida de caráter excepcional, foi descrita em suas hipóteses com acepção ampla, no tocante aos requisitos à determinação de afastamentos cautelares de magistrados submetidos a tais procedimentos disciplinares. 

Revela-se, na esteira do que ocorre com os procedimentos de natureza administrativa lato sensu e nos dizeres dos doutrinadorescomo importante mecanismo para “prevenir danos sérios ao interesse público ou à boa ordem administrativa”, não possuindo a finalidade de intimidar ou punir os infratores, mas sim a de “paralisar comportamentos de efeitos danosos ou de abortar a possibilidade de que se desencadeiem"[9]. Ainda que tais atos de natureza cautelar sejam determinados sem a oitiva da parte contrária, não desmerecem o contraditório ou a ampla defesa, na medida em que apenas invertem a ordem concernente a tal manifestação à luz da natureza indiciária e preliminar da fase que antecede a abertura do PAD[10]. Na fase posterior, oportunidade em que realizada a dilação probatória e cognição aprofundada e exauriente da questão, haverá a oitiva e ampla participação da parte. 

Os requisitos da medida não estão expressos exaustivamente pela Resolução 135/2011 ou pela Loman, seguindo, como já se pontuou, a análise acerca da necessidade e conveniência, como meio de cessar os prejuízos causados ou que possam vir a ocorrer. Tais prejuízos, ao longo do tempo e construção jurisprudencial advinda de decisões plenárias do Conselho Nacional de Justiça, foram identificados, primordialmente, com a gravidade das condutas que estão sendo objeto da apuração. 

Sob tal prisma, as condutas praticadas de caráter grave podem ser consideradas não só aquelas que possuem, por consequências, repercussões imediatas à atividade contemporaneamente realizadas pelo magistrado (caráter de continuidade da conduta e/ou comprometimento das atividades atuais), mas também aquelas que, já realizadas, têm o condão de gerar mácula na imagem do Poder Judiciário e na confiança do jurisdicionado face a tal Poder (“manter a idoneidade do exercício do poder que é a jurisdição” - ADI 4709, Relator(a): ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 30/05/2022, DJe 09-06-2022), em situação que certamente seria profundamente majorada ante a constatação, por esses mesmos jurisdicionados, de que o investigado permanece, incólume, no exercício de sua função. 

Por fim, a verificação acerca de efetivo prejuízo e/ou interferência nas investigações em curso (necessidade de assegurar o resultado útil da apuração), caso o magistrado permaneça no exercício das funções, também autoriza a realização do poder de cautela pelo Corregedor Nacional de Justiça, na esteira do que prevê o art. 15, caput e § 1º, da Resolução 135/2011.

No caso em tela, não vislumbro a necessidade de afastamento do magistrado durante o processo, por ora, estando ausente no presente caso a contemporaneidade, bem como elementos a indicar que o exercício da função ao longo da apuração possa trazer prejuízos a sua condução e conclusão – art. 15 da Resolução 135/2011, e uma vez que a imputação alusiva ao reclamado remete à possível afronta de diligência e cautela, sem elementos conclusivos até o momento de dolo efetivo na prática dos atos descritos.

 

Instauração do Processo Administrativo Disciplinar

 

Os elementos probatórios constantes nesta análise de conteúdo preliminar ensejam o aprofundamento da apuração em regular Processo Administrativo Disciplinar, visto haver indícios de que o magistrado violou, em tese, o disposto no art. 35, I, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional LOMAN (segundo o qual constitui dever do magistrado “Cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício”) e o disposto nos arts. 1º, 20, 24 e 25 do Código de Ética da Magistratura Nacional (que impõem ao juiz o dever de agir de forma prudente e cautelosa na condução dos litígios, devendo permanecer atento às consequências que as duas decisões podem provocar), a constituírem infração disciplinar.

Com efeito, cabe aprofundar a apuração acerca da conduta do magistrado, alusiva à condução do magistrado no processo n. 0802749-03.2020.8.10.0001 em trâmite perante a 8ª Vara Cível do Tribunal de Justiça de São Luís, MA, atinente à ausência de prudência em relação aos procedimentos alusivos à liberação de valores, sem as cautelas necessárias e sem o enfrentamento de questões incidentais invocadas 

Uma vez ausentes elementos a indicar que o exercício da função ao longo da apuração possa trazer prejuízos a sua condução e conclusão – art. 15 da Resolução 135/2011, e uma vez que a imputação alusiva ao reclamado remete à possível afronta de diligência e cautela, sem elementos conclusivos até o momento de dolo efetivo na prática dos atos descritos, não se faz necessário o afastamento do magistrado.

Ante o exposto, julgo procedente o presente expediente para, nos termos do art. 13 da Resolução CNJ n. 135/11 e do art. 8º, III, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça, propor a instauração de processo administrativo disciplinar em desfavor do juiz de direito JOSÉ EULÁLIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA, da 8ª Vara Cível do Termo Judiciário de São Luís, MA, a ser distribuído a um Conselheiro Relator, a quem competirá ordenar e dirigir a instrução respectiva.

É como voto.

 

Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO 

Corregedor Nacional de Justiça 

 

 

PORTARIA N.       DE                       DE  2023. 

  

Instaura processo administrativo disciplinar em desfavor de magistrado sem afastamento cautelar das funções.

  

A PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, usando das atribuições previstas nos arts. 103-B, § 4º, III, da Constituição Federal, e 6º, XIV, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e

CONSIDERANDO a competência originária e concorrente do Conselho Nacional de Justiça para processar investigações contra magistrados independentemente da atuação das corregedorias e tribunais locais, expressamente reconhecida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal na apreciação da liminar na ADI n. 4.638/DF;

CONSIDERANDO o disposto no § 5º do art. 14 da Resolução CNJ n. 135, de 13 de julho de 2011, e as disposições pertinentes da Lei Complementar n. 35, de 14 de março de 1979 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional), da Lei n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990 (Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União), da Lei n. 9.784, de 29 de janeiro de 1999, e do Regimento Interno do CNJ;

CONSIDERANDO que a decisão proferida pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça, no julgamento do Pedido de Providências 0002121-30.2020.2.00.0000, durante a  Sessão, realizada no dia 28/03/2023, que considerou que há indícios de que o reclamado, JOSÉ EULÁLIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA, Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, tenha incorrido em afronta aos deveres de diligência e prudência ao autorizar o saque de quantia de mais de um milhão de reais, sem que observadas, a princípio, as cautelas e análise acerca das regras sobre o procedimento para concessão de alvará judicial e a incompetência absoluta do Juízo da Vara Cível para decidir questões inerentes a inventário –, mesmo após advertido acerca da tramitação em Vara de Sucessões de processo de declaração de herança jacente e de possível fraude na escritura pública de inventário e partilha, inobservando, em tese, o disposto no art. 35, I, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional LOMAN (segundo o qual constitui dever do magistrado “Cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício”) e o disposto nos arts. 1º, 20, 24 e 25 do Código de Ética da Magistratura Nacional (que impõem ao juiz o dever de agir de forma prudente e cautelosa na condução dos litígios, devendo permanecer atento às consequências que as duas decisões podem provocar);

CONSIDERANDO a decisão proferida pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça, no julgamento do Pedido de Providências 0005591-35.2021.2.00.0000, durante a Sessão, realizada no dia 28/03/2023, que considerou que há indícios de que o reclamado, JOSÉ EULÁLIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA, Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, tenha incorrido em afronta aos deveres de diligência e prudência ao autorizar a liberação de alvará da monta de mais de um milhão de reais em ação para o qual, ao menos aparentemente, não era competente e ignorando advertência de que os recursos eram públicos, inobservando, em tese, o disposto no art. 35, I, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional LOMAN (segundo o qual constitui dever do magistrado “Cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício”) e o disposto nos arts. 1º, 20, 24 e 25 do Código de Ética da Magistratura Nacional (que impõem ao juiz o dever de agir de forma prudente e cautelosa na condução dos litígios, devendo permanecer atento às consequências que as duas decisões podem provocar);                        

RESOLVE: 

Art. 1º Instaurar processo administrativo disciplinar em desfavor de JOSÉ EULÁLIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA, Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, para apurar eventual violação em tese do art. 35, I, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN), bem como a não observância dos deveres de diligência e prudência, previstas nos arts. 1º, 20, 24 e 25 do Código de Ética da Magistratura, que devem nortear a conduta de todos os magistrados, ao autorizar o saque de quantia de mais de um milhão de reais, sem que observadas, a princípio, as cautelas e análise acerca das regras sobre o procedimento para concessão de alvará judicial e a incompetência absoluta do Juízo da Vara Cível para decidir questões inerentes a inventário –, mesmo após advertido acerca da tramitação em Vara de Sucessões de processo de declaração de herança jacente e de possível fraude na escritura pública de inventário e partilha.

Art. 2º Determinar que a Secretaria do CNJ dê ciência ao Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão da decisão tomada pelo Conselho Nacional de Justiça e da abertura de processo administrativo disciplinar objeto desta portaria, sem afastamento cautelar das funções.

Art. 3º Determinar a livre distribuição do processo administrativo disciplinar entre os Conselheiros nos termos do art. 74 do RICNJ.




 

Ministra Rosa Weber

Presidente do Conselho Nacional de Justiça